quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

ZONA DE (DES)CONFORTO

  Olá, colegas. Espero que estejam todos bem.  Escrevo nesse artigo sobre a nossa zona de conforto. O que é isso? Muitos já devem ter ouvido falar dessa expressão, e talvez boa parte desses muitos já tenha se questionado se não é hora de “desafiar a própria zona de conforto”.  Basicamente, entende-se como “zona de conforto” toda situação a qual um ser humano se sente habituado a ela, e mais importante seguro dentro dela. Se eu vivo dentro de um país que fala minha língua nativa, podemos considerar essa situação uma zona de conforto principalmente se eu considerar a hipótese de ir morar em outro país com idioma diverso. “Soul, mas alguém que não é feliz vivendo aqui, não estaria numa zona de “desconforto?”, entendo que sim, e pretendo chegar lá em poucos parágrafos.

  Qual é o problema de se sentir familiarizado e seguro com algo? Nenhum, caros leitores. Em certa medida isso é uma característica biológica nossa enquanto espécie. Logo, sentir-se bem numa situação confortável é algo natural e humano.  Entretanto, e assim é a vida, muitas coisas extraordinárias apenas ocorrem quando nos colocamos em situações desconfortáveis, ao menos num primeiro momento. Quando nos sentimos muito confortáveis com um relacionamento, com um trabalho, com um estilo de vida, há uma tendência natural de esquecermos, ou ao menos perdemos o interesse, em outras formas alternativas de relacionamento, trabalho ou estilo de vida.  E qual é o problema com isso? O maior problema é que às vezes nos esquecemos o quão diverso e complexo é o nosso mundo, e que outras realidades poderiam ser tão ou mais “confortáveis” do que a realidade vivida dentro de uma zona de conforto.

  Pensemos no primeiro ato de nossa vida que é nascer. Creio que não podemos saber o que se passa na cabeça de um nascituro quando ainda está no ventre da sua mãe. Porém, uma criança com 8-9 meses de gestação já é indubitavelmente um ser humano. Dentro da sua mãe, a realidade é extremamente confortável. Eu imagino o choque que deve ser para uma criança ao sentir a luz pela primeira vez, o ar, um ambiente externo gigantesco. Talvez por isso haja todo um debate hoje em dia de como um parto poderia ser mais “humanizado”. Nosso ato ao nascer é uma saída de uma zona de conforto e nos primeiros momentos deve ser extremamente desconfortável. Porém, se estou escrevendo esse texto, se estou numa ilha da Tailândia, se tenho prazer em comer um sashimi, tudo isso é derivado do meu ato de nascer, de um ato de extremo de desconforto.

A primeira zona de conforto, talvez a maior de todas, deve ser enfrentada por qualquer ser humano que venha a existir.


  Isso, a existência de todas as possibilidades pelo fato de estarmos vivos derivada de um ato de saída de uma “zona de conforto”, deveria ser sempre um alerta para nós humanos de como coisas maravilhosas podem existir quando ousamos dar um passo fora do nosso mundo conhecido. O mundo é vasto, ele é imenso mesmo. Podemos pensar sobre isso de forma abstrata, mas essa realidade só se torna tangível quando olhamos por nós mesmos. As formas que as mais diversas pessoas vivem suas vidas são inúmeras. Logo, o lugar onde moramos, a forma como expressamos nossas opiniões e sentimentos, o trabalho que realizamos, as pessoas com quais interagimos no dia a dia, tudo isso é apenas uma fração muito pequena da realidade, é apenas uma maneira de viver a vida dentre tantas outras possíveis.

   As diversas “zonas de conforto” podem nos levar sim a paralisia e a ignorarmos tantas coisas bonitas, e feias também, que a vida e o mundo podem nos oferecer. Este e um grande problema, ou melhor dizendo uma grande perda de oportunidade. Entretanto, não é a maior delas. Uma coisa é realmente se sentir bem com a vida que se leva, outra é estar numa zona de “desconforto”, mas por receio, medo ou ansiedade ficar preso numa forma de existência que não nos traz bem-estar.

  O trabalho por exemplo. Posso estar infeliz, seja porque se ganha pouco ou porque não se encontra sentido no que faz, ou uma mistura de ambos. Entretanto, largar o emprego é uma atitude arriscada, “e se der errado?”. Estudar para fazer um concurso público, ou para se aprimorar na área, ou para mudar completamente de campo de conhecimento é desconfortável no início. Envolve talvez deixar de ver televisão, ler blogs, abrir mão de algumas coisas. Apenas a visão do esforço necessário para desafiar a situação atual de vida pode ser uma corrente que deixa a pessoa presa. Porém, estudar novos assuntos, se deparar com novos livros, novas formas de pensamento, por mais desconfortável que seja no começo, sempre será algo maravilhoso e muito provavelmente engrandecedor para a pessoa que se esforça nessa direção.

  A nossa saúde. É difícil muitas vezes largar alimentos nocivos e altamente viciantes. Fast food é muitas vezes comparado com cocaína, pois possui efeitos no cérebro muito parecidos no que toca ao mecanismo de satisfação e recompensa. Por isso, realmente é difícil do ponto de vista lógico fazer uma distinção, do ponto de vista dos malefícios para o ser humano,  tão profunda entre um traficante de drogas e um vendedor desse tipo de comida para o público infantil, por exemplo. Tratei desse tema ao falar de sucesso financeiro, e vi que é algo que toca profundamente as pessoas, e não pretendo me alongar mais uma vez nesse tema. Logo, assim como é difícil largar o cigarro, é difícil largar a “zona de conforto” do sendentarismo e da má alimentação. Na verdade, é desconfortável mesmo, sendo que dependendo do estágio de intoxicação alimentar (e fico abismado como isso está se espalhando feito uma doença em nossa sociedade), o nosso corpo irá estranhar uma alimentação mais saudável.

  Na verdade, os exemplos dados do trabalho e alimentação representam uma zona de desconforto. A pessoa se sente habituada e segura com algo, mesmo que essa situação não traga bem-estar para a mesma. A segurança e estabilidade é algo muito forte nas pessoas, mesmo que seja uma estabilidade e segurança de uma situação ruim. Não é à toa que dizem que o mercado financeiro prefere uma certeza ruim, a uma situação de incerteza. Não fomos criados para lidar com a incerteza, apenas com certezas. Também não é de se estranhar que muitas pessoas no Brasil enxergam o serviço público com brilho nos olhos. Porém, o incrível, é que o mundo é formado de incertezas, e até no nível fundamental da matéria jaz um cânone que se chama  Princípio da Incerteza (também já tratado nesse blog, princípio da incerteza e a precipitação dos seus investimentos). 

  O meu exemplo pessoal. Eu, no Brasil, vivia numa zona de absoluto conforto. Ao olhar um pen drive que trouxe na viagem para consultar o meu IR, não olhava o conteúdo desse dispositivo há quase nove meses, vi umas fotos do meu apartamento. Tomei até um susto.  Falei com a Sra. Soulsurfer algo como “mas esse apartamento é muito confortável, é quase luxuoso”. Depois de dormir cinco meses num carro, e trocar de pousadas, Hostels e guesthouses dezenas de vezes, ficando em quartos simples, olhar a foto da minha sala foi algo muito diferente.

Tenho que confessar que às vezes sinto falta de deitar neste sofá e ficar assistindo algum filme. Ou sentar na varanda e olhar as dunas e a natureza. Pensei em vender esse apartamento, mas é bom ter um porto seguro para chamar de casa, principalmente quando é um lugar que se sente bem. Por outro lado, olhar essa foto apenas me fez perceber o quão privilegiado eu sou, bem como que não preciso de tudo isso para ser satisfeito com a minha vida.


  É evidente que não preciso disso tudo para viver bem e feliz. Por outro lado, é bom saber que quando quiser retornar ao Brasil poderei voltar para algo tão confortável. O meu apartamento além de tudo é grande. Tem vista para o verde, mar, dunas. Fica a cinco minutos andando de uma praia com altas ondas, por uma trilha que passa por meio de vegetação e dunas grandes, e quando não é temporada pode se andar sozinho pela praia. Uma das coisas que mais gostava de fazer erra correr de manhã e tomar um banho de mar numa praia quase vazia. Conheço todos os vizinhos, sou amigo de muitos e me dou bem com quase todos. É uma rua sem saída, então não tem trânsito, o final da rua é uma mata fechada que começa o início da trilha para a praia. Mais zona de conforto do que isso, para o estilo de vida que gosto, é difícil. E olha que já morei na Califórnia e rodei por muitas cidades na costa da Austrália (cito esses exemplos específicos, pois em certa medida são parecidos com a minha cidade), e não sei se trocaria pelo lugar onde moro.

  Comida. Como sinto falta da comida brasileira. Todo dia precisamos comer comidas diferentes, num idioma diverso com temperos variados. Às vezes é muito bom, às vezes é muito ruim. Sinto falta de comer pizza, a melhor pizza do mundo que se encontra numa pizzaria não tão longe da minha casa. Não estou de brincadeira, é a melhor pizza disparada. Todos amigos que me visitam, eu levo nessa pizzaria, inclusive um blogueiro “Poeta Investidor” que estava de passagem pela minha cidade, fiz questão de levá-lo lá e foi bem legal.

Melhor pizza do mundo. Metade Série ao fundo, metade melhor da série. Que delícia. Pagaria uma bela grana para poder comer essa pizza estando onde estou. Aliás, qualquer pizza como essa em qualquer país do mundo é certeza de empreendimento de sucesso. Já passou pela minha cabeça a ideia de montar algo como isso nos EUA - Califórnia ou Austrália.


  Carro. Eu não sou aficcionado por carro. Tinha um I30 e achava extremamente confortável. Câmbio automático, banco de couro, carro extremamente silencioso. Eu como viajava bastante a trabalho, sentia que era bem seguro. Para onde eu fosse, poderia ir de carro de forma bem confortável. Hoje, pego transportes apertados. Tenho muitas vezes que carregar uma mochila relativamente pesada para procurar uma acomodação, já que não tenho transporte. Toda hora precisamos andar de scooter, ou negociar duro com motorista de táxi ou Tuk-Tuk, para conhecermos o lugar.

  Mesmo vivendo extremamente confortável, numa grande “zona de conforto” portanto,  resolvi temporariamente largar tudo isso e trocar por quartos simples, às vezes apertados, às vezes mal-iluminados, comidas não tão saborosas e gostosas, transportes lentos e apertados, e isso, ao contrário de ser uma experiência terrível,  está me fazendo muito bem mesmo, pois está me possibilitando ampliar ainda mais a minha visão desse lindo mundo e de certa forma sobre mim mesmo. 

  Ah, o trabalho. Minha maior zona de (des)conforto. Não foi difícil vender o carro, deixar o meu apartamento ou os quitutes da nossa culinária. Agora, estou prestes a tomar uma grande decisão. O meu trabalho é estável, bem remunerado, não tenho chefe (não no sentido de hierarquia de alguém determinando algo), posso fazer home office, não tenho horário. É o trabalho dos sonhos para muitos brasileiros. Porém, não sou satisfeito com aquilo que faço. Posso continuar no mesmo cargo, e com o patrimônio acumulado que possuo, ter uma vida para lá de segura financeiramente, sem se preocupar muito com yield, margem de segurança, juros reais, etc. Nomenclaturas que farão parte da minha vida de forma mais consistente acaso opte por um outro caminho. Será que vale a pena? Será que não vale a pena? Até que ponto essa segurança financeira vale a  não-satisfação? Jobs já disse no seu cérebro discurso de que "todos nós estamos nus". Eu estou 95% decidido, mas, como sempre fui uma pessoa conservadora e não sou genial como Steve Jobs, tenho os meus receios. Espero ter coragem e sabedoria suficiente para decidir se vale a pena desafiar essa zona de conforto, que na verdade para mim nos últimos anos mais se assemelhou a uma zona de desconforto. 


  Por outro lado, é preciso ter equilíbrio. Estamos, eu e minha companheira, sentido falta de um certo conforto na estadia. Por isso, resolvi tonar a viagem um pouco mais lenta, algo também conhecido como Slow Travel, e devo alugar um apartamento pelo Airbnb em Bangkok por umas três semanas. Recarregar as energias, escrever bastante (estou pensando em escrever um livro sobre viagem e outro sobre leilão), vivenciar mais uma incrível cidade da Ásia e se preparar para o caminho por terra até a Rússia. 



  Ache o seu ponto de equilíbrio, prezados leitores. É sempre bom desafiar-nos nas mais variadas esferas de nossa vida. É bom também termos um porto seguro. Agora, não se acostume com uma zona que não é de conforto, mas sim de desconforto. Não vale a pena. O mundo é amplo demais e a vida curta demais para sentirmos medo de mudar, e esse conselho vale para mim mesmo também.


  Grande abraço e se não escrever mais nada, um bom natal a todos!







quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

FINANÇAS - REFLEXÕES SOBRE A TAXA DE JUROS REAIS NO BRASIL E NO MUNDO. BREVE DIGRESSÃO SOBRE O MERCADO IMOBILIÁRIO ARGENTINO

  Olá, colegas. Depois de uma série de artigos sobre viagens, volto a escrever sobre finanças. O tema desse artigo creio ser do interesse de muitos investidores, amadores ou não, pois diz respeito ao mercado de dívida soberana, e um pouco sobre o mercado imobiliário.

   A doutrina sobre o tema mercado de dívidas, ou renda fixa se preferirem, possui um conceito central: ativo livre de risco. Qualquer livro sobre finanças, principalmente os estrangeiros, irá dizer que não se pode falar que um ativo não possui qualquer risco. É impossível do ponto de vista lógico fazer tal afirmação. O que os escritores fazem é dizer que apesar do nome “free risk”, o que se quer dizer é o ativo com o menor risco possível. Não vou neste artigo debater o que seja risco, em matéria de finanças, já o fiz em alguns artigos sobre óticas um pouco diferentes, vou partir do pressuposto mais intuitivo que risco é a possibilidade de perda total ou parcial do investimento. Se considerarmos risco como a perda do poder de compra no longo prazo do seu patrimônio, por exemplo, então se poderia dizer que a aplicação poupança pode ser mais arriscada do que o investimento em ações de forma diversificada no longo prazo. Aliás, alguns autores assim  falam em relação ao investimento de menor risco nos EUA que seriam os Treasuries de curto prazo. 

  Pois bem. O normal é considerar as dívidas soberanas como os ativos “livres" de risco. No caso brasileiro, seria a dívida da União. Você pode ser credor da União de diversas formas (não vou falar dos casos de precatórios ou RPVs- requisições de pequeno valor - , aliás um bom mercado para se ganhar dinheiro na compra com deságio, assim como em leilões de imóveis), seja comprando títulos pelo tesouro direto, seja comprando cotas de um fundo de investimento que compra dívidas da União, seja aderindo algum plano de previdência que invista em títulos do governo federal.  Muitas pessoas assim o fazem, pois pensam que é a forma mais segura, mais conservadora de se investir. Aliás, como dito no meu artigo sobre a decisão da CVM em relação ao Blog “O Pequeno Investidor”, qualquer um pode analisar e recomendar títulos públicos federais (no Brasil, pelo menos no meu conhecimento, não é normal a venda de dívidas Estaduais e Municipais, como é nos EUA, por exemplo), já que a legislação em vigor não considera esses instrumentos financeiros valores mobiliários. Logo, é o Safe Haven,  o porto seguro para os investidores. 

  Entretanto, eles são tão seguros assim? São mais seguros do que imóveis, por exemplo? Para responder essa questão, temos que entender como a inflação afeta a dívida de um governo e os investidores dessa mesma dívida. Imagine, num exemplo hipotético, que um Estado deva 100 unidades monetárias. Suponha-se que não há inflação, e a riqueza gerada pelo país hipotético no ano  seja de 100 unidades monetárias. Como a relação dívida-riqueza produzida é de 100%, a taxa de mercado para emprestar a esse governo é de 5%. Assim, ao final de um ano a dívida será de 105 unidades (100 + 5%). A única forma do governo se manter solvente no longo prazo é fazer com que o PIB cresça no mesmo ritmo da taxa de juros. A relação entre crescimento do PIB e taxa de juros é central para entender o que pode estar acontecendo no mundo desenvolvido e suas taxas de juros reais muito baixas ou em alguns casos negativas. Pretendo abordar esse tema em outra oportunidade.

  Assim, se o PIB crescer 5% no ano, a relação dívida-riqueza produzida continuará em 100%, e vida que segue. Se o PIB crescer numa taxa menor do que os juros reais, no longo prazo o endividamento tende a se tornar insustentável, pois uma parcela cada vez maior da riqueza produzida por uma sociedade terá que ser “confiscada” para o pagamento de juros da dívida estatal.

   Agora, vejam que interessante se acrescentarmos a inflação na história do nosso Estado fictício no patamar de  5% ao ano. Com uma inflação nesse nível, 105 unidades  monetárias em um ano percorrido serão equivalentes a 100 unidades monetária do começo do ano. Assim sendo, mesmo que a riqueza produzida pelo Estado não cresça no ano, a dívida Estatal permanecerá estável. Por qual motivo? A dívida do Estado será de 105 unidades ao final de um ano, mas a riqueza produzida também será equivalente a 105 unidades, pois a unidade monetária foi depreciada em 5%. Assim sendo, uma forma do Estado manter a sua dívida sobre controle é por meio de inflação. A relação entre inflação e crescimento do PIB é, segundo especialistas, o que nos dá noção de quanto deve ser a taxa de juros nominais de um país. 

  Agora, o que acontece quando a desvalorização da moeda, inflação, é mais intensa do que a taxa de juros que o governo paga em suas dívidas? A dívida Estatal diminui. Se a inflação for de 10% e os juros continuarem em 5%, isso quer dizer que no final do ano a relação dívida-riqueza produzida será de 105-110,ou aproximadamente 95%. Se o país ainda tiver crescendo a riqueza produzida, a dívida diminuirá ainda mais. Logo, a inflação pode ser uma forma eficaz para o Estado diminuir a sua dívida, é por isso que é considerada uma forma de calote branco.  É por esse motivo que deflação também é algo terrível para o Estado, pois faz com que a dívida suba ao invés de diminuir. 

   Após essas considerações sobre o tema, talvez fique claro que o risco de se investir em títulos soberanos vai muito além de se considerar apenas o risco do governo não pagar a dívida. A depender da taxa de inflação, o Estado pode simplesmente diminuir a sua dívida em pouquíssimo tempo. É por esse motivo que muitos economistas atualmente estão preocupados com os rumos das coisas, pois o ajuste fiscal será feito de uma maneira ou outra, mas deveríamos evitar que ele se dê por meio de inflação, pois este é um cenário muito ruim para a esmagadora maioria das pessoas de uma sociedade, poupadores incluso.

   Assim, taxas de juros reais negativas limpam a dívida estatal e destroem o poder de compra do investidor nessa dívida. Sempre quis ver um gráfico da taxa de juros reais do Brasil para períodos anteriores a 1994, e para minha surpresa positiva, tal análise foi feita no blog do Roberto Ellery Juros, ora os juros. Aliás, recomendo muito esse blog, o autor escreve muito bem, tem ótimo conhecimento e consegue escrever de uma forma muito tranquila sobre pontos de vistas eventualmente divergentes dos que ele possui. O resultado pode ser visto no gráfico abaixo:

Os juros reais brasileiros, tirando períodos curtos, foram quase sempre positivos, e bem altos, tornando o Brasil o país da renda fixa. Difícil o mercado de ações concorrer com juros tão altos por mais de quatro décadas.


   O que se percebe é que o Brasil tem uma história anormal de juros. Não foram poucos os momentos desde 1974 que se pagou juros reais absurdamente altos. Nos anos de 1989 e 1992 se chegou a absurdos 40% de juros reais.  Assim, para minha surpresa, não foi apenas a partir de 1994 que o Brasil pagou juros reais altos em sua dívida. Entretanto, se repararem entre os anos 1979 a 1981 os juros reais no Brasil ficaram negativos na magnitude entre 20-30%. Quem nesse período estivesse investido em títulos do governo brasileiro teve o seu capital praticamente aniquilado. Tal fato também aconteceu em menor escala entre 1986 e 1988 e em grande escala no ano de 1990. 

  O que se percebe do gráfico é que o Brasil há 40 anos, e não apenas há 20 anos desde a estabilização, é uma gangorra em relação aos juros reais. Em quase todo o período, entretanto, os juros reais foram muito altos, o que com certeza contribuiu para o enriquecimento de poupadores que emprestaram para o governo. O período de 1979 a 1981 foram cruéis para quem tinha dívidas federais, mas parece uma exceção, não a tônica. 


   Para entendermos a magnitude dos juros reais no Brasil, vamos comparar os juros reais dos EUA num período semelhante (1971 a dias atuais):

Os juros reais nos EUA são muito mais comportados do que no Brasil.

  Muitas coisas chamam atenção nesse gráfico. Primeiramente, é um gráfico sobre a FFR (Federal Funds Rate), a única taxa de juros onde o FED realmente tem controle, apesar desse fato ser ignorado por alguns comentaristas de finanças. Essa é a taxa de empréstimos de curto prazo,e em certa medida se assemelha a nossa SELIC. Ela não se confunde com os yields de títulos soberanos americanos de prazos mais longos como 10 ou 30 anos. Em segundo lugar se percebe que a volatilidade da taxa de juros reais é muito, mais muito menor do que a brasileira no período. Além do mais, os EUA nunca chegaram a 10% de juros reais, ao contrário do Brasil onde já tivemos taxas de 40% de juros reais. O período de 1975 a 1980 foi cruel para detentores de dívida americana. com juros negativos reais por quase cinco anos. Por fim, há uma tendência clara de diminuição da taxa de juros reais, sendo que nos últimos 12 anos  em dez deles os juros reais foram negativos. Ora, não é à toa que os ativos de países emergentes muito mais rentáveis aumentaram e muito de valor no período. Como se manter planos de previdência com retornos reais negativos por tanto tempo? Aliás, há pessoas nos EUA que dizem que o FED deve subir os juros, como se os juros não fossem definidos pelo mercado, pois tal situação está destruindo a o valor das pensões de milhões de aposentadoria americanos. 

   Sendo assim, em que pese o Brasil com sua imensa volatilidade e turbulência, aqui é o paraíso da renda fixa, ao contrário do que ocorre atualmente em países mais desenvolvidos. 

    Como o Brasil, apenas em alguns períodos nos turbulentos anos da década de 80, sempre pagou juros reais positivos, e dos bens gordos, ele não se encaixaria num exemplo de risco de calote branco. Fui então analisar os dados recentes da Argentina. É bem sabido que os últimos anos para nossos hermanos tem sido difíceis, com crise econômica, inflação, e retrocesso institucional em várias esferas. O que aconteceu com os detentores de dívida soberana Argentina. Aqui está a resposta:

Os últimos cinco anos foram difíceis...


Se ampliarmos para os últimos dez anos a situação não melhora muito.


   Nos últimos cinco anos, os detentores da dívida interna argentina viram pouco a pouco seu poder de compra ser corroído. Não chega-se um calote branco muito forte como aconteceu no Brasil entre 1979 e 1981, mas é uma perda considerável. Se considerarmos o pagamento de Imposto de Renda (sim, o poder de compra é diminuído e ainda se tem que pagar imposto sobre os juros nominais) . Eu não sei, e não procurei pesquisar confesso, se o respeitável site Tradieconomics utilizou os dados oficiais de inflação, ou os apontamentos extra-oficiais que nos anos em questão divergiram seriamente. Ao contrário do que ocorreu ou ocorre no Brasil, houve claros indícios de manipulação dos índices oficiais de inflação. Não sei como anda a questão atualmente na Argentina, creio estar melhor, mas não posso afirmar se ainda não há problemas desse tipo por lá. Acaso o site tenha utilizado a inflação oficial, então os juros reais efetivos foram muito mais negativos, o que, se este for o caso, quem investiu dinheiro em dívida soberana argentina teve o seu poder de compra destruído.


  Por qual motivo citar a Argentina. Prezados leitores, o cenário que mais gosto de analisar é o pior cenário possível. Evidentemente, o Brasil passar por dificuldades econômicas como a Argentina não é o worst case scenario, nós podemos nos tornar uma Síria. Entretanto, a probabilidade deste último evento ocorrer eu creio muito remota, logo para efeitos práticos vou considerar que uma deterioração institucional e econômica a la argentina seja o pior cenário para o nosso país no médio prazo. Por qual motivo faço isso? Simples, e as razões foram elevadas no meu artigo independência financeira. Quando entro numa operação imobiliária via leilão, por exemplo, eu quero saber o que de pior pode acontecer. Se sair como o planejado, então é só alegria. Se sair melhor do que o planejado, alegria em dobro. É muito melhor se preparar para um cenário adverso, ou  pelo menos tentar pensar no que se pode fazer se algo degringolar no planejamento.

   Logo, se o país piorar, talvez o mercado de dívida soberana, se por uma tragédia o nosso destino econômico for parecido com o da Argentina, não seja um porto tão seguro. É verdade que o Brasil possui títulos indexados à inflação. Eu não sei se a Argentina possui ou não títulos assim. Logo, se alguém acredita que o pior pode acontecer, a melhor saída é títulos com algum indexador inflacionário como NTN-Bs. Mesmo títulos sem duration como LFT, ou eventualmente alguns títulos como CDBs-LCI-LCA-CRI-CRA-LC com carência de alguns anos, pode sim sofrer brutalmente se a inflação disparar,e a taxa de referência, SELIC, não acompanhar, ficando o Brasil com juros reais negativos como a Argentina.

   Um título como a NTN-B obviamente sofreria com juros reais básicos negativos, mesmo se comprado com cupons positivos, pois o Imposto Inflacionário poderia até mesmo fazer com que os juros acordados ficassem negativos, acaso a inflação fosse muito alta como 40-50% (cenário que acho pouco provável no momento).  Outro problema poderia ser a manipulação dos índices oficiais (prioritariamente o IPCA),como ocorreu com a Argentina, porém não há motivos que isso possa acontecer, já que o IBGE tem se mostrado uma autarquia com independência técnica. Entretanto, com títulos do governo não há como se proteger disso.

  Portanto, há risco sim para quem detém dívida pública federal, ou instrumentos atrelados à taxa básica de juros que possuam carência de alguns anos.  

   E os imóveis onde entram nisso? Já escrevi um artigo sobre a correlação negativa ou não entre preço dos imóveis e yield de aluguel. O motivo para tanto foi saber se o preço no valor dos aluguéis poderia ser tão afetado e ser tão volátil como o valor dos imóveis. A minha conclusão foi que não, a dinâmica do valor dos alugueis parece ser bem diferente da dinâmica do valor dos imóveis subjacentes. Acaso queira conferir este é o artigo FII - Riscos Atuais, Comparações Internacionais e outras reflexões

   Há um artigo publicado pela NAREIT que indica que os REITs (FII americanos), logo depois do ouro, foi o ativo mais resiliente a períodos de maiores inflação. Qualquer dia posso escrever um artigo apenas sobre este estudo. Assim, e levando em conta a tendência história de imóveis seguirem a inflação, mais precisamente uma pequena valorização real, conforme abordado nesse artigo Imóveis - Expectativa de Retorno Realista no Longo Prazo, seria de se esperar que os alugueis na Argentina teriam preservado o poder de compra dos locatários e subido pelo menos em compasso com a inflação real, ou seja a extra-oficial, da Argentina. Era de se esperar também que o valor dos imóveis tivessem guardado o seu valor.

   Pesquisei alguns dados na internet, e não há tantas informações sobre o mercado imobiliário argentino. Quando um país possui uma inflação muito alta, e a extra-oficial argentina era e ainda é muito alta, é normal que transações de grande monta, como é o caso de imóveis, sejam feitas em uma moeda forte como dólar, ou ao menos cotada em dólar. Foi assim na época hiper-inflacionária do Brasil da década de 80, tanto é verdade que minha mãe sempre me fala que oferecem por um terreno que ela possui uma quantia alta em dólares, logo depois da estabilização. Talvez as pessoas ainda tivessem a mentalidade de se negociar imóveis tendo como referência o dólar. Fico feliz que minha mãe não tenha aceito, pois o terreno se encontra hoje em dia numa região de grande movimentação, e se o Brasil entrar nos trilhos, lá por 2020-2022, e a depender do plano diretor que parece ter aumentado o gabarito, é bem possível negociar um bom contrato de permuta por muitos apartamentos.  Aliás, pretendo escrever sobre o investimento em terrenos, que é um dos potencialmente mais lucrativos para um investidor.

   Logo, em situações de grande inflação, os imóveis muitas vezes são precificados em algo que represente algo com valor mais estável, no caso o dólar. Com isso em mente, é possível entender os dizeres da seguinte reportagem (reportagem Reuters sobre mercado imobiliário argentino)

"Prices per square meter for a used apartment in Buenos Aires are still down 6.5 percent in dollar terms since 2012 but they were up 4.1 percent in May over the same month last year, according to the consultancy Reporte Inmobiliario, which analyzes prices every three months.”


 Assim, desde 2012, detentores de imóveis na Argentina tiveram uma perda, na sua média, em dólar de 6.5%. Surpreendeu-me, pois pelo controle rígido de capitais, principalmente de dólares, imposto pelo governo, uma grande inflação e uma grave crise institucional, os proprietários tiveram o seu poder de compra em moeda forte razoavelmente preservado.
  


   E o preço dos alugueis? Consegui, consultando o site Reporte Inmobiliario referido na reportagem, alguns dados sobre o mercado de Buenos Aires, que de longe é o mais significativo da Argentina.  Segundo o relatório:

  "Los valores locativos promedio para departamentos usados de dos ambientes se incrementaron en promedio un 33,56 % los últimos 12 meses.
Estos valores locativos promedio para departamentos usados de tres ambientes se incrementaron en promedio un 35,35 % en el mismo periodo. Los valores más elevados de alquiler para los departamentos de uno y dos dormitorio se observan en las localidades del corredor norte."

  Bom, segundo o relatório, o preço dos aluguéis em média subiu algo em torno de 35% nos últimos doze meses. A inflação esperada na Argentina para o ano de 2015 é de (inflação argentina):

"FocusEconomics Consensus Forecast panelists expect official inflation of 16.6% at the end of 2015, which is down 0.1 percentage points from last month’s estimate. Panelists estimate that official inflation will end 2016 at 26.2%, which is up 0.9 percentage points from last month’s forecast. The panel expects non-official inflation of 27.0% in 2015. Analysts see non-official inflation increasing to 34.3% in 2016."


 Parece que ainda há um gap significativo entre as estimativas oficiais de inflação, e a inflação aferida de forma independente. Mesmo levando em conta a inflação extra-oficial, fica claro que os alugueis acompanharam a inflação, ou até mesmo mostraram uma evolução real. Uma valorização real dos alugueis não seria algo tão despropositado. Eu não sei se já abordei este tópico em algum artigo específico, mas o mercado imobiliário comporta-se em ciclos com quatro etapas bem definidas. Creio que a crise econômica foi e está sendo tão forte na argentina nos últimos 10-15 anos que quase nenhum projeto deve ter saído do papel. Assim sendo, com uma população que ainda cresce demograficamente, claro está que mesmo com crise, os imóveis vão rareando, e isso coloca pressão no preço dos alugueis. Talvez o mercado imobiliário esteja prestes a explodir, bastando apenas uma melhora no sentimento geral econômico, para que os preços subam muito por lá. Talvez, algo muito parecido com o que ocorreu no Brasil nas décadas de 80 e 90, e a explosão dos preços que se segui entre 2004 e 2012.

   Os alugueis parecem ter sido resilientes nas Argentina, fazendo com que na média os proprietários de imóveis para alugar tenham preservado o valor de compra dos seus fluxos de renda, conforme atestado pelo gráfico a seguir:


Aparentemente, os alugueis acompanharam a inflação extra-oficial da Argentina, o que é uma boa notícia para os proprietários brasileiros.


 Portanto, mesmo com uma situação econômica das mais difíceis possíveis, proprietários de imóveis estiveram muito mais protegidos do risco de ver o seu patrimônio pulverizado, do que detentores de títulos de dívida soberana.

   Durante alguns períodos nos últimos 40 anos, mesmo na maior potência econômica do mundo, detentores de dívida soberana viram o seu patrimônio diminuir consideravelmente, numa espécie de calote branco por parte dos Estados. 

   Ativos reais como imóveis, em certa medida empresas desde que o investidor esteja bem diversificado, tendem a ser ativos resilientes contra o risco de inflação. Como não tem muito sentido um imóvel falir, não é à toa que muitas pessoas almejam ter renda advindas de imóveis para as suas aposentadoria ou suas independências financeiras.

    Espero que o presente artigo possa ajudar em reflexões sobre mercado de dívida, volatilidade, imóveis, fluxos de renda e prêmios de crédito e liquidez oferecidos por alguns instrumentos de dívida de entidades financeiras de segunda linha.

   Voo atrasado por duas horas, mas pelo menos consegui escrever esse artigo. Volto para a parte peninsular da Malásia, e daqui o plano é subir até a Rússia, vamos ver o que vai acontecer com a minha vida. Por mim, sigo pela Rússia, passo pela Ásia Central (sempre quis conhecer o Uzbequistão, Quriguistão, Tajiquistão, Armênia, Irã, etc) e iria até Portugal. Tudo isso por terra. A Sra. Soulsurfer não está tão convencida do plano. A ela parece mais interessante a ideia de voltar daqui uns meses, e se preparar para fazer uma grande viagem de carro pelos EUA, Canadá e América Central nos moldes que fizemos na Austrália e Nova Zelândia, vamos ver. Estou num momento bem definidor da minha vida, onde em pouquíssimo tempo terei que tomar uma grande decisão.

Estou lendo esse livro. Fiquei feliz que voltei a reler livros não necessariamente relacionados há algum tema pertinente à ciência. É um baita livro. Trata do cerco alemão de 1942 a cidade Russa de Leningrado, no que seria a maior e mais decisiva batalha da segunda guerra mundial. Canibalismo, estupros, fome, morte e uma resiliência incrível do povo russo. Não é brincadeira enfrentar os Russos não.



 Grande abraço a todos!

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

BORNÉU - BAKO NATIONAL PARK: O RARO E INUSITADO PROBOSCIS MONKEY OU O HOMER SIMPSON DOS PRIMATAS


    Olá, colegas. Neste artigo, compartilho minha experiência no belíssimo Bako National Park na região de Sarawak em Bornéu. Bom, antes de mais nada, talvez seja interessante dizer onde fica Bornéu. A Malásia é um país que possui uma parte peninsular, basicamente o continente asiático, e uma parte na ilha de Bornéu. Esta ilha é a terceira maior do mundo, e é dividida entre Malásia e Indonésia. Falarei um pouco mais sobre o país, quando for escrever sobre as minhas impressões na minha segunda estada na bacana cidade de Kuala Lumpur.

A Ilha de Bornéu. A parte indonesiana chama-se Kalimantan e é muito menos turística e bem difícil de se viajar. A parte malaia é mais tranquila para o viajante.

  Bornéu malaio é divido em duas regiões autônomas: Sabah e Sarawak. Para se ter ideia, se passa, apesar de ser solo malaio, por imigração quando se chega nessas duas regiões. Em Sarawak, por exemplo, até visto de permanência é dado. O povo da Malásia em geral, e de Bornéu em especial, é muito educado e simpático, algo que com certeza chamou a minha atenção. A toda hora pessoas sorriem para você na rua ou pedem para tirar fotos. É bacana.


   Como dito no último artigo sobre a Malásia contando um pouco mais sobre “O Povo da Floresta”, conheci dois portugueses muito simpáticos e resolvemos dividir o mesmo chalé no parque.  Combinamos ainda no ônibus de volta a Kuching da reserva dos Orangotangos, se encontrar de manhã no outro dia dentro do ônibus que nos levaria até o local para pegar um barco até o parque.

  Numa pontualidade britânica, o Ônibus às 7 e 10 passou no ponto de parada perto da nossa guesthouse e lá estavam os portugueses e mais alguns outros estrangeiros rumando para o parque. Ao chegarmos no pier, fomos avisados que a maré estava muito baixa e teríamos que esperar duas horas para prosseguirmos ao parque. Creio que os barqueiros locais calcularam mal a maré, já que mesmo esperando as duas horas, atolamos no meio do caminho. O caminho de ida ao parque é lindíssimo, e depois de algum esforço conseguimos desatolar o barco dos bancos de areia e prosseguimos viagem.

   O Bako National Park é um dos mais antigos da Malásia. Já existe há dezenas de anos e é um refúgio para uma miríade incrível de animais. Além de fazer trilhas no meio da selva, nosso objetivo principal era conseguir avistar o raro primata Proboscis Monkey. Esse inusitado animal está ameaçado de extinção e existe apenas na ilha de Bornéu. 

  Os portugueses eram umas figuras, muito engraçados mesmo. Um chamava-se Rui e trabalhava como radiologista em Lisboa. O outro, Nuno, era gerente de uma clínica de médicos na Ilha da Madeira. Conversando com os dois deu para ter uma ideia do motivo de muitos comportamentos dos brasileiros, pois a semelhança, apesar de Portugal ser bem mais desenvolvido, entre portugueses e brasileiros é imensa.  Foi engraçado quando eles pediram para eu contar alguma piada sobre portugueses, e na hora não me veio nenhuma na cabeça, uma pena, pois contar piada de português para um português é engraçado. Aliás, essa é uma boa forma de se conhecer, mesmo que superficialmente, alguns aspectos de como uma pessoa leva a vida. Quando conto piada de Gaúchos para Gaúchos alguns simplesmente riem, mas há outros que ficam com a cara fechada, o que para mim é uma grande bobagem. Enfim, os portugueses se mostraram muito amistosos e cordiais.

  No primeiro dia do parque, fizemos algumas trilhas e andamos uns 10km. Há uma diferença enorme entre fazer uma trilha num lugar frio como a Nova Zelândia ou Nepal, por exemplo, e uma trilha no meio de uma floresta tropical num local quase que na linha do equador. É quente, abafado, úmido e é extremamente difícil andar no meio da mata densa, mesmo que haja uma trilha marcada no chão. Além do mais, no começo da viagem na Nova Zelândia, eu estava muito bem fisicamente. Treinei exclusivamente ginástica funcional no Brasil para isso. Estava muito bem alimentado também, pois éramos nós que cozinhávamos todas as nossas refeições e não economizávamos nas compras de supermercado. Assim, fazíamos trilhas de 12-15km no país do Senhor dos Anéis, ficávamos cansados, mas no outro dia estávamos recuperados. Andar 10km sem estar comendo muitas frutas, já um pouco cansados de oito meses de viagem, no meio de uma floresta úmida, não é fácil, e chegamos quase que no limite das nossas energia nesse dia.

  Vimos formações rochosas espetaculares, praias desertas e selvagens, vegetação de inúmeros tipos, mas infelizmente não vimos muita vida selvagem. Eu pensei que seria mais fácil ver os macacos, mas nesse primeiro dia não foi. Pensei comigo mesmo “Amanhã, conseguiremos ver”.  

Vistas sensacionais de praias baías desertas...

Caminhar uphill num clima tão abafado e quente numa floresta densa é bem difícil

Belíssimo Bako National Park

Essa rocha foi uma das mais bonitas que já vi, encontrava-se na praia em frente ao alojamento


  Depois de jantarmos no nada especial restaurante do parque, resolvemos ir ao Night Walk, que nada mais é do que uma trilha de duas horas no meio da mata de noite, na companhia de um guia, para se avistar animais noturnos, principalmente insetos e répteis. O passeio foi muito bom mesmo, ainda mais pelo preço de apenas 10,00 Ringgit (algo em torno de R$ 8,50). Eram três guias e fiquei surpreendido como eles conseguia avistar os animais no meio da noite apenas com uma lanterna. Vimos cobras (uma bem venenosa), aranhas de vários tamanhos e cores, formigas gigantes, sapos de várias cores e a estrela da noite o Flying Lemur. Este último é bem raro de ser avistado, mas tivemos a sorte não só de vê-lo, mas como também de observar ele “voando" (na verdade, ele não voa, mas plaina no ar). Foi uma experiência bacana.

Uma Viper, cobre extremamente venenosa. Eu fiquei muito impressionado como o guia achou essa cobra na escuridão.

Aranha gigante

Muitas espécies de sapo que faziam um barulho ensurdecedor. Aliás, a floresta de noite parece uma sinfonia de barulhos.

A foto não é minha, mas ver um Flying Lemur foi o auge da noite. Na verdade ele não voa (O único mamífero que pode voar é o Morcego, falarei mais sobre esse fantástico animal em outro artigo)

Alguma semelhança? Há uma área da engenharia que se chama Bio-Engeharia. Tenta pegar aspectos da natureza em plantas e animais e transformar em tecnologia acessível para nós humanos. Esse é apenas mais um dos muitos exemplos.


  No outro dia, ainda bem cansados das trilhas feitas, resolvemos fazer mais duas trilhas para ver se conseguíamos ver a estrela do parque. As trilhas foram curtas, mas eram bem íngremes e muito cansativas. Andávamos, e a cada barulho na mata, pensávamos que podia ser o Proboscis Monkey, mas nada de avistarmos um indivíduo da espécie.

  Bem cansados, resolvemos voltar para o centro de informações do parque, almoçarmos, descansar um pouco e irmos embora. “Poxa, eu gostaria muito de ver esse animal, mas é assim mesmo” pensei comigo mesmo. Quando estávamos quase chegando no HD do parque, eu avisto um macaco muito diferente sentado numa árvore. Concentro a minha visão no animal e confirmo na minha cabeça “é ele!”. Um grupo de 6-7 macacos estavam ao redor em várias árvores e ficamos durante uma meia hora tirando fotos e olhando aquele macaco tão diferente. Quão diferente ele é? Vejam vocês mesmos, prezados leitores, nas fotos abaixo. 

Eu não sei, mas quando vi pela primeira vez o macaco, pensei comigo mesmo que ele parecia o Homer Simpson por causa do barrigão e da cara meio perdida. 

Barrigudo e Narigudo...

E segundo um guia do parque, quase sempre pronto para o bem bom. Mesmo dormindo, o "bingolin", ou como uma escocesa casada com um italiano iria me dizer dias depois numa outra excursão o "red chili" estava a ponto de bala. 


   Praias selvagens, rochas lindíssimas, aranhas e formigas gigantes, cobras venenosas, trilhas no meio da selva, um macaco que parece o Homer Simpson, e ainda por cima a companhia de dois portugueses gente boníssima, o que mais querer de um parque nacional? Nossa estada no Bako National Park foi muito boa mesmo. Uma experiência para se relembrar por muito tempo.

  De volta a Kuching, fomos jantar com nossos amigos Rui e Nuno e foi uma noite muito agradável. Falamos sobre os problemas dos nossos países, séries de TV, cinema, capitalismo, finanças públicas, viagens e foi um papo divertidíssimo. O ponto alto da noite foi quando o Nuno estava falando das diversas séries de TV (confesso que depois de Breaking Bad, comecei a assistir mais séries, isso quando estava no Brasil, estou querendo saber o que vai acontecer na quarta temporada de House of Cards), quando o Rui virou para ele e disse num tom meio que sério “Não está na hora de você parar de ver televisão e trabalhar um pouco mais não?”. Eu e a Sra.Soulsurfer caímos na gargalhada. Figuraças.

Nuno (sentado) e Rui (de pé), grande companhia de nossos irmãos portugueses. O repelente é porque foi um dos lugares com o maior número de mosquitos que vi na vida. A Sra. Soulsurfer sofreu, eu, ainda bem, quase nem sinto as picadas de pernilongos.


  É isso colegas, grande abraço!


  

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

BRUNEI - O PAÍS QUE NÃO FOI OU ANATOMIA DE UMA BURRICE



   Olá, colegas. Hoje o artigo será bem curto. Estou escrevendo do aeroporto de Miri na província de Sarawak esperando um voo para Kota Kinabalu na província de Sabah. Muito provavelmente, publicarei este artigo daqui vários dias, pois tenho vários artigos prontos sobre Bornéu para serem publicados antes. Entretanto, resolvi escrever esse artigo, pois de vez em quando faz bem “colocar para fora” certas coisas.


  Quando ainda estava em Kuching, comprei uma passagem do parque nacional Mulu para a cidade de Miri. Não há muito o que um turista fazer em Miri, a não ser visitar as cavernas de Nias há 100 km ao sul. Como iríamos ver cavernas espetaculares em Mulu, decidi ir para Miri apenas por ser um bom ponto para se ir ao sultanato de Brunei. O meu plano era ir para Brunei, passar duas noites lá, voltar para Malásia, pegando assim mais 30 dias de estada no país, e ir para Kota Kinabalu. Assim, conseguiria estender o visto e de quebra conheceria mais um país. Faltavam apenas Brunei e Timor-Leste para eu ter visitado todos os países do Sudeste Asiático.

  Assim, hoje disse adeus ao fabuloso parque de Mulu e aterrissei na cidade de Miri. Peguei um Táxi para o terminal de ônibus e comprei duas passagens para a capital de Brunei Bandar Seri Begawan. Eram 11 e meia da manhã e o ônibus partiria apenas às 15:30. O taxista então perguntou se nós não queríamos ficar no Shopping. Perguntei se ele iria cobrar alguma coisa, ele respondeu que não. O cara foi tão simpático que nos levou perto do shopping e depois voltou de carro para mostrar como se fazia para ir a pé de volta a estação de ônibus, já que o trajeto era um pouco complicado. Um dos taxistas mais gente boa que conheci.

  Chegando ao shopping, resolvi apenas por curiosidade checar se brasileiros precisavam realmente de visto  prévio para entrar em Brunei. Claro que não precisavam. Quase todos os países do Sudeste Asiático isentam brasileiros de Visto (Malásia, Cingapura e Tailândia, Filipinas) ou você pode pegar na fronteira (Camboja, Laos e Indonésia). Além do mais, eu tinha lido no Lonely Planet que se podia pegar o visto de graça na fronteira, a exceção dos Australianos que deveriam pagar. Está dito isso literalmente no mais famoso guia de viagem. 

  Quando eu comecei a ler que brasileiros sim precisavam de visto prévio e não faziam parte da lista de dezenas de países que não precisam de pré-agendamento, eu só pensei comigo mesmo “P…que pariu…, eu não acredito que fui tão burro”. Sim, eu não chequei a informação, e descobri que brasileiros não podiam entrar em Brunei sem agendar previamente, ao contrário de Peruanos, por exemplo, que recebem um visto de 14 dias na fronteira. 

  Imediatamente, abri o guia e pensei “Bom, a bobagem foi feita, vou de ônibus para Kota Kinabalu”. Sabem quanto tempo demora a viagem de 300km meus queridos leitores? De 12 a 15 horas. Sim, você não leu errado. O passaporte é carimbado 10 vezes no percurso e o ônibus passa duas vezes por Brunei. Fui pesquisar na internet se havia alguma espécie de transit visa, e Brunei fornece um de 72 horas, mas as regras não estavam claras nem no site do Ministério de Relações Exteriores do Sultanato. O que fazer? A Sra. Soulsurfer perguntou na companhia de ônibus, e eles não souberam responder se poderíamos ou não pegar um visto de trânsito, acho que latinos viajando por aqui é coisa rara de se ver, e os europeus que fazem esse trajeto, a exceção de habitantes da Croácia, podem receber visto na fronteira sem problemas.

  A passagem de ônibus custava 90,00 Ringgit (1 real = 1.15 ringgit). Entrei na internet e vi que havia voo para hoje de noite para Kota Kinabalu por 270,00 Ringgit. Refleti um pouco, e acabei desistindo da ideia de ir de ônibus e visitar Brunei (até porque não poderia) e cá estou esperando por algumas horas o voo para a província de Sabah.

  Se eu tivesse visto este detalhe, simplesmente teria pego o voo de Mulu direto para Kota Kinabalu que era apenas um pouco mais caro do que o voo para Miri.  Por uma falta de planejamento básico, perdi um dia de idas e vindas, e vou gastar quase R$ 500,00 a mais. Dinheiro esse que não me faz falta, mas se tem uma coisa que não gosto é jogar dinheiro na lata de lixo. 

  Viajar sem planejamento é uma coisa que realmente gosto de fazer. Planejar uma viagem tão longa como essa então é muito difícil, e creio que destrói um pouco o encanto. Não há nada melhor do que ir decidindo para onde ir de acordo com as novas descobertas que vão se fazendo no decorrer da viagem. Entretanto, visto é algo essencial. Esqueci essa lição básica e singela de viagens overland. Na verdade não esqueci, foi apenas, falando o português claro, uma grande burrice cometida da minha parte.

  Bom, ao menos tenho uma história para contar e o que não seria das viagens, e da vida em geral, sem histórias como essa? 

               
Brunei, não foi dessa vez, e tenho uma sensação que nunca será...


Grande Abraço a todos!