domingo, 30 de julho de 2017

O INVESTIMENTO MAIS RENTÁVEL DE TODOS

Olá, colegas. Qual é o melhor investimento que você pode fazer? Qual é o investimento que vai gerar o maior ROI (Return On Investment – Retorno Sobre o Investimento) possível? Bitcoin? Empresas que pagam dividendos crescentes? Títulos do Governo Brasileiro? E se houver uma espécie de investimento que gera retornos astronômicos, sem risco de você ficar numa posição pior, e ainda por cima fazer você melhorar como ser humano?

 Difícil a questão? Creio que não. O melhor investimento é aquele que você faz em si próprio.  Há uns meses, assisti a uma palestra que dois autores deram no Google. Não consigo achar mais o vídeo, mas o tema foi sobre como o investimento em si mesmo é aquele que pode alcançar o maior ROI possível, e eles falavam do estrito ponto financeiro.

 Sim, o assunto não é novo nem mesmo entre os blogs de finanças. Apenas resolvi escrever a respeito, pois recebi nos últimos dias dois e-mails muito interessantes. Um era de um médico com a minha idade já consolidado, professor de universidade federal, renda altíssima, patrimônio alto, grande escolaridade e formação.  O outro era de um jovem de 25 anos no quinto ano de medicina, com muita vontade, e com um patrimônio acumulado quase inexistente.  Este jovem então fez perguntas sobre investimento, se deveria ir para fundos multimercados, ficar na renda fixa, etc. Perguntas todas elas legítimas e boas, mas que podem fazer as pessoas se distraírem do maior investimento de todos.

 É claro que o médico mais consolidado investiu muitas horas e anos de estudos nele mesmo. Talvez num determinado momento da vida dele ele possa ter pensando em desistir, diminuir o esforço, investir o seu tempo e atenção em alguma outra coisa. Porém, ele persistiu. Ele investiu nele mesmo. Qual será o ROI do investimento que ele fez nele mesmo? Altíssimo.  

 Para a esmagadora maioria das pessoas os maiores retornos virão de investimentos diretos nelas mesmas, não da análise de ativos financeiros.  Isso não quer dizer que não possamos conhecer de finanças, pelo contrário, até porque para virar um investidor mediano-razoável não são necessários conhecimentos sofisticados. Porém, não se enganem queridos leitores, não é analisando o último balanço da AMBEV, ou refletindo se a alocação em renda fixa deve ser de 30% ao invés de 25%, que irá trazer retornos substanciais do ponto de vista financeiro.

Os frutos de investimentos em nós mesmos, contudo, vão muito além de dividendos financeiros. Muito além.  Aliás, para mim hoje em dia tenho muito mais preocupações com outros desdobramentos de meus “investimentos em mim mesmo” do que com os aspectos financeiros. 

 Mas o que é investir em nós mesmos? Comecemos pelo mais óbvio: educação. Evidentemente, o investimento seja em dinheiro, seja em horas, na nossa própria educação tem um potencial gigantesco de oferecer retornos altíssimos. Educação aqui não é apenas em sentido formal, até porque títulos formais para mim querem dizer pouca coisa, mas também não se pode cair em discursos tolos de que a escola, ou o ensino universitário, não serve para muita coisa nos dias atuais.

    O tema é amplo e daqui o texto poderia seguir em várias vertentes, mas irei tratar sobre especialização x generalidades. Um colega nosso da blogosfera foi estudar no Canadá há alguns anos e me pediu alguns conselhos sobre livros de investimento. O conselho que dei foi: experimente idéias novas, áreas novas, nunca se sabe as conexões que podem se formar quando você se aventura em “mares nunca antes navegados”.  Pode haver certa parcialidade minha nisso, pois é assim que enxergo a vida, vejo-a muito mais colorida quando podemos ter diversas perspectivas sobre o mesmo tema.

  Porém, em que pese essa pretensa parcialidade, o fato é que pessoas bem sucedidas em suas áreas parecem adotar um modelo mental parecido. Charlie Munger é um sujeito que me vem a cabeça. Sócio do W.Buffett ele é conhecido pela sua ideia de “modelos mentais”, que nada mais são do que diversas formas de ver a vida sob perspectivas e áreas do conhecimento diversas.

  Steve Jobs disse em certa palestra que sua obsessão com a estética dos produtos da Apple veio muito por causa de um curso de caligrafia que ele fez logo depois de abandonar a faculdade.  Pensem um pouco sobre isso, prezados leitores. Talvez o sucesso de uma das maiores empresas de todos os tempos é fruto de um curso de caligrafia que um jovem resolveu fazer. Uma conexão como essa é impossível de prever antecipadamente, mas elas ocorrem, em maior ou menor grau, quando estamos dispostos a investir em nós mesmos e alargar nossa visão de mundo ou nossas habilidades.

 “Mas Soul, não é uma perda de tempo fazer um curso de caligrafia, esse exemplo do Jobs é um em 100 milhões”, claro que é a exceção da exceção argumentativo leitor.  Apenas nesse tópico poderia escrever outro texto, mas deixarei para outra oportunidade. 

 O ponto não é o que o Steve Jobs fez ou deixou de fazer, mas sim que quando desafiamos a nossa perspectiva de ver o mundo, coisas incríveis podem ocorrer. Para nós a caligrafia é algo completamente distante da nossa vida (apesar do senso estético dela estar permeando a nossa vida com o design dos produtos eletrônicos que consumimos). Porém, para a cultura chinesa, por exemplo, a caligrafia é algo muito mais presente. Era muito normal em praças chinesas (aliás, a vitalidade de uma praça chinesa perto do entardecer daria para escrever pelo menos dois artigos) eu observar senhores praticando a caligrafia construindo os ideogramas chineses.

  Porém, como dito alguns parágrafos acima, o investimento em nós mesmos gera frutos tão ou mais importantes do que os retornos financeiros.  No famoso Oráculo de Delfos na  Antiga Grécia, dizem que havia uma frase “Homem, conhece-te a ti mesmo”.  Essa deveria ser uma das perguntas mais fundamentais na vida de uma pessoa. Não é sobre carros, onde investimos nosso dinheiro, ou sobre quem nos relacionamos.

  Sinceramente, conheço pouquíssimas pessoas que realmente conhecem a si mesmo de maneira profunda. Conhecer quem realmente somos exige esforço e dedicação, em outras palavras exige um “investimento”.  Nunca fiz o caminho de Santiago de Compostela, mas creio saber o motivo de tantas pessoas terem experiências “espirituais” profundas ao término da caminhada.

 Imagine um sujeito de 40-45 anos tendo que caminhar durante semanas, na maior parte do tempo de forma solitária. Com qual pessoa ele terá que dialogar? Ora, com ele mesmo. Imagine uma pessoa durante semanas dialogando com ela mesma. Será que perguntas difíceis não serão feitas? Será que ela vai ficar feliz quando for descobrindo o que ela se tornou?  Isso nada mais é do que meditação e autoconhecimento sobre si próprio. Eu imagino o impacto que isso pode ter na vida de um homem, ou mulher, de meia idade que simplesmente navegou pela vida, sem perguntar muito para a pessoa mais importante, ou seja ela mesma, se ela realmente queria ter tomado certos caminhos.

 Portanto, o investimento em nós mesmos faz com que tenhamos uma melhor ideia de quem somos. Se eu sei quem sou, eu posso saber com mais facilidade o que quero. Um carro mais caro e um trabalho não prazeroso (mas com boa remuneração), por exemplo, são compatíveis com os meus sinceros objetivos de vida? Talvez sejam e não há nada de errado nisso, desde que a pessoa saiba conscientemente as trocas que por ventura está fazendo.

 O único “porém” do contínuo desenvolvimento em nós mesmos, é que não há volta. O conhecimento não pode ser “desfeito”. Antes um “cidadão de bem”, depois de uma profunda reflexão, a descoberta de que não é um cidadão tão do bem assim (para ficarmos apenas num exemplo). Algumas pessoas podem achar isso extremamente desconfortável, e o é mesmo, e por isso simplesmente se travam. É o que mais vejo em certas situações, e esse blog possui muitos comentários assim.

 Após me informar durante alguns anos como nós humanos nos relacionamos com os mais variados tipos de animais (seja para comida, entretenimento, pesquisas científicas e militares, etc), eu não posso “apagar” esse conhecimento de mim.  E obviamente como pertenço a espécie dominante e me beneficio da exploração, em muitos casos extremamente cruel, a minha visão ética sobre mim mesmo ficou mais turva. Não é à toa que esse é um verdadeiro assunto politicamente incorreto , e combatido com extrema virulência quando raramente é trazido à tona. Não, prezados leitores, politicamente incorreto não é falar sobre conspirações globalistas, ou sobre homossexuais, ou defender um político de 30 anos de carreira política dizendo que ele é um outsider da política.

 Há uma história anedótica sobre um aluno perguntando a um professor de filosofia se ele não se sentia envergonhado de muitas vezes estar agoniado, enquanto uma simples camponesa, ignorante de muitos fatos da vida, sempre estava sorrindo e alegre. O professor teria respondido que preferia a infelicidade do conhecimento à felicidade da ignorância.

 Não há dúvidas de que o conhecimento pode trazer sofrimento, e não é à toa que os mais variados mitos religiosos tratam dessa temática. Entretanto, também é verdade que um autoconhecimento profundo sobre nós mesmos pode nos fazer nos religar com a realidade e com outros seres humanos de forma muito mais profunda e genuína. E isso não deixa de ser  uma experiência religiosa, já que a raiz da palavra religião vem de religar.

 Encerrando esse artigo, digo ao meu jovem colega quase médico formado: invista em você mesmo. O ROI do seu investimento será gigantesco, como o outro colega médico de alta renda e patrimônio consolidado pode atestar.  Não perca tanta energia com detalhes sobre uma alocação fina do seu patrimônio ainda incipiente.  Com um grande bônus: um maior investimento em si fará com que você tome decisões muito mais conscientes na vida e muito mais atreladas com os seus anseios enquanto indivíduo.


 Um grande abraço a todos!

domingo, 16 de julho de 2017

GUEST POST - O INFINITO E O ZERO

Olá, colegas. É com extrema satisfação que reproduzo o texto abaixo. O meu último artigo abriu a possibilidade da minha conversa direta com leitores, e fiquei muito feliz com o retorno. Recebi vários e-mails de pessoas muito inteligentes e interessantes: publicitários, engenheiros, advogados, e até mesmo de um jovem batalhador. Fiquei muito satisfeito de saber que posso não possuir um público grande, mas são pessoas extremamente qualificadas. É uma grande satisfação e agradeço todos os leitores que enviaram mensagens.

Um deles é engenheiro e está fazendo mestrado em Inteligência Artificial. Nossa, que tema interessante. Ele me passou alguns vídeos, e achei o tema fantástico e com implicações profundas (já tinha lido a respeito, mas nunca tinha parado para refletir com mais calma). Pelos vídeos e leituras adicionais, já adicionei três livros sobre o tema para ler. Perguntei então para o colega leitor se ele não queria escrever um artigo sobre o tema, e ser a primeira pessoa a fazer um guest post no meu espaço. Ele topou e escreveu o texto abaixo. Eu achei um artigo muito bom mesmo, espero que gostem.

obs: muitos querem conversar sobre leilão, tentarei bolar alguma coisa para que mais pessoas possam participar e fazer perguntas diretas para mim, talvez alguma espécie de Hangout onde várias pessoas podem entrar numa sala? Entendidos do assunto podem dar sugestões.


O infinito e o zero
 Por JAIRO LUCIANO ALVES 


E se a gente não precisasse mais trabalhar? E se não precisássemos avaliar o melhor negócio, o melhor investimento? E se não precisássemos mais nos preocupar com o CDI?
Os seres humanos produziram muitas coisas impressionantes. Algumas delas até serviram de base para outras ainda mais impressionantes. Vejamos o exemplo do computador. Em pouco tempo deixou de ser uma máquina monumental, cara e difícil para ser ubíqua, acessível e amigável.
O ser humano, que havia experimentado o efeito revolucionário que as máquinas podem ter na sociedade, durante a Revolução Industrial, agora iniciava uma nova era, a Era da Informação. Se, antes, nossas máquinas fiavam e teciam, agora elas não processariam apenas coisas palpáveis, mas também dados e informações.
Peter Diamandis, um engenheiro americano, defende (vide TED Talk, abaixo) que nosso futuro será abundante. Não somente melhor, mas exponencialmente melhor que nosso presente.

É difícil apreciarmos a priori a magnitude dessas mudanças porque nossa percepção biológica tende a ser mais linear, enquanto os avanços na tecnologia e nas ciências são exponenciais. Pense no acesso a informações. Se você tem uma certa idade, talvez se lembre que em muitas cidades simplesmente não havia bibliotecas para as crianças. Se você tivesse uma curiosidade não usual, típica das crianças, a imaginação poderia ser sua única resposta. Isso não faz muito tempo, uns 20 anos talvez? E hoje? Hoje temos o Google no bolso.
Você sabe o que é Inteligência Artificial (A.I.)? Certamente já ouviu falar. Já pensou em como esta tecnologia poderá alterar dramaticamente o nosso futuro?
Muitos cientistas e pesquisadores defendem que o que está em curso agora é o início de uma verdadeira revolução, com potencial semelhante ao da própria Revolução Industrial. Os especialistas no assunto, como Andrew Ng, já consideram a AI como a “nova Eletricidade”. Como assim? Bem, você sabe, quantos e quantos setores da economia foram radicalmente impactados pela facilidade da utilização em massa da eletricidade, não é? Então, será que você conseguiria imaginar a sua vida sem a eletricidade hoje? Será que consegue imaginar um único setor industrial ou econômico que não tenha sido transformado e influenciado pela eletricidade? Pois este é o panorama que se apresenta para a Inteligência Artificial nos próximos anos e décadas.

Mas então, o que é AI?

Costumava ser assim. Um programador de computadores escrevia instruções precisas sobre como resolver algum problema. Ele utilizava uma linguagem especial e os computadores simplesmente executavam, mecanicamente, essas instruções.
Mas algo mudou. Hoje, muitas vezes, os computadores estão resolvendo problemas sem que seja necessário que um humano indique o caminho ou a melhor solução. Quer ver um exemplo? Em um dos laboratórios do Google, um robô virtual foi instruído a tentar se locomover do ponto A para o ponto B. Ele contava com sensores e outras informações, mas nada foi dito sobre como ele poderia se locomover para atingir este objetivo. Através de um processo de tentativa e erro, o robô ensinou a si mesmo a andar. Isso mesmo, um processo que pode ter levado milhões de anos para acontecer evolutivamente foi aprendido por um robô de forma autônoma em pouco tempo.


E isto é só o começo, lembra do crescimento exponencial? Pois é, ele também se aplica aqui e vai fazer com que essas tecnologias deixem de ser curiosidades de laboratório e passem a ser parte indissociável de nossas vidas. Diante do que já se sabe hoje, impactos da Inteligência Artificial são esperados nas mais variadas esferas, desde financeiros e econômicos a políticos, sociais e até mesmo psicológicos.


Vamos falar de negócios?

A Blockbuster foi uma gigante do mercado de locação de filmes. Estava presente no cotidiano de milhões de pessoas. Um ícone americano, receita bilionária, com presença até aqui no Brasil.  Empregava cerca de 40 mil pessoas, pois suas lojas físicas necessitavam de muitos empregados para operar.


A concorrência com uma nova tecnologia levou a Blockbuster à falência em 2011.  O gráfico acima mostra como pode ser rápida a mudança que uma nova tecnologia impõe, mesmo a empresas que eram sólidas e estabelecidas.
Pois é, hoje a Netflix é uma gigante do mercado de locação de filmes. Está presente no cotidiano de milhões de pessoas. Um ícone americano, receita bilionária, com presença até aqui no Brasil. A Netflix não tem lojas físicas e emprega pouco mais de 3 mil funcionários.
Percebeu alguma coisa? Negócios que antes necessitavam de muitos empregados, hoje podem ser feitos mais eficientemente e com muito menos gente.
Isto não é um caso isolado, agências de viagem, lojas de CD e livrarias físicas são alguns exemplos de setores (e empregos) que tem sido engolidos pelo surgimento de empresas como a Netflix.
Este vídeo, altamente recomendado, mostra um futuro em que literalmente “Humanos não serão mais necessários” no mercado de trabalho.

O fato é que as empresas que estão tendo sucesso hoje já são bem menos dependentes de pessoas do que no passado, ao mesmo tempo em que são bem mais dependentes de grandes massas de dados, algoritmos e servidores. Seus custos de difusão são baixos (veja o exemplo dos youtubers) e o alcance de suas operações é global.


Impactos nos Empregos

As novas tecnologias proporcionam enormes ganhos de produtividade. Graças a eles, os lucros das corporações subiram enormemente nas últimas décadas. A despeito disso, o gráfico abaixo mostra que esses ganhos com a produtividade não vêm se traduzindo em ganhos nos salários. Há quem conjecture que isto se deve, ainda que em parte, a uma menor dependência dos negócios em relação aos trabalhadores. Especialmente os menos qualificados, que se tornam mais descartáveis e por isso mesmo, menos valorizados.

http://www.outsidethebeltway.com/wp-content/uploads/2012/07/wages-productivity-Figure-A.png


Por outro lado, se a automação é cruel com alguns setores e empregos, ela certamente é pródiga em criar outros tantos. Algumas pessoas defendem que novos empregos sempre surgirão para substituir os antigos e que esses novos empregos são intrinsecamente mais agradáveis e interessantes.
Historicamente, sempre que uma inovação deixava um setor obsoleto, um novo setor surgia. Assim, se os empregados antigos fossem adequadamente qualificados para ocupar os novos postos de trabalho, todos sairiam ganhando.
Porém, com a Inteligência Artificial tem sido menos evidente que este comportamento é válido. Talvez o desenvolvimento de uma AI suficientemente avançada traga para o mercado de trabalho urbano algo semelhante ao que a mecanização do campo trouxe para o mercado de trabalho agrícola.

O gráfico acima mostra a queda no percentual necessário de pessoas para trabalhar na produção de alimentos nos Estados Unidos. Mesmo se quiséssemos voltar a trabalhar no campo, nossa mão de obra seria impotente diante das modernas formas de produção mecanizada de alimentos empregadas hoje.
Vale observar que o trabalho em si necessário para produzir os alimentos não mudou de 1800 para cá. Ainda é preciso plantar, colher. As nossas ferramentas é que evoluíram e, agora, nós praticamente não somos mais necessários para manter esse processo funcionando.
Se imaginarmos que o mesmo pode ocorrer para os trabalhos intelectuais, é possível que, no futuro, não precisemos de tantos contadores, advogados, médicos ou engenheiros.


Impactos Sociais

Toda essa evolução não vem para tirar empregos. Pelo contrário, ela só ocorre porque representa uma melhoria sensível e global nas condições de vida das pessoas. Mesmo os pobres de hoje têm acesso a mais recursos do que no passado.
A substituição de pessoas por máquinas tem significado um aumento generalizado na nossa eficiência. Tomemos por exemplo o mercado de transportes. Muitas empresas têm se dedicado a desenvolver um Carro Autônomo.
Olha Mãe, sem as mãos!
A Tesla já comercializa carros que estacionam e se movem sem o comando direto do motorista. Os veículos deles se comunicam com a sede para receber atualizações de software e replicam as melhores formas de fazer os caminhos de uns para os outros. Elon Musk, CEO da Tesla, espera que carros autônomos sejam a única forma de transporte em um intervalo de 10 a 20 anos.
Já pensou em não precisar dirigir? Você poderia ver um filme ao invés de se desgastar tentando evitar um acidente. Você poderia trabalhar enquanto o algoritmo escolhe os caminhos e o leva ao seu destino. Eles não precisam ser perfeitos, eles só precisam ser melhores do que nós.
Os robôs sempre seguirão as regras de trânsito e poderão se comunicar, minimizando congestionamentos. Aliás, em um trânsito totalmente autônomo, não seria sequer preciso haver semáforos. Impossível, certo? À primeira vista parece mesmo, mas sabia que a nossa internet já funciona assim? Todos os nossos acessos são transportados de um lugar para o outro em “pacotes” de dados, roteados automática e exclusivamente por milhões de roteadores e switches que funcionam de modo distribuído e harmonioso.
Virou cena comum ver taxistas ao redor do mundo protestando contra os motoristas do Uber, não é? Mas se o carro autônomo passar a ser o melhor meio de transporte, seja economicamente, seja em termos de segurança, como defender a manutenção dos empregos desses motoristas? Como você imagina que serão entregues nossos fretes? Será que com motoristas humanos ou com algoritmos automáticos? Quem continuará empregando os motoristas de caminhão?


Mais educação resolve, certo?

Talvez não seja tão simples assim. Muitas vezes, essa é uma disputa que não podemos vencer. Sabemos que a capacidade computacional dobra a cada dois ou três anos (a famosa Lei de Moore). Em quase todas as áreas, é questão de tempo até que um computador ou robô seja capaz de fazer muito bem aquilo que antes só um humano seria capaz.
Garry Kasparov é um dos maiores enxadristas de todos os tempos. Uma mente brilhante do xadrez. Em 1996, ele demonstrou sua capacidade ao vencer o duelo com supercomputador da IBM, Deep Blue. Um ano depois, em 1997, após melhorias no algoritmo, uma nova disputa ocorreu e dessa vez a supermáquina levou a melhor. Em um intervalo de algumas décadas, os computadores haviam evoluído de adversários ingênuos no xadrez para um páreo duro contra o campeão mundial. De lá para cá, no entanto, o que foi uma disputa apertada se transformou em um massacre absoluto. Atualmente, é simplesmente impensável que um jogador humano e um computador possam competir em pé de igualdade um contra o outro, independentemente de quem seja este humano.
Se mentes brilhantes como Kasparov e Carlsen foram impotentes contra o avanço implacável das máquinas, será que é realista acharmos que conosco será diferente quando chegar a nossa vez? De novo, do Deep Blue para cá são só 20 anos. O que nos espera nos próximos 20, ou 50?

Divagações descompromissadas e distopias.

Se a disputa com as máquinas nos será quase certamente inglória, isso significa que nossas tecnologias provavelmente não dependerão mais de nós para evoluir. Para continuarmos melhorando de vida não mais seria necessário nosso esforço direto, posto que as máquinas sobrepujariam com grande margem os nossos melhores desempenhos.
Se isso acontecer um dia, será que a disputa entre os humanos continuaria a fazer sentido? Será que ainda seria algo necessário? Ou, neste momento, ao invés disso, seria mais produtivo para nós, como espécie, apostar na cooperação?
E como seria um mundo em que ninguém precisasse trabalhar nunca mais? Que impacto a abundância desmedida teria em nossa condição emocional. Que faríamos dia após dia? Seria essa a liberdade última? Seria isso algo parecido com a sonhada terra prometida, aquela onde corre leite e mel, onde não precisaríamos despender nenhum tipo de esforço para ser? Me pergunto se, neste mundo hipotético, sentiríamos, por absurdo que pareça, alguma saudade da escassez.
E a morte no futuro? Bom, já que estamos divagando sem compromisso, não seria absurdo imaginar que algum dia, daqui a 1000 anos quem sabe, se descubra uma tecnologia capaz de manter de modo indefinido a vida. Seja por avanços da medicina, da biotecnologia, da bioengenharia, vai saber. Se isso ocorrer, nada impediria o homem de alcançar uma virtual “vida eterna”. Quem viu alguns episódios da série Black Mirror vai se lembrar de temática semelhante. Se a morte fosse apenas uma escolha, se a perpetuação da saúde e da vida fosse uma possibilidade, o que isso mudaria nossa visão do mundo?
Por fim, será que algum dia não seremos mais necessários uns para os outros? Quando a oferta de bens e de serviços à disposição de todos for infinita, será que nossa contribuição individual estaria próxima do zero? Existimos para sermos necessários aos demais? Ou existe outro propósito mais fundamental?


Conclusão

Imaginar o futuro é um exercício fascinante, porém incerto. Muitos consideram um exercício inútil. Outros, que é no hoje que se deve começar a pensar o que faremos e o que seremos como sociedade no amanhã.
É possível que descubramos assim nosso maior tesouro futuro em coisas ancestrais, como a subjetividade, a contemplação, as artes, a capacidade de sentir, a gratidão, o amor.
Enquanto o futuro não vem, é a apreciação do elemento puramente humano o que ainda nos leva a transcender.

Jairo Luciano Alves é engenheiro eletricista pela UFCG.