domingo, 29 de maio de 2016

BRASIL - A CRIAÇÃO DE UM AMBIENTE DE MALDADE (SOBRE CRIMES E ESTUPROS)

  Olá, colegas. Aproveitando que estou dois dias sem fazer muita coisa , pude colorar algumas coisas em dia e escrever um pouco também. Estou na ilha de Jeju, extremo sul da Coréia do Sul. Alguns dizem que é o Havaí da Ásia, não chegaria a tanto, apesar de não conhecer a ilha americana. Muita chuva e em modo de espera, porque o voo era bem mais barato dia de semana. É bom poder descansar um pouco do ritmo às vezes intenso da viagem.  Neste artigo,  escrevo sobre a cultura da maldade que se manifesta em nosso país. Resolvi abordar esse tema, principalmente por causa do alegado relato de estupro de uma adolescente por mais de 30 homens.

  Nós brasileiros, enquanto sociedade, cultivamos o mal que há em cada ser humano. Não há qualquer dúvida em relação a isso. Se não acredita, basta ver os relacionamentos doentios que se desenrolam na internet , no trânsito ou em situações banais do dia a dia. O ódio é uma doença e afeta sobremaneira a vida das pessoas. É o ódio por uma opinião diferente, é a raiva por um outro motorista no trânsito, é o ódio contra pretensos criminosos, o ódio contra alguma agremiação política. Talvez por estar fora um determinado tempo e ter a oportunidade de conviver com tantas pessoas de culturas diferentes, é assustador para mim quando eu vejo como os brasileiros em sua maioria estão cedendo à raiva e ao ódio.

 Antes de mais nada, isso é um sinal de fraqueza, não de força. Há uma cena muito bacana no filme “A Lista de Schinder”, quando Schindler já está no processo de salvar vidas e ele tenta convencer o Comandante do campo de concentração de Cracóvia (Amon Goth - interpretado por um dos melhores atores vivos atualmente -Ralph Finnes) de que poder era o ato de perdoar, não de matar. Ele faz a alusão com imperadores romanos, onde eles tinham o poder de decidir quem viveria ou não, e que a capacidade de  perdoar alguém que cometeu alguma ilegalidade, esse era o verdadeiro poder. Era uma tentativa de Schindler de atenuar o comportamento homicida de Amon, e as cenas sucessivas são muito interessantes no filme.

 Logo, se você sucumbe ao ódio, você é um fraco. Muitos anônimos, e alguns que se indentificam com certos nomes, acham que mensagens raivosas direcionadas a mim de alguma maneira me ofendem. É um erro. Essas mensagens só me mostram a fraqueza deles, e eu sinto vontade de ajudá-los. Um até mesmo me perguntou “como você pode desejar o bem de alguém que disse odiar você?”. Essa pergunta me fez refletir, o quão arraigada a cultura do mal pode estar numa pessoa e numa sociedade inteira. Como a falta de empatia pode ser uma constante na vida de tantos, e quando são confrontados com isso, simplesmente ficam confusos, não tem respostas, pois tudo o que é dito a eles  que existe são mensagens de raiva e ódio. Sentirmos raiva é normal. É por isso que há períodos de luto, quando alguma grande tragédia acontece. Isso é normal e humano. Quando a raiva se torna uma constante em nossa vida, isso não é normal, isso é sintoma de uma doença.

  Todos os comentadores de política, todos os blogueiros sejam de finanças ou não, todo mundo que se interessa minimamente pelo assunto diz em uníssono: “é preciso uma reforma política, se quisermos melhorar a qualidade dos nossos políticos”. Eu concordo. O que está por trás desse raciocínio? A ideia de que a maneira como as nossas estruturas políticas, partidárias e eleitorais estão configuradas são um grande incentivo para desvios de condutas. Isso é uma consequência lógica da afirmação sobre a necessidade de reforma política. Ora, se os políticos sempre se comportassem bem, não haveria necessidade de qualquer reforma. Qualquer sistema serve. Se os políticos sempre se comportarem mal, qualquer reforma sempre será ineficaz. Logo, acreditar que uma reforma política pode melhorar a qualidade de representação da nossa política, implica necessariamente, sob pena de contradição lógica, aceitar a ideia de que a forma como um determinado meio (instituições políticas) é estruturada causa uma determinada consequência (políticos melhores ou piores). 

  “Isso é evidente, Soul! E daí?”. Então, porque há tanta dificuldade de aceitar que nossos comportamentos nas mais variadas esferas são influenciados pelo meio que vivemos? Isso não é novo. O Buda Histórico disse isso há mais de 2500 anos, ao sugerir o caminho óctuplo para se atingir  nirvana. Ele sugeriu falar corretamente, agir corretamente, pensar corretamente, etc. Ele sabia que como nós estruturamos nosso entorno tem influencia direta em quem nos tornamos. Como atingir um estado maior enquanto ser humano, se minhas falas e pensamentos não são adequados? Como atingir um estado de felicidade, se minhas falas e pensamentos são infelizes? O que as pessoas chamam de pensamento positivo, nada mais é do que uma consequência do que Buda disse há muito tempo. Muitos precisam passar por muitas situações na vida, ver que se vitimizar, ter pensamentos destrutivos em relação a si e a outros não leva a absolutamente a nenhum lugar, para daí começar a perceber o quão poderosa é essa mensagem.

  O caso da menina aparentemente estuprada revela muitas nuances da nossa sociedade, muitas mesmos. Primeiramente, que as pessoas estão cada vez mais apressadas para fazer juízos de valor. Não importa se são acurados ou não. Se são reais ou não. Pessoas assim, e é realmente muito perigoso quando uma sociedade inteira se porta dessa maneira, são facilmente manipuláveis.  Elas podem bater panelas, “desbater" panelas, destruir vida de pessoas, simplesmente sendo induzidas para agir dessa forma, independentemente da força ou acurácia das informações. Logo,  no caso em comento, a polícia está correta em ter mínimas informações antes de tomar qualquer medida, principalmente se há notícia de informações conflitantes. O papel da polícia , e de qualquer órgão de controle como o MP ou o Judiciário, não é ser um vingador da emoção das pessoas, mas sim recolher evidências, fazer ilações lógicas e tomar as medidas preventivas que julgar necessárias para o esclarecimento de um alegado crime.

  O outro aspecto que fica evidente é a polarização sem sentido, acrítica e absurda de qualquer tema no Brasil. Um caso horroroso de estupro, ou de exposição indevida de uma adolescente (caso não tenha havido o estupro), vira um debate entre esquerda e direita, entre feministas “alopradas" e pessoas tidas como “conscientes”, entre libertários e estadistas, é um verdadeiro show de horror.

 Um terceiro aspecto é como as pessoas gostam de respostas simples. Isso é normal, isso é humano. Nada mais é do que o nosso sistema 1, o nosso sistema automático e mais preguiçoso de analisar o mundo, em plena ação. Uma resposta é porque vivemos numa sociedade machista. Isso é verdadeiro e muito real, mas isso pode explicar 50 mil estupros por ano? A outra é que não somos uma sociedade machista, e estes atos são praticados por pessoas más, “vagabundos”, mas pode isso explicar 50 mil estupros anuais?

  Primeiramente, se foram 50 mil estupros no ano de 2014, o número atual deve ser muitas vezes maior. 50 mil são os casos reportados, a quantidade de mulheres que não fala nada por medo de represálias sociais ou até mesmo físicas, deve ser enorme. Quantos casos de estupro? 150 mil, 200 mil por ano? Não sei, o número qualquer que seja é mais ou menos horripilante a depender das estimativas, mas vamos nos ater ao número oficial.

 O problema com a teoria dos “monstros" é que ela não se sustenta do ponto de vista lógico, nem estatístico. Não lembro quando foi, não sei se estava já namorando minha companheira, mas lembro-me de uma notícia tenebrosa. Um bando de pessoas armadas parou um ônibus de turismo vindo de Curitiba em direção ao Rio de Janeiro na entrada da cidade. Eles tocaram fogo no ônibus com as pessoas dentro, e várias tiveram queimaduras sérias, não recordo se alguma faleceu. Minha companheira uma vez pegou essa linha de ônibus, poderia ser ela, por um azar do destino, a pessoa a ter queimaduras sérias. Meu primeiro pensamento foi “isso foi obra de monstros, como alguém pode colocar fogo num ônibus com pessoas dentro ao esmo?”. 

  Mas daí, eu pensei “qual é a probabilidade estatística de várias pessoas realmente más existirem e habitarem o mesmo local?”. Vou partir do pressuposto de que existam pessoas muito más por natureza, seja o que essa expressão pode significar (e eu tenho vários “poréns” em relação a este assunto). Se isso é verdade, só pode ser um desvio genético , a pessoa nasceu com esta maldade inata. Se este fato também é verdadeiro, pessoas más devem nascer todos os anos em vários lugares do mundo. Assim, um maníaco do parque (lembram-se dele?) pode existir porque ele é inerentemente mau. Esta pode ser uma explicação. Agora, se 30 maníacos do parque existissem no mesmo bairro numa mesma cidade, alguma coisa estaria errada com a teoria dos “monstros”, pois não faz o menor sentido do ponto de vista estatístico, diversas pessoas más nascendo e vivendo no mesmo local. 

  Se assim também o é, por qual motivo se vê menos violência na Nova Zelândia ou na Austrália? Aliás, quase não se observa esse tipo de violência nos países citados. Não há pessoas más lá? Parece-me que a teoria “dos monstros” é no mínimo manca para dizer o mínimo. Parece que o ambiente onde as pessoas estão inseridas faz sim toda a diferença. A explicação apenas do caráter individual não é suficiente para explicar por qual motivo países se tornam extremamente violentos. A explicação dos “monstros" também é conveniente, pois é fácil, cria a ilusão de que é um problema em que nós não temos nenhuma responsabilidade. Já tratei sobre a noção de cidadão de bem (Cidadão de Bem?), e como ela não se sustenta em pé depois de uma análise mais criteriosa.  

  Por outro lado, e aqui muitas pessoas erram, as pessoas são responsáveis pelos seus atos. Se assim não o fosse, não seria possível estruturar uma sociedade. Logo, se alguém participa de um estupro coletivo, essa pessoa fez um ato abominável e precisa ser responsabilizada por sua conduta individual. Não se trata, como quase todos os textos sobre o tema, entre uma dicotomia entre responsabilidade individual e ausência de responsabilidade individual.  É reconhecer que somos responsáveis por nossos atos, enquanto seres humanos com personalidades individuais, mas reconhecer que o ambiente onde estamos inseridos pode exercer uma grande influência nos comportamentos individuais, seja para o mal ou para o bem.

  Num livro que li recentemente chamado “ The Tipping Point” (li outro semana passada do mesmo autor chamado “Outliers" que é simplesmente fabuloso), há uma abordagem muito interessante sobre a teoria criminal chamada “Broken Windows” e a resolução da violência na cidade de New York. O capítulo sobre esse tema é muito interessante mesmo, e recomendo a leitura, já que o livro foi traduzido para o português. Basicamente, a teoria diz que se há uma janela quebrada (daí o nome) e ela não é consertada imediatamente, isso dá uma sensação para as pessoas de que a ordem não é respeitada no local. Em pouco tempo, outras janelas estarão quebradas, num processo que se auto-alimentará até que haja paredes pichadas e o sentimento de desordem aumente cada vez mais, levando ao cometimento de crimes cada vez mais sérios.

  Na cidade de Nova York na década de 80, a quantidade de crimes cometidos no metrô era enorme. Ninguém conseguia solucionar o problema. Os vagões eram todos pichados, muitas pessoas pulavam as catracas, e crimes graves como estupros aconteciam. Até que um dia um novo secretário de segurança veio com uma ideia radical. Adepto da teoria do broken windows, ele determinou que todos os vagões fossem limpos imediatamente. Se o vagão fosse pichado novamente, no mesmo dia ele deveria ser limpo. Se acontecesse de novo no outro dia, ele deveria ser reparado na mesma noite.  O responsável pela segurança da cidade colocou vários policiais, sobre protesto dos mesmos, em estações do metrô para impedir que pessoas pulassem a catraca sem pagar. “Por qual motivo policiais vão ficar aqui impedindo esses crimes menores, quando há crimes maiores sendo praticados” protestavam os policiais. A mensagem era clara: não seriam admitidos crimes menores no metrô, o ambiente de ordem seria restaurado.

  Para surpresa e assombro de muitos, funcionou. A taxa de crimes diminuiu drasticamente no metrô de NY. Evidentemente, outros fatores influenciaram, como sempre é o caso em questões complexas, mas ficou claro de que o ambiente em que as pessoas estão inseridas pode ser um inibidor ou catalisador de ações violentas. Uma vagão de metrô sujo pode ser a porta de entrada para crimes maiores.

  Se assim é verdade, o Brasil está proporcionando diversas “portas de entrada” para crimes maiores. Nós nas mais diversas relações estamos cultivando a maldade, não a bondade. Como querer que os seres humanos se comportem bem num ambiente tão carregado assim? Pense nisso  na próxima vez que quiser compartilhar alguma coisa na internet com dizeres agressivos como “imbecil, idiota”, etc. Pense nisso quando dizer que quer a morte ou a destruição de pessoas. Pensemos nisso quando formos tolerantes com pequenos delitos. A corrupção de um servidor para uma licença de funcionamento aqui, uma furada de fila acolá, uma pequena andada pelo acostamento “pois estou atrasado para o trabalho” e tantos desvios que estamos nos acostumando.

  Precisamos parar com o comportamento de maldade e ofensas no Brasil. Cada um tem uma responsabilidade nisso. Isso quer dizer que se você não ofender as pessoas, os estupros vão parar? Evidentemente que não, colega. É apenas um passo na solução de um problema que é dos mais complexos. Se 30 indivíduos resolvem colocar fogo com ser humanos como eles dentro de um ônibus, alguma coisa de profundamente errada está acontecendo com o país e com o ambiente dessas pessoas. Essas 30 pessoas continuam sendo responsáveis por seus atos, elas devem ser responsabilizadas no limite que a lei estabelece. Não há solução para o arrefecimento dos crimes no país, se não houver responsabilização de agentes que cometem crimes brutais. Agora, não se iludam que a solução nunca poderá ser apenas policial. Vão colocar 50 mil estupradores na cadeia? 150 mil se todas as mulheres reportarem? O nosso sistema nem comporta esse número de pessoas, se o Judiciário não funciona com menos de 10% de julgamento desses casos, ele simplesmente iria implodir se resolvesse solucionar todos os casos. É impossível. A única maneira é a aplicação da lei e a criação de um ambiente onde os crimes não sejam encorajados.

 Particularmente, no caso de estupros, nós homens temos que reconhecer que nós celebramos uma cultura que muitas vezes diminui o papel da mulher. Dizer “feminismo destrambelhado”, etc, etc, é simplesmente fugir do problema. Quando viajei pela Índia com a minha companheira, ela sentiu na pele o que é ser um cidadão de segunda categoria. Ela, mesmo com a minha presença, foi assediada diversas vezes, algumas vezes de forma sutil, outras vezes de forma mais acintosa. Não é à toa que a Índia é um dos países com mais estupros no mundo. A posição da mulher é diferente no Brasil, ainda bem, mas em muitos casos não é tão superior assim.

  Até poucas décadas atrás, a mulher casada era considerara relativamente incapaz para fins jurídicos, tinha até mesmo o Estatuto da Mulher Casada. Uma mulher casada não era um sujeito completamente capaz de exercer os seus direitos. Minha mãe pegou um pouco essa época. Todos amam as suas mães e filhas, mas muitos veem outras mulheres como apenas um pedaço de carne. Muitas mulheres, infelizmente, assumem esse papel que as diminuem enquanto cidadãos e seres humanos. As mulheres infelizmente ainda não assumiram o verdadeiro papel que deveriam em nossa sociedade. Ganham menos, tem menos posições de destaque, quase nenhuma representação no congresso e governo, mas todos nós amamos as nossas Mães, e muitos não observam nada de errado nesse estado de coisas. Aliás, como não amar nossas mães, que nada mais são do que mulheres, se sem elas nem existiríamos. Se você não contrataria mulheres para a sua empresa, tem que se virar para sua amável mãe e dizer “Mãe, sem você eu não existiria, mas sem qualquer chance de ser contratada por mim ou pela empresa de qualquer conhecido”. 

  Eu mesmo reproduzo velhos hábitos que diminuem o papel das mulheres e muitas vezes tenho que ser chamado atenção pela minha companheira. Quase sempre ela está correta. Se realmente queremos diminuir a violência no Brasil em geral, e contra a mulher em particular, precisamos começar a repensar as nossas condutas como um todo. Podemos não ser estupradores, como muitos gostam de dizer e achar que o problema termina, mas será que não estamos deixando muitas janelas quebradas por aí com nossas condutas? Eu tenho certeza que sim, muito mais do que janelas quebradas, estamos fomentando uma sociedade que cultiva a maldade, o rancor e o ódio nas mais variadas relações.

  Portanto, antes de fazer um comentário de raiva, compartilhar alguma mensagem de ódio, reflita se isso vai adiantar alguma coisa. Muito provavelmente nada de bom aconteceu na sua vida depois de você fazer isso, certo? Na verdade, isso apenas mostra fraqueza, fraqueza de ceder a sentimentos fáceis e convenientes. Não mostra força. Se é algo que demonstra fraqueza, não melhora em nada a sua vida, não é melhor tentar outra coisa? Eu acho que sim. Cabe a cada um de nós.

  Abraço a todos!





quarta-feira, 25 de maio de 2016

BRASIL - "GOLPE", LEGITIMIDADE, PEDALADAS, NOTÁVEIS E 2018

 Olá, colegas. Hoje escrevo um pouco sobre os temas do nosso país. Escreverei em breves tópicos, pois os temas são os mais variados possíveis.

Golpe ou não?

  Houve golpe? O colega do blog Uorrem abordou essa questão. Ele é leigo no assunto, mas fez um bom artigo, melhor do que muitos especialistas, uma prova de que é possível sim buscar o conhecimento por si próprio. Na minha opinião, não há qualquer golpe, muito menos no sentido que se atribui ao termo. O motivo é simples: houve direito de defesa, não houve qualquer atropelo dos procedimentos e não houve nenhuma violência das forças armadas.  Se não há golpe, por qual motivo o governo e o PT insistem nessa tese? Ao invés de se morder de raiva, como muitas pessoas o fazem, basta apenas reconhecer que isso não passa de um marketing, uma estratégia de defesa. Se ela é boa ou não, só o passar do tempo irá dizer.

Houve Crime de Responsabilidade?

  Essa questão já é mais polêmica. Não se discute que houve irregularidades, nem mesmo o governo diz o contrário. Aparentemente, houve desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, pois o governo tomou empréstimo de bancos públicos ao atrasar o repasse de pagamentos obrigatórios. Essa prática foi muito intensa no ano eleitoral de 2014. É uma irregularidade. Forte o bastante para retirar um presidente? Não sei, no mundo ideal de um Estado funcional, sim. No Brasil, tenho algumas dúvidas. Esse inclusive foi o teor de um artigo do New York Times, onde o Jornal dos EUA questionava a proporcionalidade da punição, principalmente quando os políticos envolvidos no processo de cassação são acusados de crimes muito mais graves.

  Além do mais, se alguém ler o artigo do Uorrem, vai ver que há um parecer do Procurador do TCU responsável por analisar as contas do governo. Eu tentei explicar isso para uma pessoa num outro blog, mas acabei deixando para lá. Na entrevista que esse Procurador deu ao roda viva da TV Cultura  (um dos melhores programas da televisão brasileira, diga-se de passagem) ele disse que a tese de defesa da inexistência de má-fé da presidente não era o suficiente. Para quem tem conhecimento mínimo jurídico, isso é evidente. Por qual motivo? A finalidade não faz parte da caracterização de um tipo penal (a não ser que o tipo penal assim o preveja expressamente). O que isso quer dizer? Se alguém mata por prazer ou por vingança, não importa para a configuração do crime, o que importa é se a pessoa tinha ou não a intenção de matar. A finalidade no caso do homícidio poder ser uma causa de aumento ou diminuição da pena, mas não da caracterização do delito de homicídio em si. Logo, o fato de Dilma dizer que não agiu de má-fé é irrelevante, como bem dito pelo Procurador em questão. No máximo, poderia servir como alguma atenuante.  Entretanto, e isso eu não vi absolutamente ninguém falando, o fato dela se servir de “pedaladas fiscais” com alguma finalidade eleitoral também é irrelevante para a caracterização do ilícito, apesar de poder ser reprovável do ponto de vista ético. Se a finalidade não importa de um lado, não pode importar de outro. Se isso é verdade, e como o artigo da LRF não diz nada sobre a necessidade de continuidade, é forçoso o reconhecimento se qualquer outro governo cometeu o mesmo ato (ou seja atrasar pagamentos a bancos públicos), independente da finalidade ou da frequência, cometeu o mesmo crime de responsabilidade atribuído a Dilma. Isso é apenas construção lógica, não há nem mesmo juízo de valor aqui.

O Governo Temer é Legítimo?

  Em direito, há uma diferenciação, surgida principalmente depois do julgamento de nazistas por tribunais logo após o término da segunda guerra mundial, entre legalidade e legitimidade. Antes, presumia-se o que era legal tinha que ser necessariamente legítimo. Sabe qual foi a defesa de quase todos os dirigentes nazistas? “Estava apenas cumprindo ordens e a legislação em vigor”. Era verdade. O Estado Nazista foi um estado legal, por mais desumanas que possam parecer as leis nazistas para nós agora no século 21. Foi daí que o conceito de legitimidade ficou muito forte na construção teórica jurídica. O Estado Nazista foi baseado na Lei, mas esta Lei era de alguma maneira legítima? Evidentemente que não.

  Se o processo de impeachment não pode ser considerado um golpe, o governo Temer não pode ser considerado ilegal. Pode-se discutir se os ilícitos apontados na denúncia contra Dilma são crimes ou não de responsabilidade, mas isso é uma questão de interpretação jurídica, não de quebra da ordem institucional. Entretanto, esse governo é legítimo?

  Se há uma coisa que eu não suporto é deslealdade e para mim é evidente o caráter desleal do Sr. Temer. Lembram-se daquela carta "vazada" lá pelo final do ano, onde ele se queixava da presidente, e muitos na imprensa "leram" como anúncio de rompimento? Aquele “vazamento" foi no momento quando o impeachement parecia ter alguma probabilidade de ir para frente. Bastou o movimento esfriar na virada do ano, para ele dizer que tinha sido mal interpretado. Agora, faz sentido uma carta daquela ter sido vazada "sem querer querendo" num momento como aquele?Quando ele vazou aquele  áudio de WhatsApp, quando Dilma estava à beira de ser derrotada na votação da Câmara, eu pensei comigo mesmo “não é possível que ele fez isso de novo e absolutamente ninguém diz nada". Foi ridículo. 

  Além do mais, muitos analistas políticos, a maioria para ser mais preciso, diz que Temer é possuidor dos mesmos 54 milhões de votos da Dilma, pois ele fazia parte da chapa, e isso o daria plena legitimidade para governar. Eles estão absolutamente corretos. Lembram-se da conversa sobre finalidade? Se vale de um lado, tem que valer do outro. Se ele faz parte da mesma chapa eleita, ele também é responsável pelo estelionato eleitoral. Na verdade, ele também é responsável pelo governo que nos levou a essa situação. “Ele não tinha nenhum poder como vice”. Isso não é verdadeiro, o vice-presidente da república tem acesso a muita coisa. Se ele não concordava com as políticas de Dilma (da chapa em que ele se candidatou), e pior se achava que o Brasil estava à beira do precipício, ele simplesmente não deveria ter se candidato novamente, ou simplesmente renunciado. Ou alguém é obrigado a fazer parte de um governo no qual não acredita? “Ah, Soul, todos os políticos são assim”, pena para as futuras gerações então.

  Temer ainda foi um ator ativo no impeachment. Isso não tem o menor cabimento, e fico pasmo que analistas políticos não abordem esse tema com a verdadeira profundidade que merece. Como pode o vice-presidente eleito para compor uma chapa  ativamente tentar derrubar o governo do qual foi eleito? Se fosse um caso isolado de corrupção do mandatário maior, um presidente afastado porque mentiu sobre um caso extraconjugal (como quase aconteceu com o Clinton), etc, é mais do que normal que um vice assuma, ou mesmo condene expressamente o presidente. Agora,  como pode um vice dizer que o governo foi irresponsável do ponto de vista fiscal (basicamente no ano de 2014), se no mesmo ano ele estava concorrendo na mesma chapa? Ou seja, se ele foi diretamente beneficiado com essas irregularidades, do ponto de vista eleitoral. Sinceramente, isso é completamente obtuso para mim. 

  Dilma é melhor do que Temer? Do ponto de vista político, muito provavelmente não. Eu li livro do Temer quando estudava Direito Constitucional. Dilma não possui condições nem técnicas, nem políticas de ser uma prefeita de uma cidade média do Brasil, o que dirá presidente do país. É muito provável que Temer possa ser um melhor presidente. Entretanto, isso não o torna legítimo, pois estamos numa Democracia, onde o voto é que decide quem deve ser ou não o chefe de Estado. Se os votos não elegem pessoas competentes, não se pode fazer nada. Ou melhor, claro que se pode, não há nenhuma lei física que prescreva a Democracia como único sistema de governo, basta dizermos que não se irá mais considerar o voto popular como forma de legitimização do poder político.

Notáveis, Juca e indignação Seletiva

  O ministério dos notáveis se transformou num ministério com 30% de  citados na operação lava-jato. Dois deles , se não me engano, indiciados. “Ah, é por causa da composição política”. Sério, essa é a resposta dos analistas políticos profissionais? Temer disse que não irá se candidatar a reeleição (o que é a mesma coisa do que nada, já que a chance dele orbita entre nenhuma e quase nenhuma), ele poderia muito provavelmente formar um ministério com pessoas no mínimo que não estivessem sob suspeita de  cometimento de ilícitos. Não foi o caso. “Ah, se ele fizesse isso, o impecheament não seria aprovado”. Já vi analistas falando isso. Será que eles se dão conta do absurdo dessa afirmação? Quer dizer então que Temer aceitou fazer compromissos pouco republicanos para o pós-impecheament sendo vice-presidente da república? Isso não faz sentido, e se assim o foi, é completamente imoral.

  Menos de duas semanas depois do novo governo assumir, um dos Ministros mais poderosos, talvez apenas atrás do Meireles, foi pego numa ligação telefônica talvez até pior do que a do Delcídio. O teor da conversa é incrível, e surpreende que a indignação não se compare com a indignação das ligações gravadas de Dilma-Lula e Delcídio-filho do Cerveró. O mais incrível é que o Jucá continua firme e forte no Senado, e não vê qualquer problema no teor da conversa. A ideia era forçar um um impedimento da presidente , para que Temer pudesse tentar fazer um pacto com o Supremo Tribunal Federal e basicamente salvar boa parte da classe política. Foi bravata? Talvez tenha sido. Mas foi uma bravata vinda do braço direito do Temer, e o teor da conversa é a das mais graves possíveis e me pergunto onde está a indignação tão evidente há semanas, mas não tão clara agora.

Reformas Estruturais 

  Se eu concordo que as despesas devem crescer abaixo do crescimento do PIB? Sim. Se creio que deve haver desvinculações de gastos? Sim. Limite para o crescimento do endividamento? Sim. Reforma profunda na previdência? Sim (inclusive escrevi sobre isso já nesse espaço). Flexibilização das leis trabalhistas? Sim. 

  Logo, concordo com as direções apontadas pelo Sr.Meireles como plano de médio prazo para o Brasil. Entretanto, esse sou eu, Soulsurfer. O povo brasileiro concorda com isso? Numa democracia, apenas por meio de uma eleição com debate sério sobre esses temas, para saber o que o povo quer para si e para o governo. Emplacar reformas dessa magnitude, sem um prévio debate eleitoral anterior, parece-me um erro e uma distorção, por mais difícil que possa ser a situação de nosso país.

2018

  Desconfio que a maior parte das pessoas que foi às ruas contra a corrupção, não protestou para ver uma reforma previdenciária restritiva ou para que se diga que menos dinheiro deverá ir para saúde e educação. Creio que é o contrário. As pessoas foram às ruas porque querem mais educação, mais previdência e saúde e pagar menos tributos. Isso é ilógico? Claro que é, mas para a esmagadora maioria do povo não o é. 

  Sem perceber, estão criando condições para que o PT se reconstrua. Eu tinha escrito que achava que Lula estava acabado do ponto de vista de eleições presidenciais, assim como o PT. Ainda acredito nessa hipótese, mas não imaginava que se poderia fazer tanta besteira. 

 Quem trabalha com direito sabe que a pior coisa é não ter argumentos. Tudo o que um bom advogado precisa é um argumento. Não precisa nem ser bom, mas ele precisa existir. O PT estava asfixiado. De um lado uma presidente que estava indo contra tudo que ela  disse nas eleições, mas evidentemente o partido não poderia tirar o apoio a ela, pelo menos não oficialmente. Do outro lado, apanhava que nem cachorro nos casos de corrupção. Não havia qualquer argumento para o PT. Era agonizar até o final de 2018.

  Agora, o partido tem. Golpe e ataque a direitos sociais viraram o mote. Ele é bom? Não, não é, mas é um argumento. Fizeram um grande favor de tirar o enorme bode da sala que era Dilma Roussef. Se a crise institucional não se agravar, e absolutamente ninguém pode garantir o contrário, e realmente tivermos eleição em 2018, a ex-oposição pode esquecer que não terá muitas chance e desconfio que o PT, e os alegados 20% de votos do Lula, podem valer e muito para dar a eleição para um Ciro Gomes ou Marina.

E O TSE?

  Por fim, se as inúmeras delações são verídicas. Se dinheiro de corrupção abasteceu a chapa Dilma-Temer, o TSE tem que obrigatoriamente cassar a chapa. Daí, se este for o caso, teremos três presidentes em alguns meses, nos assemelhando a países completamente esculhambados do ponto de vista político. Como os acontecimentos ainda estão muito quentes, é difícil avaliar o que algo como isso poderia representar para a nossa política no médio prazo, não de meses, mas de anos. 

  Se o TSE não cassar a chapa Dilma-Temer, alguma coisa de estranho ficará no ar, pois ou as delações não são verídicas, algo que parece improvável, ou o TSE precisará de muito malabarismo intelectual e jurídico para se justificar.

  O que acho de tudo Isso?

  Não sei. Estou longe, em outra vibração e toda vez que olho um jornal online sobre o país, arrependo-me. Entretanto, creio que muitas análises são enviesadas e muitos aspectos simplesmente ignorados. Creio também que essa crise está muito longe de acabar, aliás pelo contrário. O que vai sair de tudo isso, eu realmente não sei. Porém, começo a desconfiar que estamos plantando mais sementes ruins e poderemos colher um verdadeiro presente de grego em 2018. A conferir. Ah, nem falei do Cunha. Falar o que? A suspensão dele ter acontecido uma semana depois do Impecheament é estranha (e não há base legal, nem constitucional, o Supremo inovou nesse tópico), além do mais por um pedido protocolado em dezembro de 2015. O que é mais aberrante é que dizem que ele tem de 200 a 300 deputados em sua base de apoio. Se isso for verdade, a complexidade, e o mal cheiro, do nosso momento atual é ainda mais acentuada. 


  Abraço a todos!

sexta-feira, 20 de maio de 2016

CHINA - KARAKUL LAKE E MUZTAGH ATA: SIMPLESMENTE MAGNÍFICO

  Olá, colegas. Iria escrever sobre outro tema, mas não tem como. Os últimos três dias foram simplesmente magníficos. Para dizer a verdade, todos os 13-14 meses que se passaram desde o início da viagem foram especiais. Entretanto, posso dizer que o local onde estive nos últimos dias foi o mais bonito da minha vida.

  “Ah, de novo com esse papo Soul?”, é de novo. Teve até um anônimo em algum artigo escrito por mim que de uma maneira gentil escreveu que eu era um caso típico de “complexo de vira-lata”, pois era impossível encontrar beleza em diversos lugares e situações. É, talvez seja. Em viagens de longuíssima duração, como a minha atual, é normal que os lugares vão ficando menos bonitos e as pessoas menos interessantes. Já li sobre esse sentimento em diversos blogs estrangeiros. Aliás, não é assim que chegamos a fase adulta? Tudo vai deixando de ser tão interessante, muito diferente quando éramos criança. Se ao menos conseguíssemos manter um pouco aquele sentimento infantil de encantamento com o mundo, como nossas vidas não seriam melhores e mais significativas.

  Não é à toa que o meu breve artigo sobre uma memorável tarde no planetário da belíssima cidade Brisbane na Austrália remeteu à nossa criança interior. É por causa disso, que só posso me sentir abençoado e privilegiado de poder me maravilhar com o mundo, mesmo depois de tanto ter viajado. É uma sensação incrível. Parece que essa forma de sentir e vivenciar o mundo de alguma maneira é uma porta de entrada para relações humanas melhores e significativas, pois a quantidade de pessoas especiais que eu e minha companheira conhecemos nos últimos meses é enorme. Não são apenas jovens e mochileiros. São pessoas de de diversas nacionalidades, idades, profissões e formação cultural diferente. É maravilhoso. Uma mostra clara de como precisamos conviver com o diferente, como a homogeneidade torna a vida muito menos colorida e interessante do que ela pode ser.

  Nas últimas duas semanas, convivemos como uma família com um casal de franceses. Nos conhecemos na cidade de Turpan (nosso porto de entrada na província de Xinjiang). Passamos inúmeras experiências juntos, logo nossos destinos foram para sempre marcados, pois dezenas de anos passar-se-ão e muito provavelmente ainda lembraremos uns dos outros. Nico na verdade é chileno, mas possui dupla cidadania. Completamente orgulhoso de sua origem chilena, não tente falar mal do vinho de lá, porque ele realmente fica brabo. Aliás, nas minhas viagens eu nunca encontrei alguém desmerecendo o seu próprio país de maneira tão intensa como os brasileiros, independente da situação política, econômica ou moral em que sua nação possa se encontrar. E olha que já conversei com pessoas de países em situação inúmeras vezes pior do que o nosso Brasil. Uma pena que brasileiros destratem a sua origem. Ela, Sara, francesa de origem. Recém-formada advogada, extremamente simpática.

  Nossos últimos dias na China, nossa última aventura juntos, seria no lago Karakul na famosa Karakoram Highway. Esta é a estrada mais alta do mundo, começando na China e terminando no Paquistão. O lago fica numa região quase que de fronteira entre China, Afeganistão, Tajiquistão e Paquistão. É uma região completamente sensível do ponto de vista geopolítico. É talvez uma das regiões mais belas e remotas do planeta.

  Havia apenas um ônibus entre Kashgar (belíssima cidade onde estávamos) e Tashkurgan já quase na fronteira com o Paquistão. Iríamos pedir para descer no lago, pois infelizmente, por causa do visto chinês, nós não teríamos mais alguns dias e seria impossível ir até a fronteira entre China e Paquistão, algo que seria sensacional, pois a Khunjerab Pass (Khunjerab significa literalmente “Vale do Sangue”, devido ao passado sangrento na antiga silk road - rota da seda) está a cinco mil metros de altitude (algumas pessoas não acostumadas com altitude já morreram ao atravessar a fronteira, o que fez com que haja oxigênio no ônibus e na fronteira para casos de emergência) e pelas fotos que vi é para lá de bela. Aliás, talvez o Paquistão e o Afeganistão sejam uns dos países mais bonitos do mundo. É uma pena que viajar por esses lugares é um No-No por razões de segurança, apesar de ter conhecido um ciclista que atravessou o Paquistão com escolta armada. A conversa com esse ciclista foi bem interessante. Ele era Irlandês e estava indo para a Mongólia visitar sobrinhos que lá moravam. Guia de Montanha de profissão, com várias idas ao Everest, um sujeito bacana na faixa dos 50 anos de idade, muito bem conservado fisicamente. Mais surpreende ainda foi conhecer no Hostel de Kashgar um casal de franceses com dois filhos pequenos que atravessou o Paquistão num caminhão militar reformado como uma espécie de Motorhome. Uau, que experiência para as crianças. Aparentemente, trafegar pela Karakoram Highway não é tão arriscado. O Irlandês me disse que há milhares de tropas paquistanesas vigiando a estrada, um esforço do governo do Paquistão para proteger eventuais estrangeiros de passagem.  Observei as crianças francesas brincando com crianças chineses. Como crianças, acaso estimuladas e não tolhidas por adultos, interagem uma com as outras independente de classe social, etnia, religião, etc. Talvez, se tiver filhos, faça uma viagem dessas com eles, pois com certeza uma experiência desse porte é uma forma maravilhosa de se educar um filho. Uma pena que uma parte significativa dos brasileiros de maior poder aquisitivo ache que levar o filho para a Flórida e ensiná-lo na “arte" de comprar um monte de coisas sem qualquer utilidade seja uma forma instrutiva de formação de caráter.

  Nossa primeira manhã começou agitada. Fomos para a estação rodoviária errada. O ônibus iria sair em menos de 25 minutos e não sabíamos ao certo qual das duas outras rodoviárias era o local certo. Um taxista ofereceu para nos levar à rodoviária aparentemente correta. Ele disse 10 Yuan para o trajeto. Quando estávamos no meio do caminho, presumi que ele diria que seriam 10 por pessoa e não pelo percurso até a rodoviária. Dito e feito. Não aceitei pagar, houve uma pequena discussão e como o ônibus estava prestes a sair, resolvemos pagar 30 Yuan.  Antes de embarcar, um americano se aproximou e começou a conversar comigo. Um sujeito de uns 50 anos, corpulento. Estava indo para o Paquistão. Interessante que em menos de meia hora estávamos falando sobre o sentido da vida e o papel maléfico dos EUA em várias partes do mundo. Ele era um  ex-militar e confidenciou que participou de diversas operações na América Central, e que não se orgulhava muito disso. Ofereceu casa e comida se algum dia passarmos por Seattle. Peguei o contato do facebook e espero que tudo ocorra bem em sua estada no Paquistão.

  A viagem transcorria normalmente e a estrada ficava cada vez mais linda. De repente, o ônibus parou atrás de uns carros. Pensei que era a tradicional “pausa da mijada” muito comum em viagens de ônibus pela China, mas não. A estrada tinha simplesmente colapsado num ponto. Havia um garoto de uns 20 anos manobrando uma espécie de trator misturado com um guindaste tentado fazer uma “nova estrada”. Quando me dei conta, vi que havia uma snow mountain ao fundo que deveria ser muito alta mesmo. O cenário era excepcional. Pensei comigo mesmo “bom, vai levar umas duas horas até ficar pronto”. Para a minha surpresa, e eu fiquei observando o trabalho, em 10 minutos estava pronta uma nova passagem. O garoto manobrando a máquina era muito talentoso. Ao ver aquela cena, lembrei-me de uma história do economista Milton Friedman a qual eu ouvi em algum lugar, mas não lembro onde. Numa visita a China, algum representante do governo chinês tentou vangloriar-se de que não havia desemprego na China e apontou para inúmeros trabalhadores braçais usando picaretas na construção duma represa. Aparentemente, não havia nenhuma máquina sendo utilizada. Diz-se que então Friedman voltou-se para o representante Chinês e falou algo mais ou menos assim “ Se o problema são empregos, por qual motivo eles não estão usando colheres?”. É patente como tecnologia, e a educação para como usar as ferramentas, potencializa a produtividade de um povo, aumentando assim a sua riqueza, bem como o bem-estar potencial. Se não fosse aquela máquina e um jovem bem preparado para utilizá-la, se fosse tudo feito manualmente, talvez seriam necessários dezenas de homens por várias e várias horas. Tive um vislumbre dessa situação, pois vi um senhor tentando ajudar com as próprias mãos e ficou tão patente a diferença de produtividade, que por uns minutos fiquei pensando sobre produtividade, Brasil, tecnologia, educação, tudo isso num cenário para lá de magnífico.

Um habilidoso trabalhador chinês em poucos minutos "reconstruiu" parte danificada da estrada. Produtividade=tecnologia.
  O povo Uyghur é extremaste simpático. Ainda escreverei apenas sobre este tópico. Faz parte de uma das 56 etnias,  você não leu errado, que compõe a China. São quase 10 milhões de pessoas. Um Uyghur tentou conversar comigo a viagem inteira. Extremamente educado, ele falava algumas coisas e eu tentava compreender o contexto. Quando passamos por um lago belíssimo, apontei para ele e perguntei “Karakul?” Ela acenou com a cabeça e disse não. Pensei comigo mesmo “caramba, se esse lago lindo não é o Karakul, como não deve ser a paisagem quando chegarmos lá?"

Karakul?

  Meu pensamento não estava errado. Descemos literalmente no meio do nada, mas para o meu alívio havia realmente alguns yurts perto do lago. A paisagem era simplesmente de outro mundo. Estava nublado, e imaginei como não seria aquele cenário com sol, sem nuvens e com o gigante Muztagh Ata completamente visível. Um yurt nada mais é do que uma tenda, muito usada por povos nômades nessa região do mundo. É bastante utilizada por Mongóis (e pretendo dormir várias noites em yurts locais quando estiver na Mongólia), Kazaks, Tajiks e Kyrgyz.

Sra.Soulsurfer e Nico andando em direção ao Yurt

  Estávamos numa região onde a etnia Kyrgyz é predominante. Pode parecer incrível, mas os Kyrgyz são completamente diferente dos Uyghurs e em nada se comparam aos Han (etnia predominante na China com algo em torno de 90% da população). Aliás, quase todos que nunca visitaram a China, ou a visitaram apenas nos nomes turísticos mais conhecidos da parte leste, pensam erroneamente que os Hans são a única etnia na China.

   Ao caminharmos pela estrada em direção aos yurts, alguns Kyrgyz se aproximaram de motocicleta oferecendo estadia numa vila a alguns quilômetros de onde estávamos. Recusamos, pois queríamos ficar num yurt. Um dos rapazes falava um inglês muito razoável e disse que conhecia um bom local à beira do lago por 50 Yuan por pessoa (algo em torno de 7,5 dólares americanos) com três refeições inclusas. Aceitamos a proposta, pois o yurt ficava a menos de 10 metros do lago. 

Isso é um Yurt, o melhor dizendo O YURT.


 Eu e a Sra.Soulsurfer, Nico e Sara iríamos coabitar o mesmo yurt por dois dias. Aliás, talvez poucas pessoas tenham tido essa experiência de dormir no mesmo ambiente com outras pessoas quando viajam. É um bom termômetro para saber se aquele bom amigo é suportável ou não numa convivência mais prolongada. Lembro-me de quando fiz uma viagem pela Califórnia com um casal de brasileiros que tínhamos conhecido em San Diego. Era a primeira viagem internacional deles e o Fernando estranhou e muito quando sugeri para dividirmos  quartos de hotel, que nos EUA são enormes e geralmente possuem duas camas de casal. São quartos de hotel praticamente construídos para 4 pessoas dormirem. Por que viajar assim? Primeiro, porque é muito mais barato. Em segundo lugar, porque é muito mais divertido. Hoje em dia, eles  são amigos do coração mesmo. Sempre que podemos nos visitamos. Um grande amigo e o laço de amizade foi construído nessa viagem. Detalhe, já devo ter falado dele por aqui, o Fernando é dono de uma empresa que vale dezenas de milhões de reais, possui atualmente dois galpões logísticos para alugar na ordem também de dezena de milhões de reais e um dos últimos vídeos que ele me mandou pelo Whatsapp, era o mesmo dirigindo uma lancha recém comprada ao som de “exagerado" do Cazuza e convidando para dar inúmeros rolês por Maresias quando voltar ao Brasil. Ele é extremamente humilde, gente boa mesmo e possui um grande coração. O seu único problema é a insistência de achar que o time do São Paulo é maior do que o Santos. Essa é uma impossibilidade lógica e física, pois o Santos Futebol Clube é o maior clube da história do futebol brasileiro por uma margem gigantesca em relação aos outros times.

  Nico na nossa humilde mais aconchegante residência por 3 dias

 Antes de jantarmos, eu e a Sra. Soulsurfer resolvemos namorar num morro bem perto do lago. Do nada, uma tempestade de areia fortíssima quase nos arrastou. Se não bastasse, começou a nevar também, e  as minhas mãos, que estavam sem luvas, começaram a doer de tanto frio. Iríamos observar como o tempo é instável numa região de tão alta altitude. Cheguei a presenciar o vento mudando de direção três vezes em menos de uma hora.

Karakul também é conhecido como o lago negro. É impressionante como o lago vai mudando de cor. 
Fomos pegos de surpresa por uma tempestade de areia cumulada com neve. Um frio de rachar.


  A família Kyrgyz que nos abrigou falava um Inglês rudimentar, talvez fruto da acolhida de outros estrangeiros. A casa deles era extremamente simples, seria quase que um quarto de favela se estivéssemos no Brasil, mas muito aconchegante.  Os nomes Kyrgyz são muito difícil para um falante de língua portuguesa. Deveria ter anotado o nome dos meus anfitriões, pois não faço mais a mínima ideia de como eram. A janta foi deliciosa. Um arroz com muitos vegetais, servido com chá. O ponto alto foi quando alguém bateu na porta e de repente ela abriu. Ao invés de “alguém" apareceu um Yak com cara de curioso olhando para dentro e assim ficou por uns bons 30 segundos. Foi engraçado. Como estava muito frio e ventando bastante, o nosso anfitrião achou melhor que dormíssemos numa casinha de uns 20m2 ao lado da dele ao invés de na frente do lago. Dormi como um bebê, coberto com uns três cobertores extremamente pesados. 

O Yak "bateu" na porta

A Sra. Kyrgyz que nos abrigou terminando os seus afazeres domésticos antes no entardecer

Sra. preparando arroz com vegetais. Sr. preparando o chá. Residência extremamente humilde, mas aconchegante, principalmente com o frio que fazia lá fora.

Dia a dia da família..

  O dia amanheceu e às seis da manhã no horário local (sobre horário local x Beijing time, falarei em algum outro artigo) estávamos de pé. Fazia um frio muito intenso, mas o colosso Muztagh Ata estava visível na penumbra da manhã. Essa montanha foi a mais impressionante que já tive o prazer de ver, mesmo já tendo estado no Nepal. O motivo? Ela é enorme, com mais de 7.500 metros de altitude. Isso é muito, muito alto. Além do mais, estávamos a algo em torno de 3.500 metros de altitude, o que significa que a montanha se erguia em 4km de extensão para o alto. É impressionante, e vendo aquilo não tem como não se sentir pequeno. Tomamos café da manhã, e a Senhora Kyrgyz nos preparou uma espécie de massa de pastel frito, que delícia! Quando saímos para caminhar, o sol já iluminava bastante o ambiente. O cenário era mágico. O outro colosso do local, uma montanha também de mais de 7.500 metros, também se fazia visível. 

Nascer-do-sol. Sem nuvens e a primeira vez que vimos A montanha em todo o seu esplendor.

Com sol, a vista é sublime

  Durante as próximas três horas, caminhamos, sorríamos, fazíamos filmes e fotos no cenário mais lindo que já vi em toda a minha vida. Um lago lindíssimo, inúmeras montanhas nevadas, sendo que duas delas com mais de 7.500 metros de altitude. Yaks andavam para lá e para cá, foi inesquecível.  Não tenho muitas palavras para descrever o quão prazeroso foi estar naquele local e caminhar ao redor do lago até a pequena vila de Kyrgyz de Subachi

Casal apreciando a vista

Estava muito frio, apesar do sol.



Sra.Soulsurfer, Nico e Sara caminhando ao redor do lago

Olha esse visual....


e esse...

e mais esse (esplêndido Muztagh Ata, quase 8 mil metros de altura)

Esqueci o nome dessa montanha (era ainda maior do que o Muztagh Ata). Tinha no mínimo uns 7 glaciares um do lado do outro reconhecíveis a distância. Impressionante.



  Antes de chegar na Vila, resolvemos subir um morro. A Sra. Soulsurfer sentido a altitude ficou no meio do caminho. Resolvi continuar junto com os franceses e valeu a pena, pois as vistas eram espetaculares. Quando já estava no topo, vi uma motocicleta subindo a montanha, o que foi algo incrível, pois a superfície era toda irregular com várias pedras. Era o rapaz do dia anterior que falava um bom Inglês. Ele ofereceu a sua casa na vila para tomarmos chá e disse que levaria a Sra. Soulsurfer de moto. Aceitei a proposta.

Sara e o rapaz da moto que falava um inglês razoável (dentro do yurt)

  Ao chegar na vila andando não conseguia achar de jeito nenhum o sujeito e muito menos a minha companheira. A vila é localizada no pé da montanha e o local é fabuloso. Andei para lá e para cá e comecei a ficar preocupado. Depois de quase 40 minutos perambulando, vi o rapaz chegando de moto e dizendo que tinha me procurado esse tempo inteiro.  Ele me deu carona até a sua casa e lá vi a Sra. Soulsurfer sorrindo e tirando fotos de locais preparando pão num forno. Entre esses locais, estava a mulher do rapaz. Mulher bonita e elegante, ainda mais num local tão remoto como aquele. Extremamente sorridente, ela nos ofereceu um pão quentinho delicioso. Na Ásia como um todo, não há a cultura do pão como no ocidente. Uma rara exceção foi esse local no extremo oeste da China. Entretanto, os vínculos históricos e culturais são com a Ásia Central, e por via de consequência o Oriente Médio, e não propriamente a China. Não sabem o prazer que foi para gente comer um pão caseiro quentinho. Quando voltar ao Brasil, vou ter um verdadeiro prazer gustativo ao poder comer pão com requeijão. Simples coisas na vida, e que podem dar uma sensação de bem-estar enorme, quando nos damos conta de como essas singelas coisas são tão importantes. O rapaz tinha 25 anos e a mulher dele 22 anos. Aparentavam mais. Resquícios da vida dura que não deve ser morar num lugar lindo, mas longe de quase tudo.

Elegância na feitura do pão...
A esposa do nosso "guia"


Pães sendo feito dentro do forno

Preparo tradicional. Talvez centenas ou mesmo de milhares de anos os pães devem ser feito dessa maneira


  O rapaz então ofereceu nos levar de moto até o glaciar no base camp que alpinistas usam para escalar o Muztagh Ata. Por meio de um blog de um casal australiano que viaja o mundo, já sabia da existência desse  glaciar. As informações sobre a beleza do local não podiam ser melhores. O casal australiano chegou lá andando, mas não poderíamos fazer isso, pois seriam dois dias de caminhada. Aceitamos o preço pedido de 200 Yuan para duas motos. Queríamos dirigir, mas eles disseram que não era possível. O valor não foi tão barato, mas, depois de ter feito, se tivesse que pagar mais, pagaria muito mais. 

Passeio de moto "a três"


  Gostaria de ter chegado no Glaciar de moto, mas o rapaz com outro companheiro pararam numa estação de polícia e trocaram as motos por um carro 4x4. A estrada foi sensacional até a entrada do parque nacional. Teoricamente, teríamos que ter pago uma entrada, mas o rapaz conhecia o gerente do local que deixou o carro passar por uma estrada paralela. Já dentro do parque nacional, ao pé do Muztagh Ata, comecei a ver vários animais marrons. Eram uma espécie de marmota e havia várias delas. 

Dezenas de "Marmotas". Ainda não pesquisei para saber qual animal é esse que habita numa altitude tão alta.

A Sra. Soulsurfer achou a "marmotinha" cute (engraçadinha). Você concorda prezado leitor?

  Estávamos a 5.000 metros de altitude, o que é muito alto mesmo, e teríamos que caminhar meia hora até o glaciar. Não havia ninguém. A Sra. Soulsurfer teve que caminhar muito lentamente para conseguir. Depois de mais de meia hora de caminhada com muita dificuldade, eu apenas disse para mim mesmo “Caraca!”.

Antes de chegar ao glaciar, era necessário caminhar ainda mais (desde o pequeno lago ao fundo). Olha o visual. Estávamos a poucos quilômetros da fronteira com o Tajiquistão. Curioso pensar que daqui uns 4 meses estaremos quase que no mesmo lugar, mais do outro lado da fronteira fazendo, se tudo der certo, a mítica Pamir Highway em duas semanas, passando alguns dias na zona de fronteira com o Afeganistão.

  O Glaciar era simplesmente monumental. Para complementar a paisagem havia um pequeno lago congelado. Nossa, que visual. Caminhamos pelo lago congelado com muito cuidado e curtirmos muito o local. Num local quase desconhecido por todos, perto do Afeganistão e Tajiquistão, a 5000 metros de altitude, em cima de um lago congelado, com um glaciar enorme atrás e sem nenhuma alma viva no local ao pé de uma montanha de quase 8000 metros de altitude. A situação foi tão surreal, tão diferente do meu dia a dia no Brasil quando por lá estava, que eu apenas pude abrir um sorriso e me considerar extremamente sortudo de poder ter uma experiência como aquela. Nenhum carro, celular, status baseado em bens, poderia me proporcionar nem 10% do que vivenciei aquele dia. Só posso agradecer por estar vivo. Estava tão absorto pelo local, que nem senti que fechei o famoso acessório “pau de selfie” no meu dedo, arrancando um belo naco de pele. Quando estava pousando para uma foto, a minha companheira apenas perguntou " que sangue é esse na sua mão, na mochila, no tênis e no lago congelado?”. Nada demais, mas a quantidade se sangue derramado foi razoavelmente grande.

Já estive no Perito Moreno na Argentina, e o glaciar é impressionante. Entretanto, esse foi muito especial por tudo que envolvia o local e o fato que podia-se chegar perto e não havia qualquer turista no local (ao contrário da argentina com hordas de turistas)

Caminhando no lago congelado em direção ao glaciar

O carro que nos levou perto do glaciar

   De volta ao acampamento, a janta foi servida. Uma pasta caseira muito gostosa. Dormi muito, mais muito bem mesmo nessa noite. Acordamos bem cedo novamente e infelizmente era o último dia. Teríamos apenas mais algumas horas naquele local encantado. Infelizmente, o dia não estava tão bonito como o outro e muitas nuvens pairavam no céu. Havia um outro lago uns poucos minutos caminhando da casinha dos nossos anfitriões e era bem bonito também. 

O outro lago também era espetacular. 


Casa dos nossos anfitriões

Soulsurfer dirigindo a nova caranga...
Grato aos senhores por proporcionarem uma experiência tão marcante

Beleza para todos os lados


  Resolvemos então pedir carona para voltar a Kashgar. Um carro parou e pediu 50 Yuan por pessoa, uma espécie de "Uber da estrada". O preço era razoável e aceitamos, foi quando vi um camelo branco lindíssimo. Acenei para a Sra. Soulsurfer e falei “era essa foto que tanto queria”. Uma pintura de enquadramento. O motorista do carro era um verdadeiro maluco e ainda bem que chegamos bem ao nosso destino. Quando já na cidade, ele  queria nos deixar bem longe do centro de Kashgar (é bem comum esse tipo de coisa). Eu e a Sra. Soulsurfer deixamos a entender que de jeito nenhum desceríamos ali. O motorista apenas paralisou e ficou olhando para a minha companheira, acho que nenhuma mulher jamais tinha falado tão incisivamente com ele. No final, ele nos deixou no centro da cidade. 

O filho do casal que nos hospedou apareceu com um camelo lindíssimo quando estávamos indo embora

A foto que eu queria. Pena que o Muztagh Ata estava encoberto

Um lembrete de que não estávamos numa região das mais tranquilas. Dezenas de caminhões do exército na estrada. Uma cena normal em Xinjiang e nas províncias que possuem população tibetana.


  De noite, tomamos uma cerveja com nossos novos bons amigos Sara e Nico. Relembramos um pouco as nossas aventuras nas últimas duas semanas. Será que nos veremos novamente? No Chile, no Brasil ou em Paris? Não sei. A Sara disse que os pais tem uma bela casa na Britânia e nos convidou a ficar lá. É uma região da França que sempre quis conhecer, principalmente para ir às praias onde os aliados desembarcaram na Normandia em junho de 1944. Talvez nos encontremos, talvez não. Porém,  eles já fazem parte da nossas vidas, pois a quantidade de vida e experiência que tivemos nos últimos 15 dias com certeza nos acompanharão por dezenas de anos. 


   No nosso quarto de hostel, havia um casal chinês que falava uma ou outra palavra de Inglês. Toda hora eu tinha que repetir em chinês que não compreendia o que eles falavam. Pelo que entendi, eles estavam numa espécie de lua de mel. Eles estavam extasiados de dividir o quarto com dois estrangeiros.  No final, tiramos uma foto juntos, e ele apontou para mim e fez sinal de que eu era um Macaco. Não sei se foi um elogio ou não. Acho que sim. É o ano do Macaco na China, e eu nasci em outro ano do Macaco. Esse animal é reverenciado na China. Há inclusive uma mitologia muito forte sobre um Rei Macaco, e um blockbuster chinês tem esse nome “The Monkey King”. É pensando bem, deve ter sido um elogio.
                          

Parecido com o Soul? Depois eu lembrei que eu vi o filme quando estava indo de balsa de Padang até o paraíso absolutamente paradisíaco de Mentawai (ai que saudades daquelas ondas perfeitas...) Bom, o rapaz aí era meio poderoso, na cena final ele derrota sozinho milhares de soldados de um outro exército

  O artigo ficou grande para apenas três dias de viagem? Ficou. Não me importo, precisava contar essa experiência para quem possa ter algum interesse e principalmente fazer o registro desses dias maravilhosos. Escrevo esse artigo direto do aeroporto. Estamos indo para Beijing e amanhã de manhã temos outro voo para Seoul, capital da Coréia do Sul. Ficaremos lá duas semanas, depois vamos a H.Kong e entramos na China novamente para mais um mês rumo a Mongólia. Daí a viagem se tornará mais épica ainda, serão cinco meses da Mongólia até o Irã, passando pelos cinco Stans e Rússia. Será demais e espero compartilhar diversas histórias com os leitores desse blog.

Até mais China Maravilhosa

Nos vemos em breve (cadeia de montanha Tian Shan - Divisa entre China, Quirguistão e Cazaquistão)



  Grande abraço a todos!