Quando
eu era bem jovem, e falo criança mesmo em torno de 3-4 anos, o meu pai me disse que um dos grandes erros
das pessoas era que elas falavam de mais e escutavam de menos. Sim, ele falou a famosa frase “nós temos dois
olhos para observar, dois ouvidos para escutar e apenas uma boca para falar”.
Eu não sei por qual motivo, uma boa pergunta para um neurocientista, mas essa
fala do meu pai ficou guardada em minha memória, apesar de na época eu ser
apenas uma criança pequena.
Avance
a fita da minha vida por 34 anos, e posso dizer que a arte de saber escutar é
uma das mais importantes que alguém pode dominar. Ela não é fácil, e demanda um
grande autocontrole, uma capacidade de controle do ego e principalmente a
habilidade para reconhecer a possibilidade de estar errado. Não é algo trivial.
Não é fácil para mim, e muitas vezes me mostro um aluno reticente nessa arte.
Entretanto, a prática dessa arte é de vital importância para as mais variadas
áreas da vida de uma pessoa.
Comecemos
pelo início. Por qual motivo é importante escutar os outros? Primeiramente, por
uma questão de respeito. É claro que
pode haver exceções, mas geralmente as pessoas não gostam de serem simplesmente
ignoradas. Aliás, ignorar uma pessoa
pode ser muito mais doloroso e ofensivo do que uma agressão verbal. Lembro-me
quando ainda era um jovem de vinte e poucos anos, ouvir uma médica especialista
em operações cardíacas infantis dizer que uma das piores coisas que se podia
fazer em relação a crianças de ruas era simplesmente ignorá-las, isso causava
um dano muito grande, e talvez até mesmo duradouro, na formação psicológica desses
jovens.
Não
é à toa que uma das melhores estratégias para evitar um conflito com alguém
agressivo no trânsito, na fila do supermercado, é simplesmente ignorar a
situação. Essa é uma solução que o não
escutar talvez seja positivo. Uma estratégia muito comum também, principalmente
na seara dos argumentos, é simplesmente ignorar ou fingir que não existe.
Aliás, é algo muito como pela internet. Ao invés de escutar algum argumento, por
exemplo, é muito mais conveniente para muitas pessoas apenas ignorá-lo por
completo.
Na
internet, é tão comum não escutar as pessoas, que essa conduta é quase a norma.
Felizmente, ainda não o é nos contatos físicos do dia a dia. Experimente falar algo e ser completamente
ignorado por uma pessoa, uma sensação de desrespeito enorme surge, ocasionando
uma situação de conflito potencial. É por isso que é muito mais fácil ignorar
na internet, sem o contato olho no olho, do que pessoalmente.
Tirando
casos extremos de não escutar para a defesa da própria integridade física ou
moral de si ou de outros, a verdade é que não escutar o que outra pessoa esteja
falando é um sinal de desrespeito. Muitas vezes as pessoas apenas querem ser
ouvidas, apenas isso, e quando isso ocorre, como está ficando cada vez mais
raro, as pessoas se sentem muito satisfeitas com isso. Conto uma história nesse
artigo justamente sobre isso: Um mundo sedento por atenção sincera
Num
outro grau mais “sofisticado”, escutar é uma atitude inteligente. Por qual motivo? Já foi dito isso em diversas
outras oportunidades nesse blog, mas nunca é demais fiar o conteúdo. Um bom cientista testa a hipótese “só existem cisnes brancos” não
procurando cisnes brancos, mas sim cisnes que não sejam brancos. Isso para mim
é tão lógico e intuitivo nos dias de hoje, que às vezes esqueço como é tão
não-intuitivo para muitas pessoas.
A
resposta muito é muito simples. Uma pessoa pode observar durante vários anos um
milhão de cisnes brancos. Serão um milhão de observações distintas que parecem
confirmar a hipótese “só existem cisnes brancos”. Porém, basta apenas uma
observação de um cisne negro para que a hipótese seja considerada falsa.
Logo, prezados leitores, procurar por dados
da realidade que simplesmente reforcem nossas idéias preestabelecidas é tudo menos
uma postura racional e científica. Há até mesmo um viés cognitivo, em minha
opinião, o maior deles, chamado viés de confirmação: a tendência humana de
ignorar dados, ou dar pouca relevância, que sejam contrários a idéias próprias,
mas dar muito valor a dados que confirmem essas mesmas idéias. Para meu insight sobre esse viés Viés de Confirmação: Nossa preguiça intelectual
E como
isso pode ser feito? Como o viés de confirmação pode se manifestar? Não
escutando. É muito mais fácil pensar num cenário onde as pessoas escutem
informações que as favoreçam ou confirmem idéias preestabelecidas e ignorem
pessoas que dizem o oposto. Isso não é inteligente, nem mesmo prudente.
Uma vez
num imóvel adquirido por mim e fiz contato com a advogada do devedor que ocupava
o bem. Ela não quis nem mesmo ouvir o que tinha a dizer, e na conversa rápida
que tive mostrou ter um conhecimento técnico muito pequeno sobre alienação
fiduciária, ou seja, ela deveria ter agradecido a minha ligação e a postura
sensata e inteligente seria ao menos ouvir o que eu tinha a dizer. Estava disposto a oferecer R$ 50.000,00. Não
fui ouvido. Dezoito meses depois, o cliente dela teve que me transferir R$
80.000,00. Ou seja, se contados custo de oportunidade, não me ouvir, custou ao
cliente dela mais de R$ 150.000,00.
Se não
é respeitoso, não é inteligente e não é prudente, por que motivo as pessoas
querem escutar apenas a sua própria voz? Por vários motivos. Primeiramente, boa parte
das pessoas não é criada ou educada para escutar. Em segundo lugar, as pessoas
têm orgulho muito grande, principalmente o intelectual. Há um ditado iídiche
que li num livro sobre a Cabala que diz que “as pessoas nunca estão contentes
com seus corpos, todas estão satisfeitas com seus cérebros”. É brilhante.
Podemos emagrecer, engordar,
fazer implante capilar, etc, etc, mas nossos cérebros, opiniões e julgamentos
sobre o mundo não precisam mudar, e aí daqueles que de alguma maneira
contestarem isso. Em terceiro lugar, mas
não esgotando todos os motivos, é confortável ouvir apenas a própria voz. É a
nossa zona de conforto intelectual. Ora, por qual motivo repensar minhas
atitudes em relação a mulheres (tema do meu último artigo), é muito mais fácil,
conveniente e confortável continuar tendo as mesmas condutas.
Saber
escutar os outros pode ajudar um homem a conquistar romanticamente uma mulher
bonita, pode ajudar a não fazer um cliente perder R$ 150.000,00, pode fazer com que uma pessoa se sinta
prestigiada, tem o potencial de nos abrir para novas perspectivas de vida, pode
nos fazer, em suma, pessoas melhores.
A
arte de escutar deveria ser a arte política por excelência, e muitas pessoas
ignoram esse simples e lógico fato. Num
momento, mais um, de bagunça em nosso país, muitas pessoas tem opiniões do que
está errado, e o que tem que ser feito para estar certo. Todos nós podemos ter uma determinada opinião
sobre algo, e não há nada de errado nisso. Mas eu me pergunto se boa parte
dessas pessoas está disposta a escutar ou não. Isso possui conseqüências sérias.
Grupos que apoiam o aborto não deixarão de
existir, nem grupos evangélicos, nem pessoas que acreditam que o Estado deve
ser mínimo ou nem mesmo existir, nem militantes em prol da reforma agrária, nem
apoiadores contra a reforma agrária, grupos que denunciam o racismo de negros,
grupos que dizem que esse racismo não existe, grupos militantes pelos direitos
das mulheres ou feministas, grupos que dizem que os grupos feministas são
completamente equivocados, etc, etc. Fazer de conta que isso não existe, não estar
nem mesmo aberto a escutar o que diferente vozes e pessoas podem dizer, é o
caminho mais fácil para uma vida individual e social pior.
Não
vivemos mais em sociedades agrícolas homogêneas de centenas de pessoas, vivemos
em aglomerados humanos de dezenas de milhões de pessoas com uma heterogeneidade
enorme. Escutar não significa concordar, não significa ser simpático a uma
determinada ideia ou grupo de pessoas, não significa nem mesmo gostar. Escutar é
um sinal de respeito, inteligência e prudência, e em sociedades cada vez mais
complexas e diversas, é essencial para a construção de uma vida minimamente
equilibrada.
Um
abraço a todos