quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

O BRASIL ACABOU

O Brasil acabou. Porém, como um país chega ao seu fim? “Soul, aquele informe da Empiricus usou apenas táticas de marketing, é evidente que o Brasil não acabou e nem pode acabar”. É verdade. É banal, mas títulos chamativos, pasmem queridos leitores, chamam a atenção das pessoas. É difícil resistir. Está em nossos cérebros, e há muito tempo quem lida com neurociência, ou simplesmente trabalha com métodos de persuasão, sabe disso.

  Porém, apenas por um exercício teórico, como um país acaba? Lá pelo século XIV havia  no sudeste asiático um reino chamado Cham. Épicas batalhas aconteceram entre os Chams e os Khmers nos séculos XI e XII. O reino Cham localizava-se na parte do sul do atual Vietnã. Podem procurar no mapa, colegas, vocês não encontrarão nenhum país chamado Cham. Eu, entretanto, encontrei vários Chams na minha viagem, fiquei inclusive numa cidade chamada Kompang Cham no Camboja. Essa etnia foi trucidada no regime do Khmer Vermelho (mais a respeito no artigo  O Horror, O Horror). Hoje em dia, os Chams são um povo que perderam o seu país e nunca mais terão um. Pode-se dizer, apesar da concepção de país ser mais moderna e remontar há poucos séculos, que um país efetivamente acabou.

  Com certeza muitos outros exemplos existem na história de “países" (entre aspas, pois frise-se que isso é uma concepção moderna) que simplesmente acabaram. E o Brasil, pode  vir a acabar? Os Brasileiros terem um destino como os Chams tiveram parece quase impossível. Teríamos que imaginar um cenário de invasão e expulsão de 200 milhões de pessoas do território. Não há nenhum precedente na história moderna do mundo de algo dessa magnitude.

  O que poderia ser então? Uma piora absurda no nível de vida da população? É um cenário improvável, mas muito mais factível do que o deslocamento ou chacina de 200 milhões de seres humanos. Entretanto, pioras muito grandes do nível de vida da população geralmente estão associadas com guerras, principalmente quando um conflito se transforma  numa terrível guerra civil. Num ambiente de uma guerra civil, fica difícil não imaginar uma deterioração completa do nível de vida. Exemplos atuais? Somália, Síria, Líbia e Iraque. 

  Não vejo , num cenário realista, o Brasil entrando numa violenta guerra civil, até porque os  brasileiros são muito parecidos no jeito e na cultura. Geralmente, para um conflito social se transformar num conflito armado de grande envergadura, motivos religiosos e étnicos estão quase sempre associados. O Brasil, felizmente, não sofre disso. Aliás, essa é uma das coisas ótimas de nosso país, por  mais que muitas pessoas  não consigam observar aspectos positivos em nossa nação. Olhar mais o mundo e  a complexidade das diversas relações que nele se desenrolam é a única forma de formarmos uma visão mais sóbria do nosso próprio país.

   O que seria então “o fim do Brasil”? É a impossibilidade do governo pagar as suas dívidas? É uma inflação alta? Obviamente, isso em nada está relacionado com a existência ou não de nosso país.

  Sabem o que é mais provável de acontecer, prezados leitores, com o nosso país? As previsões demográficas estarem certas e o Brasil  chegar a 250 milhões de habitantes em 2040-45. Não, não haverá uma diáspora de brasileiros pelo mundo, muito provavelmente 99% dos brasileiros permanecerão no Brasil nas próximas décadas. Esses 50 milhões a mais de brasileiros gostarão de ter um lugar para morar. O litoral brasileiro ainda, como sempre foi,  atrairá a maior parte dos brasileiros. Como terrenos não costumam se multiplicar, a escassez de terrenos litorâneos em cidades estabelecidas será cada vez maior.

  Ao que tudo consta, esses 250 milhões de brasileiros ainda comerão. Logo, toda a cadeia produtiva ligada à alimentação desse contigente de pessoas muito provavelmente ainda existirá. É provável também que mulheres, assim como homens, tenham a intenção de casar e estabelecer uma nova vida num novo imóvel. Parece-me, portanto, que as pessoas ainda vão procurar imóveis para se estabelecer, seja para alugar, seja para comprar.


 Ou seja, a vida irá se desenvolver no país. Centenas de milhões de pessoas ainda terão sonhos, medos, desejos, etc. Logo, sobre essa perspectiva, o  Brasil não irá acabar nem do ponto de vista econômico.

  “Mas e a economia, e o governo, e o descontrole dos gastos da previdência como você escreveu no seu último artigo, Soul”, alguém pode estar pensando. Nietzche tem uma citação que é ótima.  Não lembro de cabeça, mas a ideia é  mais ou menos a seguinte “entre o ódio extremo e a felicidade extrema há centenas de estados emocionais no meio e geralmente a maioria dos seres humanos se encontram nesses estados intermediários”. Poucas pessoas conseguem perceber isso e se dar conta da profundidade dessa ideia.


  Você sempre está muito feliz, colega, ou muito irritado? Provavelmente, nem um, nem outro. Estamos quase sempre mornos. Entretanto, quando se trata de opiniões, previsões sobre o futuro, as pessoas são atraídas pelos extremos. Esse tema já foi abordado muitas vezes aqui no blog sobre as mais variadas perspectivas.  Alie-se a isso a visão de curto prazo, que é importante mas obviamente não a única, e pronto a receita para mentes atormentadas e desorientadas está pronta.

  As pessoas, em sua maioria, não guiam o debate, mas são guiadas por opiniões alheias. Quanto mais se consome  informação ou notícias, mas o pensamento independente e crítico vai se esvaindo. O gozado é que muitas pessoas acham o contrário. Elas realmente acreditam que a sua visão de mundo está melhorando com o consumo de notícias.  O que não percebem é que muitas vezes apenas se tornam auto-falantes involuntários de ideias alheias que talvez nem compreendam corretamente. Veja o caso do calote da dívida pública federal.

  No espaço de alguns dias, o tema veio à tona em vários artigos. Estou lendo um belo livro chamado  “The Tipping Point”, onde o autor tenta responder a intrigante questão de como certas ideias parecem “viralizar" e outras não, ou como alguns acontecimentos podem ter desdobramentos imprevisíveis.  É muito interessante. Estou na parte onde ele aborda a teoria do “Broken Windows” em matéria de crimes, e a ideia central é muito perspicaz. Assim, é interessante acompanhar como temas vão “viralizando" de semana em semana.

  De uma hora para a outra, percebeu-se que o Governo Federal pode não pagar a sua dívida, ou dar um calote branco via inflação (tema já tratado no blog no artigo reflexões sobre a taxa de juros reais e o mercado imobiliário argentino). Ninguém se pergunta num  mundo onde os juros reais são negativos em muitos países desenvolvidos, e muito baixos em países com renda per capta parecida com a nossa (a Tailândia , por exemplo, paga algo em torno de 2.5% aa em seus títulos de 10 anos), se um título do governo pagando inflação + 7,5% aa não é um indicativo de possibilidade de default. Leigos não pensarem assim é normal, especialistas é impressionante.

  Ora, como um país pode pagar juros reais tão grandes num mundo de juros reais muito baixos ou negativos e isso não ser um indicativo de uma probabilidade de calote? Ora, não faz sentido. Entretanto, o Brasil paga esses juros há muito tempo, apenas na última semana as pessoas se deram conta de que o Governo Federal pode vir a não pagar os seus compromissos?

   Interessante que muitos dos textos simplesmente “esquecem” as reservas internacionais e o conceito de dívida líquida. Muito debate se travou qual seria a métrica adequada, se a dívida bruta ou líquida para medir a solvência de uma nação. A Dívida Bruta em proporção do PIB parece ser o dado mais acurado para se mostrar a situação fiscal de um determinado país. Agora, ignorar o conceito de dívida líquida não faz sentido. Ora, um calote é a possibilidade de um governo não honrar os seus compromissos, depois de vendidos os seus ativos, assim como é o conceito de default em títulos privados. Se a situação de crescimento da dívida bruta assusta, se a dinâmica de gastos do governo parece de difícil resolução, isso não autoriza que simplesmente se esqueça que há quase 400 bilhões de dólares em reservas internacionais, se estamos pensando única e exclusivamente em calote da dívida. O Limite Prudencial de reservas aconselhado pelo próprio FMI é de seis meses de importações. O Brasil possui muito mais do que isso em reservas. Assim, não se faz política fiscal com reservas e seria um erro o governo usar reservas para fazer empréstimos, como alguns economistas do PT sugeriram, por exemplo. Agora, ignorar reservas para fins de default, não faz sentido.

   É por isso que  minha jornada de auto-conhecimento financeiro teve valia. Meus investimentos puramente financeiros tiveram retornos fracos até agora, mas o processo de conhecimento terá impacto em toda a minha vida. Posso estar certo, posso estar errado ou posso estar redondamente enganado em minhas premissas, mas o fato é que serão premissas inteligíveis para  mim. Num mundo onde os acontecimentos são cada vez mais rápidos, onde  cada vez mais meios de comunicação tentam chamar a sua atenção com títulos chamativos, mas muitas vezes vazios, é imprescindível que você tenha a capacidade de fazer a sua própria reflexão.

  Sem isso,  numa semana é calote. Na outra semana, é a imprestabilidade dos Fundos Imobiliários e por via de consequência dos imóveis. No outro mês é o Dólar indo a R$7,00 em alguns meses. Na outra, é a recuperação do Bovespa. A chance de atingir os objetivos financeiros vai diminuindo, e o que é pior, a pessoa vai ficando estressada, preocupada, vendo a sua vida  se esvaindo sem perceber.  

  Creio que faz mais sentido se a pessoa se preparar para o futuro tendo essas premissas como mais prováveis: a) O Brasil irá existir daqui 35 anos; b) as pessoas ainda existirão, provavelmente 50 milhões de pessoas a  mais; c) Essas pessoas irão ainda casar, procurar locais para morar, alimentar-se e muito provavelmente procurar lazer (seja lá como for o lazer daqui 35 anos); d) é provável que empresas ainda vão fornecer os serviços e produtos demandados; e) governos costumam se alternar no poder; f) O Gap entre produtividade e renda per capta entre países muito produtivos e pouco produtivos tende a diminuir no longo prazo, não a aumentar, ainda mais num  mundo globalizado; g) Como a economia cresce por :Aumento Populacional + Aumento Produtividade, o que acha que vai acontecer em países com estabilidade ou declínio demográfico e alta produtividade em termos de crescimento? Com certeza não serão esses países que proporcionarão retornos reais razoáveis no longo prazo, e nem precisam, pois a vida já é boa nesses países, e eles devem focar cada vez mais em qualidade de vida da suas populações.

     
  Não concordam com as minhas premissas? Ótimo, esse é o caminho para evolução. Reflitam por si só, colegas. Essa é a nossa maior ferramenta para viver num mundo cada vez mais agitado como o nosso. Agora, se acredita em calote,  não compre títulos com duração longa do tesouro (NTN-B35, por exemplo). Se acha que o governo é um mal em si mesmo, e sustenta parasitas, não compre títulos do governo, pois você se transformará  num parasita. Se não acredita no índice oficial de inflação, não compre títulos indexados ao IPCA. Se acredita que os imóveis tendem a ter uma desvalorização crescente, não compre FII e Imóveis. Se acham que o câmbio real continuará a se desvalorizar (se não sabe nem ao menos o conceito de câmbio real, então está na hora de ler mais antes de achar o que pode acontecer com o dólar em relação ao real no médio prazo) continuamente, compre dólar ou alguma outra moeda forte. Se você não tem certeza  de nada disso, compre um pouco de cada e vá ler Doistoiéviski, Kafka, Shakespeare, Carl Sagan, Machado de Assis, Sobre Ciência, etc. O seu conhecimento de mundo  agradece.


Grande Abraço a todos!

obs: sim, o  título do texto foi chamativo, feito única e exclusivamente para chamar a sua atenção. Porém, espero que  com sua atenção, o texto possa ter sido de alguma  valia. 

domingo, 21 de fevereiro de 2016

BRASIL - NÃO, A PREVIDÊNCIA PÚBLICA NÃO POSSUI DÉFICIT. SIM, A PREVIDÊNCIA É UM IMENSO PROBEMA

 Olá, colegas. Neste artigo reflito sobre um artigo de vital importância para o futuro de nosso país, bem como de dezenas de milhões de pessoas: Previdência Pública. Mesmo se você, como eu, não pensa em depender da Previdência Pública para nada, o assunto ainda é extremamente importante, pois muitas pessoas que você conhece dependerão e um desarranjo das contas públicas terá que ser bancado por toda sociedade brasileira e isso inclui todos nós.

  Há, em minha opinião, um debate falho no Brasil sobre o tema. Mesmo quando  ditos especialistas falam sobre a previdência, para mim fica evidente que o debate de ideias não é  muito claro.  Não se consegue nem mesmo chegar a um consenso se a previdência pública apresenta déficit ou não. Pelas notícias de jornal, e o comentário de alguns ditos especialistas, os déficits da previdência são enormes, outras fontes já dizem que não há qualquer déficit, e isso é um  mito criado para tirar direito dos cidadãos. Quem está correto?

NÃO HÁ DÉFICIT NA PREVIDÊNCIA SOCIAL E PELO NOSSO REGIME CONSTITUCIONAL NEM PODERIA TER

   Colegas, não há déficit da previdência social brasileira. A razão é muito simples. O legislador constitucional organizou o sistema de forma diferente do que é noticiado nos jornais. Para o Constituinte Originário não se pode falar de previdência pública desvinculada da ideia de Seguridade Social. Por que foi feito assim? Eu não sei, mas um historiador do processo constituinte de 1988 talvez possa ter uma ideia mais clara.

   Lógico ou não, racional ou não, prático ou não, o fato é que nossa Constituição Federal reconhece que a previdência social é apenas um dos ramos da Seguridade Social. Nada melhor do que ler a nossa própria Constituição. Saber a Constituição não é algo restrito a operadores do direito, todos os cidadãos deveriam ler pelo menos uma vez o texto constitucional. Diz o art.194 que :

“Art.194 A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social.” (destaque meu)

  Sendo assim, foi estabelecido que a seguridade social compreenderia o direito à saúde, à previdência e à assistência social. Saúde é nada mais nada menos do que a oferta de tratamentos médicos, ou quaisquer outras iniciativas, relacionadas à saúde da população. Assistência Social é uma espécie de Previdência, mas sem que haja necessidade de contribuição financeira por parte do cidadão. Benefícios como LOAS ou bolsa-família se enquadram no conceito de assistência social, já que o Estado fornece uma assistência independente se a pessoa fez ou não alguma contribuição ao sistema. Por fim, há a categoria da Previdência Pública. 

  Para bancar essas despesas, é necessário que haja fontes de custeio. As fontes de custeio da Seguridade Social são elencadas no art.195 do texto constitucional:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro.
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo
contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;" (destaques meus)

  Logo, a Constituição Federal estabeleceu muitas fontes de receita para a Seguridade Social. O empregador basicamente deve pagar contribuições sobre a folha de salário, sobre o faturamento e sobre o lucro. O empregado, por seu turno, paga a contribuição sobre o seu salário. Assim sendo, em nenhum  momento a nossa Constituição determinou que houvesse contribuições próprias para a Previdência Social, não há uma orçamento para a Previdência, mas sim para a Seguridade Social, ou ao menos deveria haver.

O  ART. 165 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 Leiam esse artigo de nossa Magna Carta, colegas. 

"O Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
I - o plano plurianual;
II - as diretrizes orçamentárias;
III - os orçamentos anuais.
(…)
§ 5º A lei orçamentária anual compreenderá:
I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público."

  Este artigo é claro que no orçamento anual deverá haver um orçamento próprio para a seguridade social, prevendo as receitas e despesas para o ano. Assim, fica claro que em nenhum momento o legislador constitucional separa a Previdência Social  numa categoria própria, mas sim a coloca dentro do sistema maior da Seguridade Social.

AS DESVINCULAÇÕES DAS RECEITAS DA UNIÃO OU DRU

  As DRU são pouco comentadas até mesmo por textos mais técnicos, imagine então pela população em geral. Como a Constituição Federal determina algumas vinculações entre gastos e receitas, o Governo Federal, isso vem desde FHC, geralmente diz que o orçamento é muito rígido, o que faz a necessidade de que algumas receitas previstas na Constituição sejam desvinculadas dos propósitos originais da própria Lei Maior. As maiores Desvinculações ocorrem geralmente nas contribuições destinadas à Seguridade Social.  As desvinculações desde a década de 90 eram de 20%, atualmente elas são de 30%, pois as mesmas foram ampliadas pelo Congresso Nacional com vigência até 2023. Logo, o Governo Federal poderá utilizar recursos vinculados pela Constituição para outras finalidades até o ano de 2023.

O percentual de desvinculação de receitas da Seguridade foi aumentado ainda mais para 30%.


 Assim, quase 30% das contribuições que deveriam ir única e exclusivamente para a Seguridade Social podem ser gastos pelo Governo Federal como ele bem quiser, inclusive para o pagamento de juros da dívida pública, nas quais todos os leitores que possuem Tesouro Direto ou algum fundo que compre títulos públicos são credores. Logo, não seria falso afirmar que dinheiro está sendo retirado da saúde e previdência para o pagamento dos credores da dívida pública federal.

A REAL SITUAÇAO FINANCEIRA DA SEGURIDADE SOCIAL

  Colegas, uma imagem vale mais do que mil palavras, nesse caso um gráfico vale  mais do que mil noticias. 




   Pela imagem acima claro está que não há qualquer déficit na Seguridade Social, as diversas contribuições previstas na Constituição são mais do que suficiente para pagar todas as despesas da Previdência Social, Assistência Social e da Saúde. Para o ano de 2012, por exemplo, as receitas da seguridade social foram da ordem de 78 bilhões de reais a  mais do que as despesas.

   Por qual motivo então tantas pessoas falam de déficit da Previdência Social? Isso é baseado numa interpretação que , frise-se que não há qualquer acolhida no nosso texto constitucional, de alguma maneira  tenta separar o orçamento da Previdência Pública, considerando como receitas apenas as contribuições dos empregados e sobre a folha de salário do empregador e como despesas os benefícios previdenciários. Repito, essa é uma interpretação sem qualquer esteio em nossa Constituição.  "O que tradicionalmente os dirigentes da previdência social brasileira divulgam é o resultado financeiro do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) por meio do contraste entre a arrecadação líquida e as despesas com benefícios previdenciários do INSS.”, conforme bem apontado por esse documento do Sindifisco às fls.5 que pode ser visto aqui.


   Se apurarmos o resultado da previdência dessa maneira, realmente há déficit. Porém, não é isso o que a nossa Constituição Federal determina. “Sendo assim, não há problemas então Soul, vamos deixar os velhinhos em paz”, alguém pode estar pensando. Não é bem assim. O problema é imenso, apenas o debate que é desfocado.


A RAZÃO DE DEPENDÊNCIA

   Prezados leitores, quanto mais idosa uma população maiores são os gastos com Previdência. Afirmativa óbvia ,não é mesmo? Porém, mesmo as obviedades precisam ser bem compreendias se queremos ter uma reflexão mais aprofundada sobre algum tema específico. A constatação entre a relação de despesas em proporção ao PIB com o número de idosos de um país pode ser constatada neste estudo interessante

  A razão de dependência nada mais é do que a divisão entre o número de idosos, geralmente maiores de 65 anos, em relação a toda população.  Assim, se numa população de 10 milhões   há 1 milhão de pessoas com  mais de 65 anos, a razão de dependência é de 10%. Portanto, quanto maior esse índice, mais idosos uma sociedade possui, quanto menor o índice, menos idosos uma sociedade possui em relação a toda população.


  Se colocarmos todos os países num gráfico onde o eixo horizontal é a razão de dependência, e o eixo vertical é o gasto previdenciário em relação ao PIB, deveríamos esperar algo mais ou menos como isso (gráfico retirado do seguinte artigo http://terracoeconomico.com.br/a-previdencia-vai-quebrar-o-brasil/ ):




      Há quatro quadrantes no gráfico. Dois que são naturais e esperados. Um que pode ser ruim, mas pode ser muito bom também. Porém, há um que é péssimo sobre qualquer olhar que se analise a questão. O primeiro quadrante do lado esquerdo-abaixo é intuitivo. Quanto mais jovens uma população possui, menos gastos previdenciários. População jovem alta, baixos gastos previdenciários. O quadrante direito-acima é intuitivo também. População mais idosa, gastos previdenciários altos.  O quadrante direito-abaixo já é mais contra-intuitivo. População idosa alta, gastos previdenciários baixos. Ora, um país pode ter baixos gastos previdenciários com sua população idosa, pois simplesmente não há cobertura previdenciária adequada para os seus idosos ou simplesmente porque o país conseguiu gerir de forma adequada e eficiente os seus gastos. Na pior hipótese, poderia o Estado nessa situação simplesmente aumentar os gastos previdenciários, se assim a população quisesse, pois os gastos são baixos.

   Agora, o quadrante esquerdo-superior é o pior dos mundos. População Jovem Alta e gastos previdenciários altos. Ora, isso não faz o menor sentido. Como uma população jovem pode ter gastos previdenciários altos? E quando essa população envelhecer, o que acontece com os gastos, explodem? É uma situação absurda, e nenhum país deveria estar nessa posição altamente desconfortável para as futuras gerações.

BRASIL, CAMPEÃO MUNDIAL DE SISTEMA PREVIDENCIÁRIO  CARO

  Não era para ter país naquele quadrante caros amigos, mas vejam onde aparece o nosso Brasil



   Olhem esse gráfico com cuidado, amigos. O Brasil simplesmente é um ponto fora da curva. Os números do Brasil não fazem sentido e não tem paralelo com nenhum outro país do mundo. Os gastos previdenciários do Brasil em relação ao PIB no ano de 2010 eram da ordem de 11% do PIB com uma razão de dependência de 10%.  A Alemanha com uma razão de dependência três vezes maior (ou seja há três vezes mais idosos em relação a toda população do que o Brasil) possui o mesmo gasto previdenciário.  O Brasil gasta mais do que o Japão com previdência! Já tive a oportunidade de passar um mês nesse maravilhoso país. A quantidade de pessoas idosas lá é muito grande, não é à toa que é um dos países com a maior razão de dependência do mundo. Como o Brasil pode gastar mais dinheiro em relação ao PIB em previdência do que o Japão?

  O único país comparável seria a Polônia, com um gasto previdenciário de 1% a mais, mas com o dobro de idosos. O Brasil é disparado o país com a pior situação previdenciária do mundo, pois possui uma população ainda jovem, mas que está envelhecendo muito rápido. Fica evidente que a situação pode sair de controle, pois cada vez mais e mais recursos serão necessários para pagamento de benefícios previdenciários.

OS DOIS MOTIVOS 


 Mas por qual motivo o Brasil possui gastos tão altos com uma população tão jovem? As aposentadorias e pensões  pagas são uma ninharia perto do que seria desejável para os beneficiários terem uma vida digna . Colegas, eu possuo bastante experiência com o tema na parte judicial e evidentemente esse é um blog que não tem  foco em esmiuçar questões jurídicas. O sistema previdenciário é ineficiente em muitas situações, mas vou abordar dois tópicos, um inclusive que nunca vi em nenhum lugar, mas é um raciocínio que explica por qual motivo o Brasil com uma razão de dependência tão baixa pode ter um gasto previdenciário tão alto.

  1. PENSÃO POR MORTE

  A pensão por morte no Brasil não encontra paralelo em nenhum lugar do mundo. Aqui, a pensão até pouco tempo atrás era vitalícia, sem qualquer limite de tempo e correspondia a 100% do salário-de-benefício. Isso não tem o menor cabimento. Ora, imagine   um casal que tem uma renda de R$ 2.000,00. Imagine que a mulher não trabalhe e o marido falece. Antes do falecimento, a Renda Per Capta  de cada membro da unidade familiar era de R$1.000,00. Se a pensão por morte for equivalente a 100% do salário-de-benefício, isso quer dizer que após o falecimento a Renda Per Capta dobrará para R$ 2.000,00, o que não faz o menor sentido.

  O Governo atual, em que pese todas as suas deficiências, tentou abordar a questão, contrariando inclusive o próprio Partido dos Trabalhadores, e encaminhou uma ampla reforma no benefício de pensão por morte. Infelizmente, a reforma foi toda remendada, e se algumas coisas melhoraram para a saúde do sistema para as novas gerações, a manutenção do valor do benefício em 100% foi mantida pelo Congresso Nacional. O que uma legislação tão favorável aos pensionistas resulta de impacto nas contas públicas? Veja o gráficos abaixo.




          Se o gráfico anterior já mostrava o primeiro lugar do Brasil como o sistema mais caro do mundo, o gráfico de pensão é como se o Brasil fosse alguma espécie de maior campeão de todos os tempos. Não há nada que se compare ao nosso país. Nós, apesar de sermos um país jovem, somos o país que mais gasta com pensão por morte, mesmo em relação a países com população muito mais velha. 

     A mensagem desse gráfico é clara: tem que haver uma reforma mais profunda no benefício de pensão por morte, e o valor de benefício não pode ser de 100% do valor-do-benefício.

b - A Ausência de Idade Mínima para se aposentar

    Por mais que o gráfico de pensão por mortes seja chocante, ele não é capaz de explicar por qual motivo o Brasil gasta mais dinheiro, em relação ao PIB, com previdência do que o Japão que possui quase 4 vezes mais idosos. A resposta não será tão difícil se olharmos o seguinte quadro

 Por mais que o gráfico de pensão por mortes seja chocante, ele não é capaz de explicar por qual motivo o Brasil gasta mais dinheiro, em relação ao PIB, com previdência do que o Japão que possui quase 4 vezes mais idosos. A resposta não será tão difícil se olharmos o seguinte quadro


     O Brasil possui uma média de idade para aposentadoria por tempo de contribuição muito menor do que o resto do mundo. A média internacional é de 65 anos, imagino que por esse motivo a razão de dependência geralmente possui a idade de 65 anos como parâmetro, pois essa é a idade com que se aposenta em grande parte dos países do mundo.

    No Brasil, não. Mulheres se aposentam com uma média de 52 anos de idade (e podem acreditar que no meu trabalho já vi benefícios concedidos judicialmente para mulheres de 45-46 anos) e homens com 55 anos. Ora, é por isso que gastamos mais com uma razão de dependência baixa. Nossa população se aposenta muito mais cedo do que outras populações. Assim, a nossa razão de dependência deveria ter uma idade menor para que pudéssemos fazer uma comparação mais apurada. Pessoas se aposentando muito cedo significa que os benefícios terão que ser pagos por muito mais tempos, gerando enormes custos para as novas gerações.

   Se isso não é motivo suficiente para estabelecermos idades mínimas para aposentadoria, eu não sei o que é. O Governo Federal, contrariando todas as expectativas com a nomeação do novo Ministro da Fazenda, vai provavelmente enviar uma reforma da previdência e dizem que irá prever o estabelecimento de uma idade mínima.

   Será que vai haver uma discussão séria a respeito? Será que vão mudar o mínimo possível. A conferir. Porém, toda sociedade é responsável por definir o seu futuro numa matéria tão importante.


A NECESSIDADE DE UM DEBATE SÉRIO E BEM CONDUZIDO


     Colegas, quanto mais tempo passar e a sociedade brasileira como um todo não abordar o problema previdenciário, pior será para todos: governo, poupadores, trabalhadores e empregadores

    Vejam como era a composição demográfica do Brasil quando a nossa Constituição, depois de um governo desastrado dos militares que deixou um país com hiperinflação, miséria e a economia destruída, foi produzida (gráficos retirados do artigo http://terracoeconomico.com.br/a-previdencia-vai-quebrar-o-brasil/):



                                 Uma população jovem e com pouquíssimos idosos.


     Porém, vejam como muito provavelmente será a composição demográfica da nossa sociedade daqui a 35 anos:


                                               Uma população muito mais envelhecida.
   

   Passou a hora de irmos além do debate se há déficit ou não na Previdência. A questão está desfocada. Um governo, assim como a sua população, deve respeitar os ditames constitucionais, ou lutar para que os mesmos sejam modificados pelos trâmites previstos na própria Lei Maior. Logo, não há déficit na Previdência, pois a nossa Constituição fala de Seguridade Social, sendo que a previdência é apenas um dos três pilares. 

  Porém, o que as pessoas que insistem em falar de superávit da Seguridade Social, alguns economistas incluso, é que não importa o nome que se dê para rubricas, o simples fato é que quantias significativas da sociedade estão sendo cada vez mais direcionadas para o pagamento de benefícios previdenciários. Ora, o governo pode dizer que todo o Imposto de Renda irá para a Seguridade Social, imaginando alguma reforma improvável, e nunca teríamos qualquer déficit  da seguridade social mesmo com a população envelhecendo no Brasil. Porém, isso significa que mais da riqueza produzida pela sociedade teria que ir para os beneficiários do Sistema, bem como que outras áreas do governo teriam que ser substancialmente reduzidas.

   O Brasil está chegando, se é que já não chegou, no limite do minimamente tolerável para o grau de tributação da riqueza produzida para o nível de produtividade e renda da sua população. Se profundas reformas não forem introduzidas, as contas sairão de controle, mais do que já estão, e fica difícil imaginar um futuro bom para o país se isso ocorrer.


     É isso, colegas, espero que tenham gostado do artigo e que o mesmo possa ter contribuído de alguma forma para aclarar essa questão tão incompreendida no debate público.

    Abraço a todos!

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

OS DEBATES INEXISTENTES NO BRASIL

   Olá, colegas! Antes de mais nada, aviso que irei mudar o nome do blog, o endereço, bem como o formato do mesmo. Ontem e principalmente hoje (que fiquei de bobeira apenas pesquisando) mexi bastante no novo espaço. Não será tão bonito esteticamente como alguns outros blogs, mas espero que possa melhorar a visualização dos temas. Portanto, se você gosta de acompanhar esse espaço, espero que  o continue  fazendo o mesmo no outro blog.

    Qual país não tem os seus problemas? Poucos brasileiros, considerando a nossa população de 200 milhões de pessoas, têm o privilégio de conhecer outros países. Geralmente, quem viaja para o exterior conhece apenas países mais ricos e prósperos do que o Brasil.  Entretanto, mesmo os países desenvolvidos possuem os seus problemas. Com os EUA não poderia ser diferente. Porém, é inegável que é uma nação que possui inúmeras qualidades. Uma das que mais me chama atenção é que a sociedade americana é debatedora ao extremo. Não há assunto que não possa ser debatido.

  “E por qual motivo isso seria uma característica tão importante nos EUA? Não é o Capitalismo, o Empreendedorismo, Nacionalismo?” alguém pode estar pensando. Talvez sejam características importantes também do sucesso americano. Contudo, em qualquer agrupamento humano sempre haverá divergências entre os variados  seres humanos que o compõe. Imaginem num país com 300 milhões de habitantes e com grande diversidade étnica e cultural, os inescapáveis conflitos que não surgem no seio da comunidade. É inevitável o choque de opiniões e de ideias sobre como melhor organizar uma sociedade.

  Como conciliar visões diferentes de  mundo? No passado, assassinando e subjugando por completo grupos opositores. Na história mais moderna do Ocidente, por meio do debate democrático. A Democracia é a arena onde as diversas visões de mundo poderão se digladiar de forma civilizada. O debate, a racionalidade e a inteligência são fundamentais para que haja uma democracia saudável e forte.

  Eu não gosto de acompanhar muito vídeos ou textos que se tornam “moda" instantânea. Por qual motivo? Porque geralmente não passam disso mesmo "uma moda instantânea" que daqui poucos dias ninguém mais se lembra.  É por isso que existem livros, músicas, que são quase atemporais, ou os dramas shakesperianos não são atuais? Não é à toa que uma peça como Hamlet pode ter uma montagem moderna, com a trama se desenrolando como se fosse nos dias de hoje. 

    Porém, quando algo se torna viral e você conecta-se com a internet, geralmente você toma conhecimento da "novidade". A última moda, infelizmente não é sobre ondas gravitacionais, é uma carta escrita por um americano sobre o que há de errado com o Brasil. Aparentemente, também há um vídeo onde uma menina  interpreta a carta.

  Pobre de um país que uma carta medianamente escrita se torna um fenômeno instantâneo de sucesso. Pobre de um país onde as pessoas elogiam uma crítica ao comportamento de nacionais, das quais contudo eu compartilho em certa medida, e não fazem qualquer auto-reflexão sobre si próprias. O problema no Brasil sempre são os outros. Esse é uma papo tão furado, e que mostra uma completa falta de entendimento de lógica formal, que é impressionante como  muitos brasileiros realmente acreditam nisso. 

  Num artigo escrito há alguns meses, fiz uma homenagem ao grande Abujamra e demonstrei a ilogicidade de afirmar que o pior do Brasil é o  brasileiro, ser brasileiro e não se achar o pior do  Brasil aqui. Muitas pessoas ficam incomodadas com uma simples constatação lógica. “Não, eu sou diferente!”. Por qual motivo? “Ah, porque sim!”. É um diálogo que parece infantil.  Numa deturpação do bom senso e da inteligência alheia, muitas pessoas se dizem diferentes e especiais. Quando por ventura é apontado algum desvio de conduta que poderia ser imputado a uma típica forma padrão de “esperteza" brasileira, justificativas mil afloram. Assim, fazer corpo mole para ser demitido sem justa causa (apesar de na verdade ser por justa causa, mas é algo que um empregador não conseguirá provar na Justiça do Trabalho) para ter acesso a verbas trabalhistas, apenas para citar um exemplo mas poderiam ser muitos outros, é um procedimento correto, “pois é assim que a vida funciona na realidade, rapaz!”. Isso não transforma o praticante desse ato, e quem apoia tal conduta, num brasileiro padrão para se caracterizar como o pior do Brasil, não, por uma incrível suspensão da lógica e da ética, o ato passa a ser justificável. Porém, se um deputado confessa que dobrou-se a interesses  não-republicanos sobre o argumento "é assim que o congresso funciona na realidade, rapaz!", aí toda a ira ética aplicar-se-á em sua integralidade. De contradição em contradição vamos construindo nosso país e o nosso "senso" de civismo.

  Em relação ao meu texto citado, à época foi feito um artigo “resposta" em outro espaço da internet.  Algo, em minha opinião, muito salutar. Ora, um debate saudável de ideias talvez pudesse amadurecer alguns posicionamentos, pois  o meu artigo talvez pudesse ter furos. É para isso que serve o debate. O texto em questão não foi dos melhores. Possuía dois argumentos: um que na minha opinião fugia do ponto e outro que não tinha pé nem cabeça, pois tratava de ciência e ficava evidente que o autor do libelo não fazia a menor noção do que estava falando em relação à parte científica. 

  O que se seguiu não foi um debate de ideias. Eu sinto quando pessoas estão extremamente contrariadas. "Será que fiz algo errado?" "O que há de errado com a discussão de ideias antagônicas, se é assim que o mundo evolui?" foram pensamentos que vieram à minha mente. Aliás, esse meu jeito já me valeu "desafetos" em muitos espaços, inclusive na internet. Eu,  mesmo com pessoas ofensivas, não guardo mágoa de ninguém, na verdade esses fatos sempre me fazem refletir sobre mim  mesmo e no processo sou obrigado a evoluir. Entretanto, esse episódio me fez refletir se valia a pena discutir ideias em outros espaços que não fosse o meu (a não ser espaços onde eu sei que a troca de ideias é algo mais natural). Melhor ler os meus livros, focar no planejamento da minha viagem e nos próximos passos da minha vida, e responder eventuais questionamentos apenas em textos produzidos no meu espaço. 

  O fato objetivo é que a maioria das pessoas não está preparada para ter ideias contraditadas. Não porque não sejam capazes de ter boas ideias, não porque sejam ruins, mas simplesmente porque nunca foram acostumadas com isso. No Brasil, se criou uma imagem de que uma discussão de ideias é algo agressivo, é uma questão de respeito não discordar de ideias dos outros. Essa é a receita para o desastre enquanto nação. O despreparo, talvez por causa da inexistência do hábito de se contraditar idéias, é tão gritante que quando se precisa debater, muitas pessoas pensam que uma discussão é sinônimo de agressão.

  Vejam, prezados leitores, o jogo de xadrez fez me conviver com o debate constante de intelectos quando eu era criança e adolescente, inclusive diversas vezes tinha que apenas reconhecer que meu adversário foi melhor ou em alguns casos muito melhor (chamamos isso no xadrez de ser esmagado). Os meus pais  nunca cercearam discordâncias, mas ao contrário, evidentemente na medida do possível quando se está educando uma criança, estimulavam o espírito contestador. Na faculdade, tinha discussões homéricas com amigos. Sabe o que acontecia depois? Ríamos, falávamos sobre mulher ou íamos para o bar perto da faculdade já que eu estudava de noite. Grandes vínculos e amizades eu fiz nessa época, e o que mais gostava era a capacidade que tínhamos de ser amigos, discutir frivolidades, bem como discutir “grandes temas” para jovens de 20-21 anos que estavam começando a ter um pensamento mais crítico sobre a vida e o mundo. Não há um único amigo meu que não esteja, pelo menos do ponto de vista financeiro e profissional, muito bem encaminhado na vida.

  Uma sociedade,  mesmo os extratos mais privilegiados e com educação, que não está acostumada a debater, obviamente só pode produzir políticos medíocres e um debate político mais medíocre ainda. O que de objetivo, de agenda nacional, se discutiu no Brasil nos últimos anos? O que objetivamente a sociedade brasileira discutiu sobre temas nos últimos anos? Pouca coisa, ou talvez  nada, zero.

  Isso é bem diferente nos EUA. Se discute tudo por lá. É impressionante. Apenas para conseguir a nomeação de um dos partidos principais, os candidatos discutem  talvez umas 8-9 vezes. Imaginem 10 debates antes de ser apontado candidato do partido. Lá, os candidatos precisam dizer claramente o que pensam e porque pensam sobre uma miríade grande de assunto. 

  No Brasil, basta lembrar os debates eleitorais. Eu, inclusive, fiz a resenha do último deles no primeiro turno Debate Eleitoral - O Fiasco. O nível para chegar a sofrível deveria melhorar e muito. Não houve uma discussão séria sobre nenhum tema. Dilma acusava Aécio que iria subir os juros, e Aécio simplesmente se omitia de responder. Uma mentia, o outro se omitia. Quando se tocava no assunto previdência, nenhum candidato falava nada de objetivo, apenas jargões de valorizar as aposentadorias e nada sobre a bomba-relógio que espera as novas gerações. 

  A diferença para os debates americanos é brutal. O debate entre Hillary e Sanders do partido Democrata, por exemplo, foi muito bom. Não importa se não se concorda com nada do que eles estão falando, ao menos eles estão expondo as suas opiniões e as debatendo. No Brasil, quase todos os candidatos presidenciais não conseguiam nem mesmo falar a nossa língua de forma clara. Algo muito diferente nos EUA, onde os candidatos visivelmente são preparados.

  O  mais incrível é que lá se reconhece quando se vai mal num debate. Um dos candidatos à  nomeação republicana, não lembro qual, admitia que tinha ido muito mal no debate anterior e essa era uma das razões de sua derrota nas primárias de um Estado. Aqui no Brasil, admitir inferioridade num debate, ou mesmo numa ideia defendida, é quase tão ruim do que duvidar da “masculinidade" de um homem. Simplesmente não ocorre na esmagadora maioria dos casos.

  Por quê? O que há de tão especial com as nossas ideias? É o fato de terem sido proferidas pela gente? Às vezes nem é esse o caso, pois simplesmente defendemos ideias dos outros e nem nos damos conta disso.  Logo, um passo importante para nosso país, e nós mesmos enquanto sociedade, começar a melhorar é que possamos debater mais.

     Debater ideias não é ofender o outro, não é humilhar o outro, mas apenas reconhecer que num mundo cada vez mais complexo as pessoas vão pensar diferente da gente sobre diversos assuntos, mas que de certa medida consensos deverão ser formados e ideias ruins simplesmente devem ser descartadas para que possamos viver com certa harmonia em sociedade. É simples assim, colegas.

  Grande Abraço a todos!




segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

SOULSURFER NO DIVÃ COM FUNDOS IMOBILIÁRIOS

  Olá, colegas! No presente artigo, irei propor uma auto-reflexão sobre o mercado de Fundos de Investimento Imobiliário. Irei fazê-lo, pois artigos escritos por mim em 2014 sobre o tema ainda continuam tendo uma média razoável de acessos. Talvez por ter focado tanto nesse tema, muitas pessoas foram levadas a pensar que eu possuía posições consideráveis nessa espécie de ativo, porém esse não é o caso. Irei desenvolver o texto por meio de tópicos, apenas para fins de sistematização. 

FII E PROSPERIDADE EMPRESARIAL

  Colegas, escrevi um artigo em específico sobre o tema FII - Diversificação e Investimento na Prosperidade Empresarial. Se alguém quiser mais insights  meus sobre o tema  basta ler o texto. Os FII não estão inserindo num mundo aparte, eles estão localizados na economia real, mais até que as ações listadas em bolsa de valores, já que as empresas que alugam imóveis de FII  variam de enormes a médias. Assim, se os lucros vão mal, se a economia real sofre, é mais do que natural que os FII sofram juntos.

  Paremos para refletir sobre o que está a ocorrer no Brasil. O PIB por si só é insuficiente para medir o desenvolvimento de um povo do ponto de vista econômico. Eu iria além, creio que o PIB está longe de ser um bom parâmetro para avaliar o nível de satisfação de um povo. Entretanto, deixo digressões de lado, e analiso a parte econômica apenas. A melhor métrica para se analisar o desenvolvimento financeiro de um povo é o pib per capta. Se quer ter uma explicação melhor dos motivos, sugiro a leitura desse bom artigo do Instituto Mises Brasil PIB e Mudanças Demográficas

  Assim, um país onde a população não cresce e já seja rico para padrões internacionais, não há qualquer problema do PIB  não crescer. Agora, para países com população jovem, ou ainda na fase de transição demográfica como o Brasil, se o PIB não cresce, os seus habitantes como um todo ficam mais pobres, pois há mais pessoas para “dividir" a riqueza produzida. Se o PIB não cresce E ainda cai, aí é uma tragédia do ponto de vista econômico, pois não só o número de pessoas para dividir o "bolo" aumenta, como o próprio “bolo" diminui.

  Ora, o país ainda cresce a sua população que deve estabilizar apenas no ano de 2040-5. Um PIB sem crescimento em 2014, de -4% em 2015, talvez de -4% em 2016 e se previsões pessimistas de -1% em 2017 se concretizarem, vão produzir um país algo em torno de -15% mais pobre em termos de renda per capta.  Ora, colegas, isso significa lucros menores (pressionando o preço das ações, por exemplo), fazendo com que as empresas tenham que cortar ou diminuir gastos para sobreviver. Um dos gastos importantes para muitas empresas médias, e até mesmo grande empresas, é o aluguel. Ora, se assim o é, os aluguéis tendem a ser pressionados para baixo. Qual vai ser a intensidade dependerá do setor do imóvel, de sua localização, do estado de conservação e se uma determinada mudança do locatário é fácil ou não de ser feita.

  Agora, precisa-se ter em mente que uma queda tão grande do Pib Per Capta em quatro anos tem consequências graves para todos os negócios, inclusive para a renda fixa. Com lucros menores, a métrica Lucro Líquido-Pagamento de Juros piora para todas as empresas com dívidas. Se a arrecadação encolhe, e como muitos dos gastos do Governo Brasileiro (a maioria deles na verdade) não podem ser mexidos, até a dívida pública federal começa a ter a possibilidade de existir problemas para a sua rolagem.  Por isso, para que a estratégia conservadora de investir em NTN-B possa dar certo (como a feita pelo colega do blog Viver de Renda) é imprescindível que uma hora o PIB pare de encolher.

  Logo, os FII estão sofrendo e devem sofrer mais ainda. Quem comprou de forma pausada, quem fez uma carteira diversificada entre vários setores (o setor bancário, de universidades, hospital sofrem no mercado secundário, mas mostram resiliência na renda), conforme recomendado num dos primeiros artigos deste blog como estruturar uma carteira de FII, tem um desempenho pior do que a renda fixa muito provavelmente, mas não tão ruim como uma carteira centrada em FII em escritórios.   

  Assim, a crise veio com muita força, a paralisia política está num grau muito acima do razoável, logo toda a economia sofre, FII inclusos. Há exagero? Talvez, já que alguns fundos muito seguros como BBPO, HGLG, estão pagando 1% am, algo que não existe no mercado de locação de imóveis físicos de forma direta, a não ser em casos de pequenas casas de forma informal (isso é, sem pagamento de IR).

INCENTIVOS DEMASIADOS? SOBREOFERTA EM DEMASIA EM ALGUNS SETORES

       Os problemas elencados no tópico anterior não me assustam em demasia, pois  como dizia o escritor português "não há mal que sempre dure".  Entretanto, o cenário de depressão econômica  cumulado com um número muito grande de oferta de m2 principalmente de lajes de escritório é algo que realmente não tive a habilidade de antever em todo o seu grau. 

  O mercado imobiliário brasileiro nos anos 80, 90 e começo da última década na melhor das hipóteses ficou estagnado. Quando as amarras foram liberadas: aumento de crédito e incentivos fiscais múltiplos (que ainda persistem como isenção de IR em LCI e CRI e rendimentos de FII, por exemplo), tudo isso cumulado com um otimismo de que o Brasil parecia estar trilhando um caminho diferente, fez com que inúmeros investimentos, vendo agora do conforto do presente, ruins fossem feitos. Construiu-se demais em algumas áreas. 

  Uma crise econômica passa e com isso o dinamismo econômico tende a retornar, impulsionando ativos e os seus respectivos fluxos de caixa. Agora uma crise econômica cumulada com uma grande oferta de m2 em algumas áreas é algo, em minha opinião, muito mais difícil de ser manejado. 

  Como meus dons de previsão em finanças variam de ruim a péssimo, não sei o que pode acontecer. O essencial para o pequeno investidor é não estar concentrado em demasia num ativo de renda variável como FII e ter diversificação interna. Fundos como NSLU (hospital), FCFL (educacional), PQDP (shopping), BBPO (agências bancárias) e KNRI (logística e escritórios) parecem passar razoavelmente bem tanto na crise, pois (a exceção do KNRI) não são afetados com a chegada de tantos empreendimentos imobiliários, bem como possuem contratos longos e atípicos (NSLU, FCFL e BBPO) ou são imóveis com um imenso valor intrínseco (KNRI e PQDP).

  Em relação aos fundos de escritórios, os imóveis com boa localização tendem a sofrer menos com a crise econômica e com a sobreoferta, mas mesmos esses imóveis irão sofrer. Assim, uma boa seleção de fundos com certeza diminuiu a amargura do derretimento de algumas cotas.

  Eu devo ter uns 35% em escritórios  na minha carteira de FII, como os FII representam algo em torno de 6% do meu patrimônio, isso quer dizer que algo em torno de 2% do meu patrimônio está nessa espécie de FII. “Peraí, Soul, como assim apenas 6% em FII?”

  SORTE?

  Minha alocação em FII chegou ao máximo de 13% do meu patrimônio. Desde então se passaram dois anos. Ganhei dinheiro com operações imobiliárias. Economizei meu salário como sempre fiz desde 2004 e aportei quase nada em FII ou ações. Isso fez a participação em renda variável ser muito baixa. Por isso, que eu me preocupo pouco com cotas sendo castigadas no secundário. Não gosto de ver meu patrimônio valendo menos, mas sempre tive muito claro que o que importa é o resultado global e se estou mais perto ou não dos meus objetivos financeiros.

   Eu tinha há dois anos a intenção de alocar 30% do meu patrimônio em FII de maneira gradual até 2017, deixando o grosso do dinheiro para quando achasse que houvesse um pânico exagerado. Bom, o tempo passou, me envolvi no meu projeto de viagem de longa duração, dei prioridade a liquidez para operações imobiliárias e acabei não seguindo o plano. Foi sorte? Talvez. Se não tivesse tido bons resultados com negociações diretas em imóveis talvez estivesse seguindo o plano a risca. Isso apenas mostra como é difícil prever para onde vão os preços de ativos. Se ao invés de 6%, eu tivesse 60% do meu patrimônio nessa modalidade de investimento talvez estivesse muito incomodado, pois o meu custo de oportunidade mais as perdas no secundário com alguns FII chegariam , se nada mudar até a segunda metade de 2017, nos sete dígitos, já que com juros de 13-14% líquidos durante 4 anos, um belo estrago pode ser feito em termos de custo de oportunidade, mesmo que o resultado nominal seja zero ou perto disso .

   É o momento de comprar FII agora? Eu acho que as margens de segurança são cada vez maiores. Continuo acreditando que FII é uma ótima forma de investir em imóveis  com um bom retorno financeiro e ainda a vantagem de fluxo de caixa mensal Porém, creio que uns 20% para mim será mais do que suficiente para o que pretendo. Com 4% real de retorno líquido do meu capital, eu não sou só independente financeiramente, como posso ter uma vida para lá de tranquila. Isso se pode conseguir atualmente sem dificuldades com títulos de duration longa no tesouro. Porém, a ideia de ficar muito concentrado como o Viver de Renda não me agrada. Por isso, creio que 20% em FII pode ser um percentual razoável, mais operações imobiliárias, mais uns 15% no exterior, mais mercado de dívida brasileira.    

  Logo, o fato de hoje estar líquido e ter retornos bem positivos do meu patrimônio não foi uma grande habilidade de antever acontecimentos marco e micro-econômicos,  mas apenas uma contingência dos acontecimentos da minha vida e das minhas finanças pessoais.

É OU NÃO É IMÓVEL?

  Colegas, um FII de tijolo representa um imóvel, ponto final. As receitas de um FII como o RNGO, por exemplo, são oriundas de contrato de locação de um imóvel. Logo, dizer que um FII não representa um imóvel é um erro. Pior, ao se dissociar o FII dos imóveis físicos dá a impressão que o imóvel que um fundo possui é apenas um detalhe, pois o que importa é a variação na cota do secundário ou a taxa de juros. Não, amigos. Os imóveis fazem diferença, quanto melhores forem, mais resilientes a crise serão. Analisar um FII de tijolo é basicamente analisar os imóveis físicos que os FII possuem, nunca se esqueçam disso.
   

GESTÃO TERCERIZADA

   Quer dizer então que um FII é idêntico a um imóvel físico? Não, pois a gestão não pertence aos quotistas. Se tenho casas para alugar, eu determino o valor dos alugueis, se eu vendo ou não os imóveis, se dou desconto ou não em aluguéis, etc, etc. Eu não gosto de fazer isso, muito menos se tivesse vários imóveis com essa finalidade. Seria, com o perdão da expressão, "Sacal" para mim. A gestão terceirizada era vista por mim como um dos pontos favoráveis em relação aos FII.

  Agora, não se pode negar o óbvio. Nos últimos dois anos, muitos gestores geriram pessimamente inúmeros fundos trazendo prejuízo para os quotistas. Eu achava difícil um gestor fazer bobagem   no simples fato de administrar um ou mais imóveis, pois isso não se confunde em nada com a dificuldade de administrar uma empresa de grande porte, por exemplo. Porém, os gestores  conseguiram se superar. Desleixo em relatórios, imóveis vagos e despreparo para conseguir novos locatários, Fatos Relevantes sendo anunciados depois de movimentações grandes no secundário, etc, etc. Uma mistura de amadorismo com talvez, em alguns casos mais graves, má-fé.

   “Não deixe terceiros administrando o seu dinheiro" já dizia o meu pai quando falei de FII pela primeira vez, Ele tem a sua razão. Eu ainda prefiro que imóveis para aluguel a gestão seja terceirizada, mas os gestores têm muito mais importância do que eu imaginava num primeiro momento. Assim, se quer investir em FII é imprescindível analisar os gestores de determinado fundo.

  Eu creio que o mais provável que o mercado de FII amadureça e a gestão se torne cada vez mais profissional, séria e transparente. Pode ser que isso ocorra no médio prazo, mas também pode ser um processo bem longo. 

TRIBUTAÇÃO, RISCO?

  Colegas, os FII serem tributados não é um risco em minha opinião.  Eu já pensei diferentemente, como nesse artigo, bem no começo do blog, onde respondo que uma exposição de 100% em FII  não fazia sentido FII - Vamos de All In? Hoje em dia, penso que a isenção de tributação de renda em FII algo que não se sustenta no médio prazo, pois não tem muita lógica e o Estado Brasileiro terá que uma hora ou outra fazer a transição de uma tributação indireta para uma direta.

  Logo, é bem possível que as cotas venham a sofrer bastante com o fim da isenção, mas se você quer investir em FII tenha  em mente que uma hora ou outra essa isenção irá terminar.

CONCLUSÃO

  FII estão inseridos na economia real. Se o país afunda, os FII sofrem junto. Houve uma ânsia muito grande de construção no Brasil depois de décadas de um mercado imobiliário estagnado. O problema da oferta generalizada, principalmente em lajes de escritórios, cumulada com profunda crise econômica pode ter impacto não só no valor dos imóveis, mas como nas rendas. Diversifique entre setores de FII, como sempre alertado nesse blog desde os primeiros artigos. Sim, FII representa um(ns) imóvel(is) físicos na realidade. Não, o FII não representa uma abstração. Logo, bons imóveis são resilientes, imóveis  mais ou menos nem tanto. A gestão é parte imprescindível da análise. Infelizmente, até para gerir um imóvel que não sai do lugar, gestores encontram dificuldades. Aprendi muito mesmo nos últimos anos sobre investimentos em geral, FII em especial. Aprendi muito sobre os meus limites enquanto investidor, e o que eu realmente quero da minha vida. Não produzo mais tantos textos sobre o tema, mas fico feliz de ter contribuído de alguma forma com o amadurecimento do tema na blogosfera financeira. Espero que essa auto-reflexão possa ser de valia para alguém.


  Grande abraço a todos!