Olá, colegas. Sobre o que escrever? O colapso do governo
atual? O circuit breaker da bolsa? Não, não estou com vontade de criar um texto
mais aprofundado sobre estes temas.
Quero falar sobre um assunto muito mais fundamental, que está
absolutamente relacionado com a nossa vida no dia a dia, com nossas aspirações
financeiras, com nossos receios. Quase tudo se resume a isso hoje em dia, é
claro que só posso estar falando de CONSUMO.
O consumismo é a
raiz dos nossos males modernos alguns dizem. Outros dizem que o consumo é a
prova do nosso progresso enquanto espécie “vejam, como o consumo per capta
aumentou nos últimos 300 anos, isso é sinal do progresso”. Eu creio que essas duas visões estão erradas,
e estas duas visões estão certas. Ou
seria melhor dizer que há pontos negativos e positivos em ambas as abordagens?
Escolha você, prezado leitor, a forma de encarar a problemática que mais lhe
agrade.
Todos nós seres
humanos somos consumidores. Nós temos que no mínimo consumir comida. Tirando alguns povos remotos que relembram
como vivíamos há 20 mil anos, também precisamos consumir produtos que nos
protejam das intempéries da vida. Logo, o consumo é algo natural para seres
humanos, e ousaria dizer até mesmo para outras espécies de vida. Se é algo
ínsito da nossa vida enquanto sapiens, o consumo nos traz bem-estar e
felicidade? É claro que traz.
Você foi largado no
meio da Sibéria no começo do outono. Não são temperaturas congelantes, mas é
frio. Está sem roupa. Está com fome. Os seus pés doem por causa do frio e o
contato com a terra gélida. Você está
miserável, completamente infeliz. Você não tem capacidade de consumir nada,
você está como veio ao mundo. Quando
tudo parece perdido, você observa uma casa. Na habitação, há uma sorridente
família siberiana. Eles o convidam a entrar. Dão para você roupas quentes. Você senta perto de uma lareira, e então
sente um cheiro de comida sendo feita, sua saliva é produzida em grande
quantidade. A comida, simples, estava deliciosa. Uma cama, simples, está esperando por você.
O seu estado de
infelicidade total foi transformando num estágio de felicidade imensa, e
isso só foi possível porque você consumiu coisas. Esse consumo só foi possível
porque alguém colocou esforço e produziu esses bens. Portanto, pode-se dizer que o consumo trouxe bem-estar e felicidade.
Pode-se afirmar também que para haver consumo é necessário que alguma prévia
produção tenha existido. Ora, se o
consumo de coisas simples (no contexto de nós humanos no século 21) aumentou
tanto o seu bem-estar, parece lógico supor que um consumo cada vez maior, e de
coisas mais complexas, vai levar ao aumento de satisfação e bem-estar. ESSE É O PRESSUPOSTO BÁSICO DA NOSSA FORMA
DE VIVER E PRODUZIR COISAS ATUALMENTE. Ele parece lógico.
Você então pega um
trem até Moscou. E de lá volta para a sua vida de classe média no Brasil. Olha
então em sua volta, um belo apartamento. Um carro esteticamente muito bonito na
garagem. Uma geladeira cheia de comida. Você tem um padrão de consumo muitas vezes
maior do que aquele experimentado na
cabana da Sibéria, mas você é pego várias vezes refletindo naquela noite na
Rússia, e como você se sentia tão ou mais realizado do que se sente atualmente.
Mas como? Um aumento grande da sua possibilidade de consumo não traduziu
necessariamente num aumento do seu bem-estar. BEM-VINDO
AO SUPOSTO “PARADOXO” DA VIDA DOS DIAS ATUAIS PARA MUITOS SERES HUMANOS.
Quem
já não sentiu isso? Eu, por exemplo, já experimentei diversas vezes essa
sensação. Estou com fome, frio, triste, até um pouco mal-humorado, e de
repetente me vejo aquecido, comendo uma sopa com pão junto com pessoas alegres,
e o meu “coração” se enche de alegria, sinto um bem-estar indescritível. O meu patrimônio superou uma determinada
faixa que muitos considerariam bastante dinheiro, e eu não sinto nada
demais. Mas como isso? Se um patrimônio
maior me permite consumir muito mais?
Alguns tentam
explicar esse aparente paradoxo, pelo menos os blogs financeiros, saindo-se
com a ideia de que consumir mais não
traz bem-estar necessariamente, e que pode eventualmente manter você num estado
de pobreza, ou ao menos de não-liberdade. “Não consumo em demasia, pois assim eu posso
investir mais, e ser mais livre”, mas as pessoas ao defender isso não se dão
conta de que não se está explicando a
aparente contradição entre aumento da possibilidade de consumo e manutenção ou
às vezes decréscimo na sensação de bem-estar.
E por que não?
Porque às vezes a noção de equilíbrio não é muito bem entendida ou discutida em
nossa sociedade hoje em dia. Tente se
recordar da suas aulas de ecologia na escola. Lembra-se da palavra Clímax? Vou aqui colocar uma pequena
definição que está na Wikipedia:
"Este estágio é caracterizado por compreender espécies que são as melhores
competidoras da comunidade local. Geralmente as espécies vegetais climáxicas
(e.g. típicas do estagio Clímax) são de maior porte, além de mostrar alta
eficiência entre produção e consumo de nutrientes. No estágio clímax, quando
uma espécie é extinta, outra espécie típica de clímax a substitui, mantendo a
ciclagem entre as comunidades de florestas e outros habites de topo na sucessão
ecológica.
Comunidade clímax representa uma situação natural em que a comunidade
permanece com um nível estável em freqüência de espécies (biodiversidade),
onde a variabilidade dos recursos ambientais mantém-se pouco ociosa. Em clímax,
a comunidade apresenta é apenas leves modificações, causadas por pequenos
distúrbios, que não a descaracterizam e rapidamente normalizam sua eficiência
funcional.
Ao se aproximar do clímax, uma comunidade demonstra uma tendência ao aumento
na variedade de espécies, na complexidade funcional e alimentar das populações
de plantas e animais."
Uma comunidade em clímax, do
ponto de vista biológico, é aquela onde se atinge um grande grau de
variabilidade de espécies compatível com
os recursos daquele ecossistema, onde quando há a extinção de uma espécie quase
que imediatamente o seu nicho é ocupada por outra , onde a comunidade
encontra-se num equilíbrio dinâmico,
basicamente é quando ocorre a explosão de vida e de variedade de espécies.
Não preciso dizer que a
humanidade está ajudando a produzir, do ponto de vista ecológico, um anticlímax,
mas não vai ser esse o ponto pelo qual o artigo irá continuar. O que quero
chamar é que a natureza chega a seu esplendor quando ela de alguma maneira
consegue achar um ponto de equilíbrio entre uma gama quase inimaginável de
espécies convivendo num mesmo ecossistema.
Não se chega num clímax quando há alguma espécie que simplesmente monopoliza
quase todos os recursos existentes, isso se assemelha mais ao comportamento de
um câncer. Não é de se estranhar, portanto,
que sistemas humanos equilibrados tendem a produzir resultados mais
satisfatórios. Não é estranho também ver
pessoas infelizes com grandes desequilíbrios em suas vidas.
A questão do consumo em nossos
dias, em minha opinião, está intimamente ligada com o desequilíbrio em nossas
vidas. Se voltarmos ao exemplo da cabana na Sibéria, podemos concluir que muito
provavelmente além do consumo, a presença de outros seres humanos acolhedores,
fizeram você se sentir melhor. Talvez
naquele momento, consumo, empatia, relacionamento com outros indivíduos da
mesma espécie, estivessem em equilíbrio, e isso trouxe uma sensação aguda de
bem-estar.
Talvez de volta ao seu belo
apartamento e carro, outros elementos de sua vida não estejam equilibrados.
Qual foi a última vez que você viu a sua mãe? Há quanto tempo você não toca aquele violão
encostado na parede, algo que te dava imenso prazer? Qual foi a última vez que
alguém olhou nos seus olhos e perguntou sinceramente “como você está”? E a dor na coluna que incomoda você quando fica
horas sentado? As perguntas podem continuar , mas acho que fica evidente os
diversos desequilíbrios que podemos ter em nossa vida, independente da nossa
capacidade de consumo.
É claro que nada do que estou
falando é novo. A própria famosa pirâmide de Maslow de certa maneira trabalha esse conceito, apesar de fazer em níveis, não como uma forma de equilíbrio entre as diversas "necessidades".
Entretanto, é incrível como a esmagadora maioria das pessoas em busca de um
consumo maior está no processo desequilibrando ou atrofiando outras partes de
suas próprias vidas. Ou pior, a humanidade na busca por um aumento maior de
consumo, de coisas não necessárias para o nosso bem-estar, pode estar
produzindo um imenso desequilíbrio no próprio ecossistema de que necessita para
sobreviver.
Há tantas referências que esse
artigo poderia citar, há tantos caminhos pelos quais poderia percorrer daqui,
que isso poderia se transformar no capítulo de um livro. Porém, vou deixar o
texto sucinto e me encaminhar para o seu final.
O consumo é fundamental para o
bem-estar humano. O consumo está longe de ser o único ingrediente para uma vida
satisfeita. Quando o consumo se torna não só o principal, mas quase que o único
incentivo de um indivíduo, ou até mesmo de uma sociedade, parece-me evidente
que há um grande desequilíbrio, há um anticlímax, com consequências danosas
para o indivíduo e para o agrupamento humano.
Muitos sentem
isso, inclusive leitores desse espaço, que dizem dos meus textos “o que eu gosto é que você consegue perceber
que há algo além da economia, finanças, etc, eu também sinto o mesmo”, é
evidente que há, amigos leitores.
Consumir é uma
atividade humana. Não apenas o consumo de itens essências à nossa sobrevivência
vai nos causar aumentos expressivos de bem-estar. A tecnologia humana cada vez
mais complexa nos permite fazer coisas que seriam impensáveis há dezenas de
anos, o que dirá há centenas de anos, como o fato de você poder ler esse texto
produzido por alguém que não é famoso e não possui espaço numa mídia impressa,
podemos refletir em milhares de outros exemplos. Porém, também é fato que a tecnologia de instrumento das pessoas pode passar a ser o senhor das mesmas, algo que vem ocorrendo com assustadora frequência, um tema interessante para outro artigo.
Agora, quando
a busca por mais consumo se torna um fim em si mesmo (ou a busca pelo acúmulo
de mais patrimônio), a razão quase que única de nossas existências, nos
afastamos de uma vida equilibrada, e é quase certo que isso apenas nos trará
insatisfação subjetiva imensa, e você não precisa ser um grande cientista
social para perceber isso, basta olhar a sua volta.
Depois de cinco dias de viagem, chegamos a esse local remoto no meio da Mongólia. Ainda demoraria mais 10 dias até chegarmos ao extremo oeste do país. Não havia nem mesmo resquícios de qualquer estrada. Foram 12 horas passando por lugares incríveis, rios, pedras, nômades, até que paramos nesse lugar para acampar. Equilibrado me senti nesse momento, feliz e satisfeito com o macarrão simples, a tenda apertada e o visual sublime e único.
Agradeço todos
os amigos que mandaram mensagens de e-mails, ou no blog mesmo, querendo
participar do sorteio do livro. Pretendo fazer outros sorteios de livros, de
finanças inclusive, e vou ter que bolar uma forma melhor de assim fazer. Nesse
primeiro, a leitora Ana Paula levou, espero que goste dos livros do Sr.
Saramago.
Um abraço a
todos!