O Brasil acabou. Porém, como um país chega ao seu fim? “Soul, aquele informe da Empiricus usou apenas táticas de marketing, é evidente que o Brasil não acabou e nem pode acabar”. É verdade. É banal, mas títulos chamativos, pasmem queridos leitores, chamam a atenção das pessoas. É difícil resistir. Está em nossos cérebros, e há muito tempo quem lida com neurociência, ou simplesmente trabalha com métodos de persuasão, sabe disso.
Porém, apenas por um exercício teórico, como um país acaba? Lá pelo século XIV havia no sudeste asiático um reino chamado Cham. Épicas batalhas aconteceram entre os Chams e os Khmers nos séculos XI e XII. O reino Cham localizava-se na parte do sul do atual Vietnã. Podem procurar no mapa, colegas, vocês não encontrarão nenhum país chamado Cham. Eu, entretanto, encontrei vários Chams na minha viagem, fiquei inclusive numa cidade chamada Kompang Cham no Camboja. Essa etnia foi trucidada no regime do Khmer Vermelho (mais a respeito no artigo O Horror, O Horror). Hoje em dia, os Chams são um povo que perderam o seu país e nunca mais terão um. Pode-se dizer, apesar da concepção de país ser mais moderna e remontar há poucos séculos, que um país efetivamente acabou.
Com certeza muitos outros exemplos existem na história de “países" (entre aspas, pois frise-se que isso é uma concepção moderna) que simplesmente acabaram. E o Brasil, pode vir a acabar? Os Brasileiros terem um destino como os Chams tiveram parece quase impossível. Teríamos que imaginar um cenário de invasão e expulsão de 200 milhões de pessoas do território. Não há nenhum precedente na história moderna do mundo de algo dessa magnitude.
O que poderia ser então? Uma piora absurda no nível de vida da população? É um cenário improvável, mas muito mais factível do que o deslocamento ou chacina de 200 milhões de seres humanos. Entretanto, pioras muito grandes do nível de vida da população geralmente estão associadas com guerras, principalmente quando um conflito se transforma numa terrível guerra civil. Num ambiente de uma guerra civil, fica difícil não imaginar uma deterioração completa do nível de vida. Exemplos atuais? Somália, Síria, Líbia e Iraque.
Não vejo , num cenário realista, o Brasil entrando numa violenta guerra civil, até porque os brasileiros são muito parecidos no jeito e na cultura. Geralmente, para um conflito social se transformar num conflito armado de grande envergadura, motivos religiosos e étnicos estão quase sempre associados. O Brasil, felizmente, não sofre disso. Aliás, essa é uma das coisas ótimas de nosso país, por mais que muitas pessoas não consigam observar aspectos positivos em nossa nação. Olhar mais o mundo e a complexidade das diversas relações que nele se desenrolam é a única forma de formarmos uma visão mais sóbria do nosso próprio país.
O que seria então “o fim do Brasil”? É a impossibilidade do governo pagar as suas dívidas? É uma inflação alta? Obviamente, isso em nada está relacionado com a existência ou não de nosso país.
Sabem o que é mais provável de acontecer, prezados leitores, com o nosso país? As previsões demográficas estarem certas e o Brasil chegar a 250 milhões de habitantes em 2040-45. Não, não haverá uma diáspora de brasileiros pelo mundo, muito provavelmente 99% dos brasileiros permanecerão no Brasil nas próximas décadas. Esses 50 milhões a mais de brasileiros gostarão de ter um lugar para morar. O litoral brasileiro ainda, como sempre foi, atrairá a maior parte dos brasileiros. Como terrenos não costumam se multiplicar, a escassez de terrenos litorâneos em cidades estabelecidas será cada vez maior.
Ao que tudo consta, esses 250 milhões de brasileiros ainda comerão. Logo, toda a cadeia produtiva ligada à alimentação desse contigente de pessoas muito provavelmente ainda existirá. É provável também que mulheres, assim como homens, tenham a intenção de casar e estabelecer uma nova vida num novo imóvel. Parece-me, portanto, que as pessoas ainda vão procurar imóveis para se estabelecer, seja para alugar, seja para comprar.
Ou seja, a vida irá se desenvolver no país. Centenas de milhões de pessoas ainda terão sonhos, medos, desejos, etc. Logo, sobre essa perspectiva, o Brasil não irá acabar nem do ponto de vista econômico.
“Mas e a economia, e o governo, e o descontrole dos gastos da previdência como você escreveu no seu último artigo, Soul”, alguém pode estar pensando. Nietzche tem uma citação que é ótima. Não lembro de cabeça, mas a ideia é mais ou menos a seguinte “entre o ódio extremo e a felicidade extrema há centenas de estados emocionais no meio e geralmente a maioria dos seres humanos se encontram nesses estados intermediários”. Poucas pessoas conseguem perceber isso e se dar conta da profundidade dessa ideia.
Você sempre está muito feliz, colega, ou muito irritado? Provavelmente, nem um, nem outro. Estamos quase sempre mornos. Entretanto, quando se trata de opiniões, previsões sobre o futuro, as pessoas são atraídas pelos extremos. Esse tema já foi abordado muitas vezes aqui no blog sobre as mais variadas perspectivas. Alie-se a isso a visão de curto prazo, que é importante mas obviamente não a única, e pronto a receita para mentes atormentadas e desorientadas está pronta.
As pessoas, em sua maioria, não guiam o debate, mas são guiadas por opiniões alheias. Quanto mais se consome informação ou notícias, mas o pensamento independente e crítico vai se esvaindo. O gozado é que muitas pessoas acham o contrário. Elas realmente acreditam que a sua visão de mundo está melhorando com o consumo de notícias. O que não percebem é que muitas vezes apenas se tornam auto-falantes involuntários de ideias alheias que talvez nem compreendam corretamente. Veja o caso do calote da dívida pública federal.
No espaço de alguns dias, o tema veio à tona em vários artigos. Estou lendo um belo livro chamado “The Tipping Point”, onde o autor tenta responder a intrigante questão de como certas ideias parecem “viralizar" e outras não, ou como alguns acontecimentos podem ter desdobramentos imprevisíveis. É muito interessante. Estou na parte onde ele aborda a teoria do “Broken Windows” em matéria de crimes, e a ideia central é muito perspicaz. Assim, é interessante acompanhar como temas vão “viralizando" de semana em semana.
De uma hora para a outra, percebeu-se que o Governo Federal pode não pagar a sua dívida, ou dar um calote branco via inflação (tema já tratado no blog no artigo reflexões sobre a taxa de juros reais e o mercado imobiliário argentino). Ninguém se pergunta num mundo onde os juros reais são negativos em muitos países desenvolvidos, e muito baixos em países com renda per capta parecida com a nossa (a Tailândia , por exemplo, paga algo em torno de 2.5% aa em seus títulos de 10 anos), se um título do governo pagando inflação + 7,5% aa não é um indicativo de possibilidade de default. Leigos não pensarem assim é normal, especialistas é impressionante.
Ora, como um país pode pagar juros reais tão grandes num mundo de juros reais muito baixos ou negativos e isso não ser um indicativo de uma probabilidade de calote? Ora, não faz sentido. Entretanto, o Brasil paga esses juros há muito tempo, apenas na última semana as pessoas se deram conta de que o Governo Federal pode vir a não pagar os seus compromissos?
Interessante que muitos dos textos simplesmente “esquecem” as reservas internacionais e o conceito de dívida líquida. Muito debate se travou qual seria a métrica adequada, se a dívida bruta ou líquida para medir a solvência de uma nação. A Dívida Bruta em proporção do PIB parece ser o dado mais acurado para se mostrar a situação fiscal de um determinado país. Agora, ignorar o conceito de dívida líquida não faz sentido. Ora, um calote é a possibilidade de um governo não honrar os seus compromissos, depois de vendidos os seus ativos, assim como é o conceito de default em títulos privados. Se a situação de crescimento da dívida bruta assusta, se a dinâmica de gastos do governo parece de difícil resolução, isso não autoriza que simplesmente se esqueça que há quase 400 bilhões de dólares em reservas internacionais, se estamos pensando única e exclusivamente em calote da dívida. O Limite Prudencial de reservas aconselhado pelo próprio FMI é de seis meses de importações. O Brasil possui muito mais do que isso em reservas. Assim, não se faz política fiscal com reservas e seria um erro o governo usar reservas para fazer empréstimos, como alguns economistas do PT sugeriram, por exemplo. Agora, ignorar reservas para fins de default, não faz sentido.
É por isso que minha jornada de auto-conhecimento financeiro teve valia. Meus investimentos puramente financeiros tiveram retornos fracos até agora, mas o processo de conhecimento terá impacto em toda a minha vida. Posso estar certo, posso estar errado ou posso estar redondamente enganado em minhas premissas, mas o fato é que serão premissas inteligíveis para mim. Num mundo onde os acontecimentos são cada vez mais rápidos, onde cada vez mais meios de comunicação tentam chamar a sua atenção com títulos chamativos, mas muitas vezes vazios, é imprescindível que você tenha a capacidade de fazer a sua própria reflexão.
Sem isso, numa semana é calote. Na outra semana, é a imprestabilidade dos Fundos Imobiliários e por via de consequência dos imóveis. No outro mês é o Dólar indo a R$7,00 em alguns meses. Na outra, é a recuperação do Bovespa. A chance de atingir os objetivos financeiros vai diminuindo, e o que é pior, a pessoa vai ficando estressada, preocupada, vendo a sua vida se esvaindo sem perceber.
Creio que faz mais sentido se a pessoa se preparar para o futuro tendo essas premissas como mais prováveis: a) O Brasil irá existir daqui 35 anos; b) as pessoas ainda existirão, provavelmente 50 milhões de pessoas a mais; c) Essas pessoas irão ainda casar, procurar locais para morar, alimentar-se e muito provavelmente procurar lazer (seja lá como for o lazer daqui 35 anos); d) é provável que empresas ainda vão fornecer os serviços e produtos demandados; e) governos costumam se alternar no poder; f) O Gap entre produtividade e renda per capta entre países muito produtivos e pouco produtivos tende a diminuir no longo prazo, não a aumentar, ainda mais num mundo globalizado; g) Como a economia cresce por :Aumento Populacional + Aumento Produtividade, o que acha que vai acontecer em países com estabilidade ou declínio demográfico e alta produtividade em termos de crescimento? Com certeza não serão esses países que proporcionarão retornos reais razoáveis no longo prazo, e nem precisam, pois a vida já é boa nesses países, e eles devem focar cada vez mais em qualidade de vida da suas populações.
Não concordam com as minhas premissas? Ótimo, esse é o caminho para evolução. Reflitam por si só, colegas. Essa é a nossa maior ferramenta para viver num mundo cada vez mais agitado como o nosso. Agora, se acredita em calote, não compre títulos com duração longa do tesouro (NTN-B35, por exemplo). Se acha que o governo é um mal em si mesmo, e sustenta parasitas, não compre títulos do governo, pois você se transformará num parasita. Se não acredita no índice oficial de inflação, não compre títulos indexados ao IPCA. Se acredita que os imóveis tendem a ter uma desvalorização crescente, não compre FII e Imóveis. Se acham que o câmbio real continuará a se desvalorizar (se não sabe nem ao menos o conceito de câmbio real, então está na hora de ler mais antes de achar o que pode acontecer com o dólar em relação ao real no médio prazo) continuamente, compre dólar ou alguma outra moeda forte. Se você não tem certeza de nada disso, compre um pouco de cada e vá ler Doistoiéviski, Kafka, Shakespeare, Carl Sagan, Machado de Assis, Sobre Ciência, etc. O seu conhecimento de mundo agradece.
Grande Abraço a todos!
obs: sim, o título do texto foi chamativo, feito única e exclusivamente para chamar a sua atenção. Porém, espero que com sua atenção, o texto possa ter sido de alguma valia.