Olá, colegas. Espero que estejam todos bem. Escrevo nesse artigo sobre a nossa zona de conforto. O que é isso? Muitos já devem ter ouvido falar dessa expressão, e talvez boa parte desses muitos já tenha se questionado se não é hora de “desafiar a própria zona de conforto”. Basicamente, entende-se como “zona de conforto” toda situação a qual um ser humano se sente habituado a ela, e mais importante seguro dentro dela. Se eu vivo dentro de um país que fala minha língua nativa, podemos considerar essa situação uma zona de conforto principalmente se eu considerar a hipótese de ir morar em outro país com idioma diverso. “Soul, mas alguém que não é feliz vivendo aqui, não estaria numa zona de “desconforto?”, entendo que sim, e pretendo chegar lá em poucos parágrafos.
Qual é o problema de se sentir familiarizado e seguro com algo? Nenhum, caros leitores. Em certa medida isso é uma característica biológica nossa enquanto espécie. Logo, sentir-se bem numa situação confortável é algo natural e humano. Entretanto, e assim é a vida, muitas coisas extraordinárias apenas ocorrem quando nos colocamos em situações desconfortáveis, ao menos num primeiro momento. Quando nos sentimos muito confortáveis com um relacionamento, com um trabalho, com um estilo de vida, há uma tendência natural de esquecermos, ou ao menos perdemos o interesse, em outras formas alternativas de relacionamento, trabalho ou estilo de vida. E qual é o problema com isso? O maior problema é que às vezes nos esquecemos o quão diverso e complexo é o nosso mundo, e que outras realidades poderiam ser tão ou mais “confortáveis” do que a realidade vivida dentro de uma zona de conforto.
Pensemos no primeiro ato de nossa vida que é nascer. Creio que não podemos saber o que se passa na cabeça de um nascituro quando ainda está no ventre da sua mãe. Porém, uma criança com 8-9 meses de gestação já é indubitavelmente um ser humano. Dentro da sua mãe, a realidade é extremamente confortável. Eu imagino o choque que deve ser para uma criança ao sentir a luz pela primeira vez, o ar, um ambiente externo gigantesco. Talvez por isso haja todo um debate hoje em dia de como um parto poderia ser mais “humanizado”. Nosso ato ao nascer é uma saída de uma zona de conforto e nos primeiros momentos deve ser extremamente desconfortável. Porém, se estou escrevendo esse texto, se estou numa ilha da Tailândia, se tenho prazer em comer um sashimi, tudo isso é derivado do meu ato de nascer, de um ato de extremo de desconforto.
A primeira zona de conforto, talvez a maior de todas, deve ser enfrentada por qualquer ser humano que venha a existir.
Isso, a existência de todas as possibilidades pelo fato de estarmos vivos derivada de um ato de saída de uma “zona de conforto”, deveria ser sempre um alerta para nós humanos de como coisas maravilhosas podem existir quando ousamos dar um passo fora do nosso mundo conhecido. O mundo é vasto, ele é imenso mesmo. Podemos pensar sobre isso de forma abstrata, mas essa realidade só se torna tangível quando olhamos por nós mesmos. As formas que as mais diversas pessoas vivem suas vidas são inúmeras. Logo, o lugar onde moramos, a forma como expressamos nossas opiniões e sentimentos, o trabalho que realizamos, as pessoas com quais interagimos no dia a dia, tudo isso é apenas uma fração muito pequena da realidade, é apenas uma maneira de viver a vida dentre tantas outras possíveis.
As diversas “zonas de conforto” podem nos levar sim a paralisia e a ignorarmos tantas coisas bonitas, e feias também, que a vida e o mundo podem nos oferecer. Este e um grande problema, ou melhor dizendo uma grande perda de oportunidade. Entretanto, não é a maior delas. Uma coisa é realmente se sentir bem com a vida que se leva, outra é estar numa zona de “desconforto”, mas por receio, medo ou ansiedade ficar preso numa forma de existência que não nos traz bem-estar.
O trabalho por exemplo. Posso estar infeliz, seja porque se ganha pouco ou porque não se encontra sentido no que faz, ou uma mistura de ambos. Entretanto, largar o emprego é uma atitude arriscada, “e se der errado?”. Estudar para fazer um concurso público, ou para se aprimorar na área, ou para mudar completamente de campo de conhecimento é desconfortável no início. Envolve talvez deixar de ver televisão, ler blogs, abrir mão de algumas coisas. Apenas a visão do esforço necessário para desafiar a situação atual de vida pode ser uma corrente que deixa a pessoa presa. Porém, estudar novos assuntos, se deparar com novos livros, novas formas de pensamento, por mais desconfortável que seja no começo, sempre será algo maravilhoso e muito provavelmente engrandecedor para a pessoa que se esforça nessa direção.
A nossa saúde. É difícil muitas vezes largar alimentos nocivos e altamente viciantes. Fast food é muitas vezes comparado com cocaína, pois possui efeitos no cérebro muito parecidos no que toca ao mecanismo de satisfação e recompensa. Por isso, realmente é difícil do ponto de vista lógico fazer uma distinção, do ponto de vista dos malefícios para o ser humano, tão profunda entre um traficante de drogas e um vendedor desse tipo de comida para o público infantil, por exemplo. Tratei desse tema ao falar de sucesso financeiro, e vi que é algo que toca profundamente as pessoas, e não pretendo me alongar mais uma vez nesse tema. Logo, assim como é difícil largar o cigarro, é difícil largar a “zona de conforto” do sendentarismo e da má alimentação. Na verdade, é desconfortável mesmo, sendo que dependendo do estágio de intoxicação alimentar (e fico abismado como isso está se espalhando feito uma doença em nossa sociedade), o nosso corpo irá estranhar uma alimentação mais saudável.
Na verdade, os exemplos dados do trabalho e alimentação representam uma zona de desconforto. A pessoa se sente habituada e segura com algo, mesmo que essa situação não traga bem-estar para a mesma. A segurança e estabilidade é algo muito forte nas pessoas, mesmo que seja uma estabilidade e segurança de uma situação ruim. Não é à toa que dizem que o mercado financeiro prefere uma certeza ruim, a uma situação de incerteza. Não fomos criados para lidar com a incerteza, apenas com certezas. Também não é de se estranhar que muitas pessoas no Brasil enxergam o serviço público com brilho nos olhos. Porém, o incrível, é que o mundo é formado de incertezas, e até no nível fundamental da matéria jaz um cânone que se chama Princípio da Incerteza (também já tratado nesse blog, princípio da incerteza e a precipitação dos seus investimentos).
O meu exemplo pessoal. Eu, no Brasil, vivia numa zona de absoluto conforto. Ao olhar um pen drive que trouxe na viagem para consultar o meu IR, não olhava o conteúdo desse dispositivo há quase nove meses, vi umas fotos do meu apartamento. Tomei até um susto. Falei com a Sra. Soulsurfer algo como “mas esse apartamento é muito confortável, é quase luxuoso”. Depois de dormir cinco meses num carro, e trocar de pousadas, Hostels e guesthouses dezenas de vezes, ficando em quartos simples, olhar a foto da minha sala foi algo muito diferente.
Tenho que confessar que às vezes sinto falta de deitar neste sofá e ficar assistindo algum filme. Ou sentar na varanda e olhar as dunas e a natureza. Pensei em vender esse apartamento, mas é bom ter um porto seguro para chamar de casa, principalmente quando é um lugar que se sente bem. Por outro lado, olhar essa foto apenas me fez perceber o quão privilegiado eu sou, bem como que não preciso de tudo isso para ser satisfeito com a minha vida.
É evidente que não preciso disso tudo para viver bem e feliz. Por outro lado, é bom saber que quando quiser retornar ao Brasil poderei voltar para algo tão confortável. O meu apartamento além de tudo é grande. Tem vista para o verde, mar, dunas. Fica a cinco minutos andando de uma praia com altas ondas, por uma trilha que passa por meio de vegetação e dunas grandes, e quando não é temporada pode se andar sozinho pela praia. Uma das coisas que mais gostava de fazer erra correr de manhã e tomar um banho de mar numa praia quase vazia. Conheço todos os vizinhos, sou amigo de muitos e me dou bem com quase todos. É uma rua sem saída, então não tem trânsito, o final da rua é uma mata fechada que começa o início da trilha para a praia. Mais zona de conforto do que isso, para o estilo de vida que gosto, é difícil. E olha que já morei na Califórnia e rodei por muitas cidades na costa da Austrália (cito esses exemplos específicos, pois em certa medida são parecidos com a minha cidade), e não sei se trocaria pelo lugar onde moro.
Comida. Como sinto falta da comida brasileira. Todo dia precisamos comer comidas diferentes, num idioma diverso com temperos variados. Às vezes é muito bom, às vezes é muito ruim. Sinto falta de comer pizza, a melhor pizza do mundo que se encontra numa pizzaria não tão longe da minha casa. Não estou de brincadeira, é a melhor pizza disparada. Todos amigos que me visitam, eu levo nessa pizzaria, inclusive um blogueiro “Poeta Investidor” que estava de passagem pela minha cidade, fiz questão de levá-lo lá e foi bem legal.
Melhor pizza do mundo. Metade Série ao fundo, metade melhor da série. Que delícia. Pagaria uma bela grana para poder comer essa pizza estando onde estou. Aliás, qualquer pizza como essa em qualquer país do mundo é certeza de empreendimento de sucesso. Já passou pela minha cabeça a ideia de montar algo como isso nos EUA - Califórnia ou Austrália.
Carro. Eu não sou aficcionado por carro. Tinha um I30 e achava extremamente confortável. Câmbio automático, banco de couro, carro extremamente silencioso. Eu como viajava bastante a trabalho, sentia que era bem seguro. Para onde eu fosse, poderia ir de carro de forma bem confortável. Hoje, pego transportes apertados. Tenho muitas vezes que carregar uma mochila relativamente pesada para procurar uma acomodação, já que não tenho transporte. Toda hora precisamos andar de scooter, ou negociar duro com motorista de táxi ou Tuk-Tuk, para conhecermos o lugar.
Mesmo vivendo extremamente confortável, numa grande “zona de conforto” portanto, resolvi temporariamente largar tudo isso e trocar por quartos simples, às vezes apertados, às vezes mal-iluminados, comidas não tão saborosas e gostosas, transportes lentos e apertados, e isso, ao contrário de ser uma experiência terrível, está me fazendo muito bem mesmo, pois está me possibilitando ampliar ainda mais a minha visão desse lindo mundo e de certa forma sobre mim mesmo.
Ah, o trabalho. Minha maior zona de (des)conforto. Não foi difícil vender o carro, deixar o meu apartamento ou os quitutes da nossa culinária. Agora, estou prestes a tomar uma grande decisão. O meu trabalho é estável, bem remunerado, não tenho chefe (não no sentido de hierarquia de alguém determinando algo), posso fazer home office, não tenho horário. É o trabalho dos sonhos para muitos brasileiros. Porém, não sou satisfeito com aquilo que faço. Posso continuar no mesmo cargo, e com o patrimônio acumulado que possuo, ter uma vida para lá de segura financeiramente, sem se preocupar muito com yield, margem de segurança, juros reais, etc. Nomenclaturas que farão parte da minha vida de forma mais consistente acaso opte por um outro caminho. Será que vale a pena? Será que não vale a pena? Até que ponto essa segurança financeira vale a não-satisfação? Jobs já disse no seu cérebro discurso de que "todos nós estamos nus". Eu estou 95% decidido, mas, como sempre fui uma pessoa conservadora e não sou genial como Steve Jobs, tenho os meus receios. Espero ter coragem e sabedoria suficiente para decidir se vale a pena desafiar essa zona de conforto, que na verdade para mim nos últimos anos mais se assemelhou a uma zona de desconforto.
Por outro lado, é preciso ter equilíbrio. Estamos, eu e minha companheira, sentido falta de um certo conforto na estadia. Por isso, resolvi tonar a viagem um pouco mais lenta, algo também conhecido como Slow Travel, e devo alugar um apartamento pelo Airbnb em Bangkok por umas três semanas. Recarregar as energias, escrever bastante (estou pensando em escrever um livro sobre viagem e outro sobre leilão), vivenciar mais uma incrível cidade da Ásia e se preparar para o caminho por terra até a Rússia.
Ache o seu ponto de equilíbrio, prezados leitores. É sempre bom desafiar-nos nas mais variadas esferas de nossa vida. É bom também termos um porto seguro. Agora, não se acostume com uma zona que não é de conforto, mas sim de desconforto. Não vale a pena. O mundo é amplo demais e a vida curta demais para sentirmos medo de mudar, e esse conselho vale para mim mesmo também.
Grande abraço e se não escrever mais nada, um bom natal a todos!