Deus
existe? A essa pergunta muitas mentes brilhantes devotaram vidas inteiras no
passar dos séculos de história humana. Eu fui muito, como quase todas as
crianças o são, influenciado pelo meu Pai e Mãe nesse assunto. Minha mãe nunca
me obrigou a ir a nenhuma igreja, e nunca teve alguma devoção mais forte a
algum culto institucionalizado. O meu Pai, por seu turno, falava coisas ,
quando eu era um menino de menos de 8 anos, como “O finito não consegue entender o infinito” ou
“quando o nada percebeu que era alguma coisa tudo começou” quando o assunto era
religiosidade.
Minha
mãe, porém, instilou em mim o hábito de rezar todos os dias. Porém, a reza era
sempre eu que fazia, nunca foi uma reza pré-determinada como um “Pai Nosso”. Um
dos momentos, em relação a esse assunto, que mais me marcou foi quando o meu
pai me ensinou alguns conceitos defendidos pelo filósofo do século 17 Espinoza.
Meu pai então, num restaurante, me disse que Deus não se intrometeria em
assuntos humanos, não faria sentido que Ele escolhesse algum lado numa disputa, e
não adiantaria rezar para pedir alguma vitória seja no que for.
Isso
ficou comigo. Desde aquele momento, eu comecei a rezar todos os dias sempre
pedindo iluminação (ou alguma outra forma menos sofisticado que um
menino-adolescente poderia se expressar) e agradecimento pela minha família e
por ter saúde físico-mental. Desde sempre eu faço isso. Não existe um único dia
que eu não tenha rezado. Eu posso estar colapsado de cansaço depois de 15 horas
de uma trilha no meio do nada na Mongólia, mas eu não entrarei no saco de
dormir e descansarei enquanto não tiver feito uma prece.
Nenhum
dia da minha vida eu deixei de fazer uma oração, talvez uma exceção quando
dormi no estacionamento de uma grande festa que acontecia na cidade na minha época
de faculdade. Pensando bem, talvez nessas ocasiões, que ocorreram raramente, eu
posso ter ficado sem orar. Porém, isso foi a exceção da exceção. Nunca pedi
nada de material nessas orações, e sempre agradeci o que tinha.
Boa
parte, como isso se transformou num hábito, das minhas orações é feita no
automático. Tenho que reconhecer que não há uma intenção tão profunda. Porém, há
certas ocasiões, quando algo me tocou emocionalmente, que a minha prece se
transforma em algo muito profundo, e não raramente eu choro copiosamente
emocionado.
É
com Deus com quem eu falo? Eu, sou um grande admirador de pessoas como Dawkins,
Carl Sagan, Sam Harris, entre outros. Para quem não conhece, eles são ateístas,
ou pelo menos agnósticos, e sempre foram ferrenhos críticos do obscurantismo
que a religião pode se transformar. Logo, eu sinceramente não sei nem mesmo se
Deus, uma entidade sobrenatural (ou seja fora do universo natural), realmente existe. O finito (eu) dificilmente
teria condições de entender algo infinito (Deus, se ele realmente existisse
como a realidade última de tudo).
Porém,
se não é para Deus necessariamente que eu dirijo as minhas preces para quem
será? Eu , sinceramente, não sei. Talvez seja para a minha própria consciência,
onde em certos casos eu posso ter diálogos profundos e intensos com ela. Não
sei. É um hábito que me foi colocado desde a minha infância, com o qual o meu
ser foi reagindo à medida que eu evoluía e crescia.
Nas
últimas semanas, eu algumas vezes intensamente orei. Isso se deu porque um bom
amigo faleceu. Eu já tinha falado desse amigo nesse artigo: O Surfista-Garçom de coração grande
O
Lau (o Wad como eu chamava) era um sujeito fantástico. Sempre sorrindo, sempre,
sem exceção. Ele desarmava tudo e todos com o seu sorriso e jeito. Um ser
humano iluminado. Eu fiz amizade com ele, pois ele era garçom de uma pizzaria
que sempre frequento. Eu acho isso fantástico. Como é possível sim termos
relações muito mais amistosas e intensas em condições onde socialmente não se
espera isso. Com quantos garçons não interagimos, ou esquecemos-nos de
interagir, e em quantas relações dessas se desenvolve alguma profundidade, mesmo que
seja apenas no instante?
Uma
das primeiras pessoas que fiz questão de encontrar depois que voltei da minha
viagem de dois anos foi o Lau. Ele estava na quarta sessão de quimioterapia,
não tinha encontrado um doador de medula. Fui à casa dele, e ele estava bem
magro e careca. Nem parecia o Lau que conhecia, mas o sorriso no rosto não traía
quem ele era.
Eu e Lau no meu retorno de viagem
Durante
algumas horas ficamos eu, minha mulher, o Lau e sua esposa conversando sobre a
vida e viagens. Lau era amante do surfe e de viagens. A quimioterapia deu
resultado, e ele começou a melhorar e melhorar. No ano de 2017, ele viajou para
tudo que é lado, e surfou muito. Sempre o via passeando com dois cachorros
enormes nas redondezas.
Há
um mês atrás, ele apareceu na pizzaria (ele não trabalhava mais lá há um
tempo), e ele estava muito bem, tanto que eu disse “tá bonitão em Wad!”. Sorriso e
simpatia em pessoa. Alguns dias depois desse encontro, minha companheira me
diz "o Lau morreu". O quê? Como?
A
leucemia voltou fulminante e ceifou a sua vida em questão de dias. Caralho! No
mesmo dia, o seu corpo estava sendo velado e resolvi ir ao velório. Nunca tinha
ido a um velório e nunca tinha visto um corpo sem vida. Vi Lau, imóvel, sem
vida, e aquilo teve um impacto muito forte. A energia de alguém sempre sorrindo
se foi (ao menos naquele corpo, para quem acredita em reencarnação ou em alma). Aquilo realmente me impressionou bastante.
No
domingo, numa cerimônia muito bonita, nos despedimos de Lau. Seus amigos
surfistas (eu incluso) remamos no mar, nos demos as mãos e dissemos “até logo”
para o nosso amigo, enquanto suas cinzas eram jogadas no meio do círculo que se
formou. Foi uma bela forma de nos despedirmos dele, num ambiente que ele tanto
gostava.
Ele
não era um amigo tão íntimo, e nem o conhecia tão profundamente, mas posso dizer
sem sombra de dúvidas que ele teve um impacto positivo na minha vida. Ele jogou
luz em minha vida. Ele era, e continua sendo, um exemplo de como posso melhorar
a forma que reajo a outros ou a adversidades. Ele, para nós que gostamos de
finanças, era super antenado com conceitos de independência financeira, tanto que
se equilibrando entre trabalhos de garçom e de shaper de pranchas de surfe,
conseguia viajar para Havaí, Polinésia, Indonésia, América Central. Ele um dia
me disse que vivia bem junto com a esposa com menos de R$ 1.000,00. Não sei se
era verdade, mas com certeza ele era um exemplo claro de como podemos ter vidas
muito melhores e fazermos o que quisermos, mesmo com patrimônios não tão
grandes.
Em
suma, ele era um exemplo. Creio que uma
medida de sucesso na vida, talvez uma das maiores, não é o quanto de dinheiro
você deixa para os seus herdeiros, ou o tamanho e riqueza do seu enterro, mas o
número de pessoas que realmente foram tocadas pela sua vida. Ao ver pelos
choros e reações das pessoas, Lau tocou positivamente a vida de muitas pessoas,
e essa é uma inspiração para que eu melhore como ser humano ainda mais, para que eu possa ser
um agente positivo para outros seres humanos.
Envoltos
nesses pensamentos e sentimentos, eu rezei para Deus ou minha consciência, e
chorei algumas vezes nas últimas semanas. Choros de tristeza, emoção e alegria, ao pensar na minha vida, nos meus pais, na vida da minha filha que está por vir, nos meus amigos, na minha companheira, nos meus erros e acertos.
Só tenho agradecer de poder ter sido o seu amigo, Lau.
Hoje
de manhã, minha mulher me liga chorando da rua às 8:00 da manhã. Eu não entendo
direito o que ela fala, mas, não sei por qual motivo, compreendo que alguma
coisa teria acontecido com a nossa filha. O meu coração foi a boca e um
desespero tomou conta de mim. Ela me disse então para se acalmar, e ainda
chorando disse que a “branquinha tinha morrido atropelada”. Com um misto de
alívio de não ser nada com a minha Serena, e tristeza pelo cachorro, eu tomo conhecimento do que ocorreu.
A
branquinha era um dos cachorros que há vários anos habita a rua. Quanto carinho
já não fiz nela. Ela, junto com o “negão” foram adotados por um casal de amigos
da rua. Já estavam ficando velhinhos, e foi ótimo eles terem um lar e alguém
que os cuidasse nesses últimos meses. Infelizmente, hoje de manhã, ao descer para passear, ela
correu em direção a um ônibus e foi atropelada.
Vi
o seu corpo sem energia e movimento num saco plástico sendo levado pelo
caminhão que recolhe animais para serem incinerados. Um corpo com vida,
energia, há algumas horas, para um corpo sem vida. Fiquei triste com o
falecimento dela.
Pessoas
iluminadas partem dessa vida, fatalidades com animais que gostamos acontecem,
coisas mudam e a vida não nos pergunta nada. Talvez a única forma, pois não
podemos controlar o destino, é tentar viver no momento presente da melhor forma
possível. Enquanto você está com aquela pessoa que gosta, tentar viver da
maneira mais intensa possível aquele momento. Essa talvez seja a única forma de
vivermos bem, e quando fatalidades e momentos de despedidas chegarem, nós termos
a consciência de que ao menos vivemos com aquela pessoa, e aquela situação, da melhor maneira
possível.
Valeu meu amigo
Um
abraço Lau.