sexta-feira, 19 de maio de 2017

CONSUMIR OU NÃO CONSUMIR, EIS A QUESTÃO



Olá, colegas. Sobre o que escrever? O colapso do governo atual? O circuit breaker da bolsa? Não, não estou com vontade de criar um texto mais aprofundado sobre estes temas.  Quero falar sobre um assunto muito mais fundamental, que está absolutamente relacionado com a nossa vida no dia a dia, com nossas aspirações financeiras, com nossos receios. Quase tudo se resume a isso hoje em dia, é claro que só posso estar falando de CONSUMO.



  O consumismo é a raiz dos nossos males modernos alguns dizem. Outros dizem que o consumo é a prova do nosso progresso enquanto espécie “vejam, como o consumo per capta aumentou nos últimos 300 anos, isso é sinal do progresso”.  Eu creio que essas duas visões estão erradas, e estas duas visões estão certas.  Ou seria melhor dizer que há pontos negativos e positivos em ambas as abordagens? Escolha você, prezado leitor, a forma de encarar a problemática que mais lhe agrade.



 Todos nós seres humanos somos consumidores. Nós temos que no mínimo consumir comida.  Tirando alguns povos remotos que relembram como vivíamos há 20 mil anos, também precisamos consumir produtos que nos protejam das intempéries da vida. Logo, o consumo é algo natural para seres humanos, e ousaria dizer até mesmo para outras espécies de vida. Se é algo ínsito da nossa vida enquanto sapiens, o consumo nos traz bem-estar e felicidade? É claro que traz.



 Você foi largado no meio da Sibéria no começo do outono. Não são temperaturas congelantes, mas é frio. Está sem roupa. Está com fome. Os seus pés doem por causa do frio e o contato com a terra gélida. Você está miserável, completamente infeliz. Você não tem capacidade de consumir nada, você está como veio ao mundo.  Quando tudo parece perdido, você observa uma casa. Na habitação, há uma sorridente família siberiana. Eles o convidam a entrar. Dão para você roupas quentes.   Você senta perto de uma lareira, e então sente um cheiro de comida sendo feita, sua saliva é produzida em grande quantidade. A comida, simples, estava deliciosa.  Uma cama, simples, está esperando por você.



 O seu estado de infelicidade total foi transformando num estágio de felicidade imensa, e isso só foi possível porque você consumiu coisas. Esse consumo só foi possível porque alguém colocou esforço e produziu esses bens. Portanto, pode-se dizer que o consumo trouxe bem-estar e felicidade. Pode-se afirmar também que para haver consumo é necessário que alguma prévia produção tenha existido.  Ora, se o consumo de coisas simples (no contexto de nós humanos no século 21) aumentou tanto o seu bem-estar, parece lógico supor que um consumo cada vez maior, e de coisas mais complexas, vai levar ao aumento de satisfação e bem-estar. ESSE É O PRESSUPOSTO BÁSICO DA NOSSA FORMA DE VIVER E PRODUZIR COISAS ATUALMENTE. Ele parece lógico.



  Você então pega um trem até Moscou. E de lá volta para a sua vida de classe média no Brasil. Olha então em sua volta, um belo apartamento. Um carro esteticamente muito bonito na garagem. Uma geladeira cheia de comida.  Você tem um padrão de consumo muitas vezes maior do que aquele  experimentado na cabana da Sibéria, mas você é pego várias vezes refletindo naquela noite na Rússia, e como você se sentia tão ou mais realizado do que se sente atualmente. Mas como? Um aumento grande da sua possibilidade de consumo não traduziu necessariamente num aumento do seu bem-estar.  BEM-VINDO AO SUPOSTO “PARADOXO” DA VIDA DOS DIAS ATUAIS PARA MUITOS SERES HUMANOS.


  Quem já não sentiu isso? Eu, por exemplo, já experimentei diversas vezes essa sensação. Estou com fome, frio, triste, até um pouco mal-humorado, e de repetente me vejo aquecido, comendo uma sopa com pão junto com pessoas alegres, e o meu “coração” se enche de alegria, sinto um bem-estar indescritível.  O meu patrimônio superou uma determinada faixa que muitos considerariam bastante dinheiro, e eu não sinto nada demais.  Mas como isso? Se um patrimônio maior me permite consumir muito mais?


  Alguns tentam explicar esse aparente paradoxo, pelo menos os blogs financeiros, saindo-se com  a ideia de que consumir mais não traz bem-estar necessariamente, e que pode eventualmente manter você num estado de pobreza, ou ao menos de não-liberdade.  “Não consumo em demasia, pois assim eu posso investir mais, e ser mais livre”, mas as pessoas ao defender isso não se dão conta de que não se está  explicando a aparente contradição entre aumento da possibilidade de consumo e manutenção ou às vezes decréscimo na sensação de bem-estar.


  E por que não? Porque às vezes a noção de equilíbrio não é muito bem entendida ou discutida em nossa sociedade hoje em dia.  Tente se recordar da suas aulas de ecologia na escola. Lembra-se da palavra Clímax? Vou aqui colocar uma pequena definição que está na Wikipedia:



"Este estágio é caracterizado por compreender espécies que são as melhores competidoras da comunidade local. Geralmente as espécies vegetais climáxicas (e.g. típicas do estagio Clímax) são de maior porte, além de mostrar alta eficiência entre produção e consumo de nutrientes. No estágio clímax, quando uma espécie é extinta, outra espécie típica de clímax a substitui, mantendo a ciclagem entre as comunidades de florestas e outros habites de topo na sucessão ecológica.


Comunidade clímax representa uma situação natural em que a comunidade permanece com um nível estável em freqüência de espécies (biodiversidade), onde a variabilidade dos recursos ambientais mantém-se pouco ociosa. Em clímax, a comunidade apresenta é apenas leves modificações, causadas por pequenos distúrbios, que não a descaracterizam e rapidamente normalizam sua eficiência funcional.


Ao se aproximar do clímax, uma comunidade demonstra uma tendência ao aumento na variedade de espécies, na complexidade funcional e alimentar das populações de plantas e animais."



Uma comunidade em clímax, do ponto de vista biológico, é aquela onde se atinge um grande grau de variabilidade de espécies  compatível com os recursos daquele ecossistema, onde quando há a extinção de uma espécie quase que imediatamente o seu nicho é ocupada por outra , onde a comunidade encontra-se num equilíbrio dinâmico, basicamente é quando ocorre a explosão de vida e de variedade de espécies.


Não preciso dizer que a humanidade está ajudando a produzir, do ponto de vista ecológico, um anticlímax, mas não vai ser esse o ponto pelo qual o artigo irá continuar. O que quero chamar é que a natureza chega a seu esplendor quando ela de alguma maneira consegue achar um ponto de equilíbrio entre uma gama quase inimaginável de espécies convivendo num mesmo ecossistema.  Não se chega num clímax quando há alguma espécie que simplesmente monopoliza quase todos os recursos existentes, isso se assemelha mais ao comportamento de um câncer. Não é de se estranhar, portanto,  que sistemas humanos equilibrados tendem a produzir resultados mais satisfatórios.  Não é estranho também ver pessoas infelizes com grandes desequilíbrios em suas vidas.


A questão do consumo em nossos dias, em minha opinião, está intimamente ligada com o desequilíbrio em nossas vidas. Se voltarmos ao exemplo da cabana na Sibéria, podemos concluir que muito provavelmente além do consumo, a presença de outros seres humanos acolhedores, fizeram você se sentir melhor.  Talvez naquele momento, consumo, empatia, relacionamento com outros indivíduos da mesma espécie, estivessem em equilíbrio, e isso trouxe uma sensação aguda de bem-estar. 


Talvez de volta ao seu belo apartamento e carro, outros elementos de sua vida não estejam equilibrados. Qual foi a última vez que você viu a sua mãe?  Há quanto tempo você não toca aquele violão encostado na parede, algo que te dava imenso prazer? Qual foi a última vez que alguém olhou nos seus olhos e perguntou sinceramente “como você está”? E a dor na coluna que incomoda você quando fica horas sentado? As perguntas podem continuar , mas acho que fica evidente os diversos desequilíbrios que podemos ter em nossa vida, independente da nossa capacidade de consumo.


É claro que nada do que estou falando é novo. A própria famosa pirâmide de Maslow de certa maneira trabalha esse conceito, apesar de fazer em níveis, não como uma forma de equilíbrio entre as diversas "necessidades". Entretanto, é incrível como a esmagadora maioria das pessoas em busca de um consumo maior está no processo desequilibrando ou atrofiando outras partes de suas próprias vidas. Ou pior, a humanidade na busca por um aumento maior de consumo, de coisas não necessárias para o nosso bem-estar, pode estar produzindo um imenso desequilíbrio no próprio ecossistema de que necessita para sobreviver.


Há tantas referências que esse artigo poderia citar, há tantos caminhos pelos quais poderia percorrer daqui, que isso poderia se transformar no capítulo de um livro. Porém, vou deixar o texto sucinto e me encaminhar para o seu final.


O consumo é fundamental para o bem-estar humano. O consumo está longe de ser o único ingrediente para uma vida satisfeita. Quando o consumo se torna não só o principal, mas quase que o único incentivo de um indivíduo, ou até mesmo de uma sociedade, parece-me evidente que há um grande desequilíbrio, há um anticlímax, com consequências danosas para o indivíduo e para o agrupamento humano. 


Muitos sentem isso, inclusive leitores desse espaço, que dizem dos meus textos “o que eu gosto é que você consegue perceber que há algo além da economia, finanças, etc, eu também sinto o mesmo”, é evidente que há, amigos leitores. 


Consumir é uma atividade humana. Não apenas o consumo de itens essências à nossa sobrevivência vai nos causar aumentos expressivos de bem-estar. A tecnologia humana cada vez mais complexa nos permite fazer coisas que seriam impensáveis há dezenas de anos, o que dirá há centenas de anos, como o fato de você poder ler esse texto produzido por alguém que não é famoso e não possui espaço numa mídia impressa, podemos refletir em milhares de outros exemplos. Porém, também é fato que a tecnologia de instrumento das pessoas pode passar a ser o senhor das mesmas, algo que vem ocorrendo com assustadora frequência, um tema interessante para outro artigo.


Agora, quando a busca por mais consumo se torna um fim em si mesmo (ou a busca pelo acúmulo de mais patrimônio), a razão quase que única de nossas existências, nos afastamos de uma vida equilibrada, e é quase certo que isso apenas nos trará insatisfação subjetiva imensa, e você não precisa ser um grande cientista social para perceber isso, basta olhar a sua volta.


Depois de cinco dias de viagem, chegamos a esse local remoto no meio da Mongólia. Ainda demoraria mais 10 dias até chegarmos ao extremo oeste do país. Não havia nem mesmo resquícios de qualquer estrada. Foram 12 horas passando por lugares incríveis, rios, pedras, nômades, até que paramos nesse lugar para acampar. Equilibrado me senti nesse momento, feliz e satisfeito com o macarrão simples, a tenda apertada e o visual sublime e único.





Agradeço todos os amigos que mandaram mensagens de e-mails, ou no blog mesmo, querendo participar do sorteio do livro. Pretendo fazer outros sorteios de livros, de finanças inclusive, e vou ter que bolar uma forma melhor de assim fazer. Nesse primeiro, a leitora Ana Paula levou, espero que goste dos livros do Sr. Saramago.




Um abraço a todos!

terça-feira, 16 de maio de 2017

SURPREENDENTE, OU NÃO? AGRADECIMENTO PELOS 500 MIL ACESSOS. SORTEIO DE LIVROS

 Olá, colegas.  Uau, quase três anos e meio de blog, sendo que dois deles estava no exterior numa viagem. Nos próximos dias, o blog chegará a 500 mil acessos. Muito menos do que outros blogs, muito mais do que imaginava quando comecei esse espaço. Acho que é um marco importante para que eu possa talvez fazer algo um pouco mais elaborado. Uma decisão que venho procrastinando, mas observando exemplos  como do meu amigo Alexandre do site Abacus Liquid, sinto que seria legal produzir um espaço virtual mais ajeitado.

   Pessoas muito inteligentes, e sábias, dizem que a gratidão é o elemento central para termos uma vida feliz e equilibrada. É a mais pura verdade. Quando me sinto grato, e quando expresso essa gratidão, sempre estou tranquilo e conectado ao momento de uma maneira bem intensa. Portanto, obrigado a todos pelos acessos. Pelos comentários elogiosos, pelos comentários críticos que me fizeram e fazem melhorar os meus textos. Só tenho a agradecer de coração.

O TEXTO

 Bom, vamos ao artigo. No domingo, escrevi em menos de 10 minutos um brevíssimo texto, citando uma passagem de um autor provavelmente desconhecido para a grande maioria. Esse foi o teor do artigo:


"Estava lendo alguns textos sobre economia, livre mercado, liberdade e escola austríaca de economia. Ao pesquisar na internet, deparei-me com a seguinte citação de um pensador da década de 60. Ele escreveu isso em 1964, no apogeu da guerra fria, onde não se tinha claro o fracasso que viria a ser o regime comunista soviético. Cito o texto:


'A democracia ocidental tornou-se estéril, a tal ponto que vem tomando emprestados elementos dos sistemas do bloco oriental, principalmente no tocante ao sistema econômico, sob o nome de socialismo. O mesmo ocorre no bloco oriental. Suas teorias sociais, das quais a principal é o marxismo, inicialmente atraíram não somente muitos seguidores no mundo oriental, mas também no ocidente, por ser um estilo de vida baseado numa crença. Hoje, o marxismo foi derrotado no plano das ideias, e não será exagero afirmar que nenhuma nação do mundo é verdadeiramente marxista. De maneira geral, essa teoria está em desacordo com a natureza e as necessidades humanas. Essa ideologia só prospera em uma sociedade degenerada, ou forma de ditadura prolongada. Atualmente, porém, mesmo nessas circunstâncias, seu sistema econômico materialista vem fracassando, embora tenha sido a única base de sustentação de sua estrutura. A Rússia, líder dos países comunistas, vem sofrendo com a escassez de alimentos. Embora na época dos czares a Rússia produzisse superávits de alimentos, hoje tem que importar alimentos do exterior, e para isso, vender suas reservas de ouro. O principal motivo dessa situação foi a falência do sistema de propriedades agrícolas coletivas, ou, em outras palavras, o fracasso de um sistema que vai contra a natureza humana.'


  O que acharam dele, prezados leitor?  Gostaria de ouvir a opinião dos leitores sobre o que está escrito no texto. Simpatizaram com as ideias do curto texto e com o seu autor, ou não? Vou além, acaso as pessoas que concordem com o que está escrito no texto, você acha que o autor, do ponto de vista ideológico, é alguém mais confiável do que alguém que se diz socialista do ponto de vista político? Se sim, por qual motivo? O autor do texto produzido na década de 60 teria antevisto o "marxismo cultural" e o globalismo?

 Com base nas respostas, se houver alguma, construirei outro texto em complemento a este.”


AS RESPOSTAS E O MOTIVO DE ALGUMAS COLOCAÇÕES - FAMILIARIDADE E EFEITO HALO


  Os que conhecem um pouco mais os meus textos, sabem que tenho um grande interesse por saber como o nosso cérebro toma decisões, ou como nós observamos e apreendemos o mundo enquanto seres humanos. Eu creio que entendermos a nossa biologia, e estudar como o cérebro funciona é exatamente isso, é central para entendermos o que pensamos e o que fazemos. É uma área que apenas cresce dentro da ciência, e eu a acho fantástica.

 Nosso cérebro toma muitas vezes alguns atalhos mentais, muitas vezes não-racionais, para lidar com as informações que chegam do mundo exterior. Há inúmeros deles, e alguns já foram abordados em textos deste site.

  Um deles é conhecido como efeito da familiaridade. O que é isso? Nós costumamos dar mais crédito a quem é de alguma maneira familiar com nós mesmos. Por isso, um bom vendedor vai tentar ao máximo construir uma narrativa que o torne familiar a um possível comprador. “Sim, eu conheço aquele bar que você frequenta, puxa, na verdade tomei um porre daqueles lá há uns dois anos”.  Qualquer coisa que traga alguma familiaridade é uma vantagem imensa para quem está tentando passar alguma ideia. Não é à toa que políticos em tempos de campanha tentam se parecer familiares com boa parte dos eleitores, mesmo que muito provavelmente seja apenas uma grande encenação.

 Com isso em mente, respondo a um dos comentários feitos no artigo:

"Mais uma coisa, como vc achou isso na internet pesquisando sobre "economia, livre mercado, liberdade e escola austríaca de economia”?

  Prezado comentador, tentei, talvez de uma forma frustada, criar um ambiente de familiaridade. Por qual motivo? A esmagadora maioria dos leitores desse espaço são pessoas que de alguma maneira ou outra se sentem confortáveis com textos sobre livre mercado, liberdade, etc. Se eu dissesse quem o autor realmente era e sobre o que estava pesquisando, a repulsa muito provavelmente seria imediata.

  Isso me leva a outro comentário. 

"- Não conheço o autor, vou simpatizar com ele só por um texto? As ideias no texto são boas de um modo geral. O autor pode ser um imbecil, mas ter acertado em um texto.
Vou além, acaso as pessoas que concordem com o que está escrito no texto, você acha que o autor, do ponto de vista ideológico, é alguém mais confiável do que alguém que se diz socialista do ponto de vista político? Se sim, por qual motivo? O autor do texto produzido na década de 60 teria antevisto o "marxismo cultural" e o globalismo?
Não entendi a relação. É depositar muita confiança por tão pouco. Até o Molon da Rede já falou algo relacionado que o Estado não precisa ser dirigista na economista. O presidente do Plano Real falou que continuava marxista. Falar e fazer algumas corretas do ponto de vista econômico não elevam ninguém a um 'ser confiável'. De novo, sobre marxismo cultural e globalismo, não entendi a relação. Alguém parece está tentando confirmar suas crenças."


 Este comentador em específico não foi afetado pelo o que os cientistas chamam de Efeito Halo. Talvez porque o meu exemplo não foi muito bem construído. Talvez porque as pessoas desconfiaram que poderia ter alguma coisa por trás. Ou talvez porque o comentador saiba minar o efeito halo, o que seria algo muito bom para ele.

 Mas o que é o efeito halo? O efeito halo nada mais é do que assumir que a característica positiva ou negativa de uma pessoa num determinado aspecto se estende automaticamente para outros aspectos da vida. 

 Uma pessoa pode ser bonita. O fato de alguém ser esteticamente bonito não diz muita coisa sobre a sua competência para administrar uma empresa, por exemplo. A pessoa bonita pode ser competente ou não. Porém, estudos após estudos, o efeito halo vem sendo confirmado. Logo, a maioria das pessoas tenderia a achar que uma pessoa bonita é também competente, principalmente se houver algum tipo de comparação com uma pessoa esteticamente não tão bonita.  É claro que se houver indícios de incompetência da pessoa bonita, as pessoas não necessariamente vão associar a sua beleza à competência, mas se elas estivem no escuro (ou seja com pouca ou nenhuma informação), e é como estamos na maioria das vezes que nosso cérebro precisa processar informação, o efeito halo tem uma força enorme na parte inconsciente do nosso cérebro.

 É por isso que dificilmente iremos ver um presidente com alguma deformação física. É por isso que há inúmeros conselhos para se vestir “alinhado" seja no trabalho, seja para conquista sexual. Eu já fui trabalhar de bermuda, uma vez. Imagine a cena: menos de 30 anos, bronzeado de praia, ainda com cabelo loiro, indo de bermuda, uma pessoa aponta "esse é Procurador". É quase certo que houve choque cognitivo e provavelmente ilações sobre a  minha seriedade ou competência foram feitas

  Por isso, um colega meu sempre foi de terno e gravata ao trabalho, sempre. Evidentemente, intuitivamente sempre soube os efeitos que uma vestimenta tem nas pessoas nos diversos contextos sociais, desde cedo, porém nunca dei muita bola.  O que em certas condições pode ter conotações negativas, mas de outro lado não deixa de ser um grande alívio não se importar com isso e saber os motivos pelos quais não me importo.

  O efeito halo está presente nos nossos cérebros. Cabe a nós termos noção disso. Por isso, tentei criar um efeito Halo ao perguntar se o autor seria mais confiável do que alguém dito socialista. Por qual motivo? Porque no texto, o autor faz uma crítica contundente ao socialismo. A esmagadora maioria dos leitores desse espaço possui uma visão parecida. Assim, é bem provável que boa parte dos leitores viu como positivo o texto. Eu quis saber se isso criaria um efeito halo a respeito da confiança. Talvez se fosse melhor produzido o exemplo, eu conseguiria um efeito mais pronunciado.

 O efeito halo é muito interessante em tempos de divisões políticas acirradas. Alguém comungar com a sua opinião se o Lula é o maior bandido da história do Brasil, por exemplo, em nada diz sobre se esta pessoa é um bom pai ou não. Ou se é um bom amigo, ou não. Você pode ter uma pessoa que pensa completamente diferente de você, e ela ser um ótimo amigo. Por seu turno, você pode ter alguém que referende tudo o que você acredita ser verdadeiro no campo da política, e num momento de aperto na sua vida, ela simplesmente dar as costas ou fingir que não o conhece. 

 Por isso, meus prezados leitores, não vamos ter comportamentos agressivos com que pensa diferente, muito menos com amigos.

   Isso me leva para o último comentário que quero abordar:


   "Vc sabe q não dá pra pegar um trecho mínimo da ideia de uma pessoa e perguntar se outra pessoa concorda com as ideias do autor.Num exemplo bem grosseiro, vc concorda comigo: "O ser humano deve viver em paz com seus semelhantes"?

E agora: "O ser humano deve viver em paz com seus semelhantes. Por isso, todo mundo que não tiver a mesma cor de pele que eu deve morrer porque que eles só nos causaram sofrimento"?

  
  O comentador tem razão, porém isso que ele fez é diferente do que foi feito no meu artigo. Isso chama-se simplesmente tirar o texto do contexto para criar um pretexto. Não foi o que aconteceu no texto. Muitas pessoas fazem isso, e realmente pode ser extremamente deletério.

  Veja, por exemplo, uma Fatwa de Osama Bin Laden de 1998, justificando que a morte de Americanos seria albergaria pelo Alcorão: 

 “Isso (matar) está de acordo com as palavras de Deus onipotente ‘E combatei igualmente os idólatras tal qual eles vos combatem` e `Combatei-os até terminar a perseguição e prevalecer a religião de Deus`.

  Osama apenas omite que ele pegou versos de duas suras distintas e fez como que uma nova sura que não existe no Alcorão. As suras são as seguintes:

Para Deus o número de meses é doze, como reza o livro Divino, desde o dia em que Ele criou os céus e a Terra. Quatro deles são sagrados. Tal é o cômputo exato. Durante esses meses não vos condeneis. E combatei igualmente os idólatras, tal como eles vos combate. E sabei que Deus está com os tementes” (Sura 9, 36)

“E combatei-os até terminar a perseguição e prevalecer a religião de Deus. Porém, se desistirem, não haverá mais hostilidades, senão contra os iníquos” (Sura 2, 193)

 E uma sura anterior:

“Combatei, pela causa de Deus, aqueles que vos combatem: porém, não os provoqueis porque Deus não estima os agressores” (Sura 2, 190).

 Portanto, está claro que Osama tirou do contexto as suras para criar um pretexto. Algo que o comentador quis chamar atenção com o seu comentário.  Porém, não foi o caso do autor "misterioso" do texto, pois aparentemente é o que ele pensava sobre o socialismo, isso ainda em 1964. Falar em Osama, versos do alcorão, vem bem a calhar para dizer quem escreveu o texto.


VOCÊ CONCORDOU COM SAYYID QUTB


  O autor do texto, como alguns comentadores descobriram, foi Sayyid Qutb. Quem foi ele? Ele foi um pensador egípcio que teve profunda influência no surgimento dos grupos terroristas islâmicos. Não vou aqui comentar sobre a sua vida e obras, mas é importante realçar que Qutb foi um dos primeiros, e talvez o mais influente, pensador muçulmano moderno a transformar a Jihad (palavra árabe que significa esforço) menor na Jihad Maior, e transformar a Jihad menor numa forma ofensiva.

  A Jihad maior sempre foi entendida como o esforço de cada muçulmano em dominar o ego, os seus erros, e se aproximar cada vez mais da palavra de Deus. É um esforço interno, é uma batalha contra si mesmo. Até aqui nada muito diferente do que Cristãos entendem como o certo a ser feito por uma pessoa religiosa. 

 A Jihad menor, por seu turno, seria o esforço de combater agressores, ou seja um ato de legítima defesa. Jihad menor nunca foi o foco principal do esforço de um fiel muçulmano e ela sempre deveria ser defensiva, pois conforme a Sura 2, 190, Deus não apreciaria agressores.

 Qutb inverteu essa lógica. A Jihad menor seria agora a de maior importância, e a luta poderia ser agressiva, e não apenas defensiva. Isso causa uma reviravolta incrível, pois a conversão para a religião muçulmana, conforme diversas passagens do alcorão, tem que ser sempre voluntária. Com essa nova perspectiva, não, a função de um crente é espalhar a religião para todo o mundo, seja muçulmano ou não. Não preciso dizer que essa é a tônica e a justificativa intelectual de quase todos os grupos terroristas islâmicos atualmente.

 Portanto, Sayyid Qtub foi um homem que influenciou muito a forma como vivemos atualmente, para o mal infelizmente. Qutb, que era um intelectual, passou dois anos nos EUA e foi dessa experiência que ele voltou transformado. Ele criou uma profunda ojeriza pela vida nos EUA, segundo ele os Americanos não tinham senso espiritual algum e suas discussões eram fúteis, pesou e muito o fato dele sofrer certa discriminação no tempo em que viveu na América por ter a pele mais escura.

 Em tempos de textos rasos e sem qualquer base sobre islamismo, terrorismo, que circulam por aí, em tempos onde se houve que a ameaça islâmica é a maior ameaça a Europa, quão surpreendente é saber que a maioria das pessoas, talvez muitas que compartilham algumas visões de mundo citadas nas linhas anteriores, de que elas concordaram com talvez o ideólogo maior que deu origem aos grupos terroristas islâmicos modernos? Será que elas se surpreenderam? Ou não? Será que negariam o fato, dariam de ombros, o que elas poderiam tirar disso?

O QUE VOCÊ PODE TIRAR DISSO?


 Como um comentador disse: "O autor pode ser um imbecil, mas ter acertado em um texto.” Tirando a qualificação subjetiva, ele está correto, e aqui talvez resida uma das atitudes mentais para se ter uma vida mais rica (e não falo apenas no sentido financeiro).

 Podemos ter pontos em comum com as pessoas que menos esperamos. Podemos aprender com as pessoas que menos suspeitamos também. Concordar com alguma opinião de alguém, não quer dizer que concordamos com outras opiniões.  A demonização geralmente é um caminho preguiçoso. O ser humano, e a forma como o nosso mundo apreende as informações, é complexo. O mundo é uma sinfonia de milhares de cores, não vivemos numa realidade onde apenas existe o branco, ou o negro. 

  Se você pode concordar em algo, ou talvez até ser pego refletindo sobre determinada questão, com um intelectual egípcio que nutria desdém pelo ocidente e é um dos ideólogos dos movimentos islâmicos totalitários, será que você não pode encontrar muitas coisas em comum com os seus vizinhos, companheiros de trabalho, ou até mesmo na internet? Será que com isso em mente, não seja mais fácil construir pontes para criar uma vida melhor? Fica aqui a reflexão.


POR FIM, O SORTEIO


  Comemorando a marca de 500 mil acessos, praticando o ato de se desvencilhar das coisas, vou sortear dois livros do escritor português, talvez um dos maiores de todos os tempos em nossa língua, José Saramago. Serão dois livros muito bons “Ensaio sobre a Lucidez” que conta a história de como fica a estruturação política quando a esmagadora maioria dos eleitores vota em branco para as eleições gerais e “Intermitências da Morte” que narra como ficam as relações sociais num mundo onde os idosos não morrem mais.

 E o que é melhor para os meus prezados leitores, Saramago se dizia comunista e ainda por cima ateu. Que jeito melhor de encerrar esse artigo e vencermos nossos medos, vieses, do que lendo um livro de uma pessoa assim? Se há algo deprimente são listas de boicotes de artistas por seus pensamentos políticos. Quer dizer se o vocalista do Iron Maiden for partidário do Trump, um político do qual não nutro simpatias, eu não vou mais escutar as músicas dele? Anh? Faz algum sentido? 


 Os que quiserem participar do sorteio, mandem um e-mail para pensamentosfinanceiros@gmail.com, dizendo apenas o que gosta ou não gosta no meu blog, e o que eu poderia fazer para melhorar. Podem dizer o que bem quiserem, colegas.  Enviarei os livros pelo correio, e colocarei até mesmo dedicatória minha. Quem não quiser mandar e-mail e quiser escrever na aba de comentários, pode ser também. Mas acaso for sorteado, terá que mandar e-mails dizendo para onde quer que eu envie o livro.


 Um abraço a todos!

domingo, 14 de maio de 2017

QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE ESSE BREVE TEXTO?


  Estava lendo alguns textos sobre economia, livre mercado, liberdade e escola austríaca de economia. Ao pesquisar na internet, deparei-me com a seguinte citação de um pensador da década de 60. Ele escreveu isso em 1964, no apogeu da guerra fria, onde não se tinha claro o fracasso que viria a ser o regime comunista soviético. Cito o texto:



"A democracia ocidental tornou-se estéril, a tal ponto que vem tomando emprestados elementos dos sistemas do bloco oriental, principalmente no tocante ao sistema econômico, sob o nome de socialismo. O mesmo ocorre no bloco oriental. Suas teorias sociais, das quais a principal é o marxismo, inicialmente atraíram não somente muitos seguidores no mundo oriental, mas também no ocidente, por ser um estilo de vida baseado numa crença. Hoje, o marxismo foi derrotado no plano das ideias, e não será exagero afirmar que nenhuma nação do mundo é verdadeiramente marxista. De maneira geral, essa teoria está em desacordo com a natureza e as necessidades humanas. Essa ideologia só prospera em uma sociedade degenerada, ou forma de ditadura prolongada. Atualmente, porém, mesmo nessas circunstâncias, seu sistema econômico materialista vem fracassando, embora tenha sido a única base de sustentação de sua estrutura. A Rússia, líder dos países comunistas, vem sofrendo com a escassez de alimentos. Embora na época dos czares a Rússia produzisse superávits de alimentos, hoje tem que importar alimentos do exterior, e para isso, vender suas reservas de ouro. O principal motivo dessa situação foi a falência do sistema de propriedades agrícolas coletivas, ou, em outras palavras, o fracasso de um sistema que vai contra a natureza humana."


  O que acharam dele, prezados leitor?  Gostaria de ouvir a opinião dos leitores sobre o que está escrito no texto. Simpatizaram com as ideias do curto texto e com o seu autor, ou não? Vou além, acaso as pessoas que concordem com o que está escrito no texto, você acha que o autor, do ponto de vista ideológico, é alguém mais confiável do que alguém que se diz socialista do ponto de vista político? Se sim, por qual motivo? O autor do texto produzido na década de 60 teria antevisto o "marxismo cultural" e o globalismo?

 Com base nas respostas, se houver alguma, construirei outro texto em complemento a este.

  Grande abraço!

sexta-feira, 12 de maio de 2017

O "EMBATE" ENTRE MORO E LULA



O embate entre um Juiz de direito e um réu. Essa foi a tônica da semana no Brasil. Quem vai sair vitorioso era a pergunta antes de quarta-feira. Quem se saiu vitorioso é a pergunta pós depoimento. Sergio Moro x Lula: Fight! Evidentemente, uma narrativa como essa, a linha editorial  predominante nos meios de comunicação, mostra que alguma coisa está errada. “Brasil, Soul, ainda mais nesses tempos, há várias coisas erradas”. É verdade, mas o que estaria errado em colocar o depoimento de um acusado como uma batalha contra um juiz?

A formação dos contornos atuais dos sistemas processuais pelo mundo não foi algo que aconteceu da noite para o dia, é fruto de uma longa e demorada evolução. Mesmos sistemas tão díspares como o Inglês e o Brasileiro, por exemplo, possuem pontos centrais de convergência.  Existem vários, mas um deles com certeza é a imparcialidade de quem julga. A imparcialidade do julgador é condição essencial para a existência de uma sociedade equilibrada. Kafka, para mim o mais brilhante escritor que já existiu, coloca isso de forma para lá de magistral no livro “O Processo”.

 O livro é tão bom que já li duas vezes e qualquer dia leio novamente. O mais fantástico é que o livro é incompleto, não foi terminado por Kafka. Qual não foi a minha surpresa ao ouvir um PodCast do Tim Ferriss com um empresário brasileiro chamado Ricardo Semler, onde o nosso conterrâneo citou Kafka como uma das suas maiores influências literárias, e narra o famoso conto do Guardião, do Homem e da Porta como uma metáfora da vida. Isso não é nada normal, muito menos para alguém do mundo empresarial. Não preciso nem dizer que a entrevista de duas horas e meia dele é fantástica, uma lição de vida.



"Alguém devia ter caluniado Josef K., visto que uma
manhã o prenderam, embora ele não tivesse feito qualquer mal" Assim começa um dos livros mais intensos que já tive a oportunidade de ler.




Apartes literários a parte, a imparcialidade do julgador é essencial. Imagine você prezado leitor ter um juiz completamente parcial a sua ex-esposa julgando se você deveria ter direito de visitas frequentes aos seus filhos ou não. Não seria algo interessante de se vivenciar, não é mesmo? A imparcialidade de quem julga é central em qualquer sistema jurídico moderno de uma sociedade minimamente desenvolvida.

Aqui, já se encontra o primeiro erro da narrativa do primeiro parágrafo. Duelo acontece entre partes. Um juiz, muito menos num processo criminal, não deve duelar com ninguém, seja a acusação, seja a defesa. A função de um juiz é de se manter equidistante entre as partes e aplicar o direito ao caso concreto.

E as partes? Ora, como o próprio nome diz, as partes são parciais em suas visões de mundo. Elas têm lado. É por isso que os diversos comentários de que o acusado, ex-presidente Lula, fez uma defesa política, e isso seria errado, não tem o menor sentido. Uma parte acusada de um crime tem todo o direito, desde que dentro dos limites da lei, de fazer o tipo de defesa que achar mais conveniente. A isso se chama o direito a ampla defesa. Um acusado pode se defender da maneira que achar mais eficaz. O nosso direito vai mais longe, um acusado pode até mesmo mentir, e não sofrer qualquer consequência jurídica por tal fato. 

No meio de análises tão fracas, foi um alívio ver os comentários absolutamente pertinentes do ex-ministro do Supremo Aryes Brito e do historiador Leandro Karnal no jornal da Cultura. 

E o Juiz? O Juiz não vive numa bolha. Ele tem preferências, opiniões, ou seja , ele não é neutro, mas ele tem o dever maior de ser imparcial. Ele deve julgar o processo levando em conta o que foi produzido durante a instrução processual, o julgamento dele não pode ser político, mas apenas jurídico.

O Juiz Sergio Moro foi Parcial? Pelos trechos que vi da entrevista, houve sim momentos onde parecia que era o membro do Ministério Público que estava perguntando e não o juiz responsável pelo caso.  Porém, esse não é um caso qualquer, e também, pelos trechos que vi, é inegável que o Juiz foi inteligente e soube conduzir bem uma das audiências mais difíceis que esse país já teve nos últimos anos.

Por que a das mais importantes? Por acaso Lula é diferente de qualquer cidadão brasileiro? A resposta é não, ele não é diferente. Aliás, isso é o que, entre outras coisas, diferencia uma República de uma Monarquia, por exemplo. A possibilidade de qualquer um ser responsabilizado pelos seus atos, seja um empresário bilionário, seja um ex-presidente , seja um juiz da Suprema Corte, é o que faz um regime se aproximar do republicanismo.  Isso, sem dúvida alguma, é um avanço civilizatório. Alguém pode imagina o Faraó Akhenaton sendo responsabilizado por alguma coisa por um juiz imparcial há milhares de anos no antigo Egito? 

Porém, mesmo todos sendo iguais no tocante à possibilidade de responsabilização, é evidente que a audiência foi algo diferente, não foi uma audiência normal. Afinal, ele foi o ex-presidente de um país de mais de 200 milhões de pessoas por 8 anos, tendo uma influência enorme em nossa Nação para o bem ou para o mal. Não deixa de ser um acontecimento diferente na história do nosso país ver alguém como ele ser processado por inúmeros crimes, acusado de ser o mentor de um gigantesco esquema de corrupção. 

                Se não se pode falar em embate, então não tem sentido em falar quem ganhou, pois não se trata de uma questão de vitória ou derrota. Agora, houve alguns fatos bem interessantes.  Nenhum Juiz, pelo menos não os juízes federais que conheço, iria admitir ser interrompido como o Lula interrompeu e discutiu com o Juiz Sergio Moro. Na segunda interrupção, e eu já presenciei isso algumas vezes, a maioria dos juízes iria apenas levantar a voz, e em casos mais drásticos ameaçar algum tipo de reprimenda. Nunca vi nenhuma audiência que o réu tivesse uma postura como a do ex-presidente Lula.

                O juiz do caso  em boa parte do depoimento, pelo menos do que vi, quis se ater a perguntas objetivas sobre o objeto daquele processo em específico: a denúncia do MPF de que o tríplex seria de alguma maneira o pagamento de propina. Esse aspecto foi aliás elogiado por muitos comentadores, ao contrário do Lula que teria falado como se estivesse num palanque. 

           Como vimos alguns parágrafos acima, não há qualquer problema nisso, já que a parte obviamente pode ser parcial e exercer a sua ampla defesa como bem entender. Agora, houve algumas perguntas sem muito nexo, quando o Moro perguntou sobre o Mensalão ou se Lula se sentiria responsável pelos atos de corrupção de diretores da Petrobras. Ora, são perguntas que em nada guardam relação com o objeto do processo, principalmente saber se o acusado se sente moralmente responsável por crimes cometidos por outros.  Isso é claramente uma questão política, não jurídica. Não vi nenhum comentador profissional perceber isso.

                O Lula é responsável no caso do Triplex? Colegas, a não ser que você tenha conhecimento jurídico e acesso aos autos, é simplesmente impossível responder do ponto de vista jurídico. Um primo meu que é filiado ao PT, antes de me excluir do facebook dele no ano de 2014, sempre dizia que a Ação Penal 470 (ação do mensalão) não tinha base jurídica. 

               Quando perguntei “como você sabe? Por acaso você leu as centenas de volumes e as dezenas de milhares de páginas do processo?”, ele simplesmente ignorou (atitude comum, ignorar o que é dissonante, nada mais do que viés de confirmação).  Ora, alguém precisa ter se familiarizado e muito com os autos processuais da citada ação penal para dar uma opinião jurídica que possa ter alguma base.  Sem isso, é apenas achismo e repetição de opinião dos outros apesar da pessoa achar que é uma ideia própria. 

                Logo, sem saber exatamente o que está nos autos é difícil saber se há ou não responsabilidade jurídica. A Função do Ministério Público é na presença de indícios criminosos denunciar e pedir a produção de provas, é função do juiz formar o seu convencimento tendo como base as provas produzidas e proferir julgamento de forma imparcial.  

                E o que vai acontecer disso tudo? Quem sabe? Se Lula for absolvido por insuficiência de provas nesse caso específico (não estou levando em conta as outras ações nas quais a Denúncia já foi aceita) , é imprevisível o que pode acontecer em termos políticos no Brasil. Se Lula for condenado em primeira instância, é muito provável que ele poderá lançar a sua candidatura em 2018 a presidente sem que haja uma confirmação da condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Se isso ocorrer, também é imprevisível o que pode acontecer com o país. Imagine um candidato com várias condenações em primeira instância, indo para o segundo turno? Qual não vai ser a imagem que isso vai passar para toda a sociedade?

                Desde 2015, há quase dois anos onde tudo era ainda mais imprevisível, escrevo que o caminho seria o julgamento pelo TSE da chapa Dilma-Temer. Isso poderia, do ponto de vista político, tranquilizar mais o país. Se houve corrupção, e se o núcleo político usava esse dinheiro para abastecer campanhas, parece-me evidente que houve abuso do poder econômico na campanha presidencial de 2014. Se não houve, que o Judiciário pudesse dar uma resposta clara para a sociedade a este respeito.

             O impeachment saiu e a ação do TSE simplesmente parou. É incrível que uma ação que contesta um mandato de quatro anos, tenha se passado quase dois anos e meio e não há qualquer possibilidade à vista de ser julgada esse ano.  É impressionante. 

                Por outro lado, o presidente atual possui os menores índices de popularidade da história. Está cercado por inúmeros ministros mencionados em casos de corrupção. Ele próprio é citado dezenas de vezes em delações (mas não poderia ser processado enquanto presidente por fatos anteriores ao exercício presidencial). E o pior: fazia parte do mesmo grupo que foi apartado do poder. Não é difícil entender os motivos do Lula estar liderando pesquisas de intenção de voto.

                Eu não compreendia  os motivos de muitas pessoas não quererem entender os motivos das coisas. Mais adulto, fui descobrir que isso é apenas uma ausência de ensinamentos de como a ciência opera cumuladado com a forma que o nosso sistema mais intuitivo opera.  Apesar das minhas limitações, eu sempre achei interessante perguntar os motivos. Por qual motivo alguém comete um ato terrorista? Por qual motivo pessoas saqueiam lojas quando não há policiamento na rua (como ocorreu em Vitória recentemente)? Por qual motivo alguém acusado de ser mentor de um processo gigantesco de corrupção consegue liderar uma pesquisa de intenção de voto, mesmo  tendo uma exposição negativa da sua imagem dia e noite?

                Por quê? No Podcast que citei no começo do artigo, Ricardo Samler fala da sua técnica dos seus três porquês e como as pessoas quase sempre param apenas no primeiro.  Quer um exemplo? 

                - Por qual motivo você precisa trabalhar nesse emprego que não gosta?
               - Porque eu preciso de dinheiro.
                - Por que você precisa de dinheiro?
                  - Porque preciso pagar as prestações de um carro.
                   - E por qual motivo você precisa de um carro?

                Essa é uma ferramenta poderosa para você analisar a sua vida e refletir sobre os caminhos que está tomando.  A ciência nada mais é do que uma série sem fim de perguntas Por quê? As crianças são assim, e se for Pai vou ter que me preparar para poder deixar que não mate essa curiosidade, mas a estimule. 

                Logo, desconfie do ponto de vista intelectual de pessoas que não fazem a pergunta Por quê? Ou que tenham respostas únicas para níveis diferentes de questionamento.  Ao analisar os fatos procure ser mais um cientista do que um partidário de alguma ideia, sua compreensão de mundo agradece.

 
Uma homenagem a um escritor genial


 obs: se entender Inglês, vale a pena ouvir o Podcast do Ricardo com Tim Ferriss

                Abraço a todos!