Olá, colegas. O tema abordado no presente artigo creio que será um dos primeiros escritos em português. Há muitas boas contribuições no blog investidor internacional sobre o tema Tributação no Exterior, mas, até pela complexidade do tema, ainda há muitas lacunas, pois quase ninguém escreve sobre esse tipo de tema em terras brasileiras.
Quem gostou do artigo Um Roteiro Prático para o Investimento no Exterior, talvez venha a gostar deste também. O artigo irá tratar sobre a tributação de renda em investimentos no exterior. O tema não é simples, e talvez eu possa estar simplificando demasiadamente, e no processo cometendo algum erro conceitual, mas creio que o artigo será de valia para que se possa a entender como refletir sobre a tributação de rendimentos no exterior. Não se abordará a tributação de ganho de capital, mas apenas a tributação sobre renda e rendimentos de ativos financeiros localizados no exterior.
Como já dito em outra oportunidade, eu creio que o investimento via ETFs que procuram aderir a um determinado índice a melhor forma para um investidor amador brasileiro investir no exterior. Sendo assim, focarei prioritariamente na tributação de renda quando se investe em fundos de investimento como ETFs.
OS TRÊS NÍVES DE TRIBUTAÇÃO
A complicação começa aqui. Não há nenhum texto dizendo de forma clara e didática que há três níveis de tributação ao se investir no exterior. Quando se compra uma ação no Brasil, por exemplo, o investidor brasileiro precisa apenas se preocupar com um nível de tributação: quanto o governo brasileiro irá cobrar, ou eventualmente isentar como acontece com alguns rendimentos, da renda auferida pelo investidor. Não há nenhuma outra preocupação, pois ao contrário dos EUA, o Imposto de Renda é apenas um tributo federal, não podendo Estados Brasileiros instituírem Imposto de Renda estadual.
Agora, pense num investidor brasileiro que compra um ETF sediado nos EUA e que investe apenas em ações alemães. Como fica a tributação? Quem cobra o que? É apenas o governo brasileiro (domicílio do investidor), ou é o governo dos EUA (domicílio do fundo de investimento) ou seria o governo alemão (domicílio das empresas que geram a renda)? Se você respondeu que todos os governos podem vir a abocanhar parte do seu rendimento, você respondeu corretamente.
"Tá de brincadeira Soul? Posso vir a ser tributado três vezes na mesma renda?” alguém pode estar pensando. A resposta é sim.
Se pararmos para pensar, vemos que no exemplo dado, há três componentes: o domicílio do investidor, o domicílio do fundo e o domicílio de onde a renda está sendo efetivamente gerada. Logo, se pararmos para refletir mais atentamente, fica claro que há três níveis potenciais de tributação, sendo que o Governo Brasileiro é apenas um deles, não o único.
A TRIBUTAÇÃO NA FONTE OU WITHHOLDING TAX
Toda vez que você, prezado leitor, se deparar com a expressão withholding tax, significa que o tributo será cobrado na fonte do rendimento. Nós brasileiros estamos acostumados com tributos cobrados na fonte, então não há qualquer problema de lidarmos com esse conceito.
Apesar do conceito ser de fácil apreensão, eu demorei a entender um pouco o que era os 30% retidos pelo governo americano nos rendimentos auferidos por brasileiros oriundos de ativos financeiros sediados nos EUA. Esses 30% eram cobrados quando a companhia A, que faz parte da alocação de algum ETF por exemplo, distribuia para o fundo, ou esses 30% eram uma cobrança a mais pelo simples fato de ser não-residente, sendo que a empresa ainda iria pagar tributos ao distribuir dividendos para o ETF? Demorou um pouco até eu ter uma ideia mais clara em minha mente.
Por que falar dos EUA? Seja para o bem, o para o mal, os EUA correspondem a grosso modo a 50% da capitalização do valor de mercado das companhias negociadas em bolsa de valores. Sendo assim, qualquer investimento no exterior sem incluir ativos sediados de alguma forma nos EUA é um pouco capenga, pois deixa de fora metade do “valor" dos ativos mundiais, além de deixar de aplicar numa economia que é bastante forte e dinâmica.
Sendo assim, os EUA necessariamente são, ou ao menos deveria ser, o foco de qualquer estratégia de investimento no exterior. Infelizmente, os EUA não recebem de tão braços abertos investidores estrangeiros do ponto de vista tributário.
Pelo simples fato de um investidor ser um NRA (ou seja um não residente fiscal dos EUA), o governo americano irá cobrar 30% na fonte de qualquer rendimento auferido pelo investidor proveniente de ativos financeiros sediados nos EUA. Não há escapatória. Não adianta estar sediado em paraíso fiscal, aliás é até pior, se não for residente haverá cobrança de 30% na fonte do rendimento auferido no exterior.
“Soul, e como fica aquela história do outro artigo sobre investir em fundos na Irlanda? Se vai haver cobrança de 30%, por qual motivo se preocupar então sobre o domicílio do fundo?” um leitor mais atente pode estar perguntando.
ACORDOS DE COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA E ACORDOS ESPECÍFICOS DE TRIBUTAÇÃO
Sob o risco de falar sobre algo que não tenho muito conhecimento, creio que há a existência de três situações quando se trata de tributação internacional, ou seja, quando há a possibilidade de dois Estados Tributarem o mesmo rendimento:
A - Não há nenhuma regra ou tratado entre os dois países.
B -Há regra que prevê a compensação do pagamento de tributo feito num determinado país - Acordo de Compensação;
C -Há um acordo de “cavalheiros" entre os dois países para que haja o pagamento de menos tributo, quando envolve a tributação de algum cidadão de um dos países no território do outro - Acordo Específico de Tributação.
A situação “A" é a pior de todas. Vamos supor que um brasileiro invista num ETF dos EUA e recebe um determinado rendimento. Caso o Brasil não tivesse nenhum tratado com os EUA, os Yankees poderiam cobrar 30% sobre o rendimento auferido, pelo simples fato de você ser um Não-Residente, e o governo brasileiro cobrar 27.5% a mais. Imaginem pagar quase 60% de tributo no recebimento de dividendos?
Felizmente, a situação do Brasil com os EUA é a descrita na letra “B” . Há acordo de compensação tributária, logo os 30% cobrados na fonte pelo EUA podem ser compensados quando do pagamento do Imposto de Renda para o governo brasileiro. Como não há faixa de tributação superior a 27.5% no Brasil, nada será devido ao governo brasileiro.
A situação “C" é a melhor possível. Infelizmente, o Brasil não tem acordo com os EUA que permita a redução do tributo retido na fonte pelos EUA. Porém, a Irlanda possui acordo com os EUA de tratamento tributário diferenciado. E para o caso em análise qual é a consequência prática? O acordo EUA-Irlanda prevê que os investidores residentes na Irlanda serão taxados em 15% na fonte sobre os rendimentos distribuídos por ativos domiciliados nos EUA, e não os 30% padrão para países que não possuem um acordo específico de tributação com os EUA (o caso do Brasil).
Logo, essa é a vantagem de investir em ativos americanos via um ETF domiciliado na Irlanda, ou em algum outro país que possa ter um acordo de tributação semelhante com os EUA: a diminuição do imposto de renda retido pelo governo americano.
Porém, é bom observar que um investidor brasileiro terá que pagar Imposto de Renda para o governo brasileiro se o ETF sediado na Irlanda distribuir dividendos.
EXEMPLOS PRÁTICOS DOS TRÊS NÍVEIS DE TRIBUTAÇÃO
Vamos analisar exemplos práticos. Um ETF que tenta replicar o índice S&P500.
A) IUSA - iShares S&P 500 UCITS ETF (informações aqui)
Fundo sediado na Irlanda, investindo em companhias que fazem parte do índice S&P500. Esse fundo possui uma taxa de administração de 0,4% aa e distribui rendimentos a cada três meses.
COMPANHIAS - ——L1—— FUNDO ——L2——-INVESTIDOR———L3—— GOVERNO BRASILEIRO
Nível de Tributação 1 (L1) - COMPANHIAS PARA O FUNDO = 15%
As companhias americanas ao distribuir dividendos para o fundo recolhem na fonte 15%, já que o investidor que estará recebendo os dividendos é residente num país que possui acordo específico de tributação com os EUA.
Nível de Tributação 2 (L2): FUNDO PARA O INVESTIDOR = 0%
A Irlanda não cobra qualquer tributo na fonte sobre a renda de rendimentos ou de ganho de capital. Assim, nesse caso, a tributação será de 0%.
Nível de Tributação (L3) - INVESTIDOR PARA O GOVERNO BRASILEIRO - DEPENDE DA FAIXA DE RENDIMENTO
O Brasil não possui acordo específico de alguma vantagem tributário para com a Irlanda, porém é possível compensar eventual tributo já pago pelo fundo (neste caso o L1). Logo, a depender da faixa de rendimentos tributáveis do investidor, a renda auferida será isenta ou poderá pagar até 27,5%, compensando-se os eventuais valores pagos de tributo.
B) VOO - Vanguard S&P 500 ETF (informações aqui)
Fundo sediado nos EUA, investindo em companhias que fazem parte do índice S&P500. Esse fundo possui uma taxa de administração de incríveis 0,05% aa e distribui rendimentos a cada três meses.
COMPANHIAS - ——L1—— FUNDO ——L2——-INVESTIDOR———L3—— GOVERNO BRASILEIRO
Nível de Tributação 1 (L1) - COMPANHIAS PARA O FUNDO = 0%
As companhias americanas ao distribuir dividendos para o fundo não retêm nenhum imposto na fonte, já que o investidor que estará recebendo os dividendos é um fundo sediado nos EUA.
Nível de Tributação 2 (L2): FUNDO PARA O INVESTIDOR = 30%
Os EUA cobram 30% na fonte, já que o investidor no ETF é um Não-Residente sem qualquer acordo de tributação reduzida com os EUA.
Nível de Tributação (L3) - INVESTIDOR PARA O GOVERNO BRASILEIRO = 0%
Não será devido nenhum imposto para o governo brasileiro, pois não há imposto de renda que chegue a 30% no Brasil, e o nosso país possui acordo de compensação tributária.
O que se conclui? Quando há pagamento de dividendos, e o investidor brasileiro está na faixa de pagamento dos 27.5%, e a esmagadora maioria dos ativos está sediada nos EUA, não há quase nenhuma vantagem tributária em comprar fundos sediados na Irlanda.
No presente exemplo, ao contrário, como o yield está em níveis baixos, a taxa de administração de apenas 0,05% do fundo sediado nos EUA fará com que se tenha um retorno maior comprando o ETF VOO do que o ETF IUSA sediado na Irlanda.
Por qual motivo sublinhei a frase no penúltimo parágrafo? Quando um ETF sediado nos EUA investe em empresas não sediadas nos EUA, um investidor brasileiro possuir um ETF desse tipo é extremamente ineficiente do ponto de vista tributário. Por qual motivo?
Como as empresas estarão sediadas no exterior, as empresas reterão Imposto de Renda na fonte quando forem distribuir rendimentos para o ETF sediado no exterior (Nível L1 de tributação). Quanto? Isso vai variar onde a empresa está sediada. Quando o ETF for distribuir o rendimento para o investidor Brasileiro, o governo americano irá abocanhar mais 30% sobre o que for distribuído (Nível L2 de distribuição). A mordida é grande.
Portanto, quando se investe em ativos que distribuem rendimentos localizados em países diversos dos EUA, faz todo o sentido optar por fundos sediados na Irlanda, pois o país não cobra nada na fonte de rendimentos distribuídos para não-residentes.
E ONDE ENTRA A OFFSHORE NESSE EMARANHADO TODO?
Muito se fala de offshore, sobre as vantagens tributárias, mas não se sabe ao certo quais seriam estas. No caso de recebimento de rendimentos, a vantagem de uma offshore sediada num paraíso fiscal é que o último nível de tributação geralmente é de 0%.
Vamos analisar o caso do IUSA de novo da perspectiva de um investidor que possui uma Offshore sediada em algum “paraíso fiscal”.
COMPANHIAS - ——L1—— FUNDO ——L2——-INVESTIDOR———L3—— GOVERNO DO PARAÍSO FISCAL
Nível de Tributação 1 (L1) - COMPANHIAS PARA O FUNDO = 15%
As companhias americanas ao distribuir dividendos para o fundo recolhem na fonte 15%, já que o investidor que estará recebendo os dividendos é residente num país que possui acordo específico de tributação com os EUA.
Nível de Tributação 2 (L2): FUNDO PARA O INVESTIDOR = 0%
A Irlanda não cobra qualquer tributo na fonte sobre a renda de rendimentos ou de ganho de capital. Assim, nesse caso, a tributação será de 0%.
Nível de Tributação (L3) - INVESTIDOR PARA O GOVERNO DO PARAÍSO FISCAL - 0%
Geralmente, países considerados paraísos fiscais não tributam rendimentos e ganho de capital oriundos do exterior. Logo, enquanto a Offshore não faz nenhuma distribuição para o sócio brasileiro, os rendimentos serão isentos de imposto de renda e poderão ser reinvestidos na compra de mais ativos.
CONCLUSÃO
Esse artigo está longe de ser uma explicação minuciosa de como funciona os meandros da tributação internacional, porém creio que ele pode vir a ser uma ferramenta importante para que os leitores possam se aprofundar e criar o modelo mental de como um correto planejamento tributário é importante quando se pensa em investir no exterior.
Um grande abraço a todos!