Olá, colegas. Escreverei hoje sobre um tema que alguns querem saber: Leilões. O que vou escrever, muito provavelmente você não verá em nenhum lugar da internet, muito menos num livro. Provavelmente também seu amigo advogado, se você possui um, também não terá conhecimento sobre todos os tópicos abordados. Porém, antes vou falar um pouco sobre os últimos dias e próximas semanas.
Estou pela segunda vez, a primeira foi em 2008, na belíssima cidade de Luang Prabang no Laos. A cidade é muito bonita e é declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Estou muito cansado. Nos últimos dias, fui a uma província remota do Laos . Foram 7 horas para percorrer um pouco mais de 200km. Uma estrada sinuosa como nunca tinha visto no meio das montanhas. Pessoas vomitado no transporte, locais não eram nem estrangeiros, numa viagem extremamente cansativa. Na cidade de Phonsavan, capital da província, tive uma experiência única. Além de visitar a misteriosa Plain of Jars (centenas de construção de jarros enormes que datam em algumas estimativas há mais de 2000 anos e ninguém sabe muito bem quem as fez). Fiquei diversas horas numa ONG que trabalha limpando campos de UXO (bombas que não explodiram durante a guerra secreta dos EUA no Laos). Soube muito mais, eu não tinha noção da extensão, dos crimes de guerra cometidos pelos americanos num país tão pacato como o Laos. Um dos grandes crimes de guerra do século passado, sem sombra de dúvidas, e quase ninguém sabe. Fiquei horas vendo documentários, lendo a respeito e me causou uma impressão muito forte. Naquela noite, não sei, o meu coração encheu-se de amor pelo povo do Laos, mais especificamente o povo daquela região que foi o local no planeta terra mais bombardeado em todos os tempos. Sim, o Laos foi o país que mais recebeu bombas per capta na história da humanidade, foram quase 1 tonelada de explosivos para cada habitante. Vocês conseguem imaginar isso, colegas leitores? Mais de 270 milhões de uma absurdamente desumana arma chamada Cluster Bomb, ou bomba de fragmentação, foram lançadas sobre uma população na época de 2.5 milhões de pessoas. Aproximadamente 80 milhões dessas bombas não explodiram ao tocar no chão, e depois de 40 anos de encerrada a agressão covarde, elas ainda matam principalmente crianças. É um horror ver as histórias. A região que eu estava foi a mais bombardeada dentro do Laos.
Entretanto, apesar de todo o horror, eu senti amor no meu coração, e essa é uma das melhores sensações da vida. No outro dia, andando de moto, ouvi uma explosão muito forte. Foi muito alta. Foi uma UXO? Alguns metros a frente, uma equipe da MAG (a ONG em questão) fez sinal para parar e segundos depois uma bomba mais próxima ainda explodiu, me dando um susto imenso, nunca tinha presenciado uma bomba explodindo na minha vida e a sensação não é boa. Vimos mais dois caminhões da MAG. Quando já estávamos nos afastando, fiz questão de voltar e parabenizar o belo trabalho que as equipes faziam pelo país deles e pelo mundo. Infelizmente, eles não falavam absolutamente nada em Inglês. Grandes homens e mulheres. Escreverei mais sobre isso num outro artigo.
A canseira bateu e conseguimos achar um quarto confortável por menos de 15 dólares. Vou ficar uns dias descansado e me preparando para o desafio que será viajar na China de forma independente. Quando falam em China, quase todos pensam em Beijing, ou Hong Kong ou talvez guerreiros de Terracota, mas a China é muito, mais muito mais do que isso. Ao trabalhar o roteiro cheguei num impasse: como vou do belíssimo estado Chinês de Yunnan para o outro belíssimo estado Chinês de Sichuan. Há duas opções: um voo de duas horas que não é tão caro assim, apesar de não ser barato, ou uma aventura épica de 9 dias passando pelo platô tibetano, com montanhas que podem chegar a quase 8 mil metros de altura, monastérios tibetanos, paisagens de cair o queixo e a cultura tibetana em todo o seu esplendor. Visitar o Tibet é difícil e caro, já que estrangeiros precisam de diversas autorizações para ir lá. Entretanto, a fronteira do Tibet com o estado de Yunnan é menos controlada e se pode viajar sem autorização (porém, tudo pode mudar a qualquer momento). Aliás, pelo que pesquisei, incrivelmente a tradição e valores tibetanos são mais livremente expressos nessa região mais remota, do que no próprio Tibet. Sem sombras de dúvidas, vou optar pela viagem de 9 dias em transportes públicos no meio de montanhas do que um voo insosso de duas horas.
Por fim, minha operação imobiliária estagnada há quase 24 meses, pode dar uma reviravolta surpreendente. O corretor nem queria passar a proposta e só o fez porque eu e o meu sócio na operação somos da área (fico feliz que ele tenha passado). Pagamentos atrelados a um precatório que uma Senhora tem a receber. O valor a receber pela casa seria algo em torno de 25 a 30% maior do que eu esperava vender. O que para muitas pessoas pode parecer complexo, é muito simples e é possível fazer um contrato que não coloque nenhum risco na operação para mim. Se isso ocorrer, levaria o retorno da operação para 100% bruto em três anos, o que não seria fantástico, mas muito bom já. Aguardar para ver se isso se concretiza.
Escrito o que eu pretendia escrever, passemos para o tópico do artigo.
Histórias sobre o coração se enchendo de amor, guerra secreta em um país desconhecido, cruzar o platô do Tibet podem não interessar a muitas pessoas, afinal esse é um blog que tem o nome pensamentos financeiros. Vamos às finanças então.
I - SE ALGUMA COISA DER ERRADA NO LEILÃO, EU NECESSARIAMENTE RECEBO TODO O DINHEIRO DE VOLTA CORRIGIDO - MITO
Isso não é verdade. Pesquise na internet, fale com advogados que não têm conhecimento na área, e eles invariavelmente dirão que não há risco de perder o dinheiro dado num arremate. Nada mais longe da verdade. O que deveria ser dito é que a probabilidade de se perder o dinheiro é pequena, não que ela inexiste. Eu posso citar vários exemplos teóricos onde isso é possível, mas, tendo em questão que nosso cérebro gosta de histórias concretas, vou dizer sobre um caso específico onde eu fiz uma análise prévia.
Um terreno de uns 8 mil metros quadrado. Uma casa de 300m2. Lagoa da Conceição, bem perto de onde morei quando era estudante. O preço que avaliei sem muita precisão? Algo em torno de 1.5M por baixo. Quanto tinha sido avaliado para fins de leilão na Justiça do Trabalho? 900 mil. Isso queria dizer que os lances poderiam começar com 451mil. Sim, às vezes aparece essas barbadas em potencial, aquelas que se acerta pode ficar uns 8-10 anos sem trabalhar, na verdade muito mais, se você tiver controle e responsabilidade com seus gastos.
Tudo lindo. Todo o check list tinha passado no filtro. Fui ler a matrícula novamente, “peraí, esse imóvel nem pertence mais ao executado”. Era uma execução de uma dívida do caseiro da casa, a relação era de empregado doméstico. O vínculo era de 2009 a 2012, se não me engano. Entretanto, o executado, que era estrangeiro, tinha transferido a propriedade para uma empresa com sede em Luxemburgo no ano de 2007. Estava-se a leiloar um bem que não mais pertencia ao réu da ação original. Muito difícil alegar qualquer tipo de fraude, pois a transferência foi feita antes não só do ajuizamento da ação, mas do próprio vínculo de trabalho. Além do mais, nada disso tinha sido discutido nos autos.
A minha pessoa de confiança, além de ser um dos meus melhores amigos, é sócio de um dos melhores escritórios de advocacia do Estado, daqueles que saem em catálogos de revistas internacionais de advogados. Foi professor de Processo Civil na federal. O cara tecnicamente é muito bom. Falei para ele que a probabilidade de dar “merda" era gigantesca, ele aquiesceu. Perguntamos então, associado do escritório dele, a um dos melhores advogados trabalhistas da cidade, e ele não tinha certeza, mas concordou com nosso raciocínio.
O que pode acontecer? Eu apenas acompanhei o leilão e não participei. O imóvel saiu por 650k. A operação na parte negocial foi muito boa, e esse era exatamente o limite que eu iria. O dinheiro deve ter sido depositado no dia seguinte. Não deve ter tido Embargos de Arrematação (um dos recursos disponíveis ao executado para questionar a arrematação), pois para o Executado tanto faz como tanto fez, aliás ele deixou de se manifestar nos autos muitos atos processuais anteriores ao leilão. Como não deve ter havido Embargos, o juiz deve ter emitido a carta de arrematação, documento a ser levado ao registro de imóveis para passar o imóvel para o nome do arrematante. Como a carta foi expedida, o juiz deve ter autorizado o dinheiro depositado na Justiça, fruto do lance do imóvel, a ser sacado pelo trabalhador. Uma beleza. Uma arrematação bem-feita sem qualquer contra-tempo. Será?
O que aconteceria, se é que já não aconteceu, quando a empresa que comprou o imóvel em 2007 questionar essa lambança da Justiça do Trabalho? É praticamente certo que uma ação de anulação da arrematação seria julgada procedente, pois um bem de terceiro foi erroneamente levado à Leilão. Se isso ocorrer, a arrematação será desfeita. “E o que acontece com o arrematante que pagou 650 mil reais, Soul?”. Bom, o dinheiro já foi sacado. Ele terá que entrar na justiça com perdas e danos contra o executado que se beneficiou da anulação da arrematação. Sim, o dinheiro dele terá evaporado, e sobrará a ele o direito de processar, e quem sabe daqui muitos anos, tentar executar algum bem do executado. Quem trabalha com direito, sabe que isso é caso de P.T., não é o partido no poder, mas sim Perda Total.
Portanto, dizer que o dinheiro não pode ser perdido em leilão é um mito, pode ser sim e há algumas hipóteses que isso pode ocorrer.
II - PRECISO CONHECER O LEILOEIRO PARA SABER DOS “NEGÓCIOS QUENTES”, POIS HÁ UMA MÁFIA , BEM COMO ELE É QUEM VAI ESCLARECER SOBRE EVENTUAIS PROBLEMAS- MITO
Amigos, vi que o colega blogueiro Além da Poupança leu um livro sobre leilões, nem sabia que existia um no Brasil, de um leiloeiro. Vi alguns comentários também de pessoas curiosas sobre o tema, mas que, e não há nenhum problema pois o tema não é fácil, sem conhecimento técnico.
Leiloeiro não trabalha para Justiça. Ele é um auxiliar da Justiça, e isso é uma diferença brutal. Ele é um intermediário, como um corretor de imóveis. Ele não está lá para te ajudar, mas sim para vender e ganhar a comissão. Ponto. Além do mais, muitos tem evidentemente experiência na área, mas a esmagadora maioria deles, pelo pouco que conversei, confundem alguns conceitos técnicos básicos.
Mais um caso no qual participei. Minha companheira é nascida em Curitiba. Havia um grande leilão lá e dois imóveis me chamaram a atenção. Fomos então a Curitiba, já que gosto dos restaurantes e parques de lá. Passei uma tarde olhando os diversos processos referentes aos dois imóveis.
Um era um terreno de 1.500m2 com uma casa de 300m2 numa área semi-nobre da cidade. Valor? Como não sou de lá, difícil dizer, mas por baixo entre 1.5 a 2M. Imóvel foi avaliado por 700 mil, isso queria dizer que os lances começavam em 351mil. Há uma explicação técnica de porque em alguns casos a avaliação pode ser tão mais baixa do que o valor de mercado. Em alguns casos e situações, pode levar a anulação da arrematação e em outros muito provavelmente não.
Depois de folhear o processo principal, resolvi ler outro onde o réu também era executado. Para a minha total surpresa, o imóvel indo em leilão no próximo dia, já tinha sido leiloado num outro processo duas semanas antes. “Ah, mentira, Soul! Isso pode acontecer?” Sim, colegas, bem-vindos ao manicômio que é o nosso sistema judicial. As pessoas gritam “Somos Todos Moro”, mas a forma como o processo da Lava-Jato vem sendo tratado, até pela importância do mesmo, em absolutamente nada se compara com o descaso que a esmagadora maioria dos outros processos são tratados. E não há qualquer perspectiva de melhora nesse quadro no curto prazo.
No dia do leilão, avisei o leiloeiro sobre o fato. Ele ficou surpreso, mas me disse “Ah, não tem problema, quem levar primeiro a carta de arrematação no Registro de Imóveis leva o imóvel”. Bela resposta. Agradeci e pensei apenas comigo: “Vixe, é para os leiloeiros que as pessoas vão perguntar as duas dúvidas sobre o leilão?”
Além do mais, é impossível existir máfia em leilão. Vão te proibir de dar lance? “Ah, mas eles podem inflar o preço dando vários lances”. Ué, e daí? Num leilão, você deve estabelecer um lance máximo onde o retorno potencial seja contrabalançado cos diversos riscos potenciais. Esse é um dos conceitos centrais, e onde começa haver ponto de contato com finanças pessoais, economia comportamental e erros de julgamento. Se passar desse preço, simplesmente pare de dar lances, e problema de quem está inflando os preços conscientemente ou não.
Como disse um investidor famoso uma vez, não lembro quem, “não vá a uma loja de sapatos perguntar se você precisa de novos sapatos”. Logo, não vá a um leiloeiro para saber se você deve ou não comprar um imóvel em leilão.
III - PRECISO CONHECER DIREITO IMOBILIÁRIO - VERDADE, MAS COM UMA GIGANTESCA RESSALVA
Há uma falsa percepção de que a pessoa, pois se trata de imóveis sendo vendidos, que quer comprar imóveis em leilão precisa ter um grande conhecimento em direito imobiliário. Evidentemente, esse conhecimento ajuda bastante, porém ele não é o mais importante, principalmente quando se mira leilões judiciais.
Na verdade, o maior conhecimento é sobre direito processual. Se direito imobiliário pode interessar quem é leigo, tenho absoluta certeza que direito processual é muito mais chato para quem não teve educação formal na área. Um processo mal conduzido, mesmo que alguém possa ter razão, pode ser procrastinado e até mesmo anulado a depender do erro processual cometido. Há tantas minúcias, que fica difícil colocar num texto tão breve. Além do mais, esse é um dos nó górdios para escrever um livro a respeito, como transformar numa linguagem mais simples, fazendo explicações sobre processo, imóveis, bem como diversos conceitos de Finanças Pessoais?
Vamos a um caso, e já advirto que pode ser de difícil entendimento para aqueles que não lerem com atenção.
Os outros dois tópicos, qualquer advogado ou um juiz com uma boa formação técnica consegue reconhecer sem tantas dificuldades. Porém, eu nunca vi em nenhum lugar a associação de diversos conceitos financeiros com os conceitos jurídicos por trás de leilões. Aliás, nunca vi nem nada parecido.
Um dos livros mais complexos que já li sobre Finanças chama-se “Expected Returns”. A coisa é para nível de gestor profissional e dos bons. Da Blogosfera financeira apenas sei que o Viver de Renda o leu. Quase ninguém conhece no Brasil. Livros como do Siegel “Ações para o Longo prazo” são introdutórios perto do conhecimento que o Expected possui. A parte de renda fixa então, vixe, parece que um gestor de dezenas de bilhões de dólares, e o autor é gestor de um fundo desse tamanho, está mostrando as entranhas teóricas dessa classe de ativo. Não há nada remotamente parecido no Brasil e muito menos na blogosfera financeira.
Uma vez me perguntaram se valeu a pena ler livro com tanta complexidade. Sim, valeu. Não porque me tornou um investidor pronto para achar as barganhas no mercado financeiro. Eventualmente, acerto uma como comprar BBAS3 a 12,90. Queria ter comprado de 25 a 30 mil ações, acabei comprando apenas 400 por questões logísticas. Eu não creio ter essa capacidade, e nem me preocupo com isso. Porém, como diz W.Buffett “o conhecimento também se comporta como juros compostos” - não sei se a frase é textualmente assim. O meu conhecimento de mundo apenas aumenta com minhas leituras de tópicos tão diversos como biologia, budismo, finanças ou física. Apenas consigo fazer mais conexões do que seja uma boa vida a ter experiências como a narrada no Laos. Atualmente, consigo ver tantas associações em tantas coisas, que fico triste que não consigo compartilhar tanto, pois muitas pessoas são presas a visões de mundo tão estreitas, empobrecidas e errôneas. Falarei sobre isso com mais vagar no meu artigo que pretendo nomear “Desconstruindo o Mito do Mito Escandinavo”.
Citado já algumas vezes por aqui. Se realmente quer entender sobre muitos assuntos do mercado financeiro, e fugir um pouco de informação básica requentada, sugiro a leitura desse livro (é um livro para se ler com muita calma e em vários meses, até porque ele é imenso e com letras minúsculas e cheio de notas de rodapé tão interessantes quanto os assuntos tratados no corpo do texto).
Ler o livro mencionado fez o meu conhecimento crescer. Não para fazer Trades no Tesouro Direto, pois não há muito o que saber e qualquer pesquisa na internet pode mostrar estratégias, e no final é apenas uma análise sobre inflação esperada e variação do prêmio de juros reais exigido. São variáveis macroeconômicas muito difíceis de se antever, ainda mais no Brasil (por isso essa volatilidade toda) apesar que pode sim ter limites de corda muita esticada ou frouxa. Porém, o livro me trouxe uma nova forma de tentar compreender diversos assuntos, e diversos tópicos foram importantes para eu fazer associação com leilões.
“Dê um exemplo dessa mistureba, Soul”. No Brasil, existe a instância ordinária de recursos e a extraordinária. Naquela, quase tudo pode ser rediscutido, é o que acontece quando se Apela ao Tribunal de uma sentença do juiz de primeiro grau, nesta o escopo da discussão judicial é muito mais reduzido. Para que existe a instância extraordinária? O objetivo principal é unificar a interpretação das Leis e da Constituição Federal no sistema Judiciário.
Os Tribunais Superiores (STF, STJ, TST, TSE E TSM) são responsáveis pelo julgamento. Atenção, só existe um Tribunal Supremo, e é o STF. Todos os outros são superiores, o que há de jornalista escrevendo Supremo Tribunal de Justiça não está no gibi. Os requisitos para se ter um recurso admitido na instância extraordinária para julgamento são muito mais rígidos do que uma Apelação para um Tribunal de Justiça, por exemplo. No direito, quando se recorre há dois juízos feitos pelo tribunal: num primeiro momento, ele observa se certos requisitos formais foram aceitos para que o julgamento possa ocorrer. Se todos os requisitos forem preenchidos, o Tribunal RECONHECE o recurso, em termo técnico isso quer dizer que o recurso será analisado. Se alguém recorrer fora do prazo legal, por exemplo, o Tribunal não irá reconhecer o Recurso. Não importa se a parte tem razão ou não em suas alegações, se não cumpriu o prazo legal de recurso, o Tribunal não reconhece o recurso, e simplesmente não há um novo julgamento. Reconhecido o recurso, o tribunal pode dar provimento ou não ao recurso. Ou seja, se der provimento dirá quem recorreu tinha razão, se não der provimento dirá que não tinha razão. Logo, há o juízo de reconhecimento ou não do recurso e o juízo de provimento ou não do recurso.
Até aqui, ok? O direito processual do trabalho é um pouco diferente do direito processual civil normal. Os prazos e recursos são diferentes em muitas ocasiões. Quando já se está na fase de execução de um processo trabalhista, geralmente qualquer decisão judicial é atacável por um recurso chamado Agravo de Petição. Aqui, vai entrar uma discussão ainda muito mais sutil. Quando eu disse que a função dos Tribunais Superiores é unificar o entendimento sobre a legislação, quando se trata de normas constitucionais tal tarefa é do STF. Quando diz respeito a leis infraconstitucionais é do STJ. Quando são normas trabalhistas é do TST.
Há entendimento claro na Jurisprudência de que ofensas reflexas, e não diretas, a Constituição não são de competência do Supremo. O que é uma ofensa reflexa e não direta? O conceito de preço vil numa arrematação, por exemplo. Se o bem foi avaliado por 100 mil e arrematado por 10 mil, essa arrematação muito provavelmente será considerada nula por preço vil. A vileza ou não de uma arrematação é um conceito que consta no Código de Processo Civil (ainda deve constar no novo CPC certamente). Não há no nosso texto constitucional nada dizendo sobre arrematações e preço vil. Eu posso dizer que perder uma casa que vale 100 mil por 10 mil num leilão é uma forma de desapropriação injusta, que ofende a minha dignidade humana (esses dois preceitos que constam em nossa Constituição), e qualquer outro argumento criativo que advogados podem criar. Essa ofensa será, entretanto, reflexa à Constituição, não será direta. Se assim o é, quem deve julgar eventuais recursos alegando preço vil é o STJ, não o STF. Se o recurso for endereçado ao STF, ele não será Reconhecido.
A Justiça do Trabalho, entretanto, tem uma particularidade. O Tribunal Superior do Trabalho - TST - julga ofensas constitucionais, tendo o STF a palavra final, acaso haja recurso contra a decisão do TST. Lembram-se quando disse que o recurso para atacar decisões judiciais na fase de execução, onde os leilões ocorrem, na Justiça do Trabalho é o Agravo de Petição direcionado ao Tribunal Regional do Trabalho - TRT- competente. E qual é a decisão em processo de execução que contesta via recurso de cunho extraordinário decisão do TRT proferida em Agravo de Petição? Um recurso chamado Recurso de Revista. Não há jeito de transformar isso em algo mais simples, peço desculpas aos leitores leigos em direito.
Entretanto, Recurso de Revista em execução na Justiça do Trabalho apenas se tiver ofensa literal e direta à Constituição Federal. Ofensas à legislação infraconstitucional não podem ser analisadas nesse caso. Logo, o preço vil não pode ser analisado pelo TST. Entretanto, isso não ocorre em leilões da Justiça Estadual ou Federal, já que o Recurso Especial para o STJ pode e deve tratar apenas de questões infraconstitucionais. Se eu expliquei corretamente, você já terá totais condições de entender o “juridiquês" da decisão abaixo (abstraia o Agravo de Instrumento para não complicar mais ainda):
"Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA.EXECUÇÃO DE SENTENÇA. ARREMATAÇÃO. PREÇO VIL. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. NÃO-CONFIGURAÇÃO. Conforme preceitua o parágrafo 2º do artigo 896 da CLT , tratando-se de acórdão proferido em execução de sentença só é cabível a interposição de recurso de revista fundado em ofensa literal e direta a dispositivo constitucional. Não viabiliza, portanto, o recebimento do apelo extraordinário a invocação de ofensa a dispositivo constitucional pela não observância do artigo 692 do CPC , vez que se alguma violação restar configurada esta se dará em relação ao comando legal indicado, hipótese esta, contudo, que não se enquadra na exceção de que trata o dispositivo consolidado citado. Agravo de Instrumento a que nega provimento, particular." (TST - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA AIRR 7637237920015125555 763723-79.2001.5.12.5555 )
O que isso quer dizer, colegas, trazendo para as finanças pessoas e objetivos financeiros? Isso quer dizer que se eu comprar um imóvel na Justiça do Trabalho, a maioria de eventuais objeções do Réu não irá para Brasília ser julgada. A parte executada pode até tentar um Recurso de Revista para o TST, mas bate e volta em poucos meses, sem qualquer risco de perda. Portanto, há apenas duas instâncias de julgamento quando se compra na Justiça do Trabalho: o juiz de primeiro grau e o Tribunal Regional.
Se há menos instâncias, eventual problema na Justiça será resolvido muito mais rápido do que um processo na Justiça Comum que pode levar anos para o Processo ser julgado em Brasília, já que o STJ está entupido de recursos para julgamento.
Além do mais, boa parte das defesas desesperadas de advogados quando o cliente já teve o imóvel leiloado geralmente não são técnicas, mas emotivas alegando diversos princípios constitucionais. Isso pode criar alguma confusão entre STJ e STF, mas nenhuma confusão no TST.
Logo, o tempo da operação imobiliária potencialmente se encurta se houver questionamento de um imóvel comprado num leilão de um processo trabalhista. Se o tempo, as instâncias e as matérias passíveis de arguição diminuem, o risco também diminui. Se o risco diminui, se pode exigir margens menores para compensar a diminuição do risco, fazendo com que se possa ter mais chances de realmente comprar um bom imóvel em leilão.
Se o mesmo imóvel pudesse ser replicado em um leilão na Justiça Estadual e na do Trabalho, o prêmio exigido no leilão da Estadual (margem de segurança - conceito central em finanças e na vida prática) deve ser maior, pois a taxa de desconto (risco) é maior, fazendo com que o Valor Presente Líquido seja menor por causa desse fato. Pergunte algum leiloeiro sobre isso, e veja as prováveis belas respostas que se seguirão.
Essa é apenas uma das diversas associações que faço entre conceitos de finanças e como agir em leilões. É o modelo mental pelo qual opero quando estou nessas operações. Se não sabe o que é modelo mental, sugiro pesquisar na internet ou dar uma olhada num artigo recente meu sobre erros de julgamento.
O artigo já ficou bem grande. Poderia escrever páginas e mais páginas sobre o tema, mas vou ficando por aqui. Um grande abraço a todos!