terça-feira, 25 de abril de 2017

SUICÍDIO : MUITO MAIS DO QUE TREZE RAZÕES

      Por qual motivo não há notícias sobre suicídio? Aliás, qual é a razão desse assunto quase nunca aparecer nos meios de comunicação? Não me entendam mal, prezados leitores. Creio que a esmagadora maioria das notícias nos meios de comunicações é apenas deprimente. É olhar o mundo por uma visão distorcida, como um comentarista do meu último artigo disse que “o ódio é o que move os seres humanos”. O ódio é uma das emoções que pode guiar alguns seres humanos em alguns momentos de suas vidas, ele não é a parte principal da maioria dos seres humanos. Assim como notícias sobre violência não são a totalidade da vida em si.

      Se assim o é, qual é o ponto das minhas duas perguntas iniciais? A razão simples é que vivemos uma epidemia de suicídios. Repito: a humanidade vive uma epidemia de suicídios. Eu, sinceramente, não sabia a extensão do problema, porque o problema não aparece em nossas vidas. Sei que o Brasil possui um problema crônico de violência, afinal temos índices altíssimos de homicídios, mas nunca imaginei que o mundo como um todo tivesse um problema enorme com suicídio. 

 O assunto é vasto, complexo e difícil. O colega blogueiro Investidor Inglês escreveu recentemente sobre o programa “13 reasons why”, é um série de televisão baseada num livro onde uma adolescente aponta 13 motivos que a levaram cometer o suicídio. Eu vi a série e a achei muito bem produzida, principalmente os últimos cinco capítulos. 

 A adolescente que tira a sua própria vida é bonita, possui pais amorosos e um padrão confortável de vida. Os demônios que a atormentaram eram reais ou apenas estavam em sua cabeça? Ela foi estuprada, porém não são todas mulheres estupradas que se suicidam, aliás longe disso, o suicídio é muito mais comum em homens do que em mulheres. Os problemas eram tão graves assim para uma jovem adolescente se matar? Muitas pessoas, talvez quase todos, vão simplesmente dizer que não, que a pessoa foi fraca. Eu creio que o problema é muito mais complexo.

Uma série Interessante



  Primeiramente, por mais que a série supramencionada esteja fazendo muito sucesso, ao menos nos EUA, os  mais jovens são os que menos cometem suicídio.

Apesar de ficarmos tocados com o suicídio da Jovem da série, o grupo etário principal é de 45 a 64 anos.

E brancos. Os níveis de suicídio de hispânicos e negros é três vezes menor do que brancos e quatro vezes menor do que Índios.

    Por qual motivo Brancos de meia idade nos EUA se suicidam tanto e hispânicos não? Espero refletir um pouco sobre isso quando chegar ao final do artigo. Um fato que me chamou a atenção é como os Índios Americanos são mais suscetíveis a cometer suicídio com um nível altíssimo de 20 suicídios para cada 100 mil habitantes. Instantaneamente, tive a quase certeza que o mesmo padrão seria encontrável nos aborígenes australianos. Aliás, estou há muito tempo querendo escrever sobre Índios em geral, e os aborígenes em especial, pois alguns textos sobre o tema que  eventualmente leio são simplesmente nauseantes, falsos e distorcidos.

Estava correto. Os dados são de 2009. O número de 91 suicídios para 100 mil habitantes na faixa etária de 25-29 anos é simplesmente inacreditável. Há um imenso problema aborígene na Austrália. Os Brancos Australianos ou ignoram, ou colocam a culpa nos Aborígenes por sempre estarem bêbados e não serem agradecidos pela ajuda estatal do dinheiro de Brancos que alguns recebem ou se conscientizam que o problema é sério e profundo. Eu fiquei assustado ao ver essa estatística.

   
   Devo colocar as coisas em perspectiva aqui. Em 2012,  houve algo em torno de 437 mil assassinatos. Em 2015 (não consegui os dados sobre homicídios de 2015), foram algo em torno de 788 mil suicídios.   No mundo, para cada pessoa assassinada há quase duas pessoas que se suicidam.  Se esse quadro não é sombrio o bastante, acredita-se que há pelo menos 10 tentativas de suicídio para cada suicídio concretizado. Acredita-se também que como o suicídio ainda é um tabu em quase todas as sociedades, é muito provável que haja subnotificação de suicídios. Logo, o quadro real deve ser bem pior.

  Vou repetir a informação: quase o dobro de pessoas morrem tirando a sua própria vida, do que sendo assassinadas. Eu não fazia a menor noção disso. A média de assassinatos por 100 mil habitantes no mundo é de 6,2. Ou seja, no mundo se assassina por ano 6,2 pessoas para cada 100 mil indivíduos. A média de Suicídio Mundial é de 10,7 para cada 100 mil pessoas.

       Acontece, que segundo a ONU quando há mais de 10 assassinatos para cada 100 mil pessoas, considera-se que a violência é epidêmica. Na bem da verdade, os assassinatos vem caindo vertiginosamente, apenas África e América Latina ainda apresentam níveis altíssimos de assassinatos.  Não acredita? Veja esses gráficos:



É claro que dados do século XIV devem ser vistos com cautela, mas é fato que alguns países europeus há vários séculos compilam algumas estatísticas. O que chama atenção é que o Brasil com quase 30 assassinatos por 100 mil habitantes é mais violento  do que os países europeus eram no ano 1500. Isso mesmo leitor, possuímos níveis de violência de idade média. Hoje em dia, o número de assassinatos por 100 mil habitantes é muito baixo na Europa.


   Logo, os homicídios vem caindo em quase todo o mundo de forma drástica. O mesmo não é verdade para com o suicídio. Se a ONU acredita que a partir de 10 assassinatos para cada 100 mil habitantes estamos em níveis epidêmicos de violência, pode-se dizer que o suicídio atualmente é epidêmico, pois a média mundial é de 10,7 para cada 100 mil habitantes. Esse número é simplesmente inacreditável.

As altíssimas taxas de suicídio em países Europeus. Comparem com as taxas de homicídios. Onde se tem menos Suicídio: Grécia, Espanha, Itália. Será que o jeito mais latino, em comparação ao jeito mais sisudo de outros países europeus, seja uma forte barreira contra o cometimento de suicídio?


        Esse é o mapa de suicídios no mundo:


       O Brasil possui níveis baixos de suicídio se comparado com o resto do mundo, menos de seis para cada 100 mil. É interessante notar que não há nenhuma correlação óbvia entre suicídio e alguma "causa". Há países ricos e pobres entre os que há mais suicídios. Países Hindu (Índia), Cristãos (Rússia e algumas ex-repúblicas soviéticas) e Budistas (Coréia do Sul e Japão). Asiáticos, Europeus e Africanos. Portanto, numa primeira análise não há nada ou nenhuma única explicação. 

  Algo interessante que notei foi que os países que possuem menos suicídios quase todos são de maioria muçulmana. Por qual motivo isso ocorre? Será que as famílias são mais fortes e unidas? Será por causa da religião? Ou seria uma grande subnotificação generalizada (acho essa explicação mais difícil por ser muitos países)? Não sei.


Os países com grande maioria muçulmana são de longe os que possuem a menor taxa de suicídio.


     Por qual motivo há tantos suicídios? Talvez volte ao assunto em outros artigos, mas a verdade é que não se pode tratar um assunto desse com simplismo. Peguemos o caso dos EUA, onde (tirando a comunidade indígena) se você é Branco e de meia-idade possui uma chance não desprezível de se suicidar.

 Branco e de meia-idade nos EUA é sinônimo de uma vida material muito superior a esmagadora maioria da população humana. Ora, não é cantado aos quatro ventos como a riqueza material do mundo aumentou, como a nossa vida é tão melhor do que no passado. Se assim o é, por qual motivo tantas pessoas (o suicídio está entre as dez maiores causas de morte nos EUA) que muito provavelmente estão materialmente muito melhor do que há 100 anos, ou do que outras pessoas no mundo, estão simplesmente se matando? O que responder aqui? Será falta de amor, de alegria? Será que a prosperidade material para algumas pessoas está vindo com a destruição de outros aspectos fundamentais para se ter uma boa vida (meu último artigo sobre incentivos financeiros e amor trata indiretamente desse ponto)? Deixo o leitor refletir sobre si próprio.

No mundo desenvolvido, assassinatos são em número muito reduzido. Não nos EUA, que possui altos índices de homicídios para um país tão rico. Porém, as maiores causas de morte quase sempre são doenças cardíacas, câncer e derrame. Nos EUA, o suicídio aparece no décimo lugar. Mais de 40 mil mortes. 40 mil mortes. E as pessoas em pânico por causa de atos terroristas (irei escrever sobre isso) que é responsável em média pela morte de 10 a 15 americanos por ano.



    Na Coréia do Sul, suicídio é a segunda maior causa de mortes. SEGUNDA! Por qual motivo falo da Coréia ? Possuo alguns amigos coreanos. Passei quase um mês lá, e foi um país que gostei bastante, apesar de ser relativamente desconhecido para estrangeiros viajantes (quase todo mundo prefere ir ao Japão). O que me chamou muito atenção na Coréia, foi a pressão que jovens coreanos me contavam estar sentido em sua vida em geral. Muito estudo, muito trabalho, muita pressão para ser o melhor ou a menos muito bom. Muitos, apesar de viver num país que hoje é rico, não se sentiam felizes. Quase todos queriam estar fazendo uma viagem como a minha.

  
    Se paramos para pensar, a Coréia do Sul possui muitos dos traços que muitas pessoas pensam ser essenciais numa sociedade e para uma vida boa: muito trabalho, a pressão constante para ser o melhor, e o trabalho como algo que define o ser humano. Talvez isso tudo fez com que a Coréia desse esse salto de país pobre para um país de renda alta em apenas cinquenta anos. Isso é fantástico, e quase sempre comentado por economistas, comentadores de política e leigos em geral. 

  Entretanto, o lado mais sombrio da Coréia do Sul quase nunca, ou nunca, é retratado:


    O Suicídio mata mais gente do que doenças cardíacas na Coréia do Sul. Isso é incrível no péssimo sentido. O Suicídio é a décima sétima maior causa de mortes no mundo. O Suicídio aparecer como a segunda causa num país rico como a Coréia do Sul é sinal que talvez esse seja o maior problema desse país, talvez muito maior do que a divisão feita na década de 50 na península coreana em dois países.

   Colegas, a série retratada está fazendo muito sucesso, e o tema suicídio de alguma maneira vem sendo discutido. Porém, esse assunto ainda é um grande Tabu. Afinal, quando alguém resolve tirar a própria vida, parece que há algo de errado. Se a vida é o que nós temos de mais importante, por qual motivo alguém ia querer encurtá-la?

  Espero que esse artigo sirva para que os leitores percebam a gravidade, profundidade e extensão do problema. Não se trata apenas de adolescentes com dificuldades de interação. Não, muito pelo contrário, o problema é difundido por países, faixas etárias, de renda e etnias. Além do mais, ele abre uma gama de perguntas sobre o estilo de vida que nós humanos estamos levando. 

  Um abraço
  
Fontes: (a) http://www.worldlifeexpectancy.com/
(b)https://afsp.org/about-suicide/suicide-statistics/
(c)https://www.unodc.org/unodc/en/press/releases/2014/April/some-437000-people-murdered-worldwide-in-2012-according-to-new-unodc-study.html
(d) http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/suicideprevent/en/


     

sexta-feira, 21 de abril de 2017

O GRANDE ENGODO: O INCENTIVO FINANCEIRO É O MAIS IMPORTANTE EM NOSSAS VIDAS




São cinco da manhã. João, como milhares de outros brasileiros , levanta da cama, pronto para comer um café-da-manhã sozinho, seus filhos e mulher ainda dormem, e se preparar para a longa jornada de trabalho que o aguarda.  Ele pensa consigo mesmo que gostaria de dormir mais, talvez gostasse de ir ao parque ao invés de ficar num escritório trancado enquanto o sol brilha numa temperatura agradável de uma tarde de outono, mas ele precisa trabalhar, ele precisa do dinheiro que o trabalho oferecesse. Logo, João vai trabalhar movido pelo interesse financeiro, esse é o interesse primordial, esse é o maior incentivo.  


Essa talvez seja um dos maiores equívocos de sociedades que já possuem certo nível de conforto material acima das necessidades mais básicas humanas. Está em todo lugar de maneira consciente ou não na mente da esmagadora maioria das pessoas. Não, o incentivo financeiro não é o mais importante na vida das pessoas, e essa forma distorcida de ver a realidade está ocasionando que muitas pessoas tenham vidas não satisfeitas, mesmo com graus de acumulação material cada vez maior, o que é uma contradição para muitas das retóricas e ideologias predominantes.


Já vejo críticos e cínicos, ambos com papel muito importante para o amadurecimento de idéias, pensando “pronto, mais um texto sem eira, nem beira, sem fundamento na realidade, querendo que todos voltem a viver como nossos antepassados há 1000 anos”.  Essa é a crítica padrão quando esse é o tema, seja ela colocada de forma mais direta, ou de maneira mais indireta. 


Primeiramente, como magistralmente retratado por Wood Allen numa das últimas cenas do primoroso “Meia Noite em Paris” quando o protagonista, que passa quase todo o filme achando que o passado era mais glorioso do que o presente em que ele vivia,  se dá conta que há 100 anos não havia anestesia “ e se eu tivesse que extrair um dente sem anestesia”? Logo, negar diversas evoluções humanas em diversos campos do conhecimento seria sandice. Achar que em alguma época passada as pessoas tinham uma vida melhor, em todos os aspectos, às nossas vidas atuais também é algo que não se sustenta.

Um belíssimo filme



Em segundo lugar, edifícios não se constroem sozinhos, pontes não se forma pela força do pensamento e carros não dão em árvores. Logo, é preciso trabalho, poupança e acúmulo de capital para que uma gama enorme de bens possa ser produzida.  Sendo assim, claro está que o trabalho humano é peça fundamental na construção da nossa realidade, e que o dinheiro como meio de troca é ingrediente essencial nisso tudo.


Bom, se a nossa época atual não é pior do que alguma época passada, se sem trabalho não conseguiríamos construir a realidade atual, e se o dinheiro é fundamental em tudo isso, qual é o erro de dizer que o maior incentivo de João ir trabalhar é o incentivo financeiro? A forma mais simples é dizer que esse não é o maior incentivo. A forma mais elaborada talvez seja expressar que isso ocasiona uma distorção da realidade perigosa.


Se João acorda às cinco da manhã para trabalhar, e o principal incentivo não é o financeiro, qual seria então? O AMOR. O principal incentivo da esmagadora maioria das pessoas levantar para trabalhar não é o dinheiro, mas sim o AMOR.


Amor? Como assim Amor? Endoidou Soul?”, não colegas, não fiquei maluco, aliás essa talvez seja uma das afirmações mais lúcidas desse blog. João levanta cedo para ir ao trabalho porque ele ama os seus filhos.  É o amor pelos filhos que faz com que João talvez abra mão de passear no parque, ou dormir um pouco mais, para ir ao seu trabalho.


O Amor é a força que leva as pessoas a realizar tarefas inacreditáveis, ou a aturar situações descontáveis.  Quando adolescente, minha Mãe disse que sacrificaria a vida dela para me manter vivo, se isso fosse necessário.  Ela, depois da separação do meu Pai, precisou batalhar muito para conquistar o seu espaço, e tenho absoluta certeza que ela foi movida pelo amor que sentia por mim e minhas irmãs e não pelo dinheiro.


Garanto, com uma dose alta de probabilidade, que Einstein foi movido pelo Amor que ele sentia pela sua profissão, pela tentativa de explicar o universo, e não por meros incentivos financeiros. 

“Certo, Soul, João levanta às cinco da manhã para ir trabalhar porque ele ama os seus filhos, mas ele precisa trabalhar para ter o dinheiro para que os seus filhos possam ter uma boa vida, isso não é a mesma coisa do que dizer que o incentivo de João ir trabalhar é financeiro?”, não, não é.


Há uma diferença fundamental numa sociedade onde o Amor é o incentivo primordial de uma onde o dinheiro é o incentivo fundamental.  Não é à toa que o Amor não está em nenhum lugar. Não se fala de Amor. Como Patch Adams disse na antológica entrevista concedida ao programa Roda Viva da TV Cultura em 2007 (para mim a melhor entrevista que já vi em toda a minha vida e já disse isso várias vezes nesse espaço): “ Estou cansado de não ver o Amor em nenhum lugar”.

 Não me canso de ver essa entrevista. Já vi diversas vezes. Um dos homens mais lúcidos que já ouvi falar. Porém, é tão diferente do que achamos natural, que muitas pessoas ou se sentem descontáveis ou simplesmente ridicularizam, ou simplesmente não assistem.


Sim, João precisa ir trabalhar. Sim, quase todos os leitores desse texto precisam trabalhar. Sim, carros e geladeiras não brotam do chão. Sim, muitas vezes trabalhar pode ser cansativo e exaustivo, mas necessário. Sim, a esmagadora maioria das pessoas espera ser remunerada em dinheiro em troca do seu trabalho. Não, o incentivo financeiro não é maior do que o Amor. 


A atrofia do Amor é tão grande em muitas relações, a noção de Amor, e a prima desse sentimento que é a empatia, tão negligenciada, que muitas pessoas às vezes se assustam quando se veem satisfeitas em ambientes onde não há considerações de ordem financeira.  É nisso que entra o brilhantismo de um sujeito como o Mister Money Mustache, a capacidade dele reconhecer o dinheiro como instrumental que é, nunca como a finalidade na vida das pessoas. Muitos acreditam, de forma errônea, que o blog do MMM é sobre frugalismo, sobre gastar menos dinheiro, na verdade o Blog dele trata de retirarmos o véu que nos foi (auto) imposto, e reconhecermos que o Amor é o que nos guia para frente.


                Quando se reconhece que é o amor o grande incentivador por trás das nossas condutas, e não o dinheiro, nossa relação com o que consumimos, como tratamos desconhecidos em ambientes virtuais ou não, como olhamos para outros seres humanos, muda radicalmente. Tudo fica mais fácil e prazeroso. 


                Cada vez mais pessoas reconhecem isso. Até mesmo empresas, principalmente as mais criativas, percebem que incentivos financeiros são apenas uma espécie de incentivo, e na maioria dos casos não é o mais importante.

          Os primeiros anos da série “Os Simpsons” são fenomenais. Nossa, como eu gosto de alguns episódios. Num deles, Homer decide criar coragem e se demite do seu emprego na empresa de energia nuclear. Resolve seguir o seu sonho que é trabalhar com Boliche. Tudo vai indo muito bem, até mesmo o cabelo começa a crescer, e ele parece uma criança de tão feliz. 

       Porém, uma surpresa do destino, fará a sua vida mudar. A Margie diz que está grávida pela terceira vez (da Megan, o bebê da série). Homer entra em desespero, o salário do boliche não será suficiente para bancar mais um filho. Resignado, ele volta ao emprego na empresa nuclear. O Chefão, por seu turno, como uma forma de humilhá-lo, resolve colocar uma placa na sala de controles do Homer:


"Não se esqueça: Você está aqui para sempre" - Incentivo Financeiro



                Bart, então pergunta a Homer por qual motivo não há fotos de Megan, e Homer responde “Eu as tenho onde eu mais preciso” e o programa termina assim:

"Faça Isso por ela" - AMOR


             Eu me emociono toda vez que vejo esse episódio. É uma das coisas mais bonitas que já vi em programas de televisão. Captura com perfeição o que tentei passar com esse texto. Encontre o que te emociona, o que você ama, é bem possível que você seja guiado por isso, e que sua vida dê um salto de qualidade.

         Um grande abraço!

sábado, 8 de abril de 2017

ENTENDENDO O CONFLITO SÍRIO, OU NÃO

Olá, colegas. Um leitor no meu último artigo sobre externalidades perguntou-me qual seria a minha opinião sobre o ataque americano na Síria, o conflito em si, a posição da Rússia, etc. Eu creio que atualmente muitas pessoas se sentem “capacitadas" para darem opiniões sobre muitas coisas diferentes.

 Ao contrário do que afirmam alguns pensadores, eu necessariamente não vejo nenhum problema nisso. Se alguém que nunca colocou o pé seja na Rússia, Irã, Oriente Médio e Turquia mesmo assim se sente confortável para falar sobre as complexas interações que ocorrem naquela parte do mundo, que seja. O problema, em minha opinião, surge quando se crê que a própria visão é sofisticada, ou pior quando não se admite posicionamentos em contrário. Isso é loucura, ou talvez simples, diríamos, falta de inteligência.

 Boa parte das pessoas, com a revolução tecnológica, tem acesso hoje em dia a informação quase que em tempo real sobre acontecimentos nacionais e internacionais.  Nada mais natural que se formem opiniões. Ora, eu tenho as minhas e escrevo sobre uma grande gama de assuntos, e sou sabedor que estou muito longe de ter um conhecimento aprofundado sobre a maioria deles. Porém, sempre tento expressar minhas opiniões sobre uma ótica não-excludente (de outras opiniões em sentido contrário) e sem que ela tenha um ar de autoridade suprema (no sentido de saber que posso estar simplesmente equivocado). 

  Partindo da digressão feita nos parágrafos iniciais, deixo claro que o meu conhecimento sobre tudo o que ocorre no conflito sírio é superficial, baseado em relatos de terceiros, e talvez sem os necessários filtros para definir o que possui indícios de verdade, e o que é pura fantasia. Logo, se você procura certezas, não as encontrará nesse texto, e fica ao seu critério a continuidade da leitura.

 A primeira coisa que se tem que saber sobre a guerra da Síria é que ela é complexa. Ponto. O que quero dizer com complexa? Refiro-me as diversas partes do conflito. Não é uma guerra de um exército A contra um exército B num campo de batalha bem definido. Não, colegas, está bem longe disso. É uma mistura de grupos étnicos, religiosos, potências regionais, potências internacionais e interesses dos mais variados.

  Seguem duas imagens, a primeira retirada de uma reportagem da Al Jazeera sobre um mapa da Síria e quem controla o quê e a outra da página da Wikipedia sobre as partes no conflito.

É bom salientar que a Síria é um país relativamente pequeno. Não se trata de um país de tamanho médio como o Irã ou grande como um Brasil. Logo, a presença de tantos conflitos numa região tão pequena demonstra quão confusa é a situação.


Isso parece mais um conflito mundial do que um conflito restrito a um pequeno país no Oriente Médio.




 Talvez, você leitor já soubesse das diversas partes em conflito, talvez não fizesse a menor ideia. Eu sabia que existiam vários interesses, mas fiquei muito surpreendido ao ver que há um grupo Uyghur lutando contra o governo, o Turkistan Islamic Party. 

 Para quem não sabe, e creio que a esmagadora maioria até mesmo de comentadores não devem saber, os Uyghur são um povo de língua assemelhada ao turco que aos poucos foram sendo expulsos da Mongólia por tribos mongóis e se estabeleceram prioritariamente no que hoje é a enorme província, riquíssima em recursos naturais, de Xinjiang no oeste da China há mais de mil anos. 

 É um povo que sofre uma opressão muito dura do governo Chinês. Quando estive na província em questão, um dos lugares mais bonitos do mundo, não era anormal eu passar por 5 a 6 controles militares apenas para entrar numa estação de trem. Numa viagem que fiz no meio do famoso deserto de Taklamakan (o deserto do qual Kubai Klan pergunta a Marco Polo como ele seria no primeiro episódio da série), eu desci do ônibus no mínimo umas 7 vezes para  ter o meu passaporte conferido.

  A província mais explosiva na China é Xinjiang, e quase ninguém sabe que existe. O Tibet ficou com toda a fama. Não é incomum conflitos com centenas de pessoas mortas, e se não me engano em 2008, foram milhares de mortos. Até hoje não sei porque essa província estava aberta para estrangeiros, e fico muito feliz que ela estava, pois tive grandes experiências culturais, humanas e naturais nessa região do mundo. Fomos tratados muito bem pelos Uyghur que eventualmente cruzamos pelo caminho.


Vindo da Província de Gansu (ao leste) entrei na província de Xinjiang pela capital Urumqui. Há aspectos culturais Uyghur na capital, mas houve um processo bem grande de ``hanificação``. Agora, Kasghar, e eu fiz tudo por terra parando em lugares incríveis pelo caminho, é a capital cultural dos Uyghur. É uma cidade incrível, com belezas naturais a poucas horas ainda mais incríveis. Poucas pessoas sabem, mas esta é uma das áreas mais ricas em recursos naturais da China, e a província mais rebelde de todas.


  Chamou-me a minha atenção também a existência de um “Exército de Monoteístas” que lutam junto com o governo de Assad. Ao ler um pouco mais, vi que era uma força de drusos. Não sei muito sobre os drusos, para ser sincero, nunca tive a oportunidade de conhecer um druso. O pouco que sei é que os drusos professam uma religião monoteísta (talvez daí o nome do grupo) com influências islâmicas, judaicas, cristãs e até mesmo de pensadores gregos clássicos.  Eles possuem um símbolo muito bonito de cinco cores, cada uma representando um elemento de sua crença. Lembro de ter visto um filme há muitos anos sobre um casamento druso, com o pano de fundo do conflito Israel-Palestina, e lembro que foi muito interessante.


Este filme é bem interessante, vou procurar revê-lo.

Achei tão bonita a bandeira dos Druzos que resolvi colocar aqui. Cada cor possui um significado da crença druza. O Branco, por exemplo, representa o futuro, o azul a causa precedente e o vermelho é alma universal. Essa é uma bandeira dos druzos sírios

Essa é uma bandeira dos druzos israelenses (essa eu achei particularmente bonita).



  Por que o Irã está envolvido, alguém pode perguntar. Uma resposta seria porque o presidente Assad é Xiita (num outro texto posso trazer o que causou a divisão entre sunitas e xiitas), assim como a maioria esmagadora dos muçulmanos são xiitas há muitos séculos. Como pano de fundo em diversos conflitos da região há uma disputa entre Arábia Saudita e Irã. Por qual motivo os iranianos iriam querer um estado potencialmente hostil fazendo fronteira com o seu país? Os Americanos gostariam de ter um estado hostil na sua fronteira sul? Eu creio que não. Então, o interesse iraniano parece-me claro.

 Apenas uma palavra entre o conflito da Arábia Saudita com o Irã. A percepção sobre esse conflito é uma das coisas mais sem sentido que ocorre no mundo atualmente. Eu passei um mês no Irã e posso afirmar que em muito se parece com o Brasil. Tehran mesmo é quase uma São Paulo no caos urbano, na miscelânea de gente, na classe média vibrante. Tirante alguns aspectos culturais, um visitante teria a impressão que está numa grande metrópole de um país de renda média. Mulheres médicas, estudantes mulheres, jovens vaidosas maquiadas interagindo, uma classe média forte com ideias próprias, etc.

 É de longe a coisa mais sem sentido o estereótipo do que quase todos tem sobre o Irã. Mas o Irã não tem terroristas? O Irã não está em guerra? O Irã não aplica a Sharia, como ficou a sua mulher? Foram, e são perguntas que constantemente sou perguntado. A única guerra que o Irã se envolveu recentemente foi com o Iraque, quando Saddam Hussein deliberadamente invadiu o Irã, sem qualquer tipo de provocação dos iranianos, usando armas fornecidas pelos americanos, que na época apoiavam o ditador iraquiano. 

 Tanto é assim que essa guerra é conhecida como a grande guerra de resistência, e o valor que os iranianos dão a ela simbolicamente, é o mesmo que os Russos dão a grande guerra patriótica de 1941-1945 contra os nazistas. Sim, para eles é a grande guerra patriótica, não a segunda guerra mundial. Já ouviu alguém comentando isso na televisão ou em análises sobre a segunda guerra? Eu não sabia, até presenciar que em cada cidade russa, seja de 5 mil ou 5 milhões, há um memorial com uma tocha que nunca se apaga, para nós ocidental uma eternal flame, e os números 1941-1945. Em muitos monumentos desses há a figura de uma mãe russa chorando a morte de seu filho soldado, representando o sacrifício que todas as gerações russas tiverem que fazer para combater o inimigo.

 Por seu turno, a Arábia Saudita é um regime onde as mulheres devem usar Nijab (aquela vestimenta onde apenas os olhos aparecem), a religião cristã não é permitida (no Irã, no museu da guerra que fui, há até mesmo placas homenageado um pelotão judeu de iranianos), mulheres não podem dirigir, pessoas são decapitadas em praça pública e há uma forma completamente retrógrada de governo e religião.  Parece um estado medieval. Dinheiro saudita muito provavelmente está presente em inúmeros grupos terroristas sunitas (não há grupos xiitas fazendo atentados terroristas em outros países, muito menos em países europeus, por exemplo)  

 Porém, por incrível que pareça a Arábia Saudita passa incólume a críticas ou categorizações. É incrível. Quer ofender um Iraniano? Chame-o de Árabe. E ainda há pessoas que chamam muçulmanos de árabe, não sabendo nem mesmo diferenciar uma coisa da outra. Acreditem colegas, num embate de ideias entre Irã e Arábia Saudita, o mundo está muito melhor se o Irã sair vitorioso. Aliás, talvez o Irã seja o país que o ocidente deveria apostar as suas fichas para que desse certo do ponto de vista econômico. Talvez o Irã, com sua sociedade centenas de vezes mais aberta e tolerante do que a da Arábia Saudita, possa ser um modelo para outros estados da região nas décadas que estão por vir. Talvez seja uma das formas de se combater o terrorismo de forma eficaz. Portanto, essa retórica belicosa dos EUA contra o Irã, tendo a Arábia Saudita como aliado central na região, só se explica por interesses meramente econômicos, não por uma tentativa de tornar a região mais segura e próspera.

 Falando em EUA, entra o Trump na história com o recente bombardeio como uma forma de retaliação a um suposto ataque químico do governo de Assad numa província controlada por rebeldes.  Alguns analistas falam que Trump mudou de ideia, pois ele via Assad como um aliado na luta contra o Estado Islâmico (o grupo terrorista que controla partes da Síria e do Iraque), já que esse grupo combate as forças pró-governo. Trump disse que isso mudou, pois o uso de armas químicas contra inocentes muda tudo.

 Quando houve um grande ataque químico nos subúrbios de Damascus em 2013, eu morava na Califórnia. Fui perguntando numa aula, se o governo OBAMA deveria atacar alvos sírios, pois o mesmo disse que o uso de armas químicas era uma linha que não poderia ser passada. Na época, eu disse que era uma decisão difícil, mas eu realmente acredito que a comunidade internacional, de forma conjunta e unida, deve em certos casos de atrocidades humanas dar uma resposta militar. Achava que esse deveria ser o caso. 

 Ao contrário do que falam, OBAMA não fraquejou, ele pediu autorização ao Congresso para um ataque na Síria . Não vou entrar em pormenores sobre a legalidade de atos presidenciais dos EUA, mas parece-me que faz sentido um presidente pedir autorização do congresso, pelo menos um regime democrático, para entrar em guerra direta com outro país. A não ser que haja uma ameaça real e direta aos EUA que necessite rápida e pronta resposta presidencial. 

  Obama não conseguiu a autorização do congresso, e resolveu não atacar. Sabe o que Trump disse naquela ocasião?


Não há nenhum problema em mudarmos de opinião, desde que o façamos e digamos por quais motivos estamos fazendo. Senão é pura e simples contradição.
Agora essa eu já acho difícil mudar de opinião a não ser em causa própria. 



  Eu creio que faria muito mais sentido um ataque americano de retaliação naquela época, meados de 2013, onde a guerra civil estava praticamente ainda no seu segundo ano, do que agora depois de seis anos de conflito, onde a situação mudou drasticamente desde então.

 Agora, eu creio sim que deve haver limites. O uso de armas químicas, genocídios étnicos, não devem ser tolerados no século XXI. Portanto, o ataque americano a uma base militar síria pode ter esse efeito de dissuasão.

  Ou, pode simplesmente fazer com que a guerra civil na Síria simplesmente se alongue indefinidamente. O Governo Sírio só consegue continuar na guerra por causa do apoio financeiro, logístico e militar do Irã e da Rússia. Grupos Rebeldes só conseguem se manter no conflito graças ao apoio financeiro principalmente de países árabes do golfo pérsico. Com a entrada mais decisiva da Rússia no conflito, as forças rebeldes (que entre elas há inúmeros grupos terroristas islâmicos completamente radicalizados) estavam enfraquecendo. Se houver apoio militar americano, simplesmente não haverá nenhuma solução possível. 

 A Rússia não irá se retirar, até porque eu creio que a Síria era um dos únicos lugares da região onde os russos possuem uma grande base militar (ao contrário dos Americanos que possuem diversas bases em diversos países da região), e quero crer que tanto Trump ou Putin não estão interessados num conflito armado entre os dois países.

  Porém, é evidente que a situação que era complexa, se tornou mais complexa e ainda mais volátil. O que vai sair de tudo isso é uma grande incógnita.  Há uma certeza, porém. O sofrimento humano. 

 Há guerras anônimas e desconhecidas do mundo ocorrendo na África, por exemplo. Com essas quase não há nenhuma preocupação. O sofrimento humano lá e tão horrível como o que está ocorrendo na Síria. Logo, há muito sofrimento no nosso mundo. Já houve muito sofrimento, e provavelmente ainda haverá muito mais sofrimento.

 Apesar disso, é inegável que para padrões do século XXI a guerra civil Síria atingiu padrões absurdos de brutalidade. Massacres de civis, crianças e mulheres parece ter virado a tônica. Falta de água, eletricidade, medicamentos, presos no fogo cruzado, parece evidente que a vida se tornou um inferno para quase todos na Síria.

 Quando a vida se torna um inferno num lugar, a solução mais lógica é mudar de lugar. E é isso que os Sírios fizeram e estão fazendo. A crise de imigração de sírios na Europa é apenas a ponta do iceberg. A Europa recebeu pedidos de asilo de menos de 10% do total de refugiados. Sim 1 em 10. Quando se diz que refugiados sirios estão invadindo a Europa com o intuito de destruir a civilização cristã européia, essa ideia só pode ser tida como desinformação, ignorância ou má-fé, ou uma mistura dos três. Eu penso que a esmagadora maioria é apenas levada por desinformação mesmo, e apenas uma minoria usa de má-fé. Os países que estão sendo mais afetados pela crise Síria são os  seus vizinhos, não os Estados Europeus. 


Até meados de 2015 essa era a distribuição dos refugiados sérios. A Jordânia é um país minúsculo e estável da região. O Líbano é um país para lá de complexo e conta com mais de um milhão de refugiados. Quando estava no Quirguistão conversei com um libanês especificamente sobre a situação dos refugiados e o impacto na sociedade libanesa, e ele me disse que não estava sendo fácil, pois o país ``é pequeno, e o número de refugidos é enorme``. A Turquia atualmente possui mais de dois milhões de refugiados. É imprevisível os efeitos de médio prazo que isso pode ter no país. Portanto, não acredite em propaganda, olhe os dados quado for refletir sobre a crise síria e o problema dos refugiados, seja em países europeus, seja e principalmente nos países vizinhos.


 Aí entra a Turquia. A Turquia é uma país secular. Já tive o privilégio de visitar duas vezes. Paisagens fantásticas, comida espetacular, povo acolhedor, cultura exuberante. Istambul é a única cidade do mundo que se estende por dois continentes. A Turquia é a porta de entrada (ou saída dependendo da perspectiva ) da Europa. 

 O que vocês acham, prezados leitores, que aconteceria se a Turquia  desestabilizasse?  Podem acreditar que a crise de refugiados se tornaria muito mais caótica na Europa. A segurança da Europa depende da segurança da Turquia. Quais são os efeitos que milhões de refugiados estão tendo na estabilidade da Turquia? Não muito positivos. A Turquia de um Estado com tendências democráticas, cada vez mais está se tornando um estado totalitário. Ataques terroristas que quase não existiam, a não ser alguns perpetrados pelos curdos, são frequentes. Logo, a solução para os problemas dos refugiados sírios não é apenas um problema para “evitar a islamização da europa”, ou um problema moral e ético de seres humanos, mas um problema central para a estabilidade de um dos países mais importantes do mundo que é a Turquia.

 Iria falar sobre os curdos, que é o povo sem país,  mas o texto já está entrando na sua quarta página. Não consegui conhecer o curdistão iraniano, mas tive o prazer de conhecer uma inglesa filha de curdos iraquianos, e foi bem interessante falar sobre os curdos com alguém que realmente está ligado com a cultura dos mesmos.


 É complexo, é difícil achar uma solução, e esse texto serviu apenas para fazer algumas ponderações. Espero que o ajude a refletir por si só.


 Grande abraço!

quinta-feira, 6 de abril de 2017

O ASSUNTO IGNORADO POR QUASE TODOS: EXTERNALIZAÇÃO DOS CUSTOS

 Você, prezado leitor, possui um terreno onde está edificada a sua casa. O seu vizinho, com o qual até aquele momento você possui relações amistosas, decide vender água de coco. Ele monta um plano de negócios, observa os custos que irá incorrer e qual  a margem de lucro poderá obter se vender um coco por R$4,00. 

 Ele chegou nesse preço depois de observar vários lugares onde o mesmo produto é vendido a R$5,00. O seu vizinho então pensa “calculei os custos, estou empreendendo, vou ter lucro, está tudo certo”. Porém, ele percebe que deixou um custo de fora: a retirada dos cocos usados de seu terreno. Ele imagina se o negócio der certo, e vender centenas e centenas de cocos, uma hora será insuportável  a montanha de “lixo" que irá se acumular. Não há caminhão de lixo da prefeitura, mas um transporte privado de recolhimento de lixo onde se paga uma determinada taxa por uma determinada faixa de peso de lixo.

 Ele, diligentemente, entra no site da empresa privada de recolhimento de lixo, e percebe que se contratar o serviço, baseado nas suas estimativas de vendas semanais,  os custos para vender um coco subiriam para R$5,30, tornando o preço do produto quase inviável. O que fazer? Desistir do empreendimento? Não, o seu vizinho resolve tocar o negócio. A solução encontrada por ele é simplesmente jogar os cocos usados em seu terreno. Ele reflete “e o meu vizinho que se vire para tirar os cocos”. 

 “Ah, Soul, que solução esdrúxula! Nunca eu iria aceitar o meu vizinho despejando um monte de coco no meu terreno”. Não né? O exemplo é absurdo. Pois mesmo que seja absurdo, seja bem-vindo ao problema não discutido, ignorado consciente e inconscientemente pela esmagadora maioria de economistas, políticos e empreendedores: a externalização dos custos de produção.

 O que a palavra externalizar a grosso modo significa em economia? É o ato de retirar ou omitir da cadeia produtiva custos para a produção, fabricação de alguma coisa ou serviço. Pode haver efeitos positivos externalizados, e há vários exemplos, mas aqui irei me ater apenas aos efeitos negativos da externalização dos custos.

 No exemplo, hipotético espero, do seu vizinho prezado leitor, fica claro que se ele fosse internalizar todos os custos para a venda do produto almejado, o preço não seria competitivo. Pagar para uma empresa transportar os cocos já utilizados seria um custo que tornaria quase proibitivo o negócio. Quando ele decide jogar os cocos em seu terreno, ele simplesmente está retirando esses custos da cadeia produtiva, e externalizando para você. Entretanto, o custo não desapareceu. Ele simplesmente foi retirado da cadeia produtiva. O que isso ocasiona? Além da injustiça de alguém não ligado a cadeia produtiva suportar o custo, no caso você prezado leitor, isso faz com que o seu vizinho possa vender o coco a R$ 4,00, um preço que não captura todos os custos, ou seja um preço artificial, ou melhor dizendo, um preço subsidiado pelos outros.

  É incrível ver tantas pessoas defendendo a livre-iniciativa, culpando o governo por dar subsídios das mais variadas ordens, e simplesmente dando de costas, não se interessando, pelo  enorme subsídio que é a externalização de custos.  O exemplo do coco não é hipotético, ele é bem real. Quem você acha que está pagando os caminhões de lixo da prefeitura para recolher os cocos usados? Sim, você acertou, todos nós. Sendo assim, o preço dos cocos vendidos em sua cidade muito provavelmente são subsidiados por uma imensa maioria que não consome ou não tem interesse em consumir água de coco. 

  Não preciso dizer que a externalização dos custos não é a exceção, mas a norma nos nossos processos produtivos atualmente. Sabe quem também concorda com esse ponto de vista? Roger Scruton. Quem é esse Senhor? Um dos grandes intelectuais conservadores da Inglaterra. No livro “Como ser um conservador” ele faz duras observações nos capítulos “a verdade do capitalismo” e “a verdade do ambientalismo” sobre a externalização dos custos, e como isso perverte toda a lógica e funcionamento de uma sociedade livre.

 Quando esse tema é abordado, muitas vezes há respostas emocionadas, algumas até mesmo histriônicas. Quando escrevi o “conto" “Quem Quer a Verdade?”, um colega por e-mail disse que a minha escrita parecia a do Pravda. Uau. Neste texto, de maneira irônica, realçava o fato de comidas com alto teor de gordura saturada, sal e açúcar terem efeitos nocivos, principalmente em crianças.  

 E não é verdade? Quando fiquei um tempo na Califórnia, eu me assustei com a obesidade. Havia pessoas que estavam quase sem forma, era uma gordura extremamente mole. O fato interessante é que a maioria das pessoas que via nessa condição eram latinos e negros, e quase sempre quando tomava ônibus. Quando ia para bairros elegantes como “La Jolla”, não presenciava casos de obesidade mórbidos. Se era assim na Califórnia, como não deve ser no Texas? 

 Pareceu-me claro que a comida barata consumida pelas pessoas mais pobres de San Diego era apenas artificialmente barata. Os custos de saúde, mobilidade, perda de produtividade, eram simplesmente externalizados. Todos os custos ao se vender “junk food” não eram internalizados no processo de produção.  

 Assim, ficou claro para mim, que essas empresas estavam nada mais nada menos do que sendo subsidiadas com uma quantidade de dinheiro enorme por outras pessoas que não tinham qualquer relação com essas empresas.  Os lucros distribuídos para os eventuais acionistas destas empresas nada mais são do que lucros artificiais que só existem porque os custos estão sendo externalizados.

  “Como assim Soul?” Quando comecei o meu trabalho como Procurador, deparei-me com alguns casos de pessoas pedindo auxílio a União pelo fato de se sentirem incapacitadas pelo uso contínuo de cigarro. Lembro-me claramente de refletir na época algo como: por qual motivo a sociedade deve arcar pelo mau hábito dessas pessoas? De outro lado, é ético negar ajuda a uma pessoa necessitada com grave problema de saúde? Problemas que seres humanos reais tem que lidar no seu dia a dia.

  Claramente, as empresas que produzem cigarros externalizaram os custos de sustentar pessoas que tinham ficado incapacitas pelo uso dos produtos que elas fabricam. Esse custo seria agora de toda sociedade. Se assim o é, os lucros distribuídos por essas empresas só são possíveis se a sociedade como um todo subsidiá-los. 

 Ora, isso é claramente uma afronta ao livre comércio, e à liberdade de outras pessoas. Eu não quero subsidiar lucro de uma empresa de cigarro. A externalização dos custos está presente em quase tudo. Os grandes custos estão sendo todos externalizados para as gerações vindouras, num comportamento completamente antiético das gerações presentes para aqueles que não nasceram.

 Eu fiquei bastante surpreendido ao perceber que o Sr. Roger Scruton pensa exatamente a mesma coisa. Para ele um dos comportamentos mais nocivos é quando a geração atual simplesmente não leva em consideração os interesses das gerações que ainda estão por vir.

 É isso, colegas. O tema é vasto, e espero voltar ao mesmo em outros artigos.

Um bom livro, muito bem escrito. Como seria bom se "conservadores de araque" pudessem ler um livro como esse e refinar um pouco mais os seus argumentos, e refletirem que suas posições muitas vezes simplesmente são fracas e verdadeiras bobagens, e não necessariamente representam o pensamento conservador (obs: ainda acredito que o termo conservador é algo sem sentido semântico, o próprio autor do livro relata isso ao dizer que o conservador não pode ignorar as mudanças).



  Um abraço!