terça-feira, 25 de setembro de 2018

MINHAS CONVERSAS COM "DEUS" E A DESPEDIDA DE UM BOM AMIGO


                Deus existe? A essa pergunta muitas mentes brilhantes devotaram vidas inteiras no passar dos séculos de história humana. Eu fui muito, como quase todas as crianças o são, influenciado pelo meu Pai e Mãe nesse assunto. Minha mãe nunca me obrigou a ir a nenhuma igreja, e nunca teve alguma devoção mais forte a algum culto institucionalizado. O meu Pai, por seu turno, falava coisas , quando eu era um menino de menos de 8 anos, como  “O finito não consegue entender o infinito” ou “quando o nada percebeu que era alguma coisa tudo começou” quando o assunto era religiosidade.

                Minha mãe, porém, instilou em mim o hábito de rezar todos os dias. Porém, a reza era sempre eu que fazia, nunca foi uma reza pré-determinada como um “Pai Nosso”. Um dos momentos, em relação a esse assunto, que mais me marcou foi quando o meu pai me ensinou alguns conceitos defendidos pelo filósofo do século 17 Espinoza. Meu pai então, num restaurante, me disse que Deus não se intrometeria em assuntos humanos, não faria sentido que Ele escolhesse algum lado numa disputa, e não adiantaria rezar para pedir alguma vitória seja no que for.

                Isso ficou comigo. Desde aquele momento, eu comecei a rezar todos os dias sempre pedindo iluminação (ou alguma outra forma menos sofisticado que um menino-adolescente poderia se expressar) e agradecimento pela minha família e por ter saúde físico-mental. Desde sempre eu faço isso. Não existe um único dia que eu não tenha rezado. Eu posso estar colapsado de cansaço depois de 15 horas de uma trilha no meio do nada na Mongólia, mas eu não entrarei no saco de dormir e descansarei enquanto não tiver feito uma prece.

                Nenhum dia da minha vida eu deixei de fazer uma oração, talvez uma exceção quando dormi no estacionamento de uma grande festa que acontecia na cidade na minha época de faculdade. Pensando bem, talvez nessas ocasiões, que ocorreram raramente, eu posso ter ficado sem orar.  Porém, isso foi a exceção da exceção. Nunca pedi nada de material nessas orações, e sempre agradeci o que tinha.

                Boa parte, como isso se transformou num hábito, das minhas orações é feita no automático. Tenho que reconhecer que não há uma intenção tão profunda. Porém, há certas ocasiões, quando algo me tocou emocionalmente, que a minha prece se transforma em algo muito profundo, e não raramente eu choro copiosamente emocionado.

                É com Deus com quem eu falo? Eu, sou um grande admirador de pessoas como Dawkins, Carl Sagan, Sam Harris, entre outros. Para quem não conhece, eles são ateístas, ou pelo menos agnósticos, e sempre foram ferrenhos críticos do obscurantismo que a religião pode se transformar. Logo, eu sinceramente não sei nem mesmo se Deus, uma entidade sobrenatural (ou seja fora do universo natural), realmente existe. O finito (eu) dificilmente teria condições de entender algo infinito (Deus, se ele realmente existisse como a realidade última de tudo).

                Porém, se não é para Deus necessariamente que eu dirijo as minhas preces para quem será? Eu , sinceramente, não sei. Talvez seja para a minha própria consciência, onde em certos casos eu posso ter diálogos profundos e intensos com ela. Não sei. É um hábito que me foi colocado desde a minha infância, com o qual o meu ser foi reagindo à medida que eu evoluía e crescia.

                Nas últimas semanas, eu algumas vezes intensamente orei. Isso se deu porque um bom amigo faleceu. Eu já tinha falado desse amigo nesse artigo: O Surfista-Garçom de coração grande

                O Lau (o Wad como eu chamava) era um sujeito fantástico. Sempre sorrindo, sempre, sem exceção. Ele desarmava tudo e todos com o seu sorriso e jeito. Um ser humano iluminado. Eu fiz amizade com ele, pois ele era garçom de uma pizzaria que sempre frequento. Eu acho isso fantástico. Como é possível sim termos relações muito mais amistosas e intensas em condições onde socialmente não se espera isso. Com quantos garçons não interagimos, ou esquecemos-nos de interagir, e em quantas relações dessas se desenvolve alguma profundidade, mesmo que seja apenas no instante?

                Uma das primeiras pessoas que fiz questão de encontrar depois que voltei da minha viagem de dois anos foi o Lau. Ele estava na quarta sessão de quimioterapia, não tinha encontrado um doador de medula. Fui à casa dele, e ele estava bem magro e careca. Nem parecia o Lau que conhecia, mas o sorriso no rosto não traía quem ele era.

Eu e Lau no meu retorno de viagem


                Durante algumas horas ficamos eu, minha mulher, o Lau e sua esposa conversando sobre a vida e viagens. Lau era amante do surfe e de viagens. A quimioterapia deu resultado, e ele começou a melhorar e melhorar. No ano de 2017, ele viajou para tudo que é lado, e surfou muito. Sempre o via passeando com dois cachorros enormes nas redondezas.

                Há um mês atrás, ele apareceu na pizzaria (ele não trabalhava mais lá há um tempo), e ele estava muito bem, tanto que eu  disse “tá bonitão em Wad!”. Sorriso e simpatia em pessoa. Alguns dias depois desse encontro, minha companheira me diz "o Lau morreu". O quê? Como?

                A leucemia voltou fulminante e ceifou a sua vida em questão de dias. Caralho! No mesmo dia, o seu corpo estava sendo velado e resolvi ir ao velório. Nunca tinha ido a um velório e nunca tinha visto um corpo sem vida. Vi Lau, imóvel, sem vida, e aquilo teve um impacto muito forte. A energia de alguém sempre sorrindo se foi (ao menos naquele corpo, para quem acredita em reencarnação ou em alma). Aquilo realmente me impressionou bastante.

                No domingo, numa cerimônia muito bonita, nos despedimos de Lau. Seus amigos surfistas (eu incluso) remamos no mar, nos demos as mãos e dissemos “até logo” para o nosso amigo, enquanto suas cinzas eram jogadas no meio do círculo que se formou. Foi uma bela forma de nos despedirmos dele, num ambiente que ele tanto gostava.



                Ele não era um amigo tão íntimo, e nem o conhecia tão profundamente, mas posso dizer sem sombra de dúvidas que ele teve um impacto positivo na minha vida. Ele jogou luz em minha vida. Ele era, e continua sendo, um exemplo de como posso melhorar a forma que reajo a outros ou a adversidades. Ele, para nós que gostamos de finanças, era super antenado com conceitos de independência financeira, tanto que se equilibrando entre trabalhos de garçom e de shaper de pranchas de surfe, conseguia viajar para Havaí, Polinésia, Indonésia, América Central. Ele um dia me disse que vivia bem junto com a esposa com menos de R$ 1.000,00. Não sei se era verdade, mas com certeza ele era um exemplo claro de como podemos ter vidas muito melhores e fazermos o que quisermos, mesmo com patrimônios não tão grandes.

                Em suma, ele era um exemplo.  Creio que uma medida de sucesso na vida, talvez uma das maiores, não é o quanto de dinheiro você deixa para os seus herdeiros, ou o tamanho e riqueza do seu enterro, mas o número de pessoas que realmente foram tocadas pela sua vida. Ao ver pelos choros e reações das pessoas, Lau tocou positivamente a vida de muitas pessoas, e essa é uma inspiração para que eu melhore como ser humano ainda mais, para que eu possa ser um agente positivo para outros seres humanos.

                Envoltos nesses pensamentos e sentimentos, eu rezei para Deus ou minha consciência, e chorei algumas vezes nas últimas semanas. Choros de tristeza, emoção e alegria, ao pensar na minha vida, nos meus pais, na vida da minha filha que está por vir, nos meus amigos, na minha companheira, nos meus erros e acertos. Só tenho agradecer de poder ter sido o seu amigo, Lau.

                Hoje de manhã, minha mulher me liga chorando da rua às 8:00 da manhã. Eu não entendo direito o que ela fala, mas, não sei por qual motivo, compreendo que alguma coisa teria acontecido com a nossa filha. O meu coração foi a boca e um desespero tomou conta de mim. Ela me disse então para se acalmar, e ainda chorando disse que a “branquinha tinha morrido atropelada”. Com um misto de alívio de não ser nada com a minha Serena, e tristeza pelo cachorro, eu tomo conhecimento do que ocorreu.

                A branquinha era um dos cachorros que há vários anos habita a rua. Quanto carinho já não fiz nela. Ela, junto com o “negão” foram adotados por um casal de amigos da rua. Já estavam ficando velhinhos, e foi ótimo eles terem um lar e alguém que os cuidasse nesses últimos meses. Infelizmente, hoje de manhã, ao descer para passear, ela correu em direção a um ônibus e foi atropelada.


A Branquinha brincando nas dunas perto do mar na frente de casa

                Vi o seu corpo sem energia e movimento num saco plástico sendo levado pelo caminhão que recolhe animais para serem incinerados. Um corpo com vida, energia, há algumas horas, para um corpo sem vida. Fiquei triste com o falecimento dela.

                Pessoas iluminadas partem dessa vida, fatalidades com animais que gostamos acontecem, coisas mudam e a vida não nos pergunta nada. Talvez a única forma, pois não podemos controlar o destino, é tentar viver no momento presente da melhor forma possível. Enquanto você está com aquela pessoa que gosta, tentar viver da maneira mais intensa possível aquele momento. Essa talvez seja a única forma de vivermos bem, e quando fatalidades e momentos de despedidas chegarem, nós termos a consciência de que ao menos vivemos com aquela pessoa, e aquela situação, da melhor maneira possível.


Valeu meu amigo


                Um abraço Lau.


quinta-feira, 20 de setembro de 2018

UM ARTIGO SOBRE INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA - OU TALVEZ NÃO


                Eu gostaria de ter dinheiro para poder comer 10kg de salmão fresco por dia se eu realmente quisesse. Se eu não conseguir ter dinheiro para possuir ao menos quatro carros de luxo, hum, não sei se eu posso me considerar numa posição confortável financeiramente. As torneiras da minha casa de 750m2 precisam ser de prata, pois , bem, se não for de prata vai ser do quê?

                Quer se juntar à insanidade do parágrafo anterior ou a algo parecido? Ótimo, bem-vindo ao paradigma que é empurrado consciente e inconscientemente no imaginário popular. Na minha lista de blogs ao lado, há alguns blogs estrangeiros sobre independência financeira. Atualmente, eu não leio nenhum deles, pois acho os artigos repetitivos, chatos e enfadonhos. A temática de alguns é sempre algo como: “O que fazer depois da Independência Financeira?”, “É legal ser independente financeiramente?”, “Conselhos para um jovem conseguir IF?", é muito chato.

                Talvez esse enfado, ao menos na minha interpretação, deriva do meu estágio atual de vida e das minhas reflexões atuais. Há um ano, eu consumia esses artigos, ou ouvia Podcasts estrangeiros sobre o tema. Ora, desde 2012 eu consumo material sobre independência financeira, e foi uma jornada que me levou a uma gama enorme de leituras, reflexões e atos na vida prática. Porém, atualmente, acho extremamente repetitivo os argumentos.

                É difícil achar algum texto, envolvendo dinheiro e satisfação de vida, que realmente toque nas questões centrais e realmente importantes para a vida humana. O antológico Mister Money Mustache é uma grande e honrosa exceção. Os seus artigos são um grande estímulo para reflexões profundas de como vivemos e como nos relacionamos com outros seres humanos, e o ambiente de uma forma geral, tendo como pano de fundo o que se chama de independência financeira.

                Colegas leitores, não é um desestímulo a ninguém, e muito menos um menosprezo a quem escreve e está se dedicando a esmiuçar e incentivar as pessoas a ser mais conscientes com o uso do seu tempo (pois independência financeira não tem como foco principal o dinheiro, mas sim o tempo, se você não percebeu isso, sugiro que reflita mais, aliás muito mais sobre o tema). Acho na verdade extraordinário que uma pessoa envolta em tanta desinformação, possa com um simples clique ler artigos escritos de uma forma descontraída sobre esse tema.

                Hoje enxergo com clareza como é insana a preocupação em ter dinheiro aos 80 anos, e isso de alguma maneira ser um impeditivo para a tomada de ações para bem melhor usar o tempo no presente. É insano, e é uma insanidade que ainda persiste em mim. É uma briga constante. E esse é um dos grandes engodos em todo o movimento de independência financeira.

                “Como assim? Não entendi. Você sugere que não pensemos em nossa situação financeira aos 80 anos, mas isso não é o que todos fazem, o discurso de viver o presente em detrimento do futuro?”. Não, prezados leitores.  A vida só se vive no presente, é impossível se viver no futuro.  Isso não significa que ações feitas no presente podem ter impacto de como o futuro se apresentará.  Porém, não é possível, se você é uma pessoa de 38 anos como eu, ter a mais vaga noção de como a vida será quando eu tiver 80 anos. Posso, e isso não é uma probabilidade baixa, nem mesmo chegar a essa idade.

                Condicionar uma vida não ótima no presente aos trinta e poucos anos para ter uma pretensa segurança maior aos 80 anos, é uma troca que não faz o menor sentido.  Como assim uma troca? Já escrevi dois artigos apenas sobre isso, mas a segurança de uma taxa de retirada de um portfólio é inversamente proporcional ao tempo de acúmulo. Simples assim.

                Às vezes, e eu me incluo nisso (principalmente num passado não tão remoto),  nós colocamos amarras em nossas vidas que existem única e exclusivamente em nossas mentes. Talvez todas as amarras existam apenas em nossas mentes. Aliás, não, com toda absoluta certeza as amarras existem apenas em nossas mentes, mas essa é uma discussão que prefiro não estender nesse texto.

                Conversarei com aquela garota bonita na festa daqui 20 minutos. Ou, deixarei essa cidade que me faz infeliz, quando atingir X reais.  Ou, largarei minha ocupação que não me deixa feliz, quando eu puder retirar apenas 3% do meu patrimônio, pois, conforme estudos estatísticos, ao chegar aos 85 anos eu terei 98.7% de chance de ainda ter dinheiro, ao contrário de 92.4% se eu retirar 3.3% ao ano corrigido pela inflação. Essas são amarras auto-impostas pela sua mente.

                O mundo é grande. Sim, ele é grande. Isso pode parecer óbvio, mas para a esmagadora maioria não é. As pessoas, nem que a nível inconsciente, realmente acreditam que os sete bilhões de seres humanos pensam e vivem “mais ou menos” como elas vivem.  A ignorância, e aqui é ignorância no sentido de ignorar, não conhecer, de quase todos sobre o próprio planeta é imensa. Talvez por isso, pelo desconhecimento quase total, seja possível que discursos políticos tão inacreditáveis em pleno século 21 possam florescer.

                A ignorância não é apenas externa, ela é principalmente interna. Quantos de nós realmente nos conhecemos? Quantos de nós realmente sabemos o que profundamente queremos? Ou a mais essencial, quantos de nós realmente sabem quem são? Aliás, quantos de nós já se fizeram essas perguntas ou quantos de nós acreditam que isso tenha alguma relevância?

                Espero que se perceba o quão importante o conhecimento externo, e principalmente o interno, é para a vida de cada um, e como isso se relaciona a um subtópico de assuntos humanos que é finanças e a um subtópico do subtópico chamado independência financeira.

                A ignorância em relação ao mundo e a nós mesmos é a forma assegurada para a insatisfação com a vida. Todo esse texto foi elaborado após ler um artigo, desses blogs de finanças estrangeiros que atualmente acho enfadonhos (sim, resolvi mesmo assim ler), sobre quanto seria necessário para se sentir “rico”.  Eu fiquei abismado com as respostas, pois oriundas de um site sobre independência financeira, e observei ali um claro padrão de amarras auto-impostas, senso de segurança para um futuro longínquo que é uma quimera e talvez uma privação no momento presente de uma vida mais significativa.

                É isso, colegas, se a reflexão nesse texto pareceu abstrata demais, paciência. Um abraço!

Obs: Um leitor mais atento poderia perguntar, e onde o primeiro parágrafo se liga com o resto do texto? Apesar de a resposta estar no próprio texto, é uma pergunta razoável. Os desejos irrazoáveis do primeiro parágrafo nada mais são do que tentativa de se ter uma segurança e “conforto” num futuro. Essa roda de desejos, quando confundidas com reais necessidades humanas, nada mais são do que amarras mentais que nos paralisam no presente, e muitas vezes obscurecem o real sentido das coisas, e do que realmente é importante para nós. A ignorância sobre o mundo e as pessoas que o habitam, e principalmente o desconhecimento interno, é um terreno fértil para que isso se prolifere entre as pessoas em graus e intensidades diversos.
                                                                                              

domingo, 9 de setembro de 2018

O QUE É REALMENTE SER POLITICAMENTE (IN)CORRETO?


                Eu, soulsurfer, não convivo com nenhuma mulher negra. Passo por pouquíssimas mulheres negras pelas ruas no meu dia a dia. Nunca nenhuma mulher negra teve alguma grande relevância em relação algum relacionamento mais importante em minha vida. A única mulher negra que lembro que travei mais contato foi uma faxineira que minha mãe contratava chamada Helena quando eu tinha algo em torno de 7-8 anos. Helena era uma mulher alta e “cheinha”. Até hoje lembro que ela era  sempre sorridente, estava sempre sorrindo ou cantando, seja lavando louça ou passando pano.

                Eu gostava de Helena, pelo pouco que lembro, além de ser cativado pelo seu riso e alegria, ela me tratava muito bem.  Helena uma mulher negra e faxineira que vivia numa comunidade periférica de Santos. Uma mulher negra brasileira típica. Tirando Helena não me lembro de ter convivido mais tempo com nenhuma outra mulher negra. O universo de ser uma mulher negra para mim é de todo desconhecido.

                O Universo de ser mulher negra”?”Sim, todos nós fazemos parte da mesma espécie humana, e por causa disso todos nós, homens, mulheres, brancos ou negros, compartilhamos tudo aquilo que nos faz humanos. Porém, é inegável que eu Branco, Homem, Brasileiro tenho um “universo” diferenciado de uma Mulher, Negra e Brasileira.

                Sendo assim, como conviver com mulheres negras não faz parte do meu cotidiano, a verdade é que qualquer afirmação sobre mulheres negras, seja ela “politicamente (in) correta” , ou não,  terá pouco ou nenhum impacto prático sobre a minha vida. 

               Se eu disser em tom jocoso, ou não, que uma mulher negra é comparável a uma leitoa, posso, ou outros podem fazê-lo, classificar essa frase como aceitável, ou não, como politicamente incorreta ou não, mas do ponto de vista prático pouca diferença fará na minha vida. Talvez fizesse uma diferença maior se eu, agora como adulto, tivesse que encarar Helena nos olhos depois de proferir tal sentença, mas atualmente nada mudaria em minha vida.

                Muçulmanos e Islamismo. Eu já tive a oportunidade de estar em incontáveis regiões de maioria muçulmana como Oeste da China, Malásia, Irã, Tunísia, Indonésia, Sul da Tailândia, Quirguistão, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Sul da Rússia, Turquia, Azerbaijão, inúmeras regiões da Índia como Rajastão, dos que eu me lembro de cabeça.  Não morei nesses lugares, mas convivi um pouco. Sendo lugares com geografias, latitudes e longitudes, história, cultura tão diferentes entre si não é de se espantar que o islamismo tenha características diversas nesses locais. Habitantes locais de credo muçulmano já me hospedaram em suas casas diversas vezes. Eu já almocei e jantei com pessoas dessa religião e conversei com as mesmas sobre inúmeros temas. O conceito de islamismo e muçulmanos é algo com certa concretude para mim.

                Entretanto, e para a maioria das pessoas que moram no Brasil? Será que já entraram numa mesquita, ou foram acordados pelo som de algum minarete chamando para a oração de antes do nascer do sol? Será que já foram hospedados por alguma família muçulmana, será que já conversaram com algum muçulmano? Será que alguém que já foi a um país de maioria muçulmana, ou trabalhou num, vivenciou o islamismo em outros lugares diferentes? Muito provavelmente, não. Os muçulmanos e sua religião, para a esmagadora maioria dos brasileiros, é um conceito abstrato.

                Logo, qual diferença prática irá fazer na vida de um brasileiro médio se ele escreve ou fala algo “politicamente correto ou incorreto” sobre os muçulmanos? Nenhuma.

                Refugiados. Quantos leitores desse blog já foram a algum campo de refugiado? Provavelmente, poucos, ou nenhum. Sendo assim, o conceito de refugiado é algo abstrato derivado apenas de cenas de vídeos ou reportagens de televisão. Logo, se eu tiver uma retórica inclusiva de refugiados ou mais agressiva em relação a eles, politicamente correta ou incorreta, qual diferença prática isso fará na vida de quase todos? Nenhuma.

                Para quem mora na cidade de Pacaraima (eu inclusive já passei por ela, e essa fronteira do Brasil-Venezuela, quando fiz a trilha de ascensão ao Monte Roraima), porém, o tema refugiados se tornou  um conceito bem concreto. Lá um discurso incentivando violência contra refugiados, ou a acolhida dos mesmos, terá conseqüências práticas profundas para boa parte das pessoas que habitam o município de Pacaraima.

                Portanto, quanto mais próximo estamos de algo, alguém ou grupo, mais conseqüências práticas teremos em nossas vidas oriundas de discursos “politicamente (in) corretos”.  Minha opinião é que muitos que acreditam ser a ditadura do politicamente correto  um problema e que proferem discursos "politicamente incorretos" estão apenas se enganando sobre os tópicos realmente difíceis, pois em quase todos eles não há qualquer conseqüência prática em suas vidas diretas. 

           Sim, podemos discutir se um discurso contra refugiados é compatível com os ideais cristãos ou humanos mais elevados, por exemplo, ou se certos discursos podem conduzir a mais ódio e incompreensão em relação a um determinado grupo, ideologia ou etnia. É possível fazer isso, e é salutar. Porém, em última instância, é um exercício mais intelectual do que prático, apesar de acreditar que como vemos a vida e outros seres humanos, mesmo aqueles que nada conhecemos, altera a nossa fisiologia, nosso estado mental e em última instância nosso bem-estar.

                Algo realmente é sensível e politicamente incorreto quando toca a nossa vida no dia a dia, nos atos mais comezinhos do nosso cotidiano, apontando alguma falha lógica, falta de ética, ou qualquer outra coisa. Nossa, aí sim, se está na área do real politicamente incorreto.  E sabe o que mais se encaixa nisso, prezados leitores? Raça, muçulmanos, porte de arma? Não, comida.

                Todos nós comemos, certo? Entre numa padaria e lá está uma esfirra de frango. Olhe para uma mãe apressada fazendo o café-da-manhã e lá está o pão com presunto. Passe num restaurante por quilo, e lá estão 85-90% das pessoas se servindo de carne.  Qualquer discussão sobre sofrimento animal e consumo de carne atinge quase todas as pessoas em cheio nos seus hábitos cotidianos mais automáticos e irrefletidos, ou seja, no verdadeiro cerne de suas vidas.

                O cerne de nossas vidas orbita muito mais no ato de comer, do que falar sobre islamismo, ou política, ou sobre mulheres negras se você é alguém como eu (e muitos leitores nesse aspecto devem ser parecidos). Logo, qualquer reflexão ética sobre o que e como comemos é um ataque frontal ao nosso estilo de vida, ao que é mais natural na rotina de quase todos.  Pode-se eleger o Bolsonaro, e muitos ficarem furiosos. Pode-se eleger algum candidato do PT, e muitos ficarem furiosos. Questione-se a ética do churrasco de todo domingo, especialmente no Rio Grande do Sul, e uma revolução acontece (no sul, talvez até mais forte do que a revolta farroupilha).

                O assunto de longe (muito mais do que globalismo, Trump, Obama, Estado ou Não-Estado, etc, etc) que mais vejo mexer com as pessoas é quando se fala do que elas comem, especialmente se lidar com algum aspecto ético. Não foi uma, nem duas, nem três vezes, foram diversas e diversas vezes. Tive mais um exemplo desse tipo de comportamento num comentário feito no meu artigo anterior.

                Um leitor anônimo, talvez por ter dito que provavelmente votarei na Marina, escreveu que o "Vice da Fada da Floresta" queria fechar todas as churrascarias. O comentário dizia isso textualmente.  Ele se referia a um debate entre os vice-presidentes que ocorreu na semana passada. Esse é o vídeo:


                Sim, o leitor anônimo estava mentindo e deturpando o que tinha sido dito pelo Sr. Eduardo Jorge. Eu realmente não gosto de atitudes assim, pois elas tornam o debate, sobre qualquer assunto, medíocre. Eu não gosto de fazer isso com ninguém e nenhuma ideia, pois eu realmente acredito que se deve fazer um esforço para entender o que, mesmo que seja um antagonista em uma determinada posição, a pessoa realmente disse ou o que quis dizer.

                O mais engraçado desse vídeo é que a jornalista que fez a pergunta foi a mesma que estava no programa roda viva do Bolsonaro, e foi duramente criticada pelos seus apoiadores, com grande dose de razão, já que a bancada daquele programa não foi lá fazer uma entrevista isenta. O Vice candidato de Marina deixou claro que ele possui uma visão ética sobre o assunto, e ele entende que o sofrimento animal é um problema a ser enfrentado.  Por duas vezes ele disse que isso é um posicionamento pessoal dele, mas ele entende que a longo prazo é preciso estimular a diminuição do consumo de carne, pelo exemplo e convencimento, não pela força.

                Ora, isso é uma posição ética dele. Você pode concordar ou discordar, e isso está dentro do jogo democrático. O que o leitor anônimo fez, porém, foi algo completamente diverso e infelizmente muito comum. Ele mentiu sobre o que o vice tinha dito, mas como a mentira é muito facilmente descoberta hoje em dia, ele ridicularizou a ideia do sofrimento animal. Por qual motivo? Pois se o sofrimento animal passa a ser um problema, ou algo que devemos levar em conta, obviamente as atitudes dele mais simples do dia a dia, como comer um salgado, deveriam ser questionadas, ou simplesmente refletidas sobre outras perspectivas.


                Na minha resposta a ele, eu tinha dito que Gandhi havia afirmado que a verdade possuía três estágios. Creio que Gandhi realmente afirmou isso, mas a origem, ao menos conhecida, parece remontar ao grande filósofo Arthur Schopenhauer.



                A ridicularização e o cinismo associado são a forma mais comum de combate a uma ideia que realmente nos desagrada por nos atingir em nosso âmago mais profundo. Isso é humano.  A oposição violenta é aquele estágio onde a ideia que nos confronta é aceita como digna de ser considerada, mas ela é oposta com violência ideológica ou muitas vezes física. Ela é um estágio posterior à ridicularização, pois algo só é combatido com energia quando se entende que este mesmo algo é crível e digno de ser debatido. As formas mais eficazes de não se enfrentar algo é ignorar este algo ou ridicularizá-lo. 

                Quanto mais próximo de nós uma determinada ideia contrária ao que entendemos ser correto, ou seja, quanto mais próximo de ter efeitos práticos em nossa vida cotidiana, mais propenso a ridicularizarmos a Ideia nós estamos. Isso é o verdadeiro politicamente incorreto. É o questionamento constante dos nossos hábitos mais arraigados. Não é à toa que um dos maiores pensadores de todos os tempos, Sócrates, foi condenado à morte.

                Sócrates, segundo se diz (creio que a maior fonte sobre Sócrates seja Platão, já que nenhum escrito de Sócrates sobreviveu, o que fez alguns historiadores e pensadores questionarem a sua existência) , saía pelas ruas de Atenas fazendo os cidadãos atenienses refletirem sobre os seus hábitos mais comuns, e muitas vezes verem o quão errados eles estavam. Imagina você indo pegar um ônibus, e aparece alguém com uma capacidade argumentativa infinitamente maior que a sua demonstrando diversas falhas éticas e lógicas em como você conduz a sua vida. Já imaginou como seria a sua reação? Pois é, os atenienses não gostaram muito.

O gigante Sócrates

                É preciso dizer que eu como carne, e não sou vegetariano, e muito menos vegano. Minha mulher não é vegetariana ou vegana. Porém, nesse caso específico, há muito tempo eu passei da ridicularização ou da oposição violenta, e reconheci que há um problema sério ético sobre sofrimento animal (além de existir questões ambientais e até mesmo nutricionais e de saúde). 

         Certa vez, instigado pela minha curiosidade sobre Inteligência Artificial, eu li uma resposta brilhante de um  cientista ao responder como ele achava que uma IA bilhões de vezes mais inteligente do que um ser humano trataria a humanidade (se chegarmos ao que os cientistas chamam de explosão de inteligência de IA, e muitos acreditam que podemos chegar lá em 60-70 anos): “Do mesmo modo que tratamos organismos menos inteligentes”.

                Sim, há cientistas nas profundezas dos laboratórios do vale do silício, fazendo coisas incompreensíveis para 99.999% da população humana, que acreditam que como tratamos os animais pode ser um indicativo de como uma IA superinteligente pode vir a tratar a espécie humana. Aliás, há todo um ramo de pesquisa sobre como fazer IA alinhada com os interesses humanos, e talvez esse seja um dos ramos de pesquisas mais importantes da humanidade no presente momento, e quase ninguém nem sabe que existe um problema desse tipo. É conhecido como IA Alignment Problem.

                Logo, a relação entre seres humanos e animais para consumo (e há inúmeras outras áreas onde é possível fazer questionamento ético como entretenimento, animais de estimação, animais para pesquisa e para roupas e acessórios) e o sofrimento animal associado é um assunto complexo, multifacetado e que diz respeito ao nosso cotidiano nos atos mais banais e automáticos. Meu conselho é que você passe da ridicularização para a informação sobre o assunto, e se for o caso para a oposição, não necessariamente violenta, mas informada e racional.

                Portanto, e aqui concluo, não se iluda prezado leitor que ao falar sobre refugiados ou muçulmanos, você, ou algum candidato, ou algum pensador, está sendo politicamente correto ou incorreto. O que é realmente politicamente incorreto é aquilo que nos atinge no âmago do nosso cotidiano. E, não, infelizmente o Brasil está longe de estar maduro para tratar desse tema. Um país onde um candidato é esfaqueado tem ainda muitos níveis de civilização para construir antes de enfrentar um tema como esses. Os países mais avançados do mundo e satisfeitos com a vida, como Nova Zelândia e Dinamarca, já incorporaram a temática em sua discussão pública política. O Brasil, infelizmente, está a anos luz ainda desse estágio de consciência coletiva pública.

               Se quer realmente combater o discurso do politicamente correto, e ser politicamente incorreto, comece fazendo questionando os atos mais arraigados, inconscientes e banais do seu cotidiano. Você pode se surpreender com o resultado.

                Abraço!



quinta-feira, 6 de setembro de 2018

O HORRIVEL E INACEITÁVEL ATAQUE A BOLSONARO


      Olá, prezados leitores. Que notícia. O pior de tudo, nessa era onde tudo é gravado, é ver imagens tão explícitas do ataque ao ser humano Jair Bolsonaro. Eu tenho pavor de ver vídeos de morte, acidentes, realmente não gosto de assistir, pois não é algo que me faz bem. Porém, mesmo sem querer, acabei vendo a imagem.

Jair Bolsonaro é tão humano como você ou eu, prezado leitor. Ele, nesse sentido, não é mais, nem menos importante. Entretanto, nós enquanto humanos nos dividimos em sociedades onde graus de hierarquia e prestígio possuem grande relevância. Além do mais, certas pessoas em certos momentos possuem uma simbologia associada a elas. Os símbolos, sejam culturais, estéticos, históricos, etc, possuem uma importância ímpar em definir os contornos de como vivemos e em última instância de quem nós somos. 

   Lembro-me de na quinta ou sexta série ficar impressionado com a informação passada por um professor que quando a Bastilha foi tomada, havia apenas dois guardas a protegendo (nunca fui atrás para saber se essa informação era verdadeira ou não). A queda foi importante, pois a Bastilha era um símbolo essencial do antigo regime francês, não porque houve uma batalha acirrada para a sua tomada.

Logo, um candidato que está liderando as pesquisas para uma eleição presidencial tão importante num país tão populoso como o Brasil possui um relevo muito singular. Pesa ainda mais toda a simbologia que este mesmo candidato carrega e representa. Portanto, um ataque que quase ceifou a vida do Bolsonaro é um fato de extrema gravidade e importância para o país.

Muitas análises serão feitas sobre os desdobramentos disso tudo, mas não quero que esse seja o foco desse breve texto. Digo apenas que o que era confuso, ficou ainda mais. O país que poderia caminhar para uma governabilidade extremamente frágil ou a uma instabilidade profunda parece ter dado mais um passo a esse cenário.

Porém, para além disso, há a dimensão humana. Um opositor ideológico não é e não pode ser visto como um inimigo. Pelo contrário, nada impede que um antagonista seja um amigo, e em alguns casos um bom amigo. O antagonismo intelectual não é , ou não deveria ser, uma batalha do bem contra o mal, ou de inimigos irascíveis.

Por que não? Primeiramente, como dito dezenas de vezes nesse espaço, pois ao se ter uma postura como essa se perde oportunidades de crescimento, e por via de consequência, de oxigenação das próprias ideias. Em segundo lugar, porque se perde a oportunidade de ver qualidades em opositores, uma delas pode ser a qualidade de ser um amigo. E se há algo que torna a nossa vida mais alegre, feliz e prazeirosa é ter bons amigos. Por fim, e talvez o mais importante, a raiva e o ódio são um veneno fisiológico para o seu corpo, bem como para a sua sanidade mental.

Uma das minhas qualidades é que eu não guardo rancor. Meus períodos de “raiva” são muito curtos, não duram 30 segundos. Logo passa. Mesmo pessoas que por ventura possam ter me prejudicado, ao menos na minha visão, nem assim eu sinto raiva, e muito menos ódio, já que eu fui criado, e minha mãe insistia muito e muito nisso, para não falar que odiava nada e ninguém. Sim, minha mãe não permitia que eu falasse “eu odeio ….”, ela sempre me dizia se é um sentimento muito forte trocar por “eu não gosto de….”. Como minha mãe foi sábia nesse aspecto da minha criação. Eu tenho dificuldade, pela minha criação e como esse conceito foi internalizado em mim, em entender como as pessoas falam eu odeio com tanta facilidade. Eu nunca disse essa frase nos últimos 28 anos, nem uma única vez.

Certo e daí?” alguém pode pensar.  Isso, entre outras coisas, talvez me ajudou a crescer e amadurecer com o passar da idade para não sentir raiva de ninguém.  Se uma vida com raiva já é algo terrível, imagine uma vida com ódio? O ódio consome a pessoa de uma maneira impressionante. É um veneno para a própria pessoa e para os outros, pois alguém com ódio é capaz dos atos mais horrendos.
Logo, alimentar raiva, ou em casos mais extremos (que infelizmente não parecem ser tão poucos assim) ódio por adversários políticos, ideológicos ou profissionais é algo extremamente danoso. O ódio sempre vai levar para lugares sombrios. Portanto, por mais difícil que possa parecer, a corrente de raiva e ódio precisa ser atenuada, parada ela nunca será pois afinal somos humanos, mas é possível sim que ela seja diminuída. Sinceramente, é o que espero que ocorra com o Brasil, apesar de infelizmente achar que podemos caminhar a passos largos para um aumento do ódio e de discursos raivosos.

Não há justificativa, nenhuma, para o ataque ao candidato Jair Bolsonaro. Antes de mais nada ele é um ser humano, apesar de representar simbolicamente algo muito maior do que eu ou você, como qualquer leitor desse blog. Com certeza sentiu dor com a perfuração, medo pela sua mortalidade, e os seus familiares devem estar profundamente abalados e tristes. Passei por algo semelhante há alguns meses com minha mãe, inclusive com um problema semelhante de perfuração do intestino, possibilidade de sepse (infecção generalizada), 20 dias de UTI, bolsa de colostomia, etc. Ao ver o médico falando do estado dele, pareceu muito o estado da minha mãe há alguns meses.

Além do ser humano, há o símbolo dele como candidato. Quer se goste ou não, ele representa uma parcela expressiva da população, que via nele a figura de alguém importante, tão importante que ele seria até mesmo um “Mito”, e uma espécie de guia para a melhora de tantos problemas crônicos do país. Eu há muito tempo, e mais recentemente com mais força, sempre o achei um perigo para o país, e uma presidência dele um profundo retrocesso para o Brasil. Continuo achando isso. Porém, num Estado Democrático, antagonistas são enfrentados nas urnas, nos debates públicos e na troca racional de ideias. É isso que nos protege da violência aguda e atroz.

Estados com leis, onde alguém como a candidata do PSTU possa falar as barbaridades dela, onde o Bolsonaro pode, claro que dentro dos limites da lei pois ao meu ver a liberdade de expressão não é uma franquia para a agressão desmedida e a propagação de mentiras, simplificar o mundo como bem entender. É onde apoiadores desse ou daquele candidato, dessa ou daquela ideia podem debater o que é melhor ou pior. 

   Quando esses canais são fechados, seja pela intolerância, seja pela exacerbação da violência, os conflitos ficam latentes na sociedade e deixam de ter canais de resolução que não seja a violência. Quando um agrupamento humano chega nessa situação, geralmente já está em queda livre no abismo.

Em momentos como esse, a moderação não costuma ser a vencedora, muito menos em países ainda frágeis institucionalmente como o nosso Brasil. Porém, não custa torcer para que o bom senso possa prevalecer. Eu, como humano, torço pela recuperação do Sr. Bolsonaro. Quanto mais rápido melhor, para que ele possa cumprir o seu papel nessa eleição. Como Brasileiro, torço para que o Brasil não atinja um limiar onde possa ser difícil o retorno, ao menos no curto-médio prazo.  
Por fim, um leitor me perguntou se essa tentativa de assassinato seria fruto da retórica mais agressiva de Bolsonaro, ou se seria fruto de uma “esquerda” decadente que está perdendo o lugar na história brasileira.  

   Como dito no texto, eu não consigo sentir raiva de ninguém. Logo, a ideia de esfaquear alguém é tão obtusa para mim, que eu não consigo me colocar no lugar da pessoa. Com isso quero dizer que nada, nem mesmo eventuais arroubos mais agressivos do Bolsonaro, pode justificar uma tentativa de assassinato. Eu acredito que ódio gera mais ódio. Violência, por mais que seja uma chavão repetido ad nauseaum, costuma gerar mais violência.  Porém, assim como acho repugnante, dizer que uma mulher deu motivos de ser estuprada pois estava vestida de tal ou qual maneira,  não creio ser algo útil e válido colocar qualquer responsabilidade por uma tentativa de assassinato na vítima.

Por outro lado, é impossível impedir ataques. Não é possível bloquear todas as tentativas de alguém tentar jogar um carro contra uma multidão de pedestres numa calçada de alguma cidade européia, por exemplo. Pessoas confusas, com ódio, manipuladas, existem aos borbotões, e não é possível evitar que algumas delas façam algum ato horrendo. 

  É inegável, contudo, que teorias conspiratórias como “globalistas comandados por Soros para a implantação de um regime comunista no mundo” ou “nazistas associados com maçons” (como parece ser o caso do agressor do Bolsonaro) que simplesmente ignoram a realidade, os fatos e as nuances do mundo, parecem ter um efeito muito grande na criação de malucos prontos a fazer besteira. Não há dúvidas que baldes de água racional nessas ideias confusas poderiam atenuar essa proliferação de lixo ideológico, mas mesmo assim é impossível parar por completo a proliferação dessas ideias sem pé nem cabeça.

Uma vida de menos raiva, ódio e violência para todos nós.