Olá, colegas. Sou obrigado a dizer que não acompanho de perto o noticiário do Brasil nos últimos oito meses. Havia semanas que eu nem mesmo acessava a internet direito. Porém, sempre tentava acompanhar pelo menos por cima os principais acontecimentos. Infelizmente, aconteceu tantas coisas negativas que não via motivos, estando numa experiência tão bacana na minha vida, de escrever a respeito. Entretanto, ao ler o noticiário de hoje, já que resolvi tirar um dia de folga (depois de ficar uns dias em parques nacionais observando a vida selvagem de Bornéu) para descansar, ficar na internet pesquisando sobre os meus próximos destinos e para ficar lendo diversos periódicos, resolvi escrever uma breve reflexão a respeito.
Pois bem. Um Senador da República foi preso, mesmo estando no exercício regular de seu mandato. Isso nunca tinha acontecido na história do Brasil, conforme noticiado na imprensa. Eu como não tenho um conhecimento profundo das nuances da história do nosso país não sabia desse fato. A gravação, não sei se foi a única prova, que serviu de base para a decretação da prisão preventiva é no mínimo reveladora do estado em que se encontra a nossa República. Antes de mais nada, é sempre bom relembrar que república é uma palavra que vem da antiga Roma, e significa coisa (res) pública. Não irei, apesar de ser um assunto que acho interessante, divagar sobre se é correta a existência ou não de coisas públicas, algo que parece natural para maioria de nós, mas é negado por uma ideologia que acredita na privatização de todos os bens (praças, ruas, florestas, rios, etc). Vou deixar a coisa simples e partir do pressuposto que a existência de certos bens públicos seja do interesse da sociedade.
Eu, sinceramente, não consigo ainda observar por qual caminho esse processo que estamos passando enquanto nação irá nos levar. Eu ainda creio que a questão é muito mais profunda do que um partido A ou um partido B, uma figura política A ou uma figura política B. Eu penso que o nosso país está perdendo, se é que algum dia já teve, a capacidade de se inserir num mundo cada vez mais complexo. Os motivos já foram muitas vezes aqui elencados: nível de agressividade mesmo em acontecimentos banais muito alto, pouca ou nenhuma capacidade argumentativa, educação formal sofrível e uma despreocupação generalizada com fatos.
Não se constrói um país sério com discursos de ódio (“morte a não sei quem”, etc), pois isso leva a apenas ao acirramento de tensões, e em casos graves a crises sociais que podem descambar para confronto armado. Também não se constrói um país baseado em mentiras, falsificação da verdade, ou posturas contraditórias. Isso para mim infelizmente está entranhado e se entranhando cada vez mais em nosso tecido social, e não há CPI, troca de governo, boom de commodities, crescimento do PIB, que resolvam esse problema. Apenas educação e auto-reflexão enquanto indivíduo e nação e isso leva muito tempo.
O que esperar de um sistema político onde Renan e Cunha são presidentes das duas casas do congresso. Eu vi uma entrevista do Cunha no Roda Viva e ele me pareceu extremamente bem preparado, mas se notava que ele era uma espécie de “gênio” do mal. E Renan Calheiros? Já foram tantos escândalos envolvendo o nome desse Senhor, que ele ser presidente do Senado Federal é um verdadeiro escárnio.
Quem já teve a oportunidade de ler sobre argumentos, ler discursos de pessoas como Churchill, sabe que a platéia (aqui entendida como os receptores do discurso) possui um papel importante. Por qual motivo toco em tantos temas que não estão em consonância com muitas opiniões das pessoas que leem e gostam de finanças? Simplesmente, para que se possa, e eu também, refletir sobre determinadas perspectivas que muitas vezes passam despercebidas. Depois de alguns meses, é muito fácil identificar qual é a linha ideológica de muitos textos e espaços, ou seja da platéia. Não vejo motivos de escrever textos onde a plateia em potencial concorde com tudo que está escrito. Qual é ponto? Como já dito diversas vezes, uma espécie de texto que você sempre concorda com tudo não serve absolutamente para nada. Entretanto, esse não é o único espaço que exponho minhas ideias. Em viagens, 99 em cada 100 viajantes de mais tempo de estrada e com mais experiência em vários países do mundo coloca a culpa da pobreza de países miseráveis no capitalismo ou em grandes empresas. Você acha que para essas pessoas eu vou falar sobre as maravilhas de se viajar por conta própria? Sobre o fato do dinheiro não ser o único, e talvez nem é mesmo o melhor, indicador de uma vida humana bem vivida? Essas pessoas já sabem disso e já refletiram muito sobre. Logo, não vejo motivos de insistir muito nisso. Porém, vejo motivos para falar de liberdade econômica, do empreendedorismo como forma de empoderamento de comunidades mais pobres, entre tantos outros temas, pois talvez isso faça esses 99% dos viajantes verem determinadas assuntos sobre outras perspectivas.
Por qual motivo a razão do último parágrafo? Simplesmente para afirmar que não vejo sentido em listar os inúmeros problemas do país para uma plateia que fica remoendo isso a todo instante. Qual é o ponto? O que uma percepção melhor da realidade mais um texto sobre isso poderia trazer? Na minha opinião, nenhuma. Por essa razão, escrevi o artigo o Brasil - É tão ruim assim? e diversos outros. Logo, seria muito fácil construir um artigo e abordar os evidentes problemas de nosso país, e podem acreditar que às vezes eu tenho que fazer esse papel para alguns estrangeiros que pensam que o Brasil é um mar de rosas. Faço com cuidado, pois não gosto de falar muito mal do meu país para pessoas de fora que não tem como compreender a complexidade da nossa nação, e acredite ela é extremamente complexa, até pelo tamanho continental da mesma.
Os problemas mais visíveis são evidentes, procuro trazer alguns, como destacados no terceiro parágrafo que quase nunca são aludidos no debate público. O que a prisão de um Senador e do banqueiro do BTG (e olha que tenho FII administrados por essa instituição, e faria um bem danado se fossem administrados por outras gestoras) dizem a respeito do nosso país? Numa perspectiva, que vamos muito mal, pois o estado de degradação política parece ser evidente. Vi uma fala do “Paulinho da Força” que ele está com Cunha para o que der e vier, pois ele quer o impeachment da Dilma. Isso é degradação ética completa. A República não está em primeiro lugar, a coisa pública, mas sim algum projeto de poder que nem mais ideologia tem no país, ou alguém acredita que existem políticos hoje, talvez excetuado uma minoria, que possuem algum projeto para o nosso país seja qual for. Eu não acredito.
No outro lado, como negar o inegável? O partido dos trabalhadores parece que se transformou numa organização criminosa, como tantos outros partidos parecem ser. Tesoureiros presos, ex-caciques de peso presos, denúncias inúmeras num dos maiores, talvez o maior, escândalo de corrupção da América Latina. Fui por curiosidade saber o que sites claramente dissociados da realidade, e que apoiam incondicionalmente o governo, falariam a respeito do fato do Líder do governo no Senado ter sido preso depois da revelação de uma conversa telefônica mais incriminadora impossível. Simples. Num país onde argumentos não são mais sérios (uma das razões de escrever o último artigo Argumentos Fajutos), qualquer coisa serve. Assim, o Senador preso “era o mais tucano entre os petistas”. Impressionante.
Se por um lado há desânimo, num outro há esperança de que o Brasil parece ter instituições sólidas. Porém, eu acho muito engraçado mesmo, no espaço das pessoas que gostam e escrevem sobre finanças, elogiando o trabalho de Procuradores, Juízes e Delegados. Há um consenso, acrítico em muitos pontos, que servidores públicos são um mal. Alguns artigos falam até mesmo termos de baixo calão. Num acesso quase esquizofrênico, essas mesmas pessoas agora vangloriam o trabalho de servidores públicos. “Ah, mas eles estão apurando a corrupção, eles são ótimos servidores, não fazem parte da banda podre”, pode alguma pessoa argumentar. Certo. Então, um juiz que procura julgar bem um pedido de alimentos feito por um filho em relação ao Pai não está dando a sua contribuição? Um Procurador que investiga algum crime contra a Previdência também é desimportante, pois não está envolvido num grande processo de apuração de corrupção? “Ah, mas as carreias de Delegado, Procurador e Juiz são diferentes, eles são diferentes de outros servidores”. Certo. Sabiam que Juízes e membros do MP tem aproximadamente três meses de férias (dois meses, mas o recesso de 20 dias de final de ano)? Que a maior punição administrativa para um juiz é aposentadoria compulsória? Que segundo a Lei Orgânica do Ministério Público Federal a diária é equivalente a 1-30 avos da remuneração? Como é diária não incide IR. Assim, a diária de um membro do MPF é superior a R$ 1.000,00 limpos por dia. Que se um membro do ministério público ficar 30 dias seguidos recebendo diária, e isso acontece quando há forças-tarefas, há um mês de indenização, fazendo com que o Procurador receba a remuneração pelo mês, 30 dias de diária sem IR e mais um mês de indenização sem IR também? Que o MP e a Magistratura mandaram pagar auxílio-moraria aos seus membros de mais de R$ 4.000,00 por mês, sem incidência de IR? Que é muito normal tribunais criarem direitos com efeitos retroativos para os juízes, às vezes ignorando prescrição, e autorizarem pagamentos às vezes de milhões de reais para determinados magistrados? Que há juízes que ganham mais de 200 mil reais por mês?
Algumas questões não são fáceis, e comportamentos esquizofrênicos não ajudam. Como vejo isso? Simples. São carreiras importantes que fazem um importante trabalho para manter uma sociedade equilibrada, (negar isso com argumentos “ah, funcionários públicos são parasitas” parece-me infantil) mas no Brasil parece que há uma casta para certas carreiras.
Assim, se vejo com esperança a atuação de Procuradores em determinados casos, também vejo como retrocesso para o país a escalada incompreensível no pagamento de parcelas ilegais e imorais, mesmo o país passando por uma grave crise econômica. Vejo com satisfação a Polícia Federal, órgão que não é independente como o Ministério Público, mas sim subordinado ao Ministério da Justiça que é por sua vez subordinado à Presidência, mostrando isenção e investigando os desmandos de um partido que está no poder. Engraçado que certa vez um blogueiro veio nesse espaço dizer que o Executivo Federal pressionava as Polícias Militares e Civis (que são Estaduais) para não apurar crimes, algo que não faz o menor sentido, pois o Executivo Federal não consegue nem colocar no cabestro a polícia que está sob seu direto comando. Bom para o país, má notícia para mal-feitores.
O fato é que eu esperava no ano passado que a crise política que se espreitava com a lava-jato teria muito maior importância do que aumento da FFR pelo FED, eventual recessão econômica, ou qualquer outro fato. Disse isso várias vezes em mensagens no blog do Tetzner. Entretanto, não poderia imaginar a extensão que vem se mostrando, já que a operação Lava-Jato está na vigésima fase (vigésima!). Sairá um Brasil melhor disso tudo? Eu creio que sim. Sairá um país maduro pronto para discutir as graves questões para o futuro das novas gerações? Tenho sérias dúvidas.
Não vejo a sociedade pronta para fazer concessões e dialogar. Por qual motivo falo tanto do diálogo? Eu gosto muito de refletir sobre o assunto genocídio. Ontem mesmo estava refletindo sobre isso com dois portugueses bacanas que conheci e viajei junto por uns dias em Bornéu. Atos de genocídio nos fazem, pelo menos para mim, ponderar sobre o que um ser humano pode fazer com o outro em determinados casos (um pouco na linha da reflexão do artigo Cidadão de Bem? ). Já tive em campos de concentração e nos pungentes Killing Fields e prisão S21 no Camboja (ver meu artigo Campos da Morte). Aliás, faço questão de levar minha companheira ao Camboja para ela presenciar esses locais. Um dos genocídios mais recentes foi o de Ruanda em 1994. Qualquer dia escrevo a respeito, pois já li livro , vi vários documentários, e durante algum tempo pesquisei a respeito. A coisa l[a foi feia. Muito feia mesmo, e um mundo omisso (como na atual questão dos refugiados), assistiu calado a um dos maiores massacres que a história moderna já presenciou.
Depois do que Ruanda passou, seria impossível prever que esse país poderia se reerguer. Aliás, como vizinhos poderiam conviver novamente, já que a matança de Tutsis foi indiscriminada e boa parte da etnia Hutu tomou parte nisso. Vizinhos que antes sorriam um para o outro, transformaram-se em assassinados e assassino. O país passou por um longo processo de reconciliação. Pensem, prezados leitores, você conseguiria se reconciliar com quem matou dois filhos seus a facão? Pois Ruanda enquanto nação teve que se reconciliar. Hoje em dia, Ruanda é um país que cresce economicamente, está em 46 lugar no Índex de facilidade para se fazer negócio (muito a frente do Brasil, ver esse link Ruanda ) e parece que está num rumo melhor. Tenho certeza que deve haver inúmeros problemas por lá, mas ao menos o país não degringolou para uma guerra civil, o que facilmente ocorreria se um discurso de ódio e retaliação por conta dos Tutsi contra os Hutu ocorresse.
Nós, no Brasil, não passamos, e talvez nunca iremos passar se tudo der certo, por algo nem próximo ao que ocorreu em Ruanda. Não há qualquer razão para que os diversos setores não dialoguem, para que a sociedade não dialogue, para que não se construa pontes onde há divergências. Na verdade, essa é função de um bom político. Não é radicalizar uma determinada opinião, mas sim ter a habilidade de construir soluções possíveis para os diversos problemas que assolam uma determinada sociedade.
Será que estamos prontos para isso? Eu creio que não, principalmente quando não se discute ideias e quando se ignora fatos. Uma vez li um artigo que o escritor dizia que todos os servidores públicos são inúteis, tirando os militares e os da área de educação e saúde. A pessoa ter essa opinião é um direito previsto em nossa Constituição. Se não me engano no mesmo artigo, a pessoa recomendava outro artigo que dizia que 70 a 80% dos gastos do governo poderiam ser cortados. Não vou me ater a falta de precisão da frase, vou apenas subentender que sejam gastos administrativos de custeio. Por curiosidade, fui ver os gastos do governo, e com militares, educação e saúde corresponde a quase 70% dos gastos do custeio administrativo(não se precisa de muito esforço para observar que há alguma coisa errada no argumento, uma tremenda de uma contradição). Ou seja, não importa os fatos. Porém, colegas, os fatos importam se quisermos construir uma nação melhor.
Torço para que tudo isso que o Brasil esteja passando seja um processo de amadurecimento e crescimento por mais doloroso que possa ser. Espero que possamos discutir os graves entraves no nosso país, e as reformas tão necessárias: política, previdenciária e tributária. Oxalá isso aconteça, não é algo que creio ser o mais provável, mas é uma característica humana a esperança, por isso Kafka foi genial ao dizer que “o ser humano é o único animal que possui esperança, mesmo quando não há nenhuma”. É necessário ter esperança em certas situações, mesmo que aparentemente as probabilidades não estavam a nosso favor.
Um dos maiores escritores de todos os tempos.
Grande abraço a todos!