Olá, Colegas! Seguindo a linha de um artigo feito há pouco tempo em homenagem ao Abujamra, escrevo sobre algo que parece ter dominado corações e mentes de muitas pessoas: a busca desenfreada por sucesso financeiro, tendo o dinheiro como o maior, ou talvez único, balizador do sucesso humano de um indivíduo. Isso faz sentido? O sucesso financeiro é necessariamente um bom parâmetro para se analisar a trajetória de vida de um ser humano? No decorrer do presente artigo, tento responder a estas perguntas dando a minha opinião sobre o tema.
“Quem dirige um ford focus fez por merecer”, é o que diz a propaganda. Quando vi pela primeira vez essa propaganda na televisão, automaticamente pensei “E se o Fernandinho Beira-Mar estiver dirigindo um Focus ele também fez por merecer?”. Na época da propaganda, eu ainda estava na Universidade, e o famoso traficante era notícia em todos os meios. Além do mais, o pai de um amigo meu que era delegado da polícia federal estava encarregado da custódia do traficante durante um período de tempo. Logo, a figura do Fernandinho deveria estar bem viva em meu cérebro, por isso a minha associação. A propaganda queria associar o fato de alguém dirigir um carro caro, pelo menos o era na época (aliás, no Brasil todos os carros são caros, e é uma completa insanidade financeira gastar muito dinheiro com automóveis por aqui), a não só sucesso financeiro, mas como também a um sucesso enquanto ser humano. Aliás, é isso que a propaganda que todos são bombardeados de forma acachapante (não, você não é imune a isso, há inúmeros efeitos dessa quantidade absurda de marketing sobre a sua forma de pensar, principalmente e relação ao sistema 1 ,a forma mais instintiva e automática de se posicionar no mundo) tenta fazer com as pessoas: impingir a ideologia que confunde dinheiro com felicidade e por via de consequência sucesso humano.
Isso é importante. Quase todos os seres humanos muito provavelmente irão concordar que talvez o maior objetivo da vida é se sentir realizado, uma percepção subjetiva de extremo bem-estar, chame isso de felicidade se quiser. A constante busca desse bem-estar, da felicidade, é algo quase que natural para todos. Assim, associar bem-estar subjetivo humano a sucesso financeiro unicamente possui inúmeras consequências em várias esferas, porém esse texto irá focar em apenas algumas.
Então, leitores, o Fernandinho beira-mar faria por merecer se estivesse num carrão? Sim ou não? É muito fácil fugir dessa questão e dos desdobramentos, mas creio ser importante enfrentá-la. E se ele não merecesse, por qual motivo ele não mereceria? Alguém pode argumentar que ele não faria por merecer, pois ele se beneficiou financeiramente em detrimento do sofrimento de muitas pessoas. Essa pode ser uma boa resposta. Assim, para fazer por merecer dirigir um carrão, ou seja para que o sucesso financeiro seja equivalente a sucesso enquanto ser humano, é necessário que este sucesso financeiro não seja fruto do sofrimento alheio. Porém, se alguém é franqueado de uma rede famosa de Fast Food , por exemplo, pode-se falar que o sucesso financeiro dele foi livre de sofrimento de outras pessoas? Muito dificilmente. Não há qualquer dúvida científica que essa espécie de alimento- se é que podemos chamar de alimento - é uma das causas de inúmeras complicações de saúde em jovens como obesidade, problemas cardíacos precoces, pressão alta, entre tantos outros problemas. A maior epidemia hoje em dia na humanidade é stress e obesidade, com custos, ouso dizer, de centenas de bilhões de dólares para a saúde pública, ou não, ao redor do mundo. Alguém que é dono de uma loja de armas, por exemplo, não pode afirmar, mesmo que esteja de boa-fé, que eventualmente o produto vendido não seja utilizado para algum ato horripilante. Isso se estende por quase todas as atividades. É por isso que o meu pai sempre me disse que “dinheiro é sangue”, e sempre que eu o vejo ele me pergunta se eu li um livro indicado por ele (o único que ele me indicou em toda vida), mas eu infelizmente ainda não tive a oportunidade de ler.
Não está convencido? Se você é dono de um bar, por acaso você pergunta de onde veio o dinheiro que irá pagar o cafezinho? E se o dinheiro veio de um latrocínio? Você que vai vender um imóvel se preocupa de onde veio o dinheiro (assumindo é claro que a transferência do dinheiro seja feita de forma legal)? E se o dinheiro vier da exploração do transporte de refugiados sírios para a Europa? Ninguém se importa com isso ou se preocupa. Se assim o fosse, as relações comerciais simplesmente travariam. Logo, é muito melhor, para fins de funcionamento da sociedade, ignorar essa questão. Portanto, a resposta sobre o Fernandinho Beira-Mar talvez não seja suficiente para retirar o mérito do seu sucesso financeiro, pois inúmeras atividades humanas podem estar se beneficiando direta, ou indiretamente, do sofrimento humano.
Alguém então pode argumentar “Bom, ao menos a atividade de um dono de padaria é legalizada, e de um traficante de drogas não o é”. Esse argumento é muito interessante, principalmente quando proferido por pessoas que acreditam na ideologia de micro-Estado ou de nenhum Estado. Ora, se o Estado deve ser micro, evidentemente uma atividade ser legal ou não, aos olhos do Estado, não pode ser um fator de diferenciação ética entre atividades. Para ficar mais claro, o Estado dizer que uma atividade é legal e outra não, segundo essa forma de ver o mundo, não é um fator suficiente para dizer se uma atividade é correta ou não. Pelo contrário. As atividades deveriam ser livres, sem regulação estatal. Logo, a chancela estatal não significaria nada sobre a ética ou não da atividade. “Eu não acredito em anarcocapitaslimo ou mirco-Estado, logo isso não se aplica a mim”. Correto. Porém, a questão ainda permanecesse de uma simples regulação estatal não necessariamente ser suficiente para discernir o que é ético ou não. Afinal, e isso é bem claro para quem já teve a oportunidade de estudar direito, legalidade não se confunde necessariamente com legitimidade. Vender cocaína faz mal as pessoas que consomem. Vender salgadinho frito para crianças com menos de 10 anos também. Vender refrigerante também. Vender bebida alcoólica também (ao menos, a depender da bebida alcoólica, em doses bem moderadas os efeitos podem ser neutros ou até mesmo positivos ao organismo). “Soul, estou achando forçado, um traficante vende drogas ilícitas, isso só pode ser errado”. Pode ser errado, mas qual é a diferença, do ponto de vista ético, de alguém que vende drogas lícitas? Cerveja é uma droga, mas ela é legalizada pelo Estado. Cigarro é uma droga, mas ele é legalizado pelo Estado. Não há, do ponto de vista ético, muita diferença entre a atividade de vender cigarros e cerveja e drogas mais pesadas. Pelo contrário. Qualquer especialista no assunto diz que o álcool é uma das piores drogas que existe em relação à saúde pública. Quantas mulheres não foram ou são surradas por maridos bêbados que chegam em casa? Quantos jovens não perdem a vida por estarem alcoolizados na direção do veículo? O custo social, além é claro das tragédias individuais, é imenso, muitas vezes maiores do que drogas consideradas mais pesadas.
Destarte, se alguém é sócio de uma empresa que vende cigarros ou cerveja, faz parte de um empreendimento que vende drogas que invariavelmente ocasionam morte e sofrimento. Portanto, acionistas da Souza Cruz, Ambev (apenas para citar empresas listadas em bolsa que estão diretamente ligadas com a venda de drogas), estão sim se beneficiando do sofrimento humano, quanto mais os lucros sobem baseado em volume de vendas (não em alguma eficiência organizacional), mais sofrimento humano é causado. Um último argumento poderia ser no sentido de que o Fernandinho Beira-Mar usaria de meios coercitivos violentos em relação a clientes devedores ou a concorrentes. Ora, isso porque o ramo de atuação dele está na ilegalidade. Uma das vantagens de se tornar legal uma atividade é o fato que todo o arcabouço jurídico do Estado de Direito, com suas vantagens e desvantagens, pode ser aplicado em relação à atividade em questão. Assim, um profissional liberal talvez gostaria de empregar métodos “não-tradicionais” de cobrança dos seus clientes em atraso, mas a toda evidência como a sua atividade é legal (pelo menos de princípio), isso seria muito difícil. Além do mais, mesmo empresas em atividades legalizadas usam inúmeros métodos coercitivos contra outros concorrentes, a grande diferença é que talvez seja uma “coerção legalizada”, porém em muitas casos nem isso o é.
Portanto, do ponto de vista lógico, se alguém confunde sucesso financeiro necessariamente como sucesso enquanto ser humano, e o número de pessoas assim é gigantesco, a aceitação do fato que de que o Fernandinho Beira-Mar fez por merecer um Ford Focus é quase que forçosa. Grifei o “necessariamente”, pois a toda evidência o sucesso financeiro pode significar inúmeras qualidades humanas positivas como perseverança, comprometimento, inovação, etc. O foco desse artigo é apenas em relação a associar sucesso financeiro automaticamente a sucesso enquanto ser humano.
A vida finita de um ser humano neste planeta vai muito além da sua trajetória financeira. Pensem em vocês mesmos leitores. Muitos dizem que seus pais são fontes de orgulho e inspiração. A maioria dos que assim falam diz que os seus genitores não tiveram muito sucesso financeiro (no sentido de grande acumulação de patrimônio), mas são exemplos de vida. Ora, se uma pessoa considera sucesso financeiro equivalente a sucesso humano, então achar o pai um exemplo de vida, sem ele ter tido grande sucesso com dinheiro, é uma contradição lógica. Não, colegas, isso é apenas um indicativo de como nós enquanto seres humanos damos valor para muitas outras coisas além do dinheiro. O amor de um pai ou mãe pelo filho e a capacidade de doação dos país para que os filhos possam ter uma vida melhor podem ser citadas como características tão ou mais importantes do que o sucesso financeiro. Ou alguém prefere um pai rico, ausente e sem amor, ou um pai não tão rico, mas presente e amoroso ( a toda evidência um pai com grande sucesso financeiro pode também ser presente e amoroso, não há uma relação de contrariedade obrigatória)?
Portanto, prezado leitor, ao invés de medir o seu sucesso na vida pela quantidade de bens ou de dígitos na sua conta bancária, ou do seu portfólio como um todo, reflita se você foi e está sendo um bom companheiro(a) para a sua parceira(o). Um bom filho. Um bom amigo. Se a dor e o sofrimento de outras pessoas incomodam você, ou se é indiferente (um outro bom indicativo, em minha opinião, para se avaliar sucesso humano). Se você traz alegria e motivação para pessoas a sua volta, ou se ao contrário traz apenas sofrimentos e angústia. Aliás, para responder se uma pessoa teve sucesso na vida, gosto muito das duas perguntas que a religião egípcia da época dos Faraós dizia que eram feitas quando do julgamento depois da morte: “ Você encontrou alegria na sua vida? Você trouxe alegria para vida de outros?”
O que vocês diriam, colegas, se tivessem que responder hoje a essas duas questões? Se a resposta sincera não os agradar, nunca é tarde para encontrar alegria e trazer alegria para a vida dos outros. Pensem nos seus pais, aqueles que nutrem admiração, e percebam como eles trouxeram alegria para as suas vidas, e talvez por isso se pode dizer que eles foram seres humanos com grande sucesso. “Mas, Soul, se meu pai me trouxe alegria, era amoroso, mas foi desonesto em diversas atividades em relação a outras pessoas?” Bom, colega, aí entramos no tópico de um outro artigo que pretendo escrever em relação à expressão acrítica, auto-bajuladora, e em essência não verdadeira, sobre pessoas que se auto-intitulam "cidadãos de bem”, num maniqueísmo tão infantil que lembra a política internacional desastrosa do Bush filho quando presidente da maior potência econômica e militar do mundo.
Não sei se estou trazendo alegria para outros, espero que sim, mas estou achando alegria na vida. Soulsurfer em momento de puro êxtase numa das melhores sessões de surf que já fiz. Lakai Peak (East Sumbawa): 6 pés plus, bancada de coral rasa, pesado, qualquer descuido é prancha quebrada no meio e corte de coral (vi várias situações dessas), simplesmente perfeito!
Grande abraço a todos!