quarta-feira, 27 de abril de 2016

POLITICAMENTE (IN)CORRETO - O ABUSO DE UMA IDEIA

Olá, colegas. Depois de algumas semanas, volto a escrever um texto. Estou bem contente. Renovei o visto chinês por mais um mês e continuo tendo experiências fantásticas nesse imenso país. Estou satisfeito também, pois defini um roteiro. Fico mais uns dois meses e meio entre China e Coréia do Sul e sigo para Mongólia. Depois, e essa foi a grande guinada, vou para os five Stans (apelido carinhoso dado para Kazakhstan, Uzbekistan, Turkmenistan, Tajikistan and Kyrgyzstan). Não vai ser fácil. É um verdadeiro inferno burocrático para conseguir vistos e autorizações (estimo que vou gastar uns U$ 1.400,00 apenas com essa burocracia), mas resolvi encarar o desafio, pois a recompensa de viajar nesses países é enorme, talvez uma das maiores das minhas viagens. Resolvi, pelo menos por enquanto, voltar ao Brasil. Pensava em encerrar a viagem no Irã, mas decidi esticar ainda pelo Arzebaijão, Armênia e Geórgia e terminar na belíssima Turquia. Porém, sempre quis conhecer a Romênia, Bulgária, Ucrânia, Montenegro, Macedônia, Servia, Albânia e da Turquia é um pulo. Vamos ver. 

   Feitas as considerações de ordem pessoal, passemos ao tema do presente artigo.  Há uns anos, fiquei sabendo de uma história sensacional. Um matemático profissional, cansado de ver termos matemáticos mal usados por filósofos de orientação pós-modernista, teve uma ideia genial. Ele resolveu escrever um artigo para uma revista pós-modernista famosa tendo como argumento central o fato de que a matemática estaria sendo influenciada por ideologias, pois mesmo a matemática não seria neutra e imune num mundo governado pela política. Pois bem. O texto foi um sucesso. O pequeno porém é que no texto havia inúmeros erros básicos de conceitos matemáticos. Algumas semanas depois, o autor do artigo escreveu uma carta para revista dizendo que havia erros primários matemáticos e que o texto todo não fazia nenhum sentido. Ele fez isso apenas para demonstrar como um discurso vazio e com inúmeros erros técnicos pode ser feito sobre qualquer coisa. 

  Esse artigo causou tanta balbúrdia na época, que um livro acabou sendo escrito e o título é notável: “Imposturas Intelectuais: O abuso da Ciência pelos filósofos pós-mordernistas".Claramente, a ciência vem sendo abusada por imposturas intelectuais, por pessoas que não compreendem muita coisa sobre ciência e não tem qualquer pejo de a utilizar incorretamente muitas vezes para fins eminentemente demagógicos, políticos ou financeiros.


Um livro sim que ataca o politicamente correto


   No Brasil, claramente uma ideia vem sendo abusada: a ideia do ser politicamente Incorreto. Quantos textos de baixíssima qualidade eu já li, onde no final ou no começo, o autor apenas diz que não está sendo politicamente correto. Ao dizer essa expressão, como num passe de mágica, argumentos ruins, preconceitos e não raramente agressões passam a ser justificados. Uma versão disso, da qual esse blog já teve que conviver algumas vezes, é o famoso “Papo Reto”. Ao se dizer que não se está sendo politicamente correto, os escritos e ditos verbais podem atacar sem pudor o bom senso e conquistas humanas, numa espécie de passaporte de livre trânsito para o preconceito.

  Num dos debates para a nomeação republicana que assisti há uns meses, escutei uma resposta realmente brilhante do político Marco Rubio. É nítido que Trump é um cara despreparado. Ele diz que vai combater a suposta desvalorização artificial da moeda chinesa, quando perguntado como ele faria isso, ele apenas respondeu “Sou empresário de sucesso, eu sei como fazer as coisas”. Quando perguntando como ele iria modificar os tratados internacionais de comércio dos quais os EUA são signatários (alvo de fortes críticas dele), ele respondeu “Eu sou muito bom, eu sei como fazer as coisas, confiem em mim”. Quando perguntado o que ele achava da seguridade social e se a idade mínima para se começar a retirar o benefício deveria mudar, ele respondeu “Eu sei como fazer as coisas”. Realmente, quando confrontado com perguntas técnicas e objetivas, o Trump mostra todo o seu brilhantismo.

   Porém, foi numa discussão com Marco Rubio, ao menos para mim, o ponto alto do debate. Trump com seu jeito fascista disse que os muçulmanos eram um problema, dando a entender que a esmagadora maioria de adeptos de uma religião que se estende da Indonésia até o Norte da África com quase 1.5 bilhão de pessoas seria radical a ponto de cometer atos terroristas. Evidentemente, isso além de falso, é de uma ignorância tremenda. Rubio, então fez um aparte dizendo que esse tipo de pensamento apenas poderia colocar em risco americanos ao redor do mundo, e comentou sobre um casal de americanos missionários que fazia trabalho voluntário em Bangladesh (país eminentemente muçulmano). Ele então ponderou se o mundo muçulmano perceber que o Presidente dos EUA vê a maioria dos adeptos do islamismo como potenciais terroristas, como esse casal poderia estar seguro e contar com a ajuda da população local. A ponderação foi muito boa e corretíssima. Num mundo cada vez mais interconectado, com pessoas indo para vários cantos do mundo, uma retórica agressiva contra mais de um bilhão de seres humanos apenas colocaria dezenas de milhares de americanos em risco.

  Trump, para delírio de muitas pessoas presumo, disse então a frase mágica “Eu não estou preocupado em ser politicamente correto”. A resposta de Rubio, dada de supetão, foi brilhante. “Eu não estou preocupado em ser politicamente correto, estou preocupado apenas em ser correto”. A resposta foi tão boa que Trump riu e se calou. 

  Não, colegas, ser pretensamente  politicamente (in)correto não é uma expressão que transforma argumentos ruins em bons. Preconceitos em ideias brilhantes. Ou agressão em algo respeitável. Argumentos ruins, preconceitos e agressão continuam sendo o que são, e a expressão “não estou sendo politicamente correto” em nada transforma esse fato. Desafiar o que é politicamente correto é algo muito importante para o desenvolvimento de uma sociedade. Foram pessoas que desafiaram o conceito politicamente correto da época de que uma pessoa por causa de sua cor de pele escura poderia ser apenas um objeto de outra pessoa que fizeram o conceito de escravidão ruir na humanidade (apesar de ainda termos milhões de pessoas em condições análogas à escravidão, o que é uma vergonha para todos nós).  Logo, desafiar o politicamente correto é vital para que avancemos enquanto sociedade e humanos. 

  Nesse sentido, a noção de ser politicamente (in)correto vem sendo abusada de forma muito grande por várias pessoas e meios de comunicação. Esse conceito vem sendo abusado apenas para que os piores argumentos, ideias que trabalham muitas vezes o que há de pior no ser humano (como ódio, vingança, preconceitos, etc), sejam espalhadas pela sociedade sobre um manto especial, pois não seriam pretensamente politicamente corretas. Não caia nessa, prezado leitor. O debate deve ser feito com qualquer ideia. Ideias devem e podem ser debatidas. Entretanto, pessoas que defendem o ódio, preconceitos, etc, devem assumir expressamente que assim o estão fazendo, não é necessário colocar um véu sobre os seus argumentos. Como bem dito por Marco Rubio não se preocupe em ser politicamente correto ou incorreto, preocupe-se apenas em ser correto.

Será que conseguirei visitar "The Gates of Hell" no fechadíssimo Turcomenistão? Este país é considerado a Coréia do Norte da Ásia Central, mas talvez a Coréia do Norte é que seja o Turcomenistão da Ásia. Descobri que é possível pegar um visto de trânsito de 3 a 5 dias para ir do Uzbequistão ao Irã. Esse visto é difícil, eles negam sem qualquer justificativa, mas creio ser possível conseguir a permissão para passar pelo país, se a documentação estiver toda correta.


 Um grande abraço a todos!

segunda-feira, 11 de abril de 2016

IMÓVEIS - A ETERNA PERGUNTA, O QUE É MELHOR PARA A INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA :COMPRAR OU ALUGAR?

Olá, colegas. No presente artigo abordo um tema de vital importância. Afinal de contas o que é melhor: Comprar ou alugar um imóvel? Para responder essa pergunta, creio ser necessário a reflexão sobre diversos assuntos correlatos, para que assim se possa ter uma visão mais abrangente sobre a problemática. “Peraí, Soul, o texto começou assim direto, sem nenhuma reflexão outra sobre o mundo ou a vida?”. Sim, colega, hoje o dia foi extremamente especial, mas deixo para contar isso em outra oportunidade, vamos direto ao ponto.

  No meu artigo sobre Carros - O Verdadeiro Patrão da Maioria dos Brasileiros, ficou claro que este bem de consumo se deprecia muito rapidamente, principalmente nos primeiros anos. O mesmo ocorre com imóveis? Não, colegas. Num artigo produzido há quase dois anos, eu tentei trazer um pouco de luz sobre quais seriam as tendências de longo prazo para imóveis. O artigo pode ser acessado Imóveis - Expectativa de Retorno Realista no Longo Prazo. Não gostaria nesse artigo de entrar em minúcias, portanto vou partir da premissa daquele artigo, bem como dos dados empíricos de muitos países, que os imóveis tendem a seguir a inflação no longo prazo, talvez até mesmo com uma leve valorização real. Se os imóveis tendem a seguir a inflação, eles não depreciam como carros, por exemplo.

  “Certo, Soul, mas e daí?” alguém pode pensar. Colegas, como o imóvel não deprecia ele pode ser alugado pelo dono por uma fração do seu valor, ao contrário de um carro. O amigo do Blog O Surfista Calhorda contou que ele iria alugar um bom carro por algo em torno de 30% do valor do mesmo. Por qual motivo o aluguel anual de um carro novo representa um valor tão alto em relação ao preço do bem? A resposta é simples: está se pagando no aluguel o valor da depreciação do carro, que não é pequena no primeiro ano. Imaginem se os carros, como os imóveis, não depreciassem, ou que a depreciação fosse num ritmo muito menor, talvez seria economicamente viável donos alugarem os seus carros por 5-6% do valor do mesmo. Ora, se fosse possível alugar um carro de R$100.000,00, por apenas R$6.000,00 ao ano, eu não teria nenhuma dúvida que alugar um carro seria a melhor solução, e nem seria uma despesa tão grande em termos de energia vital individual.

  Entretanto, os carros não se comportam assim, e comprar um carro novo é uma despesa muito alta. Já os imóveis, como eles tendem a não se depreciar se houver uma manutenção prévia, eles podem sim ser alugados por valores relativamente baixos em relação ao seu preço. Portanto, aqui já temos algo muito importante para quem não é dono de um imóvel: ao contrário de carros, os imóveis podem ser alugados por valores não tão altos em relação ao preço dos mesmos, e isso é algo extremamente favorável em relação às pessoas que não são donas de imóveis. Não ignoro que em muitos lugares do mundo, uma espécie de aluguel compartido de carro já se faz presente, porém não entrarei nesse detalhe. Contudo, fica o registro de que acho essa uma ótima solução para as finanças pessoais, para o meio ambiente, bem como para a qualidade de vida geral  nas cidades.

   Ao se comprar um imóvel, grosso modo não se compra um passivo. Entretanto, é preciso sim ressaltar que imóveis podem vir a se tornar um grande passivo. O meu pai sempre me disse que imóvel deve-se ter apenas um: a sua morada. Outros imóveis devem ser encarados como se fossem mercadorias, ou seja, negociáveis, seja na forma de compra e venda (a forma que mais gosto), seja na forma de geração de renda para aluguel. Possuir diversos imóveis como residência  eventual, pensem em casa de praia por exemplo, é um grande desperdício de dinheiro. Nisso, concordo plenamente com o meu pai.

  Como imóveis geralmente são bens com um preço muito elevado em relação à renda das pessoas, eles costumam ser o ativo de maior valor das famílias. Não acredita? Pergunte para a maioria das pessoas que são donas de um único imóvel se elas possuem outros bens que superam o valor do imóvel detido. Muito provavelmente, a resposta será não. Não possuo dados para o Brasil, aliás como é difícil achar dados para o Brasil em certas coisas, mas em países desenvolvidos, os imóveis residenciais representam algo em torno de 50% de todo o capital acumulado (ações, empresas, estradas, etc, etc) de um país. Sendo assim, um imóvel próprio representa uma fatia muito grande do patrimônio das pessoas e das famílias.

  Se assim o é, intuitivo pensar que a compra de um imóvel próprio é uma decisão financeira extremamente importante, pois será um bem que ocupará uma parcela muito grande do patrimônio. Numa linguagem mais técnica, poderia se dizer que o indivíduo terá uma concentração muito grande em apenas um ativo, algo não muito recomendado em finanças. Logo, a escolha de comprar um imóvel deve ser bem pensada e sopesada.

  Uma pessoa para ter dignidade precisa de um teto para poder se abrigar das intempéries da vida. Além do mais, o imóvel é o refúgio do indivíduo, é o lugar onde ele pode exercer em toda sua plenitude a sua intimidade e privacidade. Isso não é pouca coisa. Logo, o imóvel é nesse sentido um bem muitas vezes mais essencial do que um carro. Há alternativas ao carro: morar perto do trabalho, andar de bicicleta, pegar táxi, etc. Não há alternativa para imóveis. Pode-se morar em bairros pobres ou ricos, imóveis caros ou mais baratos, novos ou velhos, mas sempre se precisa de um imóvel, eu não consigo pensar numa alternativa para o uso dos imóveis. Logo, ou se compra ou se aluga um imóvel para se poder ter um lugar que se possa chamar de Lar.

   Os imóveis não depreciam, mas eles possuem custos. Como os custos de IPTU, condomínio, etc quase sempre são repassados para o locatário, em relação à decisão de comprar ou alugar o único custo que aqui nos interessa é o Custo de Oportunidade. 

  Se considerarmos um custo de oportunidade de 13%aa (90% líquido do CDI), fica claro que imóveis possuem um gigantesco custo de oportunidade. Quanto maior o valor do imóvel, maior o custo. Vou partir da premissa de compra à vista de um imóvel. Se alguém quer viver num imóvel bem caro como R$2.000.000,00, por exemplo , e decide comprá-lo, o custo de oportunidade é de módicos R$ 260.000,00 anuais. É isso que custa a pessoa que possui essa quantia e quer viver num imóvel desse preço. Por outro lado, uma pessoa que possua essa quantia, mas prefira  morar num imóvel de R$500.000,00 , por exemplo, tem um custo  de oportunidade de  R$ 65.000,00 anuais. Ora, fica claro que morar num imóvel de maior valor é um atraso gigantesco da Independência Financeira, bem como representa uma parcela muito grande da energia vital de um indivíduo. Se quiser entender um pouco mais a relação entre tempo x dinheiro, relação fundamental para todos os indivíduos, sugiro a do artigo Independência Financeira - Quanto vale o seu Tempo?

  Não há sentido, colegas, como muitas pessoas fazem, não considerar o imóvel em que vivem como parte do patrimônio financeiro. Simplesmente é uma posição sem qualquer fundamento. Se você opta por morar no imóvel mais caro do exemplo dado, isso representa um custo de oportunidade. Não se pode fugir dessa conclusão, e muitas pessoas ao fazerem isso deixam de perceber algumas relações importantes de tempo e dinheiro.

  O imóvel para moradia possui um componente subjetivo muito maior do que possuir um carro, por exemplo, e isso não pode ser ignorado ou criticado. Ao se analisar o aspecto financeiro da escolha de qual imóvel comprar para morar, não se quer dizer que a decisão deve ser única e exclusivamente financeira. Não colegas! O imóvel é o lar de um indivíduo e de sua família. É onde ele descansará da loucura do dia a dia, onde os seus filhos serão educados e amados, entre tantas outras coisas, ou seja muitos motivos de ordem não-financeira tem a sua importância. Entretanto, o fato de se ter inúmeros outros fatores, alguns de ordem emocional inclusive, não apaga o simples fato que o custo de oportunidade continua existindo. Ignorar a questão não faz bem. Aliás, a ignorância quase nunca faz bem. A verdade quase sempre é o melhor caminho. Assim, a pessoa pode levar em conta o custo de oportunidade, os demais outros fatores, e com base nisso tudo tomar uma decisão consciente de onde e como quer morar.

  Entendido o custo de oportunidade de ser proprietário de um imóvel, e como imóveis de maior valor podem ser um grande atraso na Independência Financeira, bem como um grande “sugador" de energia vital na forma de anos trabalhados, pode-se começar a falar de aluguel. Colegas, eu sou um enorme entusiasta da ideia de alugar coisas. Livros, por exemplo. Por que comprar um livro, tirando casos muitos específicos (não vou entrar aqui nos ebooks), se fosse possível alugar o mesmo por uma fração do seu valor? Pensem em filmes. É verdade que com Netflix, filmes pela internet, as locadoras de filme vão perdendo cada vez mais o seu espaço. Agora, nunca fez sentido comprar todos os filmes que por ventura alguém quisesse assistir, mas sim alugá-los. Ora, podemos pensar em quase tudo sob a ótica do aluguel. Por qual motivo cada família deve ter uma máquina de lavar-roupa  em casa e  não um condomínio ter algumas máquinas de lavar-roupa para uso de todas as família mediante o pagamento de um pequeno aluguel de uso (isso é bem comum nos EUA)? Creio que se passássemos de uma ótica de propriedade, para uma de uso compartilhado mediante remuneração (aluguel), isso seria uma tremenda revolução na forma que interagimos uns com os outros, bem como consumimos os recursos escassos desse mundo.

  Assim, prezados leitores, eu creio que quase sempre o aluguel é melhor em inúmeros sentidos do que ser proprietário de coisas. Com imóvel não seria diferente. Vamos começar pelo próprio nome: Imóvel, ou seja, algo que é estático, imobilizado. Se pensarmos que estamos num mundo cada vez mais rápido, onde as pessoas constantemente estão mudando de lugar, não faz muito sentido possuir um bem de alto valor que imobilize o indivíduo.

  É bem possível que alguém já tenha ouvido um “especialista" dizer que para jovens alugar é uma melhor opção, principalmente quando não se está ainda com um trabalho consolidado. Nesses casos, é possível que surjam oportunidades de empregos em outras cidades, por exemplo, e se a pessoa possui um imóvel ela terá mais dificuldades em se mudar, ao contrário de alguém que simplesmente aluga. Sim, o “especialista" está correto. Porém, como me propus a fazer artigos mais propositivos seguindo um pouco a linha de blogs americanos de primeira qualidade, vamos ir um pouco além do conhecimento mais “institucionalizado”.

  Por qual motivo a mobilidade deveria se aplicar apenas a jovens? Ora, a mobilidade é algo importante para todas as pessoas, independente da idade, mesmo que seja uma característica mais importante na juventude. Uma pessoa que aluga pode resolver morar em diferentes bairros numa cidade grande, sem qualquer problema. Um proprietário de imóvel dificilmente irá fazer isso, pois há custos pesados na compra e venda de um imóvel. Esse é outro ponto importante: custos para se comprar um imóvel (não confundir com custos de manutenção do mesmo) . Esses são verdadeiros custos que equivalem a jogar dinheiro no lixo. Se levamos em conta o custo de pagamento do ITBI (imposto municipal de transmissão onerosa de bens imóveis) e despesas de escritura e registro, dependendo do Estado  da Federação, apenas para comprar um imóvel se torra de 6 a 7% do valor do bem.

  Pensem nisso, colegas. Nos dias atuais do Brasil, com 6 a 7% do valor do bem talvez seja possível alugar esse mesmo bem por aproximadamente um ano e meio. Portanto, quem compra um imóvel desperdiça um ano e meio de aluguel. Entretanto, há outro custo que quase ninguém fala: corretor de imóvel. O custo de um corretor é absorvido pelo vendedor e comprador. Se a transação se desse de forma direta, é muito provável que o preço final seria menor do que com a presença de um terceiro intermediador. Ora, isso também é um custo. Pode ser invisível, pode parecer que não existe, mas ele é real. Se considerarmos que esse custo é repartido entre as duas partes, e que a comissão geralmente é de 5%, isso adiciona um custo de mais 2.5% do valor do bem. Assim, apenas para comprar um imóvel, se a transação for efetivada por meio de um corretor (esmagadora maioria dos casos), estamos a falar de quase 10% do valor do bem de dinheiro literalmente jogado fora. Isso é muito dinheiro, é aproximadamente uns 2 anos de aluguel.

  Portanto, quando se compra um imóvel se perde em boa medida a mobilidade. Estando mais de um ano viajando, acreditem amigos, a mobilidade é algo sensacional, uma sensação de liberdade incrível. Se é algo tolerável para pessoas mais estabilizadas no emprego e com famílias constituídas, é algo que não vejo motivo para jovens. É jovem? Tenha mobilidade. Além do mais, ao se comprar o imóvel, simplesmente se joga fora algo em torno de dois anos de aluguel. 

  Ao terminar o parágrafo anterior, lembrei de outro custo imenso: a decoração do apartamento com móveis, armários, etc. A diferença de aluguel entre imóveis mobiliados e não-mobiliados existe, mas ela não é tão significativa. Assim, esse é outro custo que um proprietário também incorre e dependo do caso pode ser um custo extremamente significativo como 15 a 20% do valor do imóvel.

  Se levarmos em consideração o custo de oportunidade, o aluguel aparenta ser uma melhor escolha. Colegas, o yield residencial em países desenvolvidos como EUA e Austrália não é muito diferente do yield residencial de imóveis brasileiros. É verdade, e há até mesmo um blog chamado Viver de Aluguel que relata a experiência pessoal do autor no tema, que há imóveis específicos de baixo valor que o yield pode chegar a bons 1% am. Entretanto, essa não é a tônica da maioria dos imóveis residenciais brasileiros. Portanto, o aluguel, é claro que há variações, do Brasil não é tão diferente de países consolidados. Qual é a diferença? O custo de oportunidade. Lá fora os juros de curto prazo estão perto de zero, ou em alguns lugares estão na esfera negativa. No Brasil, o custo de oportunidade bruto (ou seja sem levar em consideração o IR) é de incríveis 14.25%aa. Isso faz toda a diferença. Com juros tão altos, o custo de oportunidade é imenso. Logo, alguém com dinheiro acumulado, talvez possa alugar um imóvel de um padrão muito maior do que conseguiria comprar. Em períodos de crise como a que estamos vivendo, com sobreoferta de imóveis residenciais em muitas regiões do Brasil, com recessão econômica,  quem possui dinheiro pode alugar bons imóveis por valores muito atrativos. Há proprietários desesperados, loucos para se livrarem de despesas  como IPTU e Condomínio, que alugam por preços bem baixos. Se a pessoa chegar com dinheiro à vista para o pagamento de um ano adiantado, pode conseguir descontos ainda maiores. 

  Além do mais, quanto maior o valor do imóvel, menor será o aluguel proporcional. Isso é um fato. Uma casinha que vale R$ 80.000,00, talvez possa ser alugada por R$800,00 (1%am). Um apartamento que pretensamente vale R$ 2.000.000,00 jamais será alugado por R$ 20.000,00 ao mês. Logo, o custo de oportunidade para um imóvel de maior valor é muito mais alto em termos absolutos,  bem como em termos proporcionais. A pessoa estará muito melhor financeiramente, caso tenha o dinheiro para a compra, alugando imóveis de alto valor do que comprando.

  Porém, como ressaltado, a pessoa ser dona de um imóvel envolve muitas outras considerações, muitas delas de forte apelo emocional. Eu, por exemplo. Ao partir pela minha aventura pelo mundo, cogitei seriamente em vender o imóvel onde habitava. Entretanto, eu era muito satisfeito quando morava nele. Rua sem saída, dunas, vizinhos amigos, cinco minutos andando de uma praia com altas ondas, um bairro onde gostava de morar. Apartamento muito bem planejado com uma iluminação natural quase perfeita, eu não preciso acender qualquer luz de dia. Vista muito boa. Ou seja, criei um vínculo emotivo com o imóvel. Com meus outros imóveis não tenho vínculo nenhum, são apenas instrumentos para aumentar a rentabilidade do meu portfólio como um todo. Logo, resolvi não vender. É um luxo que me dei. Estou numa posição financeira que posso me dar a esse luxo, já que este imóvel não corresponde a uma parcela significativa do meu patrimônio. Logo, ele não me prende. Não perco mobilidade por causa dele. E se financeiramente talvez não seja a melhor solução, o que ganho morando lá como proprietário para mim compensa. Vejam, colegas, que a decisão financeira pode não ser a mais apropriada, mas eu tenho plena consciência disso, e levei isso em conta para a minha decisão, e estou bem feliz com o que decidi.

  Encerrando esse artigo que já começa a ficar um pouco extenso, concluo dando alguns conselhos. Comece a pensar mais a sua vida pela lógica do aluguel, e falo isso não apenas para imóveis. A mobilidade é algo fenomenal. Possui dinheiro e tempo, ou seja é independente financeiramente? Você pode ter um ano da seguinte maneira: 3 meses de aluguel no Havaí, 3 meses de aluguel na cidade do Porto-Portugal (não conheço, mas ouvi maravilhas dessa cidade), 3 meses de aluguel em Wanaka (uma cidade maravilhosa na Ilha Sul da N.Zelândia) e três meses de aluguel em Florianópolis. É bem possível que isso seja viável apenas com o custo de oportunidade do dinheiro que seria investido num imóvel próprio. Esse exemplo é um pouco extremo? Tenha mobilidade para morar onde quiser no Brasil, ou para dizer sim de pronto para alguma proposta de trabalho muito boa, ou para qualquer outro motivo que leve alguém a querer mudar de cidade. Se você for comprar um imóvel, pense muito mesmo a respeito, pois ele será um bem de um valor grande em relação ao seu patrimônio total (pelo menos é assim para a esmagadora maioria dos proprietários de imóveis não só no Brasil, mas como no mundo). Leve sim em consideração fatores outros que financeiros, emotivos inclusive. Se é um lugar que você se sente muito bem, se pensa que quer fincar raízes nele por muitos e muitos anos no local,  siga o seu coração e compre. Entretanto, faça isso de forma consciente, sabendo das coisas que está abrindo mão com isso.

O dia de hoje foi muito diferente e especial. Não só porque conhecemos uma Chinesa simpática e amável que nos fez companhia no dia todo numa longa caminhada de quase 15km, mas porque vivenciamos algo único. Essa foto tirada no dia de hoje dá um gostinho do que ocorreu (e aliás ficou muito interessante), qualquer dia conto essa história. Para a minha companheira, segundo palavras dela, foi a coisa mais incrível que ela já presenciou.  



   É isso, colegas. Espero que tenham gostado. Um grande abraço a todos!

sábado, 9 de abril de 2016

INCRÍVEL MUNDO - UM ANO NA ESTRADA

   Olá, colegas! Hoje o artigo será bem curto. Na data de hoje faz exatamente um ano  em que parti junto com a minha companheira para a aventura de uma vida. Tenho tantas histórias, reflexões, amigos feitos, que eu precisaria de um livro para contar tudo. Todos os dias são diferentes.  A minha rotina é não ter rotina. Tive cada semana maravilhosa. A semana no outback australiano acampando no deserto junto com um casal de canadense  foi inesquecível. Surfar em  Cloudbreak-Fiji ou na disnelândia do surf Mentawai no oeste da Ilha de Sumatra na Indonésia  algo que sempre lembrarei na minha vida. Aventurar-se nos parques nacionais de Bornéu e ver a quantidade de vida selvagem, algo surreal para alguém que sempre morou em cidades como eu. Passar uma semana com uma família australiana  na maravilhosa Sydney e ser recebido como se fosse um familiar. São tantas e tantas semanas com experiências fantásticas que o meu coração enche de alegria. Entretanto, a última semana que se passou foi fantástica, talvez a mais diferente que eu já tive na vida. Abaixo uma breve descrição de como os últimos dias foram.


Primeiro Dia

   Pegamos um ônibus de Shangri-la na província de Yunnan para Xingcheng na Província de Sichuan. A viagem durou 8 horas para percorrer 200km. Foi a viagem mais linda que já fiz na vida,  numa estrada localizada quase que no topo das montanhas.

Estrada pelas montanhas. 30km por hora, estrada estreita e esburacada. Sensação inacreditável!


Segundo Dia

  Tive o privilégio de ir ao lugar mais bonito do mundo. Yading Natural Reserve. Caminhamos cerca de 7 horas numa altitude que variou de 4.200 metros a quase 5.000 metros. É muito difícil fazer esforço nessa altitude, nunca tinha feito algo parecido. A Sra.Soulsurfer chegou a passar mal, mas persistente do jeito que é conseguiu terminar a caminhada. Um dia para lá de especial para nós dois.


Sim, é quase que indescritível esse lugar. Quer ver mais fotos (há muitas mais de paisagens lindíssimas da trilha)? Quando publicar minha aventura na Yading Natural Reserve você poderá ver.


Terceiro Dia

   Litang, primeira cidade predominantemente tibetana. Não encontramos nenhum estrangeiro nos dias que passamos nessa cidade. Povo extremamente simpático, nunca me senti tão acolhido. Devo ter falado  mais de 200 vezes “Tashi De Le” (olá em Tibetano).  Sorrisos para todos os lados vindos de crianças, homens, mulheres e principalmente idosos.

                       Litang. A cidade é muito bonita. Mas os tibetanos dão um toque mais do que especial  ao local
 Monastério da cidade

Os locais ficavam felizes quando pedíamos para tirar uma foto

Quarto dia

  Passeio de moto pelos arredores de Litang. Fomos a um monastério afastado e foi muito interessante ver a reação dos monges a presença de dois estrangeiros. Pilotar uma moto com neve, não é das  coisas  mais fáceis.

Aprendizes de Monges

Passeio de Moto: estradas vazias, montanhas para todos os lados (Litang está a quase 4100 metros de altitude) e Yaks zanzando para lá e para cá.


Quinto Dia

  Uma experiência forte e impactante. Presenciamos um Sky Burial tibetano. Nunca pensei que iria ver isso na minha vida. Foi bem forte, principalmente para um ocidental como eu que não está acostumado a pensar e lidar com a morte. Os locais nos convidaram, e fomos “obrigados" a tomar o chá tradicional tibetano, bem como comer uma carne que mais parecia o osso da costela seca de um Yak. De tarde fomos para uma cidade chamada Batang. Parados pela polícia chinesa para saber por qual  motivo estávamos indo para essa cidade que faz divisa com a Região Autônoma do Tibet. Acho que deve aparecer um estrangeiro a cada mês nessa cidade, pois absolutamente todas as pessoas olhavam de torcer o pescoço para a gente . Muitos sorrisos, “olás” e fotos que as pessoas pediam para tirar com a gente.

Comi um pedaço muito pequeno, mas o gosto ficou horas na boca. Se eu soubesse que um Sky Burial iria realmente ocorrer, não sei se teria aceitado a gentileza dos tibetanos

Tibetanos antes do Sky Burial. Um deles uma hora pegou a minha mão e ficou analisando a textura dela, bem como a cor branca. Foi uma manhã intensa num nível muito alto. Extremamente reflexiva também.

Batang. Acho que quase nenhum estrangeiro vai para esse lugar. Não havia absolutamente ninguém que falasse nem o Inglês mais básico. Com mímica e boa vontade, tudo se resolve.

Protesto contra o "Golpe"? Amigos, vocês iriam se surpreender como a esmagadora maioria das pessoas do mundo não sabe  nada sobre o Brasil. Absolutamente ninguém com quem eu conversei faz a mínima ideia do que está ocorrendo no país atualmente. Sim, nossos problemas são apenas nossos e aparentemente ninguém mais se importa. Talvez isso seja importante para colocar as coisas em perspectiva. Estudantes desfilando e cantando pelas ruas de Batang


Sexto Dia

  Na volta para a cidade de Litang, o motorista da Van resolveu dar uma olhadinha no celular. Resultado? O carro caiu numa vala e por pouco não capotamos. Pensei que seria muito difícil tirar o carro dali, e não é que em 20 minutos, contanto com o apoio de várias pessoas que pararam para ajudar, o pessoal, com uma singela ajuda minha, conseguiu tirar a van da vala? A união faz a força! De tarde visita ao local de nascimento do sétimo Dalai Lama. Dalai é uma palavra do idioma mongol que significa “oceano”, Dalai é uma palavra do idioma tibetano que significa “conhecimento”, literalmente o significado é oceano de conhecimento.

E você ainda fala no celular enquanto dirige? Ainda bem que não aconteceu nada com a gente, apenas o susto.

Soulsurfer dando uma mão para o trabalho em equipe.
Estrada de volta para Litang. Sensacional como todas as estradas na região.



Sétimo dia

  Será que depois de uma semana dessas, o sétimo dia é para descanso? Não, creio que não. Estamos indo para outra vila pequena tibetana chamada Tagong.

   É isso. Só posso me sentir agradecido e privilegiado por ter a oportunidade de estar fazendo isso. Já pude saborear conquistas materiais, pessoais e intelectuais que são objeto de desejo de muitos brasileiros. Creio que todas elas foram de certa maneira importantes na minha vida. Porém, hoje em dia, é cada vez mais claro para mim como conquistas profissionais e materiais dizem muito pouco sobre quem realmente sou, sobre a minha humanidade. São aspectos secundários, apesar de serem centrais para quase todas as pessoas hoje em dia.  Por mais singelas que possam parecer algumas experiências como, por exemplo, uma troca de sorriso com um Sr. de 80 anos com vestimentas diversas, língua inacessível e uma crença religiosa de difícil compreensão, fazem eu sentir a minha humanidade de forma muito intensa. Fazem me sentir vivo e conectado com outros seres humanos. Isso é muito especial para mim. Só posso me sentir feliz com isso.  Poder realizar isso ao lado de uma mulher linda, companheira e aventureira só torna tudo mais prazeroso.

Grande abraço a todos!


sábado, 2 de abril de 2016

CARRO - O VERDADEIRO PATRÃO DE BOA PARTE DOS BRASILEIROS

 Olá, colegas! As últimas duas semanas foram incríveis. As próximas duas tendem a ser mais incríveis ainda. Descobri um lugar completamente off the beaten track, e parece ser o lugar mais lindo que já vi na vida.  Chama-se Yading  Natural Reserve. Fica  na província chinesa de Sichuan na região Tibetana conhecida como Cham. É simplesmente espetacular pelas fotos, nem quero ver mais fotos para não perder o encanto da surpresa. Pretendo fazer muito trekking por lá. Também gostaria de dizer que a internet na China é muito restrita. Não consigo acessar nada. Utilizando um VPN é possível acessar a internet simulando que o acesso está ocorrendo fora da China. Entretanto, é muito difícil o VPN funcionar, mas incrivelmente na cidade tibetana que estou chamada Shangri-la (que nome maneiro!) está funcionando que é uma beleza. Faz muito frio aqui e estou escrevendo esse texto do lado de um forno bem quentinho com dois pastores alemães do meu lado.  Resolvi descansar, até porque nos dois últimos dias fiz uma das trilhas mais lindas da minha vida chamada Tiger Leaping Gorge e foram mais de 30km,  e pesquisar mais sobre as pequenas cidades tibetanas que irei visitar nos próximos 10 dias. Aproveitei também para responder todos os comentários feitos pelos colegas leitores. A parte da  China que estou é simplesmente maravilhosa, muito, mais muito acima das minhas expectativas. Só posso estar feliz e agradecido de ter a oportunidade em estar num lugar tão especial. 

Yading Natural Reserve, um lugar simplesmente de uma beleza indescritível aparentemente

Nem acredito que irei visitar em poucos dias e vou poder caminhar horas e horas nesse lugar...

  Feitos os esclarecimentos, dando continuidade ao meu artigo anterior Independência Financeira - Quanto Vale o seu Tempo?, vamos falar mais sobre independência financeira, bens materiais, tempo e qualidade de vida. O assunto de hoje é a paixão para muitos brasileiros do sexo masculino: CARROS. No último artigo, alguns leitores mostraram muita consciência sobre a relação tempo x dinheiro e deixaram a entender que sabiam do que estavam abrindo mão ao escolher certos hábitos de consumo. Um bom automóvel estava presente em quase todos esses comentários. Pensemos então quanto realmente custa um bom carro na vida de uma pessoa.

  Antes de mais nada, tenho que confessar que não dou a mínima para carros. Uma vez estava indo de Santos para São Sebastião passar o carnaval e de repente ouvi um barulho muito alto de motor atrás de mim quando estava numa serra. Eu que estava ouvindo alguma bela música fiquei um pouco desconcertado com barulho tão irritante. Eram duas Ferraris acelerando e fazendo ultrapassagens perigosas na subida de um morro. Achei horrível aquilo tudo. Quando cheguei no destino e estava prestes a falar para os meus outros amigos que estavam em outros carros sobre o ocorrido, eles me responderam “pô você viu aquelas duas Ferraris, nossa o ronco do motor, que demais!”. Eu apenas fiquei quieto, não vale a pena discutir essas coisas. Uma outra vez estava com a minha mulher em Curitiba e de repente vi muita gente na calçada olhando para o carro que estava dirigindo e tirando fotos, pensei comigo mesmo “WTF?”, era um Porsche passando e as pessoas ensandecidas tirando foto do carro, o dono com cara de conquistador desfilava triunfante. A cena para mim foi patética e mostra como o nosso mundo está doente. Vemos beleza onde não há nenhuma e não percebemos a beleza onde ela é abundante.  Portanto, eu não estou nem aí para carros e o status que ele proporciona, mas tentarei ser objetivo na minha escrita.

   Há inúmeros artigos sobre os custos de se ter um carro. Nenhum que eu conheça aborda um dos maiores custos de se ter um automóvel que é o Custo de Oportunidade. Se você está lendo esse artigo é porque se interessa por finanças, e ao menos tem uma noção do que o custo de oportunidade represente em termos financeiros. Se quer uma reflexão mais aprofundada, leia custo de oportunidade - o conceito central.

  Sem mais enrolações, vamos aos custos. Antes de detalhar, é preciso definir o que seja um bom carro. Bom carro no Brasil é sinônimo de muito dinheiro se comparado com o  custo de aquisição em outros países. É incrível o quanto o Brasileiro gasta com carros. Vou partir do pressuposto que um bom carro novo custe R$100.000,00. Se você, querido leitor, achar pouco ou muito, basta mudar os números e fazer o seu próprio exercício.

  Qual é o maior custo de se ter um carro? A Depreciação do mesmo. Esse é uma despesa líquida e certa que cada dono de carro irá incorrer. É por isso que carro, do ponto de vista de finanças pessoais de livros introdutórios, é mais tratado como um passivo, pois ele na verdade se deprecia ao longo do tempo, ao contrário da maioria dos ativos financeiros. Quanto um carro se deprecia varia de modelo e marca. Como no valor do preço de um bom carro, se alguém achar os meus pressupostos conservadores ou exagerados, basta mudar os números. Mas eu acho que eles são bem atuais. Eu, numa transação imobiliária, recebi duas BMW chiques como forma de pagamento parcial. Não imaginaria que seria tão difícil vender, mesmo já sabedor que iria receber uns 15% a menos do que consta  na Tabela FIPE. Na verdade, há ainda uma a venda, mesmo passados alguns meses: uma X6. Não faço a mínima ideia de como seja o carro, e nem o verei pois quando voltar ao país já estará vendido, apenas sei que é bem caro. Portanto, carro usado é depreciação forte na certa. Os meus parâmetros serão depreciação de 20% no primeiro ano, 15% no segundo e 12% no terceiro ano.

  A segunda maior despesa é o custo de oportunidade. Vou colocar esse custo em 13%aa, o que me parece algo razoável com a SELIC em 14.25%aa. Para o custo ficar mais palpável, e não na forma abstrata de quanto eu poderia ter ganho, vou colocar o custo de oportunidade como igual ao custo de financiamento do veículo. Ou seja, a pessoa financiou o veículo e vai pagar em 3 anos, com taxa de juros de 13%aa. Para fins de simplificação, pois não sei trabalhar com tabelas, vou colocar que o custo de financiamento será de 13%aa de forma simples sobre os 100 mil reais. Os demais custos são os normais que muitos artigos abordam: manutenção, gasolina, tributos, etc. Estimarei o seguro em 5% do valor do carro, a manutenção em 2% do valor do carro e a gasolina em torno de R$500,00 (algo que me parece e razoável).  Eu não faço seguro de carros. Não há qualquer sentido em fazer seguro, se você pode absorver a perda do bem sem grandes impactos no seu orçamento e patrimônio. Logo, eu já devo ter economizado o valor de uns dois carros só de não ter pago seguro nos últimos 12-13 anos. De novo, sinta-se à vontade para pensar em outros números.

   Vamos as costas então para um carro de 100 mil. No final do primeiro ano a conta será mais ou menos essa:

Depreciação de 20% = R$ 20.000,00
Custo de Oportunidade-Financiamento = R$13.000,00
Seguro de 5% do valor = R$5.000,00
Gasolina R$500,00 x 12 meses = R$ 6.000,00
Manutenção de 2% do valor = R$ 2.000,00
IPVA (varia de Estado para Estado) de 2,5% = R$2.500,00
Outros (lavagem, estacionamento, multas) = R$ 1.500,00

TOTAL = R$ 50.000,00


   Custos no segundo ano:

Depreciação de 15% sobre R$80.000,00 = R$ 12.000,00
Custo de Oportunidade-Financiamento = R$13.000,00
Seguro de 5% do valor depreciado do primeiro ano = R$4.000,00
Gasolina R$500,00 x 12 meses = R$ 6.000,00
Manutenção de 2% do valor = R$ 1.6000,00
IPVA (varia de Estado para Estado) de 2,5% = R$2.000,00
Outros (lavagem, estacionamento, multas) = R$ 1.500,00

TOTAL = R$ 40.100,00

  Custos no terceiro ano:

Depreciação de 12% sobre R$ 68.000,00 = R$ 8.100,00
Custo de Oportunidade-Financiamento = R$13.000,00
Seguro de 5% do valor depreciado do segundo ano = R$ 3.400,00
Gasolina R$500,00 x 12 meses = R$ 6.000,00
Manutenção de 2% do valor = R$ 1.360,00
IPVA (varia de Estado para Estado) de 2,5% = R$ 1.7000
Outros (lavagem, estacionamento, multas) = R$ 1.500,00

VALOR TOTAL = R$ 35.060,00


  MÉDIA DE GASTOS ANUAL = R$ 41.720,00


  É isso  colegas, um bom carro de R$ 100.000,00 no Brasil custa a bagatela mais de R$40.000,00 por ano, ou seja, quase 42% do valor original do carro. Agora, passados os números, vamos associar com a forma de ver os seus gastos abordada no meu último artigo. Naquela ocasião, eu estimei uma renda líquida de R$10.000,00 ao mês. Muitas pessoas falaram que essa é uma renda irreal, pois quase ninguém no Brasil ganha isso. Colegas, tenho plena consciência disso, apenas coloquei essa renda (que equivale a um salário de uns R$ 13-14 mil brutos) para enfatizar mais a ideia de como trocamos o nosso tempo por coisas. Se o salário a ser considerado for menor, a quantidade de tempo será muito maior. Irei manter o salário líquido de R$ 10.000,00, se você ganha bem menos do que isso, apenas significa que irá gastar ainda mais tempo de sua vida se quiser ter um “bom" carro.

   A pessoa com uma renda anual de R$ 120.000,00 (não estou contabilizando décimo terceiro ou eventuais outras vantagens) irá gastar aproximadamente 35% da sua renda com gastos do carro. Uau! O carro é dono de 35% do tempo dessa pessoa. E se a renda for de R$ 84.000,00 anuais (uma renda mensal líquida de algo em torno de R$ 7.000,00, algo muito superior a média salarial brasileira)? O carro será dono de 50% do tempo dessa pessoa. 

  Pensem um pouco colegas. Um objeto inanimado que não irá te consolar quando estiver triste, que não irá te fazer rir, e que não te trará nenhuma felicidade passadas as primeiras semanas da novidade (acreditem, há muitos estudos científicos demonstrando isso), será senhor de 50% do seu tempo produtivo. Uau, isso que é gostar de um carro. A pessoa poderia ler Kafka, surfar, estudar mercado financeiro, ter mais tempo com os filhos, com a esposa, com esportes, jogar videogame, ou qualquer coisa que faça alguém satisfeito, mas não, ela devotará 50% do seu tempo produtivo para pagar por um carro. Faz sentido para você? Se fizer, siga em frente. Meu único conselho é que seja muito satisfeito e contente no seu trabalho, porque senão, ficar 50% do seu tempo num trabalho que não gosta para pagar um carro um desperdício enorme de vida, energia e talento.

  E se aplicarmos o mesmo exercício feito no artigo anterior Uma despesa média anual de R$ 40.000,00 (vou arredondar para simplificar) representa um capital acumulado de R$ 1.000.000,00, se levarmos em conta uma taxa segura de retirada de 4%aa. Colegas, eu irei escrever sobre TSR de uma forma que ainda não foi feita na blogosfera (li mais de 10 estudos acadêmicos diversos e inúmeros outros artigos), mas preciso de tempo para escrever sobre o tema. Logo, não irei abordar os motivos dos 4%. Serve apenas para se ter um ponto de partida. 

  Caramba, preciso acumular R$1.000.000,00 para ter um bom carro? E quanto tempo de vida para se juntar R$1.000.000,00? Tendo uma taxa de poupança alta de 40%, se partimos do pressuposto do artigo anterior de um retorno real de 6%aa (a maioria da blogosfera está se esforçando nos últimos anos para manter o patrimônio em termos reais) que é muito alto e um salário líquido anual de R$ 120.000,00 (que é muito maior do que quase a esmagadora maioria dos brasileiros ganha), o tempo para se chegar nessa quantia é de 13.5 anos



 Sim, se uma pessoa quer IF e ainda ter um bom carro, terá que trabalhar 13.5 anos para atingir o capital necessário para bancar a despesa. Pense em tudo que se pode fazer em 13 anos de vida. Se tornar um Doutor numa especialidade, fazer diversos cursos superiores, participar mais diretamente da formação dos seus filhos, a lista é quase infinita.

  Alguém pode objetar, com certa dose de razão, que uma pessoa que já é IF e tem capital não precisaria computar o custo de oportunidade, e obviamente ela não vai fazer nenhum financiamento. É verdade. Entretanto, não é porque o custo não é visível que ele não existe. Ele é bem real. Quem decide comprar um carro de R$100.000,00, com um retorno líquido com pouco risco no mercado financeiro de 13%aa , tem um custo de R$13.000,00 na escolha de comprar um carro. Isso é inescapável. É um dinheiro que poderia ser utilizado para outras finalidades: comer fora, viajar, etc, etc. 

  Como dito, nunca dei bola para carro, nem quando era mais jovem. O meu pai sempre me disse quando era criança que carro tem que ser um percentual bem pequeno do seu patrimônio. Quer um carro de R$100.000,00? Tenha bastante dinheiro antes. Não tente ter um passivo que se deprecia no tempo quando o patrimônio é diminuto. Hoje percebo a razão e ela é bem simples. A maioria dos brasileiros (esse fenômeno é mais forte aqui, pois os carros são mais caros aqui) trabalha para o seu carro. Quem está nessa situação é possuído pelo carro, não é a pessoa que possui o carro. O carro é o Sr. de boa parte do tempo produtivo dessas pessoas. É isso que você quer, colega leitor, trabalhar para o seu carro, e desperdiçar energia preciosa de sua vida finita, que poderia ser aplicada em inúmeras outras atividades mais gratificantes, num objeto inanimado?

  Olhe ao seu redor. O que te faz mais feliz? O seu carro ou a sua família? O seu carro ou quando você tem bons momentos com seus amigos?  No que você deveria gastar mais energia e esforço: sua família ou seu carro? Nos seus sonhos ou no seu carro? A reflexão é pessoal e cada um terá o seu limite para as coisas. Não importa qual seja para você, apenas reflita a respeito. Uma vida irrefletida é a pior forma de levarmos a nossa vida. Se eu fosse você, prezado leitor, eu despediria esse Patrão chamado Carro, ou ao menos exigiria um belo aumento para esse chefe tão sedutor para muitos.

Trekking no Tiger Leaping Gorge, primeiro dia.

Olha esse lugar. Dragon Snow Mountain ao fundo. Montanhas de nada mais nada menos do que 6 mil metros de altura.  Almoçamos nessa aprazível vila.

Acordei muito cedo para ver o sunsire no local em que dormirmos com vista para essa montanha por apenas 12 dólares. Coloquei essas fotos como forma de inspiração para pessoas, para que elas vão atrás de coisas que as façam felizes. Para mim uma trilha como essa é uma experiência memorável para toda a vida. Para você, prezado leitor, pode ser outra coisa, mas com certeza não será bens materiais.


   Grande abraço a todos!