quinta-feira, 30 de novembro de 2017

UM LÍDER VERMELHO - PORQUE VOCÊ DEVERIA SER UM



            Olá, colegas. Esse modesto blog possui algumas ideias centrais, uma das principais é o conceito de se desafiar intelectualmente sempre que possível. Não é à toa que esse espaço às vezes atraia críticas ferozes,  pois desafiar conceitos arraigados não é fácil, mas é essencial. Diversos artigos nesse sentido já foram produzidos, e ficaria difícil citar todos eles.

            Há uma estratégia que recentemente ouvi num podcast do Tim Ferris: red team ou time vermelho. Primeiramente, o vermelho vem da alusão a União Soviética nos tempos de guerra fria. O que um “time vermelho” deve fazer? Basicamente, tentar de qualquer maneira provar que há falhas em algum sistema, forma de pensar, etc. Se uma organização possui um sistema de segurança na internet, um red team pode ser formado dentro da própria organização para demonstrar justamente o contrário. 

            Bom, isso para mim é basicamente o melhor, mais inteligente, e científico processo para evoluir qualquer coisa: ideias, produtos, pensamentos, relacionamentos, etc. Isso é a completa antítese do que ocorre em mídias sociais hoje em dia, ou em comentários como “Nossa, que texto bom, disse exatamente o que penso”. Essa forma de raciocinar é tão não-intuitiva que não é nenhuma surpresa dela ser aplicada apenas em organizações de ponta pelo mundo, e não pela população em geral.

            Sem saber sobre o conceito de “time vermelho”, percebi que sempre tive a tendência, aumentada nos últimos anos, de ter a forma de raciocínio condicionada à forma de agir de um red team. Quero me exonerar do cargo de Procurador? Exercícios e mais exercícios mentais a la red team, para de alguma maneira procurar falhas, inconsistências, riscos, em todas as premissas que me inclinavam a deixar o cargo. Por isso sempre tenho um sorriso interno, quando alguém me pergunta se refleti a respeito da decisão que tomei. É claro que sempre dou a resposta padrão.

         Vou comprar um imóvel em leilão? Exercícios mentais sobre o que pode dar errado. Não estou preocupado sobre o que pode dar certo, se resolvi comprar um imóvel em leilão é porque já vislumbrei tal cenário, é muito mais importante saber o que pode dar errado para que efetivamente possa decidir se vale ou não a pena.

            Ao aplicar tal forma de pensar , é natural que o processo decisório e as decisões derivadas dele se tornem muito mais robustas e eficientes. Se isso é imprescindível para o indivíduo, imagine para o setor de inteligência militar de um país importante? Numa simples pesquisa na Wikipédia em Inglês sobre Red Team, vi que o Exército Americano possui uma Universidade em Assuntos Internacionais militares e culturais. Um dos cursos que essa Instituição ensina é sobre como ser um líder de um Time Vermelho. Dá para imaginar quão bom uma pessoa não deve ser para ser líder de um time vermelho no exército dos Estados Unidos.

            Vou copiar e traduzir alguns itens do texto da Wikipedia - lembrando que não sou tradutor e posso ter comedido algum(ns) erro(s):


"The UFMCS Red Team Leader’s Course (RTLC) is a graduate-level education of 732 academic hours (18 weeks). The course scope includes the four UFMCS pillars: Introspection and Self-Reflection; Groupthink Mitigation (GTM); Fostering Cultural Empathy, and Applied Critical Thinking (ACT)."

O curso de líder do time vermelho da Universidade de Assuntos Militares e Culturais Internacionais é uma graducação de 732 horas (18 semanas). O objetivo do curso inclui os quatro pilares da UFMCS: Introspecção e Auto-Reflexão; Mitigação de Pensamento de Grupo;  Promovendo Empatia Cultural e Pensamento Crítico Aplicado.

"Introspection and self-reflection includes: Personality Dimensions, Introspective Life-Changing Event presentation and daily journaling."

Introspecção e reflexão pessoa inclui: Dimensões da Personalidade, Apresentação de eventos introspectivos de mudanças de vida e journaling diário.

"Groupthink mitigation (GTM) includes: Understanding Groupthink causes and techniques to mitigate."

Mitigação de Pensamento de Grupo inclui: Entender as causas de pensamento de grupo e as formas de mitigação

"Fostering cultural empathy includes: Understanding culture from the perspective of an anthropologist, to include cultural meaning, economics, social structure, religion, politics and globalization."

Promoção de Empatia Cultural inclui: Entendendo cultura pela perspectiva de um antropologista, para incluir significado cultura, econômico, estruturas sociais, religião, política e globalização.

"Applied Critical Thinking (ACT) includes: How we think, cognitive biases, intuition, complexity and systems thinking, and argument deconstruction."

Pensamento Crítico Aplicado inclui: Como nós pensamos, vieses cognitivos, intuição, complexidade e sistemas de pensamento, e desconstrução de argumentos.

"UFMCS curriculum is designed to improve critical thinking by teaching them how to ask better questions and challenge their assumptions they hold sacrosanct.
Red Team Leaders are expert in:
  • Analyzing complex systems and problems from different perspectives to aid in decision making, using models of theory.
  • Employing concepts, theories, insights, tools and methodologies of cultural and military anthropology to predict other’s perceptions of our strengths and vulnerabilities."
 O currículo da UFMSC é designado para melhor pensamento crítico ensinando os alunos a fazer melhores questões e desafiar as suas convicções mais profundas.
Líderes de times vermelhos são peritos em:
- Analisar sistemas complexos e problemas de diferentes perspectivas to ajudar no processo decisório, usando modelos teóricos
- Empregar conceitos, teorias, idéias, ferramentas e metodologias de antropologia cultural e militar para prever a percepção dos outros de nossas forças e vulnerabilidades.


            Bom, se um curso como esse fosse aberto para civis de outras nacionalidades, o que obviamente não é, eu embarcaria nos próximos meses para fazer um curso com essa proposta. Aliás, se eu tivesse um filho, esse seria o curso que gostaria que ele fizesse. “Tentar prever a percepção dos outros sobre nossas forças e vulnerabilidades”? Olhe ao seu redor, para si mesmo, quem faz isso? Qual mídia faz isso? Não é à toa que o exército americano é a força mais poderosa do mundo. 

            Não tenho como expressar a minha satisfação de como esse espaço em muitos artigos de maneira inconsciente nada mais estava reproduzindo a filosofia desse curso de formação de líderes. Não se trata de ter uma queda pelo Islamismo ou defender terroristas, por exemplo, mas entender as estruturas sociais, econômicas, legais e acima de tudo a diversidade de cores e formatos em que a religião muçulmana se manifesta.  Isso nada mais é do que promover a Empatia Cultural. Como já viajei por lugares que a esmagadora maioria das pessoas não faz nem noção de que existam, e encontrei comunidade muçulmanas em variados formados, etnias, graus de (in)tolerância, posso entender muito melhor o conceito de empatia cultural na análise desse caso específico. Apenas assim conseguimos ter uma noção mais acurada de como a realidade se apresenta, não repetindo clichês sobre o assunto. Tendo esse entendimento, provavelmente a luta contra o terrorismo, bem como contra a intolerância,  pode ser feita de maneira muito mais inteligente e eficaz.

            Tenho certeza absoluta que Trump não seria nem mesmo aceito como aluno para um curso como este. É engraçado, e ao mesmo tempo fascinante,  refletir  como o chefe de uma nação pode ser a antítese do que os sistemas mais sofisticados de decisões das organizações dessa mesma Nação operam. Essa é a força dos EUA, sem sombra de dúvidas.

            Depois de sair da Procuradoria, a quantidade de ideias que tenho tendo é impressionante. Imagine estruturar um curso desses no Brasil? Está aí uma ideia que vale a pena ser mais refletida. Em tempos onde uma pessoa como Olavo de Carvalho é tida como o maior filósofo de um país, Lula a salvação para o desmonte dos direitos, Bolsonaro apto a ser chefe de um país continental diverso de mais de 200 milhões de pessoas, e onde boa parte dos diálogos são apenas frutos de pensamento de grupo (ou de manada), falta de pensamento crítico ou a falta de qualquer empatia cultural, imagine o bem que não faria ao país se cursos como estes fossem ministrados pelo país? Com certeza, eu matricularia o meu filho num curso desses, e talvez fosse o melhor curso que ele faria na vida inteira.

            Um abraço a todos!

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

MINHA EXONERAÇÃO DO CARGO DE PROCURADOR

LEIA ESSE NO NOVO  SITE:

https://mundosoul.com/minha-exoneracao-do-cargo-de-procurador/


OBRIGADO!



A Exoneração que sempre quis

Faz tempo que queria escrever esse artigo. Talvez mais de cinco anos.  Sou arrependido do caminho que tomei? De maneira alguma. Não sou grato pelo que aprendi? Absolutamente.  Mais de 12 anos depois, minha história como Procurador Federal chega ao fim. A minha exoneração do cargo foi publicada no Diário Oficial da União.
Durante esse tempo aprendi muito sobre a miséria humana, sobre os outros, sobre mim mesmo, sobre a vida.
Lembro-me como se fosse hoje de uma das minhas primeiras audiências. Um garoto de 18 anos que tinha tomado um tiro e ficado paraplégico.
Até hoje penso naquele garoto, e na vida dele que foi alterada de maneira tão brusca numa etapa tão cedo da vida. Quantas mães e esposas que perderam os seus filhos e maridos não vi chorar em minha frente.
Vi muita desfaçatez também é verdade.
Durante certa  época sofri com o tratamento recebido. Quem me acompanha há mais tempo no blog, sabe que gosto de tratar dos assuntos com seriedade,  e sempre questionar aquilo que acredito não ser correto. No serviço público, mesmo na elite do funcionalismo, isso às vezes, ou quase sempre, não é muito bem visto.
No primeiro estágio fiquei com raiva. Algo que não faz bem para ninguém, muito menos para a pessoa que está sentido raiva. Depois senti indiferença. Um dos piores sentimentos, mesmo que endereçado para pessoas que não agiram de maneira correta comigo .
A indiferença é algo terrível e faz um mal danado. Depois senti pena, outro sentimento que não nos leva a nenhum lugar.
Foi apenas depois de muito refletir, e sentir todas essas sensações ruins, que percebi que na verdade as situações de desconforto e as pessoas que as criaram eram na verdade professores de vida.
Foram elas que me forçaram a evoluir enquanto pessoa, a ir atrás de novos horizontes, a me desafiar. Talvez eu não estivesse escrevendo esse texto se não fossem essas situações e essas pessoas.
Aprendi muito. Eu sou aquilo que vivi, como gosto daquilo que sou, então só posso agradecer aquilo que vivi.
O salário era muito maior do que necessitava, então pude economizar muito. Com certeza foi um dos pilares para chegar onde estou.
Tomo um caminho em sentido contrário do da maioria. Afinal, quem não quer não ter controle de horário, um salário de R$ 30.000,00 e ser chamado de Dr., tudo isso com estabilidade e respeito social quando as pessoas sabem o que você faz.
Muitos querem, e é natural que assim o seja.  Eu, porém, no atual estágio da minha vida, quero outras coisas.
Foram anos e mais anos me preparando financeira e psicologicamente para esse momento. Talvez já tenha feito centenas de cálculos. Quantos rabiscos não fiz de várias margens de segurança, várias formas de retiradas do patrimônio, várias períodos de abrangência. Acho que fiquei um especialista nessa área.
Quando percebi que a parte financeira não era o que me segurava, afinal posso me dar o luxo de ter duas independências financeiras (uma aqui no Brasil, e outra com um portfólio em separado no exterior), resolvi tratar da parte emocional, dos medos, das inseguranças próprias e a dos outros.
A viagem de quase dois anos que fiz por lugares soberbos do mundo foi com certeza uma amostra de como a vida pode ser espetacular, diferente, desafiadora, sem que se precise se apegar ao padrão tido como correto e vitorioso.
Entretanto, é verdade que o governo Temer deu uma bela ajudada para a minha decisão, e tornou tudo mais fácil.
É isso, independência financeira de forma “oficial”.  O que vou fazer? Não faço a mínima ideia.
Terminar o meu livro sobre leilões (que está ficando bom), especializar-me em investimento-anjo, ser um bom pai, viver em 9 lugares diferentes no mundo aprendendo os rudimentos da língua local nos próximos 18 meses, melhorar como cantor, ajudar mais os outros, não sei, e francamente isso nunca me preocupou.
A vida é muito interessante e ampla para nos definirmos apenas pelos nossos trabalhos. Aliás, quanto mais se conhece do mundo, mais interessante ele fica.
É isso, colegas leitores, esse foi um artigo que ansiava escrever antes mesmo de ter um blog. Uma parte importante da minha vida fica para trás, outra se abre em minha frente. Estou tão tranqüilo, satisfeito e feliz, que tenho certeza que será uma vida ainda melhor do que a vida boa que venho levando.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

BITCOIN BOLHA OU REVOLUÇÃO?

                Olá, colegas.  Moedas virtuais. Não se fala em outra coisa.  Até mesmo amigos que não são do universo de se preocupar muito com finanças pessoais já comentaram sobre Bitcoins comigo. Podcasts estrangeiros sobre investimento falam sobre BTC. No meu blog já perguntaram para mim, que sou absolutamente leigo em moedas virtuais, o que penso sobre BTC.    Portanto, correndo o risco de escrever alguma bobagem, tecerei algumas reflexões relacionadas ao BTC e a temas correlatos.

      Primeiramente, gostaria de chamar atenção que manias especulativas muito provavelmente continuarão existindo na humanidade. Desde a bolha das tulipas na Holanda há séculos chegando a bolha dot.com nos EUA há 16 anos, o simples fato é que histórias sobre algo e,ou, cativantes sempre terão o poder de impressionar os seres humanos. O Professor Schiller no seu excelente livro “Exuberância Irracional” descreve que qualquer processo de bolha de ativos geralmente, ou quase sempre, é acompanhado de uma história que do ponto de vista intelectual faça sentido. Se a tecnologia irá mudar o mundo, se a internet é essa ferramenta poderosa que está transformando tudo que se conhece, então uma história que narre essa perspectiva talvez pudesse justificar precificações elevadíssimas de ações de tecnologia nos EUA no começo da década passada.

        Em segundo lugar, é incrível como nosso cérebro reage a certas coisas. Eu sou uma pessoa bem controlada e sei exatamente das minhas forças e limitações. Tenho certa clareza também em meus objetivos financeiros e de vida. Uma regra minha, copiada de W.Buffett, é de não investir naquilo que não conheço. Como sou leigo em criptomoedas, ou nas tecnologias que a cercam, jamais passaria pela minha cabeça (sem um estudo muito aprofundado) colocar qualquer dinheiro nisso. Entretanto, ao ver a cotação chegar a R$ 22.000,00, passou rapidamente pela minha cabeça “será que não devo comprar um pouco?”, o que, ainda bem, foi prontamente repelido por alguma outra parte do meu cérebro “claro que não, siga o seu plano que está tudo bem, lembre da sua estratégia”.

           Essas duas primeiras considerações não foram para dizer que há uma bolha em BTC. Ou que a cotação não possa ir para R$ 330.000,00 (os U$ 100.000,00 previstos por alguns), não amigos.  Foi apenas um relato de que, mesmo com conhecimento e estratégia definida, é natural que possamos ser “seduzidos” por uma história que faça sentido. Ora, faz sentido que as pessoas queiram apostar numa nova forma de encarar as moedas, faz sentido que pessoas queiram transacionar de forma sem controle estatal, etc, etc.  Porém, o ponto é que tudo isso fazia sentido quando o BTC tinha o preço de R$ 1.000,00, absolutamente nada mudou desde então em relação ao Estado, controle de câmbio, inflação monetária, desejo de liberdade, etc.  Entretanto, a história parece ficar mais sedutora ao ver o BTC aos R$ 22.000,00, o que realmente dá força a percepção de que de tempos em tempos manias especulativas invariavelmente irão surgir no mundo.

      Assim também como W.Buffett, eu tenho dificuldades em entender um ativo que não tenha o potencial de produzir um fluxo de caixa. Por este motivo, se não estou enganado, já vi o famoso investidor não recomendando o investimento em ouro, por exemplo. Como mensurar quanto vale um grama de ouro? Como saber se o ouro está sendo negociado a valores elevados ou não? Deixe-me abordar duas tabelas (a fonte pode ser acessada aqui):

Fim do Padrão-Ouro, medo do enfraquecimento total das moedas fiduciárias, e o ouro na década de 70 teve retornos ainda maiores do que W.Buffett nos seus anos mágicos. Nas décadas subsequentes, com a exceção da década 00, o Ouro teve retornos anualizados negativos acentuados.


Alguém que acreditou na história de inflação descontrolada e comprou ouro no começo da década de 80 (época de enorme inflação para padrões americanos) teve um retorno real anualizado nos últimos 35 anos de -1.5%. Sim, fazia todo sentido comprar ouro como reserva de valor no começo da década, mas esse fictício investidor perdeu -1.5% do seu poder de compra por ano durante 35 anos.

        Antes de comentá-las, é necessário esclarecer que até a década de 1970 o ouro, visto numa perspectiva de longo prazo, costumava acompanhar a inflação, ou seja, os retornos reais de investimento em ouro produziam rentabilidade próxima a zero.  No começo da década de 1970, os EUA abandonaram de vez o chamado padrão-ouro, o que fez com que o metal se valorizasse a um ritmo alucinante nos anos que se seguiram. Muito provavelmente, houve histórias convincentes de que o mundo iria degenerar numa inflação monetária sem fim das moedas estatais, e que o ouro era a única maneira de se proteger do arbítrio expansionista de Bancos Centrais pelo mundo.

      Se na década de 1970 essa história fez sentido, nas outras décadas (80,90,00) parece que não fez mais tanto sentido, e uma valorização anual real de quase 24% ao ano na década de 70, se transformou numa valorização real de 3.7% ao ano desde a década de 70 (quase em linha com títulos de dívida soberano dos EUA). O Ouro, é claro submetido a variações violentas no curto-médio prazo, mesmo num mundo de inflação monetária muito mais pronunciada, parece que (depois dos turbulentos anos 70) voltou ao seu local natural de reserva de valor e potencial de retornos reais baixos em períodos maiores de tempo.

         Percebam, prezados leitores, que se digo que um FII vale 10 vezes o seu fluxo de caixa anual, ou se uma padaria vale pelo menos cinco vezes o seu faturamento, há uma métrica objetiva pela qual eu posso comparar se o preço está adequado ou não. Em relação ao ouro, essa métrica inexiste,  pois uma barra de ouro não produz absolutamente nada.  Se a ideia do ouro como reserva de valor faz sentido, então a ideia de que o ouro não deva produzir retornos reais acentuados no longo prazo também possa fazer sentido. Baseando-se nisso, talvez seja possível dizer se o ouro, em sua tendência histórica, esteja sobreprecificado ou não. Porém, é difícil mensurar quanto investidores estão dispostos a pagar por uma reserva de valor num determinado momento.

    Nesse sentido, talvez o BTC, ou outras criptomoedas, representem uma reserva de valor.  Um BTC, até onde eu  sei, não é capaz de produzir mais BTCs, ao contrário de um imóvel que pode produzir outros “imóveis em potencial” pelo recebimento de aluguéis. Se assim o é, o BTC teria um comportamento como o ouro? Precisaríamos de pelo menos algumas décadas para poder fazer qualquer afirmação nesse sentido, já que a tecnologia é extremamente nova. Porém, o que ocorreu com o ouro na década de 70 pode ser um ponto de partida para refletir o que acontece com ativos que são vistos como reserva de valor frente a uma “história” de desvalorização contínua e acentuada de moedas tradicionais.

        E se o BTC virar uma forma de reserva de valor com muito mais utilidade do que o ouro? E se o BTC substituir o ouro nessa função? Mesmo sem conhecer profundamente os mecanismos de operação por meio de criptomoedas, parece-me claro que é muito mais simples comprar um BTC do que comprar 100 gramas de ouro, sem contar os eventuais custos de custódia e manutenção. Nesse sentido, o BTC como reserva de valor pudesse ser muito mais prático e eficiente. Quem sabe não seja esse o futuro.

       Entretanto, os ensinamentos de Taleb de como refletir sobre novidades creio que são profundos e muito interessantes. Conforme Nicholas Taleb em seu livro “Antifrágil”, quanto mais tempo uma tecnologia existe, maior a sua probabilidade de continuar existindo. Quanto mais nova uma tecnologia, menor a probabilidade de ela continuar existindo. Pense na tecnologia “cadeira” e há quanto tempo ela existe. Como diz Taleb, nós nos surpreenderíamos ao ver que uma cozinha romana de 2000 mil anos atrás talvez seja muito semelhante com uma cozinha moderna atual no que tange aos utensílios.  O escritor libanês gosta da sabedoria dos antigos e na sua resiliência, e talvez essa reflexão seja  influenciada por esse aspecto do seu caráter. Porém, a ideia faz todo o sentido, quanto mais tempo algo ou uma tecnologia sobreviveu ao “caráter aniquilador do passar do tempo, mais robusta e apta a sobrevivência parece ser essa tecnologia ou ideia.

          O Ouro é conhecido como uma reserva de valor por milênios. Ou seja, é uma tecnologia, ou ideia, que acompanha a humanidade há bastante tempo.  Sendo assim, eu acompanharia Taleb no raciocínio, e seria ao menos cético de que algo que existe há milênios possa ser substituído por uma tecnologia nova. Diria que essa não é a maior probabilidade, o que obviamente não quer dizer que não possa ser o caso.

         Por fim, para não deixar o artigo muito longo, gostaria de encerrar o texto voltando levemente às primeiras considerações feitas.  Na minha modesta opinião de investidor, e a estendo para a  vida como um todo, qualquer pessoa precisa fazer escolhas.  O mundo multitarefa de hoje dá a falsa, pelo menos para mim, perspectiva de que podemos fazer inúmeras coisas ao mesmo tempo. Não, não podemos, ao menos não com profundidade e qualidade.  Como sempre temos que escolher sobre o que investir, o que estudar, com quem se relacionar, para onde viajar,  etc, etc, e é natural que os caminhos que não escolhemos possam parecer promissores depois da escolha feita.

           Precisamos saber conviver com isso. Talvez essa seja uma das maneiras de se alcançar uma vida plena.  Não podemos estar em todos os lugares ou fazer inúmeras atividades, aceite esse fato da vida. Assim, voltando especificamente para investimentos, não podemos estar em todas oportunidades que o mercado oferece. Há tantas maneiras de ganhar dinheiro: com leilões de imóveis, analisando empresas na bolsa de valores, comprando e vendendo negócios pequenos (como nosso colega Corey fazia), sendo visionário numa tecnologia promissora (como nosso amigo Viver de Renda e seus BTC maravilhosos), vendendo livros, comprando FII na hora certa, etc, etc. Acredite-me, prezado leitor, oportunidades é que não faltam.

        Uma das minhas maiores vitórias mentais enquanto investidor foi ter me libertado da sensação de “perda de uma oportunidade”. Se não comprei dólar quando estava muito barato, paciência. Se eu perdi aquela empresa redondinha que estava sendo negociada a múltiplos baixíssimos, ok não posso fazer nada. Se perdi um Unicórnio (termo de investidores anjos para aquelas empresas que aumentam de valor 1000/10000 vezes), faz parte. O importante é que o investidor sinta-se seguro em suas escolhas, e tenha objetivos e estratégias definidas. Se mesmo perdendo oportunidades você está mais próximo dos seus objetivos, não fique desapontado ou triste com o que perdeu, mas alegre-se de estar mais próximo daquilo que talvez o faça ficar satisfeito com a vida. Assumo que você, prezado leitor,  está fazendo o dever de casa e esteja construindo objetivos financeiros alinhados com os seus valores de vida.

      Apenas como uma nota final, falo sobre poder. Desde o advento da revolução agrícola há 10-12 mil anos, o que possibilitou o adensamento populacional humano, seres humanos dominam outros seres humanos. Sempre foi assim, e é questionável pensar que não será assim nos próximos séculos ao menos. O poder de certa forma foi contido com a criação dos Estados Modernos de Direito. O Estado Moderno, abominado por algumas ideologias, nada mais é do que uma forma de poder controlado e mais transparente do que outras formas de poder que existiram durante a história humana.


     Sendo assim, eu veria com extremo ceticismo a ideia que moedas virtuais de alguma maneira irão minar o poder, nesse caso o poder estatal sobre o controle monetário e de suas divisas. A mesma internet que serviu e serve como ferramenta para exigir mais transparência dos detentores de poder, também serve para exercer uma vigilância aguda nas pessoas por aqueles que detém o poder, como o caso Edward Snowden deixou bem claro. A tecnologia não precisa ser impedida, ela pode ser moldada a vários objetivos. Às vezes, como vivemos em tempos de paz e sem muitas guerras, as pessoas se esquecem que quem realmente manda é quem possui os exércitos. Sempre foi assim, e duvido seriamente que isso mude na humanidade tão cedo.

       É isso, amigos.  Não faço a mínima ideia se BTC é bolha, ou se vai assumir um papel relevante como meio de troca, ou como reserva de valor revolucionando e pressionando as moedas estatais.  Talvez seja um misto das duas coisas, quem sabe? Aliás, não domino nem os fundamentos técnicos da coisa para poder dizer algo mais categórico a respeito.  Porém, mesmo assim, espero que esse artigo possa ajudar na reflexão sobre o tema.


                Um abraço a todos!

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

A FASCINANTE ARTE DE DISCORDAR CONCORDADO E MAIS SOBRE TRIBUTOS NO BRASIL

Olá, colegas. O blogueiro Mestre dos Dividendos resolveu escrever “uma resposta” ao meu artigo publicado no sábado (basta ver o artigo ao lado). Eu não tenho nenhum problema em dizer o nome do blog e dizer que consta no meu blogroll há vários meses. Vou além, creio que ele já escreveu artigos interessantes sobre Fundos Imobiliários, e foi a razão de adicioná-lo, e não vejo nenhum motivo para retirar, já que leitores podem se beneficiar de mais conhecimento sobre finanças pessoais.

Há esse recalque das pessoas simpatizarem ou não com outra pessoa ou grupo de pessoas, e partindo disso, como se fosse num confronto de uma luta de vida e morte, fecharem-se numa bolha intelectual. Ainda bem que o meu pai sempre me disse desde criança que essa não era uma atitude sábia, pois se alguém tem uma opinião equivocada sobre X, ela pode muito bem saber mais do que você sobre Y. Outro recalque comum é as pessoas fazerem melindres para dizer expressamente que não concordam com a opinião da pessoa tal.

Superemos esses recalques.  Assim, o referido blogueiro num artigo, em minha opinião é claro, confuso procura dizer que dividendos não são uma vantagem tributária, pois o sistema tributário do Brasil é confuso, complexo e incide principalmente sobre a produção.  Até aí tudo bem. Aliás, acho extremamente saudável que pessoas escrevam opiniões diversas, e que leitores possam ter acesso a duas opiniões diferentes e partir daí aprofundar suas próprias convicções, ou quem sabe questioná-las. Aliás, não acho saudável, creio ser fundamental.

Para além de observações ad hominem, o que achei interessante foi a conclusão do texto:

O governo compensa a suposta "isenção" com tributação indireta sobre consumo o que na medida do possível afeta os mais pobres, porém não se trata de isolar os fatores como bem sabemos não tem como tributar de uma maneira homogênea os mais ricos já que boa parte do dinheiro do ricos é usado para financiar   escassos projetos de infra estrutura brasileiro, como bem explicado no artigo do mises acima, todo aumento de tributo sobre mais ricos é aumento de tributo sobre mais pobres.”

Eu tenho certas dificuldades de interpretar o português do parágrafo, como  o que quer dizer “na medida do possível” os pobres serão afetados pelo aumento, ou o que se quer dizer com “não se trata de isolar os fatores”, porém a conclusão de que um aumento da tributação afeta a sociedade como um todo parece-me correta, bem como a tributação sobre o consumo e a produção penaliza os mais pobres.

O texto então encerra num grand finale:

Repito não existe vantagem em receber dividendos isentos porque nosso governo compensa esta queda na receita ( Benesse social) com mais impostos indiretos, nosso governo te da com uma mão e te tira com as duas .”

Voialá, no ponto.  Vejamos o que o meu  texto meu escrito dizia sobre o tema:

É por isso que a carga tributária do Brasil tende a ser regressiva (quando a nossa Constituição diz que deve ser exatamente o contrário), quando em qualquer país mais desenvolvido a tributação tende a ser progressiva. É exatamente por esse motivo que a tributação no país é extremamente injusta e penaliza os mais pobres.
Qualquer tributo sobre o faturamento de uma empresa é pago pelos consumidores, são tributos indiretos que são repassados pela empresa a quem irá consumir o produto ou serviço.  Isso torna o Brasil menos competitivo em termos internacionais? Sem sobra de dúvidas. Isso faz com que nossos produtos sejam mais caros, em alguns casos bem mais caros, do que em outros países? Evidentemente. Isso faz com que nossas empresas sejam menos produtivas? Sim. Faz com que em tempos de crise a empresa tenha dificuldades de passar todos os custos tributários para os consumidores apertando as margens? Também.  

É por isso que a reforma tributária é tão essencial para o país. Num mundo idealizado, essa tributação simplesmente é abaixada sensivelmente, e fica por isso mesmo. No mundo real onde pessoas precisam fazer decisões políticas, esse não é um cenário realista, e a tributação sobre faturamento precisa migrar para algum lugar, o único lugar possível é para a tributação direta.”

Incrível, o afã hoje em dia de discordar por discordar, baseado talvez em antipatias prévias ou qualquer outra questão de ordem emocional,  é tão grande, que as pessoas discordam concordando.  É evidente que a “benesse social” de não tributação dos dividendos é compensada pelo aumento da tributação sobre  produção e consumo já que a carga tributária do Brasil aumentou consideravelmente desde a isenção concedida a distribuição de dividendos em 1995 até 2003, e essa é exatamente a injustiça do nosso sistema tributário: os mais pobres são muito mais penalizados com esse sistema tributário regressivo.

No meu artigo existe link para outro texto que existe os seguintes gráficos:







Portanto, sim prezado blogueiro, os pobres do Brasil são muito mais penalizados pela tributação no Brasil ser focada no consumo e produção.  A sua conclusão de que o governo dá com uma mão e te tira com as outras duas mãos é perfeita, quando pensamos a sociedade brasileira como um todo, nosso país é indubitavelmente pior com essa estrutura tributária, e foi exatamente isso o que foi dito no texto. Agora, a toda evidência, isso não se aplica ao nível individual. O governo pode muito bem dar com uma mão para um setor da sociedade e tirar o dobro do resto, fazendo com que o grupo seja beneficiado à custa do agrupamento maior. É exatamente essa a situação em relação à tributação do patrimônio e renda no Brasil em relação à tributação sobre consumo e produção.


AH, MAIS TRIBUTOS, SÉRIO? OU O PROBLEMA DA REALIDADE QUE NÃO EXISTE


Qual é o primeiro passo para tornar o sistema tributário mais justo? Fazê-lo que ele se torne menos regressivo, e, como no gráfico mostrado acima, fique no mínimo parecido com os países desenvolvidos. Isso é o mínimo do mínimo. E como isso pode ser feito? De duas maneiras: a) deixando a carga tributária inalterada e b) diminuindo a carga tributária.

Um anônimo, é claro que exagerando em ad hominem e na formação de espantalhos argumentativos – conduta típica de pessoas que não possuem coragem ou altivez de caráter para se expor publicamente – diz que a solução é:

Quer resolver mesmo as injustiças tributárias? Corte imposto sobre consumo, diminua os gastos do governo, pare de tributar a renda de quem ganha tão pouco, pare com a transferência de renda da população para funcionários públicos. O resto é autoengano pseudomoral.

Certo. Primeiramente, a renda da esmagadora maioria dos brasileiros não é tributada a título de imposto de renda, já que em 2014 menos de 15% dos brasileiros apresentaram declaração de Imposto de Renda (ver aqui).   Portanto, percebe-se que o nosso colega anônimo não faz muita noção do que está falando, o que é bem normal nesse tipo de debate, que para muitos é tido como um confronto.

Quem paga a maior conta, em termos relativos da renda, de imposto sobre renda e rendimento é a classe média brasileira ( 98% de todos os blogueiros de finanças no Brasil). Além da regressividade da tributação ser mais pesada em relação aos mais pobres que gastam maior parte da sua renda consumindo (por isso a carga é regressiva), as alíquotas reais de imposto de renda são muito maiores para as faixas médias da população brasileira, e menores para as maiores faixas de renda

   Sim, ainda existe essa distorção no país. Assim, a classe média é sufocada pela tributação indireta, e ainda pela tributação direta na renda, e é por isso que as maiores reclamações sobre a tributação no Brasil vem da classe média, o que é óbvio de entender quando se olham os números.


Talvez fique difícil observar, mas essa é a consolidação dos dados da receita federal, o chamado relatório dos grandes números. Nele, se observa claramente, que a fatia de rendimentos isentos e de tributação exclusiva (que geralmente possuem tributação mais favorecida) são muitas vezes maior do que os rendimentos tributáveis nas maiores faixas de renda. Agora, nos extratos médios (onde está o grosso do número de declarações), os rendimentos isentos e com tributação definitiva são uma parcela pequena se comparados com os rendimentos  tributáveis. O que isso quer dizer? Que a esmagadora maioria da classe média é tributada mais pesadamente no total da sua renda. Uma reforma que trouxesse mais racionalidade ao sistema também deveria abordar esse problema, aliviando a carga sobre a classe média (o estudo pode ser acessado aqui).

Em segundo lugar, diminua a tributação sobre consumo (todos de acordo) e diminua os gastos do governo (plenamente de acordo). Então, o anônimo quer a diminuição da tributação sobre o consumo e produção, e creio, a queda da carga tributária. Dito de outra maneira, uma diminuição da carga sobre o consumo e produção não teria um efeito neutro em relação a carga total (ou seja outros tributos não seriam aumentados), mas sim seria uma diminuição pura e simples da carga tributária. Isso é, sinceramente, o que gostaria que acontecesse no nosso país. Porém, vamos olhar para a realidade.

Diminuir a carga tributária sobre faturamento e a folha, sem compensação com aumento da carga em outras formas de tributo, foi exatamente o que a Dilma fez. Aliás, no governo Dilma a carga tributária em relação ao PIB declinou ligeiramente. O que aumentou sensivelmente foram as desonerações, e muitos atribuem isso um dos elementos da crise fiscal brasileira.



Ué, mas a carga tributária do Brasil não é de 38% do PIB ? A carga tributária não vem se expandindo loucamente, principalmente nos últimos governos? Não, na realidade a carga tributária de 2016 é idêntica a carga tributária de 2002. O Governo Dilma na verdade diminuiu a carga tributária em proporção ao PIB.



E a carga tributária foi basicamente diminuída pelas desonerações promovidas pelo último governo. Na verdade, as desonerações dão um salto com o Governo Lula e aumentam a níveis muito altos com o Governo Dilma.  O gráfico acima mostra claramente isso. Hoje no Brasil, há quase 5% de PIB desonerado. Desonerar, sem lidar com o crescimento real acelerado das despesas (principalmente previdência) é um dos motivos da grave crise fiscal.


Se alguém realmente quer entender melhor o assunto, antes de sair dando opiniões genéricas, recomendo a leitura desses dois trabalhos (de onde os gráficos foram retirados):aqui e aqui. Aliás, já recomendei esses estudos para muitas pessoas, o Blogueiro Finanças Inteligentes é um deles, tanto que ele mudou algumas opiniões que ele possuía sobre a situação fiscal, carga tributária, etc.

Ou seja, a carga tributária brasileira já teve uma leve retração, e isso levou ao aumento do déficit primário. Agora, imaginem se o corte da tributação sobre consumo e produção fosse para valer, se fôssemos levar o nível de tributação sobre consumo para níveis de países desenvolvidos da OCDE (o que seria ótimo para o Brasil), sem aumento de outras formas de tributação. Como no Brasil a carga tributária é da ordem de 32% do PIB, como a tributação sobre consumo é da ordem de 55%, e como a tributação da OCDE é na ordem de 30%, a nossa carga tributária teria que cair, em cálculos de padeiro e bem aproximados, algo em torno de 8 a 10% do PIB. Isso é algo em torno de 500 a 600 bilhões de reais por ano.

Como se tem um déficit primário de algo em torno de 150 bilhões de reais, e como os economistas acreditam que é necessário um superávit primário de 2% do PIB para estabilizar a dívida em relação ao PIB (mais uns R$ 100 bilhões), o esforço fiscal anual da situação atual seria algo em torno de 750 a 850 bilhões de reais.

De onde esse dinheiro pode sair? Quem vai abrir mão? É aí que os anseios, e algumas opiniões,  não guardam nenhuma conexão com a realidade, ou seja, são basicamente inúteis ou muito parecidos com delírios socialistas.

A chance de um esforço fiscal de 800 bilhões de reais anuais acontecer politicamente no Brasil atual é nenhuma. Atualmente, se desconfia até mesmo que um presidente com plataforma liberal, nas atuais condições políticas do país, conseguiria fazer um esforço fiscal necessário para estabilizar a relação Dívida-PIB em 90% para daqui 5-6 anos, imagina um esforço fiscal o triplo desse tamanho. Qual é a chance de uma plataforma política dessas ter chance? Qual é a chance disso ser remotamente aplicado?

     Aliás, não existe nem mesmo a possibilidade jurídica disso ocorrer. Se a previdência custa 13% do PIB por ano (e a reforma da previdência não é para diminuir os gastos, é para que eles sejam menos explosivos e cresçam menos), e o custo da dívida (para ficar na média histórica brasileira) gira algo em torno de 4-5% do PIB, o dinheiro basicamente de tributos já teria quase acabado com uma diminuição da carga tributária na ordem de 10% do PIB. Faltariam apenas Educação, Saúde, Forças Armadas, Judiciário, segurança pública, etc, etc. Um corte dessa magnitude na ordem constitucional atual não é possível, quem fala o contrário simplesmente não tem compromisso com a realidade, e se não tem esteio com a realidade de qual serventia serve para melhorar o país atualmente?

Portanto, para começarmos a melhorar a carga tributária brasileira muito provavelmente a única solução possível no Brasil a curto e a médio prazo é a migração para padrões de tributação de países da OCDE.


FILME REDE SOCIAL


   Eu gosto muito do filme sobre o criador do Facebook. Eu aprecio muito duas cenas. A primeira quando o criador da rede social está discutindo com a namorada.  Ele é um cara extremamente inteligente, e tem precisão naquilo que fala, sobre fatos e acontecimentos, pulando de assunto e assunto com uma velocidade que a maioria das pessoas não conseguiria acompanhar. A namorada só quer jogar conversa fora. Como habilidades sociais não estão muito presentes no Sr. Zuckerberg, a namorada acaba terminando com ele, pois ele está sendo irritantemente preciso, e agressivo ao mesmo tempo. Reza a lenda que ungido pelo "fora" tomado, toda a história do facebook começou.

A outra cena é a última do filme, quando a advogada dele afirma que ele deveria odiar os irmãos gêmeos que o estão processando cobrando dezenas e dezenas de milhões de dólares. Ele então afirma que não odeia ninguém. As cenas podem parecer banais, mas elas explicam muitas coisas.

Há momentos onde a conversa deve ser descontraída, ponto final. Porém, há fatos e acontecimentos, e se pode ter conversas descontraídas, ou conversas mais sérias sobre algo. Há muitos blogs interessantes com conversas descontraídas, o que é ótimo e salutar. E há ocasiões e espaços que uma conversa séria deve ser mais embasada, onde milhões não se transformam em bilhões, e onde afirmações como “diminuir a tributação sobre a renda dos pobres” deve ser desmentida, pois simplesmente é falsa. Pode ser ótima numa conversa descontraída, mas  se quisermos realmente avançar com uma compreensão maior sobre algo quase nunca é a melhor maneira.

Por fim, mostra que a raiva e o ódio só fazem mal a nós mesmos, e que mesmo sendo processado, com razão ou não, o personagem central do filme não odiava ninguém, postura que encorajo a todos os leitores desse espaço a colocarem mais em prática nas suas vidas.

Eu creio que a questão da tributação, como ela deve ser feita, como pode ser melhorada ou aperfeiçoada, é central para o nosso país melhorar. A peça orçamental, em minha visão, é o momento mais importante dentro de uma Democracia, é o momento onde se discute para onde vão os recursos extraídos da sociedade, e por quais motivos vai para um determinado lugar e não para outro. Esse deveria ser o resgate da boa política no país, e creio que seria um tema fundamental a ser enfrentado pelos aspirantes a presidente, governadores, senadores e deputados no ano que vem.

Isso só é possível quando o debate se dá de forma racional com base em fatos concretos, não chavões repetidos sem se questionar se são verdadeiros ou não. Seríamos um país bem melhor, se debates sobre progressividade ou regressividade, complexidade do sistema tributário, etc, etc, fossem feitos de maneira mais freqüente nas diversas esferas da sociedade.

Não precisa ser uma questão de vida ou morte, de aniquilamento de quem pensa diferente. Não, prezados leitores, não imite o modo “default” atual brasileiro, seja mais inteligente, seja diferente.


Abraço a todos!