Por qual motivo não há notícias sobre suicídio? Aliás, qual é a razão desse assunto quase nunca aparecer nos meios de comunicação? Não me entendam mal, prezados leitores. Creio que a esmagadora maioria das notícias nos meios de comunicações é apenas deprimente. É olhar o mundo por uma visão distorcida, como um comentarista do meu último artigo disse que “o ódio é o que move os seres humanos”. O ódio é uma das emoções que pode guiar alguns seres humanos em alguns momentos de suas vidas, ele não é a parte principal da maioria dos seres humanos. Assim como notícias sobre violência não são a totalidade da vida em si.
Se assim o é, qual é o ponto das minhas duas perguntas iniciais? A razão simples é que vivemos uma epidemia de suicídios. Repito: a humanidade vive uma epidemia de suicídios. Eu, sinceramente, não sabia a extensão do problema, porque o problema não aparece em nossas vidas. Sei que o Brasil possui um problema crônico de violência, afinal temos índices altíssimos de homicídios, mas nunca imaginei que o mundo como um todo tivesse um problema enorme com suicídio.
O assunto é vasto, complexo e difícil. O colega blogueiro Investidor Inglês escreveu recentemente sobre o programa “13 reasons why”, é um série de televisão baseada num livro onde uma adolescente aponta 13 motivos que a levaram cometer o suicídio. Eu vi a série e a achei muito bem produzida, principalmente os últimos cinco capítulos.
A adolescente que tira a sua própria vida é bonita, possui pais amorosos e um padrão confortável de vida. Os demônios que a atormentaram eram reais ou apenas estavam em sua cabeça? Ela foi estuprada, porém não são todas mulheres estupradas que se suicidam, aliás longe disso, o suicídio é muito mais comum em homens do que em mulheres. Os problemas eram tão graves assim para uma jovem adolescente se matar? Muitas pessoas, talvez quase todos, vão simplesmente dizer que não, que a pessoa foi fraca. Eu creio que o problema é muito mais complexo.
Uma série Interessante
Primeiramente, por mais que a série supramencionada esteja fazendo muito sucesso, ao menos nos EUA, os mais jovens são os que menos cometem suicídio.
Apesar de ficarmos tocados com o suicídio da Jovem da série, o grupo etário principal é de 45 a 64 anos.
E brancos. Os níveis de suicídio de hispânicos e negros é três vezes menor do que brancos e quatro vezes menor do que Índios.
Por qual motivo Brancos de meia idade nos EUA se suicidam tanto e hispânicos não? Espero refletir um pouco sobre isso quando chegar ao final do artigo. Um fato que me chamou a atenção é como os Índios Americanos são mais suscetíveis a cometer suicídio com um nível altíssimo de 20 suicídios para cada 100 mil habitantes. Instantaneamente, tive a quase certeza que o mesmo padrão seria encontrável nos aborígenes australianos. Aliás, estou há muito tempo querendo escrever sobre Índios em geral, e os aborígenes em especial, pois alguns textos sobre o tema que eventualmente leio são simplesmente nauseantes, falsos e distorcidos.
Estava correto. Os dados são de 2009. O número de 91 suicídios para 100 mil habitantes na faixa etária de 25-29 anos é simplesmente inacreditável. Há um imenso problema aborígene na Austrália. Os Brancos Australianos ou ignoram, ou colocam a culpa nos Aborígenes por sempre estarem bêbados e não serem agradecidos pela ajuda estatal do dinheiro de Brancos que alguns recebem ou se conscientizam que o problema é sério e profundo. Eu fiquei assustado ao ver essa estatística.
Devo colocar as coisas em perspectiva aqui. Em 2012, houve algo em torno de 437 mil assassinatos. Em 2015 (não consegui os dados sobre homicídios de 2015), foram algo em torno de 788 mil suicídios. No mundo, para cada pessoa assassinada há quase duas pessoas que se suicidam. Se esse quadro não é sombrio o bastante, acredita-se que há pelo menos 10 tentativas de suicídio para cada suicídio concretizado. Acredita-se também que como o suicídio ainda é um tabu em quase todas as sociedades, é muito provável que haja subnotificação de suicídios. Logo, o quadro real deve ser bem pior.
Vou repetir a informação: quase o dobro de pessoas morrem tirando a sua própria vida, do que sendo assassinadas. Eu não fazia a menor noção disso. A média de assassinatos por 100 mil habitantes no mundo é de 6,2. Ou seja, no mundo se assassina por ano 6,2 pessoas para cada 100 mil indivíduos. A média de Suicídio Mundial é de 10,7 para cada 100 mil pessoas.
Acontece, que segundo a ONU quando há mais de 10 assassinatos para cada 100 mil pessoas, considera-se que a violência é epidêmica. Na bem da verdade, os assassinatos vem caindo vertiginosamente, apenas África e América Latina ainda apresentam níveis altíssimos de assassinatos. Não acredita? Veja esses gráficos:
É claro que dados do século XIV devem ser vistos com cautela, mas é fato que alguns países europeus há vários séculos compilam algumas estatísticas. O que chama atenção é que o Brasil com quase 30 assassinatos por 100 mil habitantes é mais violento do que os países europeus eram no ano 1500. Isso mesmo leitor, possuímos níveis de violência de idade média. Hoje em dia, o número de assassinatos por 100 mil habitantes é muito baixo na Europa.
Logo, os homicídios vem caindo em quase todo o mundo de forma drástica. O mesmo não é verdade para com o suicídio. Se a ONU acredita que a partir de 10 assassinatos para cada 100 mil habitantes estamos em níveis epidêmicos de violência, pode-se dizer que o suicídio atualmente é epidêmico, pois a média mundial é de 10,7 para cada 100 mil habitantes. Esse número é simplesmente inacreditável.
As altíssimas taxas de suicídio em países Europeus. Comparem com as taxas de homicídios. Onde se tem menos Suicídio: Grécia, Espanha, Itália. Será que o jeito mais latino, em comparação ao jeito mais sisudo de outros países europeus, seja uma forte barreira contra o cometimento de suicídio?
Esse é o mapa de suicídios no mundo:
O Brasil possui níveis baixos de suicídio se comparado com o resto do mundo, menos de seis para cada 100 mil. É interessante notar que não há nenhuma correlação óbvia entre suicídio e alguma "causa". Há países ricos e pobres entre os que há mais suicídios. Países Hindu (Índia), Cristãos (Rússia e algumas ex-repúblicas soviéticas) e Budistas (Coréia do Sul e Japão). Asiáticos, Europeus e Africanos. Portanto, numa primeira análise não há nada ou nenhuma única explicação.
Algo interessante que notei foi que os países que possuem menos suicídios quase todos são de maioria muçulmana. Por qual motivo isso ocorre? Será que as famílias são mais fortes e unidas? Será por causa da religião? Ou seria uma grande subnotificação generalizada (acho essa explicação mais difícil por ser muitos países)? Não sei.
Os países com grande maioria muçulmana são de longe os que possuem a menor taxa de suicídio.
Por qual motivo há tantos suicídios? Talvez volte ao assunto em outros artigos, mas a verdade é que não se pode tratar um assunto desse com simplismo. Peguemos o caso dos EUA, onde (tirando a comunidade indígena) se você é Branco e de meia-idade possui uma chance não desprezível de se suicidar.
Branco e de meia-idade nos EUA é sinônimo de uma vida material muito superior a esmagadora maioria da população humana. Ora, não é cantado aos quatro ventos como a riqueza material do mundo aumentou, como a nossa vida é tão melhor do que no passado. Se assim o é, por qual motivo tantas pessoas (o suicídio está entre as dez maiores causas de morte nos EUA) que muito provavelmente estão materialmente muito melhor do que há 100 anos, ou do que outras pessoas no mundo, estão simplesmente se matando? O que responder aqui? Será falta de amor, de alegria? Será que a prosperidade material para algumas pessoas está vindo com a destruição de outros aspectos fundamentais para se ter uma boa vida (meu último artigo sobre incentivos financeiros e amor trata indiretamente desse ponto)? Deixo o leitor refletir sobre si próprio.
No mundo desenvolvido, assassinatos são em número muito reduzido. Não nos EUA, que possui altos índices de homicídios para um país tão rico. Porém, as maiores causas de morte quase sempre são doenças cardíacas, câncer e derrame. Nos EUA, o suicídio aparece no décimo lugar. Mais de 40 mil mortes. 40 mil mortes. E as pessoas em pânico por causa de atos terroristas (irei escrever sobre isso) que é responsável em média pela morte de 10 a 15 americanos por ano.
Na Coréia do Sul, suicídio é a segunda maior causa de mortes. SEGUNDA! Por qual motivo falo da Coréia ? Possuo alguns amigos coreanos. Passei quase um mês lá, e foi um país que gostei bastante, apesar de ser relativamente desconhecido para estrangeiros viajantes (quase todo mundo prefere ir ao Japão). O que me chamou muito atenção na Coréia, foi a pressão que jovens coreanos me contavam estar sentido em sua vida em geral. Muito estudo, muito trabalho, muita pressão para ser o melhor ou a menos muito bom. Muitos, apesar de viver num país que hoje é rico, não se sentiam felizes. Quase todos queriam estar fazendo uma viagem como a minha.
Se paramos para pensar, a Coréia do Sul possui muitos dos traços que muitas pessoas pensam ser essenciais numa sociedade e para uma vida boa: muito trabalho, a pressão constante para ser o melhor, e o trabalho como algo que define o ser humano. Talvez isso tudo fez com que a Coréia desse esse salto de país pobre para um país de renda alta em apenas cinquenta anos. Isso é fantástico, e quase sempre comentado por economistas, comentadores de política e leigos em geral.
Entretanto, o lado mais sombrio da Coréia do Sul quase nunca, ou nunca, é retratado:
O Suicídio mata mais gente do que doenças cardíacas na Coréia do Sul. Isso é incrível no péssimo sentido. O Suicídio é a décima sétima maior causa de mortes no mundo. O Suicídio aparecer como a segunda causa num país rico como a Coréia do Sul é sinal que talvez esse seja o maior problema desse país, talvez muito maior do que a divisão feita na década de 50 na península coreana em dois países.
Colegas, a série retratada está fazendo muito sucesso, e o tema suicídio de alguma maneira vem sendo discutido. Porém, esse assunto ainda é um grande Tabu. Afinal, quando alguém resolve tirar a própria vida, parece que há algo de errado. Se a vida é o que nós temos de mais importante, por qual motivo alguém ia querer encurtá-la?
Espero que esse artigo sirva para que os leitores percebam a gravidade, profundidade e extensão do problema. Não se trata apenas de adolescentes com dificuldades de interação. Não, muito pelo contrário, o problema é difundido por países, faixas etárias, de renda e etnias. Além do mais, ele abre uma gama de perguntas sobre o estilo de vida que nós humanos estamos levando.
Um abraço
Fontes: (a) http://www.worldlifeexpectancy.com/
(b)https://afsp.org/about-suicide/suicide-statistics/
(c)https://www.unodc.org/unodc/en/press/releases/2014/April/some-437000-people-murdered-worldwide-in-2012-according-to-new-unodc-study.html
(d) http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/suicideprevent/en/