terça-feira, 29 de setembro de 2015

INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA

 Olá, colegas! Os últimos oito dias no deserto foram simplesmente sensacionais. Aconteceu tanta coisa boa que poderia escrever páginas e páginas de reflexões ou simplesmente narrar as diversas experiências. Porém, ao acessar o blog vi que a marca de 200 mil visualizações tinha sido ultrapassada, e não posso deixar de dizer que fiquei feliz. Primeiramente, porque nunca imaginei que um blog feito sem quase nenhum cuidado na parte estética e sem funcionalidades básicas (eu até hoje não sei se o feed de recebimento de mensagens no e-mail do blog funciona ou não) poderia ter essa quantidade de acessos em um ano e meio. 


Ah, o Deserto Australiano (Outback). Memorável, é o que eu posso dizer em apenas uma palavra. O bom de ter uma casa dessas, é que você pode levá-la para lugares espetaculares.



    Além do mais, os temas aqui são demais diversificados e o foco de quase todos, no que se convencionou chamar de blogosfera financeira, quase sempre é voltado para análises de ativos financeiros (há diversos blogs nessa direção) ou temais mais básicos da vida como ter ou não carro, aparência, a necessidade de se possuir planos e metas, etc (há alguns blogs nessa direção).  O blog pensamentos financeiros não se enquadra em nenhuma categoria dessas, e já houve diversos comentários negativos a respeito disso. A minha última postagem sobre a Tasmânia , por exemplo, para mim foi muito bacana de escrever, e talvez atraísse mais atenção se fosse escrito num blog voltado apenas a viagens, já que não é do interesse da maioria das pessoas que querem ler sobre finanças apenas. Artigos sobre a incompreensão dos direitos humanos (a incompreensão dos direitos humanos), o lado mais sombrio do ato de se rotular (a racionalidade do ato de rotular e o seu lado mais sombrio, o conceito de que não temos mérito nenhum do mundo que herdamos (herança e a incongruência de alguns argumentos), entre outros artigos dificilmente são enquadráveis na categoria “finanças”, o que com certeza contribuiu para que não haja tanta atenção para este espaço.

   Não posso negar também que muitos artigos meus são às vezes longos para o que as pessoas estão cada vez mais se acostumando a ler. Infelizmente ou não, as pessoas estão impacientes e clamam por sínteses ou textos fáceis. A revista Veja é um exemplo claro disso. Cito esse periódico, pois ele é o mais famoso do Brasil. A revista em muito se parece com um lanche do MC Donalds, visualmente pode chamar atenção, mas o valor nutricional é quase nenhum. A revista é feita para ser lida em uma hora. Há fotos, gráficos coloridos, fofocas, alguns artigos sobre assuntos sérios escritos num português básico para que seja rapidamente compreendido sem muito esforço. Não há nada de errado com essa postura editorial, desde que os leitores tenham claro que a leitura é um passatempo, é um arremedo de leitura da realidade. Antes que alguém queira adicionar alguma conotação política a essa simples observação, digo que a revista que mais gosto de ler, quando tenho algum exemplar disponível, é a “The Economist”, considerada como uma revista conservadora. Você não lê uma “The Economist” em uma hora, e os textos são muito bem escritos, abordando diversos temas (para se ter ideia foi num artigo da revista que pela primeira vez soube da existência do grupo extremista Boko Haram, isso alguns anos antes de haver qualquer matéria no Brasil a respeito). Por fim, escrever textos mais longos e densos como alguns meus, a toda evidência não quer dizer que são textos bons ou bem escritos. Apenas pontuo que a realidade costuma ser muito mais sutil e complexa do que alguns textos de alguns parágrafos com muita exclamação e lugares-comuns parecem transparecer.

   Por fim, sempre parti da premissa que ideias não devem ser respeitadas. Ideias servem para ser testadas, contrastadas e aceitas ou rejeitadas depois de passadas pelo crivo rigoroso do debate e da análise. Não se deve respeitar ideias, mas sim pessoas, e infelizmente no Brasil atual não se respeitam nem ideias (aliás é difícil ter um debate genuíno de ideias), nem pessoas. Logo, esse estilo de texto não agrada algumas pessoas que por ventura se sentem ofendidas, o que também afasta a popularidade desse blog. Porém, mesmo com todas essas características, considero o número de acessos muito bom mesmo. Agradeço a todos que já manifestaram por aqui palavras de incentivo e críticas construtivas. Obrigado, o que mais me incentiva a continuar escrevendo é contato mesmo que virtual com pessoas, isso para mim é muito bom, pois uma viagem de longo prazo, apesar disso já ser bem claro para mim há bastante tempo, mostra como é importante se ter amigos e relações humanas saudáveis.


    Assim, resolvi escrever sobre o tema que domina o sonho de 10 entre 10 investidores amadores, o nirvana das finanças pessoais, é claro que só pode ser INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA. O que é ser independente financeiramente? Quanto é necessário? São perguntas que qualquer investidor amador já se fez e nesse texto procuro dar a minha opinião singela sobre esse tema.

  Primeiramente, deve-se conceituar de uma maneira um pouco menos subjetiva o que é ser independente financeiramente. Alguns conceitos já foram abordados diversas vezes nesse blog, porém, apesar de auto-evidentes, é sempre bom relembrá-los. Um indivíduo pode ter renda proveniente do seu trabalho (o que é a tônica para a esmagadora maioria da espécie humana) ou renda proveniente de algum capital acumulado (imóveis, renda fixa, ações, negócios próprios, etc), também denominada por alguns escritores renda passiva. É de se esclarecer que um negócio próprio é capital acumulado. “Soul, não me parece ser renda passiva de um pequeno empreendedor que trabalha bastante para manter a empresa funcionando”, alguém pode pensar. É verdade, mas isso é porque o capitalista, ou seja dono do capital, também exerce funções de gerência. O que é possuir uma ação de uma empresa listada em bolsa se não ser capitalista e deixar a administração por conta de terceiros? Um pequeno empreendedor poderia deixar a administração para terceiros, e ter a renda passiva do negócio que é dono. Não entro no mérito se é factível ou não para a maioria dos negócios, apenas digo que é possível. Assim, pequenos empreendedores realmente parecem estar no limite entre renda passiva e ativa. 

  Assim, se conceitua independência financeira quando alguém possui renda passiva, ou seja renda proveniente do capital previamente acumulado, suficiente para manter o padrão de vida desejado. A última oração revela que é impossível se chegar a um valor preciso para a independência financeira, pois cada pessoa obviamente poderá ter uma definição própria do que seja “um padrão de vida desejado”.  O sujeito A pode acreditar que precisa de R$ 20.000,00 mensais para ter uma vida boa, enquanto o sujeito B pode pensar que com R$ 5.000,00 mensais é possível viver-se bem. Teoricamente, os sujeitos A e B podem ser independentes financeiramente com a mesma quantia de capital acumulado. Como? Basta que os rendimentos totais no primeiro caso sejam quatro vezes maiores do que no segundo caso. É possível na teoria, mas muito difícil na prática, e aqui posso começar a falar um pouco sobre um conceito essencial para mim não só em finanças, mas principalmente em finanças: Margem de Segurança. 

  Todos os conceitos tratados até aqui são intuitivos e do conhecimento da grande maioria que já gastou algum tempo pesquisando sobre independência financeira. Aqui, ao tratar de margem de segurança e sua relação com independência financeira, espero trazer uma perspectiva um pouco diferente do usual. O que é margem de segurança? Nada mais é do que uma “folga" em algum parâmetro para que não haja consequências negativas ou que ao menos elas sejam minimizadas. Exemplo? Vá a um supermercado e olhe a data de validade de algum produto. Ao passar a data de expiração do produto, isso não quer dizer que o alimento não pode mais ser consumido. Uma vez um Engenheiro que trabalhava numa empresa de consultoria de estratégia que tinha a missão de otimizar alguns aspectos da logística da gigante Walt Mart me disse que se pode consumir os alimentos dias depois da data de expiração (claro que vai variar a quantidade de dias de alimento para alimento). A razão disso é que as empresas preferem  colocar uma data de expiração do alimento muito antes da real data em que o alimento se tornaria impróprio para consumo, para que não haja muito espaço  para qualquer responsabilização legal da companhia. Isso nada mais é do que margem de segurança. Há uma “folga" no parâmetro data de expiração do alimento, pois, e isso nada mais é do que estatística, sempre haverá um alimento que estragará antes da média. Logo, se a data de expiração é colocada com bastante folga, a empresa quase que elimina qualquer risco do alimento estragar antes do prazo de validade que se encontra na embalagem.


   Quando comecei a refletir mais profundamente sobre margem de segurança, eu percebi que é um conceito que eu uso em quase tudo. Assim, se vou passar um Road Train na Austrália (caminhões que possuem mais de 50 metros de comprimento), eu utilizo uma grande margem de segurança, ou seja, precisa haver muito espaço para eu realizar a ultrapassagem, se não houver eu simplesmente fico atrás do caminhão, mesmo que haja espaço suficiente para a manobra. Poderia dar inúmeros exemplos, mas acho que o conceito ficou claro. Quanto maior a margem de segurança, menor o risco que algum evento negativo aconteça, quanto menor a margem de segurança mais arriscado se torna a materialização de algum evento negativo.

  Obviamente, todos nós em certa medida pensamos em margem de segurança, mesmo que não reflitamos de maneira específica sobre esse fato. O mesmo se dava comigo com certeza. Porém, ao ler um livro de investimentos considerado clássico nos dias de hoje chamado “Margin of Safety” de um autor chamado Seth Klarman, um novo insight surgiu na minha cabeça. O livro é simples, mas não sei se existe tradução para o português. A partir da leitura desse livro eu comecei a pensar mais profundamente sobre o conceito e como eu poderia usá-lo em minha vida de maneira apropriada. Como eu estava lendo muito sobre investimentos na época, tentei aplicar o conceito ao mercado acionário. Não deu certo, pois primeiro o mercado acionário é muito mais complexo do que alguns inputs de alguma fórmula de valuation. Hoje carrego posições acionárias com perdas na ordem de -50% ou até mais (ETER, EZTEC e STBP). Porém, e isso também é uma forma de pensar sobre margem de segurança, comprometi uma parte muito pequena do meu capital nessa forma de investir.  Hoje talvez se computar o valor de mercado atual da minha posição acionária, dividendos recebidos, lucros com venda de alguns papéis, talvez o impacto no meu patrimônio total seja menor do que -1%. 

Belo livro sobre investimento e modelo mental de como se deve encarar os desafios financeiros. Recomento a leitura.

  Se no mercado acionário (e digo que nunca procurei me aprofundar mais, talvez seja possível usar o conceito de margem de segurança no mercado acionário de maneira satisfatória, algo que remete a discussão se é possível a gestão ativa ser mais eficiente do que uma estratégia passiva), na atuação de compra e venda de imóveis o conceito foi de absoluta extrema valia. Não existe nenhuma posição imobiliária minha, algo que eu entendo muito mais do que mercado acionário (por isso uma parcela muito significativa do meu patrimônio está alocada em operações desse tipo), onde o conceito de margem de segurança não venha em primeiro lugar. É por isso que com crise ou sem crise, é improvável eu ter resultados nominais negativos. Na bem da verdade, posições minhas estão prestes a ser desfeitas, pois tenho recebido propostas razoáveis de compra, o que eu pensei que seria bem difícil num cenário de tanto pessimismo e dificuldades política-econômicas. Talvez, com medo as pessoas optem a compra de imóveis. Espero que assim seja, pois se o for, e a crise for de média duração, haverá muito espaço para realizar operações de pequena complexidade e talvez com margens potenciais de lucro bem grandes.  É por causa do conceito de margem de segurança, que eu já deixei passar inúmeras “oportunidades”. Se eu não me sinto confortável com a margem do negócio, eu simplesmente passo para outro e ponto final. Talvez, fosse uma oportunidade mesmo, mas se na época eu achei que não atendida requisitos seguros de margem, eu simplesmente mantenho-me afastado.


   Por qual motivo toda essa conversa sobre margem de segurança e minhas aventuras financeiras num artigo sobre independência financeira? Caros leitores e amigos,  assim o procedo, pois esse conceito é central para a independência financeira. A margem de segurança pode ser um ótimo modelo mental (ainda preciso escrever sobre os modelos mentais e a ótima abordagem de Charlie Munger sobre o tema - para quem não conhece sócio do Buffett) para evitarmos riscos e navegarmos mais tranquilos diante das  vicissitudes da vida. Entretanto, ele pode ser um dificultador, algo que imobiliza as pessoas a irem para frente. Como? O motivo é simples. Quanto mais conservador você for em suas premissas, maior será a sua margem de segurança e por consequência menor será o seu risco. Assim, eu posso colocar uma margem de segurança enorme nas minhas operações imobiliárias. Porém, será que eu conseguirei entrar em algum negócio? Dependendo do tamanho da margem, será difícil, muito difícil. 

  Se pararmos para pensar, assumir riscos nada mais é do que diminuir a margem de segurança ou simplesmente ignorá-la. Qualquer grande analista do mercado financeiro, e eu acho o Damodaran um deles, admite que há limites para a modelagem de qualquer coisa e no final deve se aceitar que há certos parâmetros que fogem do controle. Aceitar isso liberta o investidor e não o deixa paralisado. Isso nada mais é do que o conceito budista de abrir mão da ilusão de controle sobre tudo. Há certas coisas que não estão no nosso controle, e se formos conservadores demais, talvez nunca faremos coisas memoráveis na vida.

  Voltando ao exemplo inicial do exemplo dos sujeitos A e B. Se ambos tiverem o mesmo patrimônio, parece claro que a margem de segurança do sujeito que quer viver com R$ 20.000,00 mensais será muito menor do que a margem de segurança do sujeito B que se contenta com R$ 5.000,00. Ou o sujeito A aumenta o capital acumulado, ou ele diminui a sua necessidade de renda, sob pena de muito provavelmente fracassar no seu objetivo de viver de renda. Portanto, faz todo o sentido ter margem de segurança para viver de rendimentos. Assim, se pessoa tem um patrimônio de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), se a mesma se contentar com uma renda de R$100.000,00 anuais (5% aa) será muito mais seguro do que se ele quiser viver com R$ 200.000,00 anuais (10%). Óbvio. Sim, o é, porém refletir mais detidamente sobre obviedades pode  nos revelar alguns segredos. 

  O que está em jogo, por que tantas pessoas querem independência financeira? Pense nisso por um momento, amigo leitor.  Você quer viajar o mundo? Você quer ficar sentado vendo inúmeros filmes e lendo livros? Quer se dedicar a um trabalho voluntário? Não quer se submeter mais a empregos considerados “chatos" e opressivos? Sim, todos esses  motivos são bons o bastante, mas por qual motivo você quer viajar o mundo ou ver filmes ou ajudar os outros? Não posso responder por outras pessoas, mas creio que o motivo principal é que as pessoas querem ser mais satisfeitas na vida e para isso elas precisam de tempo para realizar uma miríade de atividades que as deixem satisfeitas (chame de felicidade se quiser). Logo, o tempo é algo central na análise de independência financeira.


  As pessoas não querem dinheiro necessariamente, o que eles querem é tempo livre para ir atrás de qual seja os seus sonhos e objetivos. “Porém, para ser livre das necessidades da vida, eu preciso de dinheiro, não é mesmo Soul?”. Para responder essa pergunta com mais detalhes, eu precisaria de um artigo em específico. Porém, vou partir da premissa mais fácil de que se precisa de uma quantidade pelo menos razoável de patrimônio acumulado. 

   Voltemos ao exemplo do sujeito que quer R$ 200.000,00 de renda anual com R$ 2.000.000,00 acumulados. Há inúmeros estudos estatísticos, feitos principalmente no mercado americano, sobre qual é a taxa segura de retirada para um portfólio. Houve uma semana no ano passado que eu li dezenas de estudos a respeito do tema, para tentar entender melhor o tema e ir mais a fundo do que simplesmente dizer aplique “a regra dos 4%” ou não aplique a regra. Até mesmo queria escrever uma série, fiz apenas o primeiro artigo e não continuei (Taxa Segura de Retirada - Primeira Parte) Como não tenho internet frequentemente no computador na viagem, não escreverei sobre temas muito técnicos, pois gosto de ler e conferir artigos antes de escrever algo. Apenas digo que uma taxa de retirada de 10%, mesmo num país com juros reais tão altos como o nosso (a propósito o Brasil foi o país que possibilitou a maior taxa de retirada sem extinguir o portfólio, há uma breve menção ao nosso país num artigo sobre taxa de retirada em países emergentes), não é segura. Não há margem de segurança alguma e é provável que depois de 20-25 anos o patrimônio esteja à beira da extinção. 

   Por que não, então colocar uma taxa bem conservadora (no Japão a Safemax foi de pouco mais de 1%), e não correr nenhum risco? Isso é possível. Porém, uma taxa de retirada de 1% para uma renda anual de R$200.000,000, significa um patrimônio de R$20.000.000,00. Você pode acumular todo esse dinheiro? É possível, mas tenha certeza que isso custará, se você não for recebedor de uma grande herança, muito do seu tempo. Assim, você está trocando segurança de sobrevivência do seu portfólio, da sua independência financeira, por tempo livre de sua vida. Simples assim. Mas, se o seu objetivo em ser independente financeiramente é ter mais tempo livre de qualidade, faz sentido trocar tempo por segurança nesse grau? Na minha opinião, não. O que fazer, então?

  Num dos últimos artigos que escrevi sobre liberdade, tributos, eu expressei minha opinião, que possui raízes biológicas (ou seja é muito mais forte que qualquer argumento baseado apenas em ideologia seja socialista, libertária, ou qualquer outro rótulo), de que quase todas as relações humanas não são lineares, logo elas são relações de equilíbrio. Buda percebeu isso, muitas pessoas percebem isso, e creio que eu aos poucos vou percebendo isso. Logo, a relação entre segurança, risco, tempo deve ser balanceada. Vale a pena trocar a sua juventude e idade madura em busca de uma segurança financeira muito grande apenas na velhice? Na minha opinião, não. Vale a pena não dedicar nenhum tempo de sua juventude e vida madura para ter segurança financeira na velhice? Também, não. Percebam, colegas, é uma relação de equilíbrio. Assim, a questão não é ter Estado ou não. Tributos ou não. Liberdade ou não. A melhor resposta sempre será uma dosagem entre os variados extremos. 

   Muitos colegas, ou até algumas pessoas de forma anônima normalmente num tom agressivo , perguntam como alcancei a independência financeira. Foi assim do dia para noite? Foi recebimento de herança? Colegas, obviamente houve acúmulo de capital desde a adolescência. Houve aportes consideráveis durante dez anos. Houve uma grande taxa de poupança em relação aos meus rendimentos Houve uma grande rentabilidade devido às minhas operações com imóveis em leilão. Porém, e talvez seja tão importante quanto as outras atitudes delineadas, houve uma grande mudança no meu estado mental em relação a isso. Eu sempre fui muito conservador em matéria de dinheiro. Minha família também . Logo, a simples menção da ideia de abandonar um cargo de elite externamente bem remunerado com estabilidade, fez os meus pais, e alguns conhecidos, simplesmente pensarem que eu estava louco (hoje em dia eles me entendem melhor, principalmente vendo como estou feliz, e como algumas operações imobiliárias minhas, apesar do pessimismo e da desconfiança, estão dando certo). 

   Talvez esteja, mas vejam, para mim ficou claro (e o amigo Viver de Renda alertou-me num e-mail pessoal) que eu poderia estar trocando tempo de qualidade por mais segurança no futuro. Claro, precisamos de segurança, mas qual é o grau que precisamos ter? Eu não me sentiria confortável sem ter um plano e um bom capital acumulado, como algumas pessoas podem-se sentir (essa semana li diversos artigos de um sujeito que tem um blog chamado Holidaze - http://blog.theholidaze.com - , largou o emprego com 24 anos e está há seis anos viajando o mundo vivendo do seu blog e de alguns trabalhos freelance), mas preciso de tanta segurança assim? Preciso de uma taxa de retirada de 1.0% para ai sim achar que posso dedicar meu valioso tempo para coisas que me agradem?

  Além do mais, será que preciso de tanta renda para ser satisfeito? Dos últimos seis meses da minha vida, em cinco deles a minha casa foi uma campervan pequena. Minha geladeira, minhas roupas, minha cama, tudo estava nesse pequeno carro. Rodei, essa parte da viagem chega ao fim em dois dias, 27 mil quilômetros, e nunca me senti tão vivo na vida. Tive experiências que nem com muito dinheiro se pode ter, como jantar a luz do luar tomando um vinho no meio do deserto com um céu estrelado, dormir num parque nacional onde uma das montanhas mais impressionantes que eu já vi de dia ficou iluminada com as estrelas de noite, tal a quantidade absurda de estrelas no firmamento ou ficar na casa de uma família australiana sensacional, pois conheci um coroa de meia idade surfando na poderosa onda de CloudBreak em Fiji. Essas não correspondem nem a 5% das histórias que tenho acumulado desde o início da viagem, e se for pensar em todas as minhas viagens então. Não, definitivamente, não se precisa de muito. Mas, precisa-se de dinheiro para fazer o que eu fiz, afinal nada é de graça, apenas amigos, o ar , a felicidade entre outras coisas, mas muitas outras é preciso pagar, apesar que as melhores experiências geralmente não envolvem o dispêndio de muito dinheiro ou de qualquer dinheiro. Assim, a sabedoria, mesmo financeira, está em achar um ponto de equilíbrio.

   Aos poucos fui me dando conta dessa realidade, e pensei comigo mesmo “Ei, eu já sou independente financeiramente, posso não poder viajar de cinco estrelas durante 4 anos pelo mundo, afinal esse jeito de viajar é o mais tedioso, sem graça e mais caro, mas posso viajar por 4 anos do jeito que mais gosto de fazer”. “Posso, quando no Brasil, não ter um iate, uma ferrari e uma cobertura na zona Sul do Rio, mas quem disse que preciso de um carro de luxo, de uma cobertura ou um barco luxuoso?”.  Equilíbrio. 

  Há hoje em dia em finanças ou até mesmo na filosofia (o site IMB é impregnado desse conceito), uma tendência de não se discutir felicidade, ou uma boa vida. Isso nem sempre foi assim e com certeza não é assim para inúmeras sociedades no mundo. Nos primórdios da filosofia ocidental, o trio maravilha (Sócrates, Platão e Aristóteles) discutiam à exaustão sobre bem-estar, bem como uma vida plena. Eu acho que deveríamos voltar a rediscutir isso em termos abstratos e filosóficos, bem como em termos práticos. Logo, eu não tenho o menor pejo em dizer que adquirir uma ferrari não trará nenhum grande bem-estar a você e provavelmente você trocará o seu bem mais preciso (tempo de vida com qualidade) por um objeto material que não te acrescentará muita coisa. Seus filhos não serão mais felizes por isso, você não será mais satisfeito, a sua mulher não gostará mais de você por causa da aquisição e nem mesmo mais amigos genuínos você terá. Isso para mim não é uma boa vida, e está longe de ser uma vida bem vivida e com significado.


   Quer dizer que devemos forçar todo mundo a entrar num avião e ir viajar? Evidentemente que não, e muitos críticos do meu espaço não percebem isso nos meus textos. A maior libertação é o auto-conhecimento e como a palavra diz (bem como a linda música do Marley “EMACIPATE YOURSELVES FROM MENTAL SLAVERY, NONE BUT OURSELVES CAN FREE OUR MINDS"), isso precisa da participação ativa do indivíduo, ninguém pode obrigá-lo a nada, até porque seria uma violação indevida da sua liberdade individual. Entretanto, se você confunde sucesso humano com sucesso financeiro (o meu artigo a respeito está quase pronto), saiba que está trocando o seu tempo nessa terra por segurança ou por coisas  materiais que não trarão nenhuma sensação muito grande de bem-estar subjetivo.

Marley, um dos grandes artistas do século passado. Suas letras inspiradas, seu estilo de música delicioso de se ouvir, é um bálsamo às vezes para os ouvidos e cérebro.


   É o que eu tenho a oferecer sobre Independência Financeira. Acumular patrimônio é importante. Margem de Segurança é importante. Consumir é importante. Ser conservador é importante. Não desperdiçar o seu escasso tempo nessa terra é importante. Saber que não temos controle sobre muitas das variáveis é importante. Ser satisfeito, entenda ser feliz é importante. Reflita sobre isso, e ache o seu ponto de equilíbrio. Equilíbrio é a chave para bem viver nesse mundo, e talvez seja a chave para que a humanidade dê um passo a frente para um novo modo de encarar o meio ambiente e a realidade. É a chave também para a sua independência financeira.

  Grande abraço a todos e mais uma vez agradeço a todos os leitores pelos acessos, e-mails, e comentários desse blog.



   


   






   

domingo, 20 de setembro de 2015

TASMÂNIA - OESTE SELVAGEM

  Olá, colegas. Aproveitando o embalo,  as vivas lembranças, e o fato que consegui acesso a internet na inusitada e desértica cidade de Coober Pedy - sim a aventura pelo outback começou - continuo a escrever sobre a incrível Tasmânia. Depois de deixarmos o maravilhoso Cradle Mountain - Lake Saint Clair National Park (escreverei um artigo específico sobre este lugar), fomos dormir na cidade de Burnie. Lá, eu encontrei o xará do Corey (ver artigo a respeito) e fiquei hospedado num albergue dormindo no estacionamento do mesmo, pagando uma pequena taxa para usar as facilidades (é bem confortável dormir no carro).  Escolhi o albergue, pois precisava ficar acordado de noite e ter acesso a internet. O fuso horário em relação ao Brasil é de 13 horas. De madrugada, ou seja de manhã no Brasil, iria ocorrer um leilão. Era um leilão de um prédio comercial. A operação seria complexa. O imóvel era central da cidade onde eu moro. A operação iria envolver problemas jurídicos, depois uma bela reforma e esperar o bear market passar. Para mim era uma grande oportunidade. Porém, faltando duas horas para o leilão fui avisado por Whatsapp que um dos parceiros não estava tão convencido. O prédio era num terreno retangular, o padrão construtivo não era bom, havia sinais de deterioração no prédio, assim não valeria a pena. Eu apenas argumentei se o prédio fosse muito bem construído, com um terreno quadrado de boa testada e sem quaisquer problemas, estaríamos falando de uma quantia de oito dígitos e não o preço que poderia sair no certame.   Havia, em minha opinião,  a possibilidade real de depois de resolvidos os problemas jurídicos e gastos uns 500k em reformas, chegar num aluguel de 1.5% am pelo preço mínimo do leilão (se saísse por esse valor). Assim, isso daria uma possibilidade de ganho de capital na ordem de 100%, se vendêssemos o imóvel por um yield de 0,7% am (o que é algo bem razoável) lá por 2018 - sendo bem conservador. Porém, fui voto vencido e ao invés de ficar antenado e “pilhado" na internet, aceitei a decisão.  Aliás, foi uma noite bem interessante, pois o albergue estava vazio e era muito bacana com um ar de casa. Havia um australiano de 2,15  metros de altura (o cara era grande) e outro de Melbourne que por coincidência também trabalhava com imóveis. Os dois eram bem simpáticos. Depois de um belo vinho australiano, fui pego nas garras de morpheu.

Vista do Albergue onde dormi na cidade Burnie. Foi uma noite diferente.

  No próximo dia, fomos margeando inúmeras cidades pequenas no litoral norte da Tasmânia. Como estava ensolarado, o oceano estava muito azul, numa cor que raramente se vê em praias  brasileiras. Após algumas horas, chegamos na cidadezinha de Stanley. O objetivo principal era conhecer a linda e interessante formação rochosa chamada “The Nut”. Que espetáculo! A trilha é bem tranquila, apesar de forçar um pouco o aeróbico pela inclinação da mesma no começo, e andar no topo do platô por uma hora e pouco foi muito bonito. O dia estava fenomenal o que contribuiu ainda mais para adicionar cor à experiências e às fotos.

Dia fantástico na bela cidade de Stanley.

The Nut. Só posso dizer que foi fenomenal o passeio.

Soulsurfer contemplando a natureza esplênica no topo do The Nut.


   Depois de andarmos pelo “The Nut”,  resolvi ir num local onde potencialmente poderia ter onda, numa vila com menos de 200 habitantes chamada Marrawah. Adentrávamos, então, o que se conhece como o Western Wildeness. Amigos, a Tasmânia já é um local isolado e selvagem tirando algumas pouquíssimas cidades. Imagine um local que eles mesmos chamam de selvagem. O local representa uns 25% do território da tasmânia, e é de uma beleza incrível, de uma natureza intocada, e de povoamento extremamente esparso. Quando cheguei ao local, vi que tinha umas ondas meio gordas quebrando. Não havia nem vestígio de qualquer ser humano no local, muito menos de surfistas, e eu não resolvi me arriscar numa água gelada, no meio das pedras, sem ninguém surfando.

Em Marrahah, olhando as ondas e a beleza selvagem da coesta oeste da Tasmânia. Muito frio, muitas pedras, talvez tubarões, nenhum surfista, aliás nenhum ser humano por perto, foram os motivos que me afastaram do mar.

  Havia um free camping de frente para a praia com banheiros e churrasqueiras elétricas. Havia um mortorhome estacionado com um casal de velhinhos sentados na cadeira do lado de fora. Ao começarmos fazermos a nossa janta, o Senhor se aproximou e começou a puxar conversa com um sotaque australiano extremamente pesado. Crag, era o nome do Senhor,  era simpático e insistiu para que jantássemos no trailer dele, já que estava ficando muito frio, principalmente por causa do vento ( e estava mais).  Acabamos tendo uma noite extremamente agradável. O casal era bacana e contaram um pouco da sua vida. Ele era motorista de caminhão de lixo, a senhora eu não lembro o que fazia, e me disse que ganhava um salário de 35 dólares a hora. Um belo salário que permitiu que ele construísse um patrimônio e pudesse gozar uma aposentadoria com certo conforto. Aliás, essa é uma das grandes diferenças entre um país como a Austrália e o Brasil. Aqui, um motorista de caminhão de lixo pode ter uma vida boa. No Brasil, isso é muito difícil. Porém, não é o tópico desse artigo traçar diferenças entre países tão diversos. Após a janta, nos ofereceram vinho que vinha numa sacola, apelidei carinhosamente de “wine bag”, e ficamos conversando sobre diversos tópicos. Ele ressaltou o receio de terrorismo islâmico no seu país, contou sobre a sua origem escocesa e tantos outros assuntos. Os dois falaram que gostariam de morar na Tasmânia, mas a existência de netos os faziam mudar de ideia para não perder o contato com as crianças. Quando eu contei que era um "city boy", ao responder a fala dele que não gostava de cidades, ele disse sorrindo "get out of here".  Ao saber o que eu fazia como profissão, ele mudou a entonação e disse "get fuck out of my motorhome!" e todo mundo caiu na gargalhada.  Enfim, uma grande noite, e o que é melhor eles tinham aquecedor dentro do confortável trailer e foi bom ficar quentinho por umas horas. Soube que ele, enquanto ainda na Tasmânia, se acidentou e quebrou algumas costelas, mas aparentemente está tudo bem. Espero que sim.

Free camping com churrasqueira na praia? Assim, fica fácil:)

Nascer do sol no acampamento na pequena vila de Marrahaw

Nossa pequena campervan perto do motorhome luxuoso. Aquecimento, televisão, geladeira, mesa para sentar, nâo é à toa que os grey nomads passam meses e meses viajando pela Austrália, dá para viver muito fácil num veículo como esse.


  No dia seguinte, dirigimos pela costa oeste e não havia ninguém. De vez em quando se avistava alguma vila com dezenas de casas e só. Inúmeras placas indicando a presença do famoso “Tasmania Devil” (demônio da Tasmânia) na região. Será que teríamos a sorte de ver um demônio da tasmânia na natureza? É muito difícil, mas ali era a região ideal, pois é um dos poucos lugares na Tasmânia onde há colônias de demônios sadios, sem o triste tumor facial, doença esta que ameaça de extinção essa espécie espetacular. Provavelmente, irei escrever mais sobre o demônio da tasmânia, assim deixarei para uma outra oportunidade para falar desse incrível animal. O objetivo era chegar na cidade de Stranhan. Havia duas possibilidades: um grande loop de 300km, ou um atalho de 100km. Obviamente, o atalho de 100km envolvia uma estrada remota, de terra, onde quase ninguém vai. Claro também que foi essa que escolhemos, apesar de nunca ter andado por tanto tempo numa dirt road.

O único lugar na Tasmânia inteira que vimos essa placa. O demônio da Tasmânia é um animal espetacular e é uma pena que ele esteja muito ameaçado de extinção por causa do tumor de face que afeta mais de 80% da espécie.

  Ainda bem que escolhemos o atalho! A estrada tinha o sugestivo nome de Western Explorer Road. Nunca me senti tão isolado do mundo como naquela estrada. Não havia nenhum rastro de seres humanos nos 100km da estrada. O caminho era belíssimo e remoto, foi uma experiência muito legal mesmo. Apenas um carro passou pela gente na direção contrária nas duas horas de viagem (pelas condições da estrada, a velocidade do carro teve que ser bastante reduzida) até a primeira “cidade”. Na verdade, era uma vila com 10 habitantes, sim isso mesmo. Chamava-se Corinna, e há 150 anos foi uma cidade de relativa importância quando ocorreu um Gold Fever na região. Hoje em dia, há um resort que é operado dentro de casas preservadas do século 19. O local é bem interessante, e ficar lá por uns dias não deve ser ruim. Nós apenas passamos, mas para continuar viagem teríamos que cruzar um rio, e isso não estava nos meus planos.

Estrada deserta, desolada e memorável.

Corinna. Há 150 anos, quando houve um pequeno rush de ouro na região, era uma cidade importante com milhares de habitantes. Hoje em dia, possui uma população que se pode contar nos dedos.

   A balsa para atravessar o rio cabia dois carros pequenos. Havia um aviso para tocar um botão para que o balseiro aparecesse. O preço era uma facada típica da Austrália: 25 dólares para uns cinco minutos de travessia. Tentei baixar o preço, mas não teve jeito, era pagar ou pagar. O rio era lindíssimo, um dos mais bonitos que já vi. Resolvi ir falar com o barqueiro que o passeio era lindo, mas tinha sido os 25 dólares mais rapidamente gastos da minha vida, quando o carro começou a ir para trás. Lembre-se que cabiam dois carros pequenos e a nossa campervan deveria ser o equivalente a 1,5 carro pequeno. Quando eu vi o carro indo para trás, a minha face congelou. Ainda bem, a Sra. Soulsurfer é mais do que ligeira, e faltando uns 30 centímetros para o carro despencar no rio com ela dentro, ela conseguiu parar o carro. Sim, eu esqueci de puxar o freio de mão, às vezes eu dou essas mancadas, e por muito pouco uma tragédia não acontece. Uma salva de palmas para a Sra. Soulsurfer e vaias para mim!

O rio era extremamente bonito, mas eita travessia cara: 25 doletas por alguns minutos.

Se não fosse a habilidade e destreza da Sra. Soulsurfer, a nossa casa poderia estar nesse momento debaixo do rio.

   Passado o rio, e o susto, seguimos viagem por algumas cidades pequenas até chegar no Hub regional, a cidade de Strahan com 700 habitantes. Dormirmos num Free Camping (depois de  usar os hot shower gratuitos da cidade) num local conhecido como Hells Gate. A cidade há 150-200 anos era uma colônia penal (o começo da colonização Australiana, ou invasão como os aborígenes gostam de dizer, se deu basicamente por meio de colônias penas e esse tipo de emigração foi muito forte na Tasmânia). A entrada da península ficou conhecida como “Portões do Inferno”, pois era um dos piores locais para ser enviado se você era um prisioneiro.  Apesar do nome, o local era muito bonito.

Praia perto do "Hells Gate".


   Na outra manhã, fomos para uma cidadezinha chamada Queenstown (que saudades da cidade de mesmo nome da Nova Zelândia) e ficamos algumas horas na moderna biblioteca pública, melhor do que qualquer biblioteca pública brasileira, o que é espantoso, pois a cidade não deve ter mais do que 500 habitantes.  Passamos por diversos locais lindos, com vistas alucinantes até chegarmos ao Lake St. Clair - a parte sul do parque nacional Cradle Mountain - Lake St. Clair .  O lago é belíssimo, e contemplamos, na medida do possível pois estava muito frio, a mudança de cores nas montanhas com a mudança de luminosidade pela chegada da noite. Acampados num outro camping gratuito e a noite foi muito fria mesmo,. Esquentamos-nos com algumas taças de vinhos e tivemos que dormir abraçados, o que não é comum, pois eu tenho o hábito de dormir de barriga para cima e não gosto muito de dormir de lado. Talvez isso se deva, pois quando adolescente - uns 14-15 anos, devido a uma partida final de um campeonato de xadrez que deveria ter umas 300 pessoas em volta assistindo, eu tomei um soco certeiro no nariz de um argentino que era mestre de xadrez e ex-pugilista. Desde aquela oportunidade, eu tinha dificuldades respiratórias  para dormir de lado, mas isso foi bastante atenuado com a cirurgia de correção de desvio de septo a qual me submeti no ano passado. É, quem disse que o xadrez não pode ser um esporte de contato físico?:) 

Lake St. Clair no pôr-do-sol.


Lookout perto da cidade de Queenstown. A cidade há 100-150 anos foi um polo de mineração de prata e os resultados na natureza são evidentes como fica claro nessa foto.

Sim, isso é uma biblioteca pública nua cidade de menos de 1.000 habitantes. Dá para acreditar?

A estrada até o Lake St.Clair era sinuosa, mas muito bonita.


     O dia amanheceu nublado e creio que estávamos cansados. Assim, fizemos algumas poucas trilhas de curta duração e resolvemos tocar para a capital da Tasmânia: Hobart. Eu, por um contato de uma garota que conheci em FIJI e que depois fiquei na casa da mesma em Melbourne,  arrumei uma estadia na cidade na casa de um artista criador de histórias em quadrinhos de sobrenome muito original: Espiritusantu. O cara era uma figura e muito gente fina, mas essa história vou deixar para outro artigo. A simples ideia depois de uns 4-5 dias de free camping de dormir numa cama com aquecedor no quarto, banho quente e um belo sofá nos fez decidir fazer os 200km até a capital.  A estrada até lá era muito sinuosa, mas asfaltada, e extremamente bonita. Passamos no caminho por uma obra de arte be painel de madeira que quando ficar completo terá 100 metros de comprimento. Chama-se The Wall. O trabalho em madeira do artista é impressionante, o realismo que ele conseguiu colocar na obra é algo inacreditável.

O artista e a obra: The Wall

Sim, isso é feito em madeira. Os detalhes e o realismo é surpreende. Uma grande obra de arte sem dúvidas (as fotos não são minhas, pois não era permitido tirar foto no local).

   Antes de chegarmos ao nosso destino, resolvi visitar mais um parque nacional chamado Mount Field e uma galeria de arte diferente.  Dentre a miríade de caminhas, havia uma trilha de três horas conectando algumas cachoeiras e árvores do tipo sequóias. Era a melhor coisa se fazer, pois tirando esta opção, o resto eram de caminhadas muito mais longas, o que nos obrigaria a dormir no parque nacional, e nossos corpos estavam começando a dar sinais de exaustão física, então essa não foi uma possibilidade considerada. A trilha foi bacana e as cachoeiras bonitas, porém o que realmente me impressionou foram as gigantescas árvores. Acontece que aquelas árvores só perdiam em tamanho para algumas sequóias da Califórnia. Como, infelizmente, quando morei no Estado Dourado não tive a oportunidade de visitar alguns parques nacionais com sequóias, para mim foi um absoluto deslumbre ver esses seres vivos tão altos e antigos. Parecia que eu estava numa terra de gigantes, como quando os dois Hobbits encontram aquelas árvores falantes - Ents - no segundo livro da trilogia do Sr. dos Anéis. Foi muito bacana mesmo, creio que a maior árvore deveria ter mais de 90 metros. Imaginem, prezados leitores, um ser vivo de 90 metros de centenas de anos de idade. Um não, dezenas deles. Algo especial com certeza.

Russell Falls, dizem ser a cachoeira mais bonita da Tasmânia.

A trilha que fizemos no Mount Field National Park possuía três cachoeiras belíssimas.

Entretanto, o ponto alto para mim foi caminhar na floresta das gigantes árvores de quase 100 metros de altura. Espetáculo da natureza.


   À noite, uma casa para lá de aconchegante estava nos esperando e o nosso anfitrião fez a nossa estada ser muito agradável. Ele é uma pessoa muito criativa e vou contar a homenagem que ele fez ao Brasil num próximo artigo.


  Espero que tenham gostado. Abraço!



quinta-feira, 17 de setembro de 2015

TASMÂNIA - A CONQUISTA DO MOUNT AMOS (WINEGLASS BAY)

 Olá, colegas! No artigo de hoje, volto a abordar a viagem, especificamente no belo dia que passei em companhia de minha companheira no belíssimo Freycinet National Park na estonteante Tasmânia. Foram inúmeras histórias bacanas, encontros agradáveis e paisagens alucinantes neste pedaço da Austrália que mais parece que se está em outro país. Não acredita? Quando fui embarcar com a campervan  alugada no famoso “Spirit os Tasmania”, barco que faz a travessia Melbourne - Devonport, simplesmente parecia que estava passando uma fronteira entre países. Há uma estrita quarentena de alimentos vindos da Main Land - como geralmente se referem ao resto da Austrália - para a Tasmânia. Eu não sabia disso, ninguém tinha me avisado quando comprei a passagem, e uma hora antes da viagem resolvi comprar coisas no supermercado. Resultado? Uma sacola repleta de frutas, salmão defumado, vegetais, cogumelos, foi direto para o lixo.  Além da dor no coração de ver tanta comida jogada fora - minha criação foi no estilo alemão de desperdício zero, até hoje dificilmente deixo um grão de arroz no prato, por exemplo -, basicamente joguei uns 35 dólares australianos literalmente na lata de lixo. Percalços da viagem, mas o motivo para a quarentena é mais do que justificado pela singularidade da fauna e flora da Tasmânia. 

   Já quase no final da minha viagem de duas semanas pelas terras da tasmânia, é possível ficar lá por muito mais tempo  principalmente para fazer os diversos e espetaculares hikes de diversos dias, resolvi conhecer um dos cartões postais do local: a famosa e bela wineglass bay. Como o tempo na Tasmânia é muito incerto, tive sorte de pegar muitos dias de sol, tentei deixar essa parte da viagem para quando a previsão mostrasse a possibilidade de um dia de sol. Assim, eu e a Sra Soulsurfer, nos encaminhamos para o parque nacional Freycinet. Chegamos no começo da tarde, e como de costume, fui a um information center para me inteirar sobre o parque e as trilhas. Uma coisa chamou a minha atenção de imediato. Geralmente, as trilhas são classificadas de leve, média, difícil e de vários dias.  Porém, havia uma trilha de apenas 3-4 horas classificada como se fosse de vários dias na categoria strenuous. Nunca tinha visto isso nem na Austrália, nem na Nova Zelândia. Perguntei para a atendente no centro se a trilha do Mount Amos valia a pena e era difícil mesmo. Ela me respondeu que essa era “A Trilha” a ser feita, mas ela podia ser bem cansativa e perigosa se estivesse molhada. Como havia chovido no dia anterior, ela disse para esperar pelo menos até o outro dia para que as pedras pudessem secar por quase completo. Como para o outro dia a previsão era de dia ensolarado, pensei comigo mesmo “sem problemas”.

   Aproveitamos o dia para fazermos algumas trilhas curtas e o visual era muito bonito, principalmente das montanhas conhecidas como “Hazards" e o contraste com o mar azul. Havia um free camping localizado apenas 6 km da cidade na beira de um rio, e para lá nos encaminhamos para passarmos a noite. A noite foi estrelada, mas foi marcada por um grande susto. Estava eu lendo alguma coisa, quando a minha companheira deu um grito e pediu ajuda. Quando eu vi a situação, até eu fiquei um pouco apreensivo. Havia uma aranha bem grande em uma das cortinas do carro. A Austrália é conhecida por ter aranhas e cobras das mais venenosas do mundo, e eu não tinha a mínima ideia se aquela aranha era perigosa ou não. Até hoje não sabemos como ela entrou no carro, mas no Outback (deserto australiano) precisaremos tomar mais cuidado. Consegui matar a aranha com um golpe, não podia errar, pois senão ela entraria em qualquer canto do nosso carro (não esqueçam que é nossa casa na Austrália) e o psicológico ia dificultar termos uma boa noite de sono. Não é uma sensação que aprecio a de matar qualquer tipo de animal, mas foi o que fiz. 

Uma das trilhas de curta duração com uma belíssima vista para as montanhas "Hazards". O Mount Amos é primeiro da esquerda.


Aranha morta. Ainda bem que ela apareceu e ficou visível, pois ia ser difícil dormir sabendo que tinha uma aranha desse tamanho no carro. Há aranhas fatais na Austrália com menos da metade do tamanho dessa.


     O dia amanheceu sem nenhuma nuvem no céu, completamente ensolarado, eu apenas agradeci pelo tempo maravilhoso, pois tudo levava a crer que o dia seria especial. Fomos ao parque, carregamos água, sanduíches, algumas sementes e começamos a trilha. Eu nunca tinha visto, num país desenvolvido, tantos avisos para tomar cuidado com uma trilha que comecei a ficar com a pulga atrás da orelha. Os avisos diziam expressamente para em hipótese nenhuma tentar fazer a trilha em condições molhadas. Fomos caminhando e caminhando. Quanto mais caminhávamos, mais o grau de inclinação se acentuava, além da marcação da trilha ser às vezes difícil de seguir. Chegou num momento em que eu estava usando as minhas mãos para continuar, quando eu olhei para cima vi que aquilo não era uma trilha, mas sim uma escalada! É claro que não era uma escalada técnica, mas mesmo assim nós não estávamos apenas fazendo uma simples trilha. Num momento, havia ainda pedras um pouco molhadas, eu quase escorreguei e pensei comigo mesmo “o que nós estamos fazendo aqui?”. Quando me encontro em situações parecidas, eu apenas tento ficar calmo e ir bem lentamente prestando muita atenção em todos os meus passos. Felizmente, aquele era o ponto mais “crítico" do caminho, e depois a trilha- escalada continuou íngreme, mas não tanto. Não preciso dizer também que não havia mais ninguém fazendo essa pequena aventura, apenas nós dois. 

Não foi por falta de aviso...

                          O começo da pequena-grande aventura não foi tão difícil

   Depois de duas horas e meia, chegamos ao topo do Mount Amos. Quando eu vi a vista, todo o esforço foi recompensado. Uma das paisagens mais lindas que já vi na vida: montanhas  e a praia lindíssima da wineglass bay vista por cima. Ficamos uma hora no cume da montanha. Almoçamos, tivemos o nosso romance, fizemos vídeos para amigos e contemplamos a esplendorosa paisagem. A descida foi mais fácil e rápida, mas eu fui muito devagar, pois costumo ter mais problemas descendo do que subindo. No final, terminamos a trilha-escalada muito felizes, pois tinha sido uma experiência diferente num dia ensolarado maravilhoso. 

Espetacular Wineglass Bay. Vista panorâmica do cume do Mount Amos.

Soulsurfer durante um merecido descanso depois da trilha-escalada

Dizem que na descida todo Santo ajuda

E creio que ajudaram mesmo:)

   Depois de descansarmos um pouco, resolvemos ir até a famosa Wineglass caminhando. Foram mais três horas andando e foi bacana, mas não tão especial quanto o Mount Amos. Tomei um banho mais do que gelado na praia e a sensação de ter estar vivo e realizado tomou conta de mim. Aproveitamos que ainda tinha luz do dia e fomos para a pacata cidade de Bicheno. Lá resolvemos, fazia tempo desde a última vez que pagamos para dormir em algum lugar, pagar um lugar com banho quente, cozinha e internet. Chorei o preço, e o dono do camperpark fez por 20 dólares australianos para nós dois, “Not Bad”. Fui dormir bem feliz, depois de um belo banho quente, uma deliciosa janta e um dia maravilhoso.

Mais três horas caminhando para chegar na belíssima e selvagem praia de Wineglass Bay. A água estava gelada, mas não pude resistir ao impulso de dar um mergulho.

  No outro dia passeamos um pouco pela bonita cidade de Bicheno e fomos para a famosa Bay of Fires, mas esta já é uma outra história. 


O belo vilarejo de Bicheno. Depois de um dia espetacular e uma noite muito bem dormida, ainda fomos agraciados com mais um dia de sol.

   Grande abraço a todos!


   

domingo, 13 de setembro de 2015

SOBRE LIBERDADE, TRIBUTOS E OUTRAS QUESTÕES

     Olá, colegas. Fiquei hoje 9 horas dentro de um cruzeiro para voltar ao Melbourne saindo da Tasmânia. Isso me deu tempo para atualizar minha planilha de gastos da viagem, dar uma "limpada" nas fotos, pensar e analizar mais calmamente uma proposta que recebi na minha operação imobiliária de maior monta (foram me oferecidos cinco bens diversos, além de dinheiro), para definir o roteiro para o deserto e a Great Ocean Road (dizem que é a estrada mais bonita do mundo, vamos ver) e para escrever um pouco. Neste artigo, resolvi fazer algo um pouco diferente. Resolvi condensar minhas opiniões sobre diversos tópicos. Iria fazer sobre muitos tópicos, mas o texto assim ficaria longo demais e talvez cansativo. Sendo assim, no presente artigo irei tratar sobre algumas questões políticas. Não há entre os diversos tópicos uma sequência, apesar de existir entre eles um fio condutor. Todas as opiniões aqui contidas já se fizeram presente em algum texto anterior, ou algum comentário, mas às vezes é bom sistematizar. Advirto que o texto pode ser um pouco detalhista em algumas questões, mas não há como abordar seriamente, sem cair em reducionismo simplistas ou simplesmente opiniões equivocadas, assuntos tão complexos sem a existência de uma reflexão mais pausada. Aliás, um tema interessante para se escrever é sobre a mudança física que está ocorrendo nos nossos cérebros (não sei se já abordei o conceito de neuroplasticidade nesse blog) em tempos de mídias sociais, pessoas multitarefas, etc. Uma das principais consequências é a perda gradativa neuronal  das pessoas se concentrarem em apenas uma tarefa ou compreenderem textos mais densos. Isso vem ocorrendo e há diversas pesquisas mostrando isso. Logo, precisamos ter atenção de como estamos tratando o nosso próprio cérebro. Porém, deixo essa questão para uma outra hora.


DIREITA E ESQUEDA EM TERMOS DE ROTULAÇÃO POLÍTICA

     Já disse algumas vezes que acho a rotulação política entre esquerda e direita uma verdadeira bobagem. Aliás, o próprio ato de rotular (ver meu artigo específico sobre o tema a racionalidade no ato de rotular e o seu lado mais sombrio) nesse contexto é a saída mais preguiçosa, ineficiente e superficial de se abordar a questão. Para mim existem problemas humanos a ser resolvidos. Como garantir que as crianças não morram precocemente? Como ordenar o trânsito? Como se relacionar com países mais ricos? Países mais pobres? Países miseráveis? Como tratar o problema dos refugiados? Como tratar o problema da miséria extrema em algumas regiões do mundo? Regular ou não o uso de energia nuclear? E o lixo tóxico, como lidar com ele? A lista de questões é imensa. Sempre haverá divergências de como endereçar uma determinada questão, mas rotular interlocutores como de esquerda e direita é a pior forma de se pensar.

   Primeiramente, pois essa forma de se posicionar é  profundamente anti-científica e quase sempre esbarra em argumentos falaciosos. Em segundo lugar, pois, e isso as pessoas que fazem isso gostam de ignorar, uma pessoa que é classificada como direita, pode ter uma opinião diferente de alguém rotulado como de esquerda em relação a tributos, mas ambos podem ter a mesma opinião a respeito de aborto. Quando se coloca um rótulo, muitas pessoas parecem que baixam uma burca sobre o seu cérebro e a capacidade humana de refletir, o que para mim é lamentável.

   “Mas, você Soul, é de direita ou esquerda?”. Quem ainda possa pensar assim é porque não leu os últimos dois parágrafos, ou porque o sistema1, a forma mais instantânea e primitiva do nosso cérebro decodificar a realidade, precisa desesperadamente de uma resposta simples. Eu não sou nem uma coisa, nem outra. Eu sou um ser humano como todos os leitores desse blog. Não existe o problema americano, o problema chinês, o problema negro, o problema socialista, existem problemas humanos. Durante a história muitas formas foram tentadas para se resolver os diversos problemas. Algumas foram um fracasso. Outras um retumbante fracasso. Outras foram um sucesso. Algumas outras um grande sucesso. Não há sentido, pois isso também seria uma forma de se posicionar contrária à racionalidade que nos trouxe tantas conquistas humanas, em defender ideias ou condutas que simplesmente não deram certo. Além do mais, usar uma forma de diferenciação criada no auge da revolução francesa que ocorreu há mais de 200 anos (diferenciação essa que simplesmente indicava quem se sentava à esquerda ou à direita da mesa diretora da recém-criada assembléia) para enfrentarmos problemas,  que não podiam nem ser imaginados quando a expressão foi cunhada, uma verdadeira tolice sem sentido.

TRIBUTOS

    O que eu penso sobre tributos foi de maneira resumida colocada neste artigo a inevitável tributação de sua renda. Antes de mais nada, impostos, de maneira técnica, são uma espécie de tributo. Assim, se quisermos nos referir a carga tributária brasileira, o nome correto é tributo e não impostos. A diferenciação pode não ter muita importância no sentido mais abstrato, mas ela é crucial juridicamente, pois há diferenças no tratamento jurídico entre impostos, taxas e contribuição de melhoria (todas essa categorias são tributos). 

   Deixando a tecnicidade de lado, o fato é que se você não for um anarquista do modo mais conhecido, ou um anarco-capitalista, você concorda com a existência de tributos. É impossível do ponto de vista lógico discordar dessa afirmação.  Assim como  afirmar que o brasileiro é o pior do Brasil, ser brasileiro e não se achar o pior do Brasil ser completamente ilógico, não bastando, a toda evidência, argumentos fajutos que não resistem em pé a um sopro argumentativo, dizer que não quer pagar tributos e não ser anarquista não faz sentido do ponto de vista da lógica. Se você ainda pensa que é possível, basta ler sobre silogismo, ou o artigo que eu escrevi a respeito.

    Portanto, a não ser que você seja anarquista, os tributos deverão existir. A questão será sobre a intensidade dos mesmos, e quem na sociedade deve arcar com o pagamento de tributos. O problema não é sobre se eles devem ou não existir.

ANARCOCAPITALISMO 

   Já escrevi sobre esse tema nesse artigo o ato de fé de algumas idéias: anarcocapitaslismo. De lá para cá li diversos artigos a respeito. Com a devida vênia, alguns artigos escritos no IMB por doutores de economia possuem uma fragilidade para além da compreensão. Vou escrever um artigo específico sobre isso, principalmente a ideia de privatização total de todos os bens como a panacéia de todos os problemas. O último artigo recente que li lá colocava a privatização de todos os bens como a solução para o problema dos refugiados. What? Só pode ser brincadeira. 

   A ideia básica é que com a privatização total dos bens, e por via de consequência a extinção do Estado,  todos os bens são possuídos por alguém e isso de alguma maneira faria desaparecer  todos os problemas e conflitos humanos, eles simplesmente tenderiam  a não mais existir. Não estou brincando, esse é o argumento central de muitos textos escritos por doutores em economia de diversas universidades. Correto. Como premissa básica, os artigos dizem que a propriedade deve ter sido adquirida de forma original de maneira justa e sem violência. Assim como as aquisições derivadas devem ser fruto de contratos entre seres humanos autônomos. Correto. Isso é pensamento mágico, não é pensamento filosófico, muito menos para se ter um pilar principiológico consistente de uma forma de pensar o mundo.

  Como escreveu Hegel, a história humana é um livro repleto de sangue. A própria Bíblia no antigo testamento, que aliás é um livro bem cruel, narra diversos massacres de povos e tomadas de territórios. É impossível estabelecer com qualquer precisão qualquer aquisição originária pacífica para a esmagadora maioria do que hoje chamamos cidades. Pelo contrário, é muito bem documentada a violência como se deu algumas consolidações. Logo, se torna impossível a privatização total dos bens sem aceitar que houve violência e injustiça na aquisição original de muito deles. Eles tratam dessa questão nos escritos? Não, como qualquer questão inconveniente, eles simplesmente ignoram ou dizem que eventuais problemas serão resolvidos por uma polícia privada e por um sistema judiciário privado. 

   A pergunta natural a se fazer é como serão estruturadas polícias particulares e tribunais particulares. Também não há resposta. Ora, se todos os habitantes de uma sociedade se comprometem a respeitar as decisões de um tribunal particular, não há qualquer problema lógico, nem prático. Agora, se o sujeito X diz que a propriedade A é sua, sendo que o sujeito Y diz a mesma coisa, um conflito humano foi gerado. Se O sujeito X, ao contrário do sujeito Y,  em nenhum momento se submeteu voluntariamente a empresa julgadora “Conto de Fábula Anarcocapistalista”, pode esse tribunal dar qualquer decisão válida sobre X e a sua reclamação sobre a propriedade A? É evidente que não. E sobre as polícias privadas? Cada um poderá montar uma empresa de polícia? Como não haverá conflito entre polícias privadas? E como poderá se garantir que algum grupo financeiro poderoso simplesmente pela força monte uma polícia privada poderosa para fazer o que bem entender? Também não há nenhuma resposta sobre esse tópico. É evidente também que a mesma objeção pode ser apontada em relação ao Estado, e é por isso que autores como Hobbes, Locke, Rousseau, entre outros, estabeleceram as fundações da “ciência" política, baseando a existência do Estado num contrato social. É claro que esse contrato nunca existiu de fato, mas até hoje não se veio com uma ideia melhor de como se resolver os diversos conflitos humanos sem degenerar para o caos completo.

   Aliás, a ideia central do anarcocapitaslismo, a inexistência de Estado e a existência de forças particulares para a manutenção de uma mínima ordem, já foi tentada diversas vezes na história humana. Provou-se um fracasso tão grande ou maior do que os Estados socialistas do século 20. Aliás, foi o surgimento do Estado moderno que permitiu que houvesse uma normalidade institucional mínima, o que permitiu por seu turno o lançamento de raízes para o brutal desenvolvimento econômico e produtivo humano.

   
TAMANHO DO ESTADO E LIBERDADE

    
    Se temos que pagar tributos, e o anarcocapitalismo parece ser uma fábula ideológica, a próxima pergunta é qual deve ser o tamanho do Estado. Para começar a conversa, sim é verdade que ao pagar tributos o Estado está de certa maneira cerceando a sua liberdade, e se apropriando de parte do seu trabalho. Isso é evidente.  Porém, a liberdade é o único bem com o qual devemos nos preocupar? Se a resposta for sim, então você necessariamente deve ser anarcocapitalista e ser capaz de responder as diversas questões levantadas no tópico anterior.  Permitam-me falar brevemente sobre liberdade.

   Já ouviu aquela definição que a sua liberdade vai até onde começa a liberdade do outro? Ou defensores “libertários" afirmando que a liberdade não pode ser exercida prejudicando direito de outros? Com todo o respeito, isso não é liberdade. Liberdade é fazer o que ser quer, na hora que se quer e como se quer, independente dos interesses, direitos, e sentimentos de outros seres humanos. Isso é ser 100% livre.  “Não, isso não é liberdade!” alguém pode estar pensando. Sim, isso é ser completamente livre. Porém, dá para imaginar que numa sociedade onde todos agissem assim em pouco tempo se tornaria o completo caos. Portanto, mesmo que as pessoas que assim se comportam não percebam conscientemente, ao falar que a liberdade deve ser exercitada respeitando o interesses de outras pessoas, está se a dizer que a liberdade não é o único bem importante. Essa também é uma falha puramente lógica no pensamento de pessoas que declaram que a liberdade é o único bem humano, colocando-se acima de qualquer outra consideração. A própria definição de liberdade comumente aceita já é contrária a esse tipo de entendimento.

   Portanto, parece claro que em algum momento devemos ceder um pouco dos nossos 100% de liberdade, para que a vida possa existir de uma maneira minimamente aceitável. Logo, voltando ao primeiro parágrafo, sim ao se pagar tributos está se abrindo mão de liberdade, mas isso em nada nos transforma em escravos, como alguns argumentos tentam colocar a situação sobre esta perspectiva. Assim, quanto maior a tributação menor é a liberdade. Logo, parece evidente que é uma questão de ajuste entre liberdade e outros interesses, e não um jogo de 100% liberdade ou nenhuma liberdade.

   É evidente que a liberdade é algo extremamente precioso aos seres humanos. Qualquer regime que tenta suprimir as liberdades individuais de maneira extrema está fadado ao fracasso, como todos os regimes totalitários são um exemplo histórico. A liberdade não é apenas importante para termos uma boa vida, mas ela também o é importante para a economia. É bem conhecido o gráfico que correlaciona liberdade econômica  com prosperidade financeira. Negar isso é negar o óbvio. Por isso, eu fico estarrecido, e de certa forma acho risível, alguns comentários que tentam me “ensinar" isso. Isso é evidente, e nunca foi dito o contrário nesse espaço. Quando se tem liberdade para criar, para empreender, para negociar, é evidente que isso traz prosperidade econômica. Num local onde há diversos entraves para se empreender, fica claro também que as pessoas não terão tantos incentivos financeiros para serem criativas.

   Assim, o ser humano precisa de liberdade para ser realizado e a economia precisa ser livre para que haja prosperidade econômica. Talvez por isso algumas pessoas advoguem o fim do Estado e uma sociedade 100% livre. Porém, como explicitado em outros tópicos, isso não nos levaria a um nirvana enquanto seres humanos, mas talvez a caos, violência e miséria. E por que isso ocorre?

   Amigos, as relações na natureza são de equilíbrio e não de dominância. Quando um ecossistema está em equilíbrio, o termo científico é clímax. Isso mesmo, quando há equilíbrio entre as diversas espécies de um local, chama-se isso de clímax. Portanto, se você atingiu o clímax da sua vida, no ato sexual, num relacionamento, na carreira, saiba que essa palavra é derivada do estágio natural de perfeito equilíbrio entre diversas entidades num ecossistema. Quando uma espécie, e isso é muito normal em espécies que são introduzidas em ambientes onde elas previamente não existiam, se torna preponderante não há clímax, mas sim declínio da diversidade do ecossistema, ou talvez poderia se dizer anti-clímax. Tudo na vida é equilíbrio, e foi isso que Buda percebeu quando meditava depois de ficar dias e dias sem comer. Ele viu um professor ensinando ao aluno que a corda de um instrumento musical não poderia estar muito firme, pois se isso acontecesse ela poderia arrebentar ao ser tocada. Ela não poderia também estar muito frouxa, pois senão não tocaria. Isso deu o “estalo" para Buda criar a sua maravilhosa doutrina de iluminação por meio do “sagrado caminho do meio”. 

   Logo, levar a liberdade humana a um extremo não produz sociedades equilibradas e harmônicas. Isso é biológico. Nós não evoluímos enquanto espécie de maneira isolada, nós evoluímos em comunidades, e para viver em comunidades nós não podemos ser completamente livres para fazer o que bem entendermos. Isso releva que as relações não são necessariamente lineares, elas quase nunca o são. Uma relação linear é quando você mexe em algo e isso ocasiona uma mudança numa mesma direção (ou direção oposta) em alguma outra coisa sempre. É difícil achar isso em relações humanas e até mesmo no nosso próprio corpo. Pensemos em algo vital para o ser humano (não, não é dinheiro): água. Quanto mais você consome água, mais isso ocasiona efeitos positivos em seu organismo. Porém, há um determinado montante de água (a partir dos dois litros diários) que a ingestão de água começa a ser nociva ao nosso organismo, podendo levá-lo mesmo a morte. Logo, o consumo de água e sua relação com saúde humana não é linear, pois a partir de certo ingestão de água, os efeitos se tornam negativos ao organismo. 

  Pensem na educação das crianças, facilita se você tem filhos. Você pode criar um filho dizendo apenas “não" para o que ele pede? Não.  Você pode criar um filho dizendo apenas “sim" para o que ele pede? Não. Logo, educar uma criança é uma relação não-linear. Se fosse linear, bastaria dizer “sim" ou “não" para todos os pedidos da criança. Qualquer pai pode atestar que isso é a receita para o desastre.

   Podem pensar em qualquer coisa. Relações familiares, amorosas, o que vocês imaginarem, quase sempre as relações serão não-lineares. É por isso que conviver em sociedades com outros seres humanos é difícil. É por isso que soluções simplistas geralmente são incompletas. É por isso também que quando se traz à tona o exemplo dos Estados Escandinavos, a gritaria é geral em quase todos os espectros ideológicos.

   De alguma maneira, a população desses países conseguiu alcançar níveis altíssimos de vida e satisfação. Como se sabe? Se pegarmos o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), os países escandinavos aparecem na liderança. Como o índice leva em conta índices de escolaridade e saúde, podemos concluir que são populações saudáveis e educadas. A ONU também possui um INDEX sobre felicidade. É muito interessante e o relatório possui quase centenas de páginas. Muitas pessoas dizem que medir felicidade é um exercício inútil, isso para mim só faz sentido numa sociedade doente. Ora, 99 em cada 100 pessoas dirão que o objetivo primordial da vida é ser feliz e se sentir realizado. Se isso é verdade, ignorar o assunto felicidade, e não tentar entendê-lo, não faz o menor sentido. Analisar instrumentos complexos de dívida faz sentido. Analisar felicidade não faz sentido. Com a devida vênia, é a última frase que não faz o menor sentido.  O INDEX da ONU leva em conta inúmeras questões. A liberdade é uma delas. Não se pode ser feliz, se a pessoa não possui liberdade. Porém, apenas liberdade não é suficiente para se ter uma vida plena. Se não me engano, há questões sobre a harmonia de se viver na comunidade entre muitas outras questões.  Os países escandinavos aparecem no topo da lista dos países mais felizes. A Dinamarca, na última pesquisa, foi eleito o pais mais feliz, isso de acordo com a resposta dos próprios dinamarqueses, do mundo. A Dinamarca também é o país com maior carga tributária do mundo de quase 50% do PIB. Ou seja, metade do que é produzido lá é apropriado pelo Estado. 

Index da ONU sobre felicidade. Salta aos olhos que os países escandinavos ocupam as primeiras posições.

   Para um “libertário" a Dinamarca deveria ser o inferno na terra, pois lá teoricamente as pessoas são mais escravizadas e diminuídas em sua liberdade. Entretanto, os Dinamarqueses, ao lado dos demais países escandinavos, são os mais educados, saudáveis (métrica IDH) e felizes do mundo (métrica INDEX felicidade ONU). O que está acontecendo aqui? Como explicar isso? Muitos tentaram ao se referir ao tema como o “Mito Escandinavo”. Os argumentos são os seguintes:

1 - Os países escandinavos não são socialistas do estilo marxista. - Ora, quem seria insano de dizer uma insanidade dessas? 

2 - Os países escandinavos possuem grande liberdade econômica - Claro que possuem. Esse é um dos caminhos para a prosperidade econômica, como abordado no começo desse tópico.

3 - Os países escandinavos fizeram reformas nos anos 80 (sempre citam a Suécia como exemplo) para diminuir a tributação e o tamanho do Estado - Colegas, isso chama-se inteligência conjugada com adaptação humana. Se algo não está dando certo, se uma tributação muito elevada está levando a um desincentivo econômico ou problemas fiscais, a única coisa prudente a se fazer é mudar. Entretanto, isso não quer dizer que tudo será mudado, como tudo não foi mudado nos países escandinavos,  e essa é a mania de muitas pessoas acharem que as relações são lineares e simples. 
  
   Nenhum desses argumentos é forte, e nenhum desses argumentos explica o que acontece por lá, simplesmente porque ignoram o fato biológico de que sociedades estáveis e saudáveis são aquelas que estão em equilíbrio. Como em ecossistemas naturais, o equilíbrio é dinâmico e não estático, e mudanças sempre ocorrem (o que explica o tópico 3). Não aceitar mudanças é o caminho mais rápido para o fracasso e decadência. 

   Mas, se os dinamarqueses dão metade do que produzem para o Estado, se a liberdade deles é tolhida, como eles podem ser felizes? Talvez a explicação esteja no fato de que para sermos felizes não é apenas necessário liberdade, ou sucesso individual. Para sermos realmente realizados enquanto seres humanos, precisamos viver em comunidades onde a esmagadora maioria dos indivíduos não esteja passando por situação de penúria humana, onde haja sociedades equilibradas e não desequilibradas. Isso também explica porque as pessoas não entendem como desigualdades extremas podem produzir sociedades violentas e desorganizadas. Isso também quase sempre é ignorado.

  Não acredita? Comunidades rurais quase sempre são muito mais pobres do que comunidades urbanizadas. Porém, a violência humana quase sempre se manifesta com uma intensidade muito mais cruel e forte em aglomerados urbanos, e isso quase sempre tem a ver com um grau intenso de desigualdade que ocorre numa grande cidade que seja disfuncional, e o nosso continente é pródigo na criação desse tipo de aglomerado humano. Isso é muito bem documentado.

     “Então, na sua opinião, o caminho é taxar a sociedade em níveis escandinavos?”. Não, necessariamente. Como dito no começo desse artigo, eu acredito que haja problemas humanos que necessitam de soluções humanas que podem variar de sociedade para sociedade, de tempo histórico para tempo histórico. Por exemplo, eu não acredito que o Estado deva ter participação em empresas, mesmo de energia. Assim, eu seria favorável a privatização da Petrobrás. Entretanto, aparentemente na Noruega o formato de uma empresa estatal no ramo de petróleo deu certo. Pode ter dado certo lá, mas não acho que seja o caminho para o Brasil. Uma carga tributária maior parece ser um impeditivo para o crescimento de países com renda baixa ou média. Assim, isso pode explicar o motivo da economia brasileira ter um potencial de crescimento baixo. Logo, a carga tributária brasileira deveria ser menor, pois temos que reconhecer que nosso momento histórico é diferente de países mais ricos. Agora, por outro lado, não creio fazer sentido que num país rico como os EUA, 40 a 50 milhões de pessoas não sejam seguradas por nenhum plano de saúde público ou particular, pelo simples motivo de serem pobres. Os exemplos e questões são muitos e não acho que nenhum “modelo" possa ser implantado num país para o outro. Cada país possui a sua cultura, história, forças, fraquezas. O que se pode é olhar para o exterior e observar o que diversas nações e sociedades fizeram para enfrentar a mais variada gama de problemas.


 Encerro esse tópico, concluindo que a liberdade humana e econômica são essenciais, mas não é o único atributo para se construir vidas e sociedades saudáveis. Como devemos organizarmos, com menos tributos, mais tributos, menos Estado, mais Estado, para mim vai depender do estágio de desenvolvimento humano de cada sociedade, do tempo histórico, e nunca poderemos dar uma resposta categórica definitiva, pois para mim o equilíbrio sempre será dinâmico. Não podemos ter comprometimento com erro ou com soluções que não foram eficazes.


   Iria continuar, mas o artigo já está relativamente grande. Num próximo, irei comentar sobre o que penso ser os problemas do Brasil e eventuais propostas para minorá-los. Num outro, posso falar sobre tópicos sobre o que acho de investimentos, gestão ativa, independência financeira, risco financeiro, etc.

Soulsurfer em momento de clímax!  Blackdown Tableland National Park - Austrália. Esse parque nacional é completamente fora do beaten track. Não tinha absolutamente ninguém no parque. Dormirmos no meio da floresta, fizemos uma trilha para uma cachoeira lindíssima sagrada para os aborígenes e ainda fomos agraciados com dias de sol nessa paisagem alucinante.


  Abraço a todos!