sexta-feira, 9 de março de 2018

480 HORAS: O SEU "ATIVO" MAIS VALIOSO


            Como anda o seu dia, prezado leitor? Com bastante tempo para realizar as atividades que deseja? Ou está faltando horas no seu dia?  Creio que uma parcela significativa das pessoas diria que está faltando tempo, e por causa disso muitas atividades que seriam desejáveis não podem ser feitas. Está encurtado e precisa alongar? “Seria ótimo, mas não tenho tempo.” Alimenta-se de forma inapropriada, que tal aprender a cozinhar comida de verdade? “Seria incrível, mas sem chance, não tenho tempo”. E aprender mais sobre outra área do conhecimento, não seria excelente? “Sem chance, não tenho tempo nem para fazer o meu trabalho direito, quanto mais aprender algo que não tem qualquer relação com a minha vida do dia a dia!”.

           Tempo. De quanto tempo nós dispomos? Essa é uma questão que pode ser respondida por um ângulo biológico ou sobre uma perspectiva filosófica. Porém, façamos algo mais simples. Quanto tempo um indivíduo possui no mês? Para responder a essa pergunta, precisa-se definir uma unidade de tempo. Creio que segundos e minutos são unidades de tempo não compatíveis para um melhor entendimento num prazo como mês, por outro lado dias e semanas talvez sejam unidades alargadas demais. Horas. Essa parece ser uma boa unidade.

          Sendo assim, você, eu, Obama, Trump, Neymar, temos 720 horas em média a nosso disposição todos os meses em que estamos vivos (mais quando o mês tem 31 dias, menos quando tem menos de 30 dias). Ótimo. O sono é talvez, junto com dieta e exercícios, um dos componentes mais importantes para a saúde física e mental de uma pessoa. Durma de maneira incorreta, diminua a sua melatonina, e você provavelmente não terá um sono reparador que é importante para inúmeros processos fisiológicos. Por outro lado, durma bem, e você provavelmente estará muito bem disposto nas horas acordado.  A quantidade dormida não é necessariamente determinante para uma boa noite de sono, muitas pessoas não sabem disso. Dormir oito horas de forma errônea provavelmente não será tão reparador como dormir sete horas de forma apropriada. Assim, a qualidade importa e muito. Porém, a média que uma pessoa necessita para ter efeitos reparadores de descanso é algo em torno de oito horas por dia. Algumas pessoas conseguem com menos, como sete horas, e outros ainda com bem menos como seis horas. Porém, a média, é algo em torno de oito horas.

        Por qual motivo essa discussão sobre sono e horas é importante para o texto? Pois das 720 horas que qualquer ser humano possui  num mês, a maioria de nós precisa dedicar algo em torno de 240 horas mensais de sono para que nosso corpo faça processos fisiológicos que são essenciais para a nossa saúde. Portanto, um ser humano na verdade possui 480 horas por mês de forma diríamos “ativa”.  Nessas 480 horas, você terá que fazer escolhas como melhor utilizar o seu tempo. Nessas 480 horas, você precisa tomar banho, fazer necessidades fisiológicas, comer, fazer sexo, brincar com seus filhos, trabalhar, estudar, ver filmes, viajar, brigar com estranhos, conversar com amigos, ter romance com seu parceiro, ler livros, e qualquer outra atividade que você possa imaginar.

              Essas 480 horas são o seu bem mais precioso. Se você está com uma saúde ótima, você pode fazer inúmeras atividades com essas 480 horas. Toda diversão, tristeza, alegria, decepção, excitação, contentamento, estão nessas 480 horas. Se você não está tão bem de saúde, essas 480 horas não podem ser traduzidas em tantas experiências, pois infelizmente o seu corpo não está apto a vivenciar de forma tão intensa essas 480 horas.  Não é à toa que pessoas de mais idade, ou com sérios problemas de saúde, com grande quantidade dinheiro acumulado falam que trocariam num piscar de olhos suas fortunas pela possibilidade de vivenciar essas 480 horas com plena intensidade.

         As 480 horas são o seu bem mais precioso, prezado leitor.  Cada pessoa é diferente uma da outra. Eu, por exemplo, gosto de surfar e ler livros. Outro pode gostar de pescar e desenvolver games. A variedade de experiências que podemos ter é ampla. Porém, por mais diferentes que possamos ser, nossas experiências devem estar nessas 480 horas, não importa se você é um leitor de blogs de finanças pessoas que se interessa por Fundos Imobiliários ou se você nasceu numa pequena província no interior de Uganda.

          Sendo assim, uma das questões mais prementes e importantes em nossas vidas deveria ser “como podemos maximizar e otimizar essas 480 horas que temos?”  ou “como extrair a maior quantidade de satisfação e contentamento com essas 480 horas?”. Imaginem, prezados leitores, programas de televisão sobre isso, matérias de jornal sobre isso no Jornal Nacional, nossos professores em colégios públicos e particulares refletindo com crianças e jovens sobre isso. Seria extraordinário, e com certeza nossas vidas seriam radicalmente diferentes.

           Em poucos anos, entretanto, a atenção e o tempo das pessoas estão sendo sequestrados de forma sutil, e em certa medida de uma forma que parece ser cativante. Está em todo lugar, e para mim é um distúrbio tão sério, e com uma capacidade devastadora de nos tornar mais infelizes, improdutivos e sem saúde. Se fosse uma doença causada por um agente exógeno bacteriano, por exemplo, seria considerada talvez a maior epidemia dos últimos 100 anos, talvez a maior epidemia de todas.

   A tecnologia na forma de aplicativos e redes de compartilhamento vem simplesmente tomando a atenção das pessoas, e fazendo com que as mesmas desperdicem o seu bem mais precioso, suas 480 horas mensais, de uma maneira assustadora.  Não irei aqui falar mais aprofundadamente sobre algumas razões biológicas disso estar acontecendo, e pelo pouco que li e assisti, as explicações são interessantíssimas. Porém, permitam-me falar algumas linhas sobre dopamina, um neurotramissor essencial para a saúde de nosso organismo, e que é muitas vezes associado como a substância do "bem-estar".  

         Basicamente, redes sociais, e a novidade que cada passar de dedo ou clique numa foto diferente proporciona, é uma forma muito eficaz de liberação de dopamina. Nosso cérebro evoluiu para querer novas informações. Com novas informações sobre a realidade, nossos antepassados poderiam descobrir novas comidas, novas fontes de água potável, informações novas sobre perigos, e isso com certeza teve um grande impacto na sobrevivência e evolução de nossa espécie.

      Nosso cérebro, portanto, aprecia novidades, e a dopamina é uma forma inteligente que nosso organismo construiu de fazer com que fôssemos atrás de novas informações. A novidade é tão fundamental para nosso cérebro, bem como para liberação de dopamina, que em estudos com ratos os níveis de dopamina que ratos apresentavam com uma “parceira sexual” nova eram muito altos e foram decrescendo a medida que mais atos sexuais eram repetidos com a mesma parceira. Com a introdução de uma nova “parceira sexual” os níveis de dopamina dos ratos voltaram a crescer, e isso foi um padrão que se repetiu várias e várias vezes.  A liberação de dopamina pela novidade, principalmente quando associado ao sexo,  pode ser um dos motivos que explica um novo tipo de distúrbio que são aquelas pessoas viciadas em pornografia na internet. As pessoas perdem a atração pelo sexo em si com uma parceira real, mas se tornam consumidores obsessivos de pornografia instantânea e rápida.  Porém, deixemos esse interessante assunto para outra oportunidade.

      Portanto, a novidade é algo que atrai o nosso cérebro, e há mecanismos químicos e biológicos para tanto. É por isso que as pessoas passam o dedo e ou o mouse e ficam descendo e descendo informações em redes sociais. Cada movimento do dedo é interpretado pelo cérebro como “opa, está vindo novidade, libere dopamina, pois eu quero novidade”, e é por isso que hoje em dia é tão normal ver pessoas ensandecidas mexendo em seus celulares procurando mais e mais novas informações, fotos, etc.  Seus cérebros estão sendo bombardeados com dopamina sem parar. 

       Acontece que nosso organismo além de complexo é muito inteligente. Quando nosso corpo é inundado com algo que não deveria existir em quantidades muito grandes, uma das soluções encontradas é fazer com que os receptores dessas substâncias se tornem cada vez mais inativos.  A dopamina para fazer efeito precisa de um receptor em nossas células neurais. Quanto mais dopamina existe, mais insensível os receptores vão se tornando, o que faz com que seja necessário cada vez mais dopamina para obter os mesmos efeitos. Se você pensou em drogas, sim, é exatamente assim que drogas atuam em nosso cérebro, e é por isso que usuários viciados precisam cada vez mais e mais para obter cada vez menos prazer (apenas como curiosidade, açúcar em grandes quantidades apresenta um padrão químico muito semelhante com drogas como cocaína).

          Portanto, o abuso do uso de redes sociais e aplicativos, está fazendo com que pessoas inundem os seus cérebros com dopamina, fazendo com que cada vez mais e mais as pessoas se tornem dependentes de mais e mais informações novas. Se a novidade era essencial há 20 mil anos, o tipo de "novidade" que estamos submetendo o nosso cérebro nos dias de hoje está longe de ser essencial, sendo muito mais tóxica do que qualquer outra coisa.

      Assim, e isso é algo que está acontecendo de forma perceptível, muitos seres humanos estão usando as suas preciosas 480 horas em mecanismos que não trazem objetivamente satisfação, felicidade e nem mesmo conhecimento. Conhecimento é fruto de trabalho concentrado, foco profundo ou “Deep Work”, a cascata de informações que as pessoas recebem por noticiários ou feeds de notícias estão muito longe de ser o alicerce para a construção de conhecimento sólido e prático.

    Nem as tornam mais produtivas, pelo contrário. A nossa capacidade de produzir algo de valor que seja apreciado por outras pessoas, ou se assim preferir pelo mercado, é diretamente relacionada com a nossa capacidade de colocar esforço concentrado em algo. Se eu quero escrever esse texto, preciso me concentrar. Se pretendo escrever um livro sobre leilão, preciso me concentrar por muito tempo. Se quero produzir um novo produto preciso me esforçar ao máximo em solucionar eventuais problemas.  Quase nada de extremo valor é produzido sem trabalho concentrado, ou “hard work”.  Isso tudo é incompatível com uma atenção fragmentada, que pula de informação para informação em poucos segundos.

       Eu, o escritor desse texto, estou em processo de desintoxicação nos últimos meses. Foi aqueles momentos de mudança. Há anos, senti que precisava mudar minha vida. Lá fui eu numa jornada de autoconhecimento sobre finanças. Esse caminho me levou a criar um blog, conhecer outros, ler dezenas e dezenas de livros e artigos científicos, atingir minha independência financeira.  Uma jornada e tanto. Hoje me sinto preparado para administrar seja um milhão ou cinqüenta milhões. Sinto-me preparado para conversar com qualquer um sobre finanças e estratégias de manejo de patrimônio, no contexto de uma pessoa física, não de um fundo de bilhões de reais ou dólares, pois nunca tive pretensões de ser profissional disso. 

      Aliás, hoje para mim finanças pessoais é um assunto que mistura investimentos e o seu manejo (FII, ações, ETF, opções, alocação de ativos, estratégias de Trade, etc, etc), mas principalmente uma reflexão mais profunda sobre dinheiro, tempo e felicidade.  É por isso que acredito que alguém como Mister Money Mustache é muito mais importante para a esmagadora maioria dos investidores pessoas físicas de como se ter uma relação inteligente com dinheiro e a vida, do que alguém como Warren Buffett e suas "formas de analisar balanço de forma vencedora".

          Há alguns meses, senti que precisava otimizar a minha vida e saúde. E lá estou em no começo de uma jornada de aprendizado. Segunda-feira devem chegar 10 livros na minha casa, dois apenas sobre microbiota intestinal. Eu tenho pelo menos mais uns 20-25 para comprar. Todos os dias, enquanto lavo a louça ou ando de bicicleta ou estou descansando, estou ouvindo a palestra de algum expoente de alguma área relacionada à saúde. Atualmente, são algumas horas diárias devotadas ao assunto.  É assim que funciono, quando vejo que algo é  importante para a minha vida, mergulho com intensidade, e fico feliz na forma como gasto o meu tempo, aliás, muito feliz. O que não me deixa feliz é entrar no computador, e depois de duas horas não saber como o meu tempo foi gasto e porque foi gasto daquela maneira. Isso, atualmente, me deixa muito mal, pois  me faz sentir que desperdicei o que tenho de mais preciso em algo que não me agregou nada.

        Hoje em dia, me sinto muito mais no comando das minhas 480 horas. É evidente que o fato de não ter um trabalho formal que não me agradava, é um grande alívio e uma excelente oportunidade. Porém, longe de estar menos ocupado, na verdade estou mais ocupado, mas de uma forma consciente e muito mais prazerosa.

       
         No último mês, resolvi fazer um experimento. Há um grupo de whatsapp que nos últimos meses, eu ocasionalmente via uma mensagem ou outra. Mais raramente ainda escrevia algo. É um grupo sobre finanças, e possui muitas pessoas inteligentes e com bom conhecimento na área. Porém, não era algo que me chamava mais tanto a atenção, principalmente porque um meio de comunicação como whatsapp não é uma ferramenta adequada para uma discussão mais aprofundada sobre assuntos, seja lá eles quais forem. Eu resolvi então não clicar em nenhuma mensagem desse grupo durante um mês para saber quantas mensagens existiriam acumuladas. O experimento terminou ontem, e foi um choque.



            Uau. Uau. Só posso estimar, mas como as mensagens podem ser curtas, longas, com link, áudio de um minuto, escrever uma mensagem demora mais do que ler, etc, eu creio uma média de 10 segundos por mensagem, nesse contexto, não é tão fora de propósito. Logo, se alguém leu todas as 12.571 mensagens desse grupo, gastou aproximadamente 35 horas de sua vida num grupo de whatsapp.  Isso é um pouco mais de 7% das suas preciosas 480 horas. Uau.  Com 35 horas é possível ler, num ritmo confortável e com atenção, três livros de 250-300 folhas. Em um ano, isso é aproximadamente 35 livros.  Qualquer um que leia 35 livros sobre um mesmo tema não se tornará talvez um expert ou profissional, mas com certeza terá crescido o seu entendimento sobre a área de uma maneira quase que inacreditável em relação à estaca zero. 


           Trinta e cinco horas num mês para um único grupo e pessoas que gostam dessa plataforma estão em diversos outros. E pessoas utilizam outras plataformas. E pessoas olham a Globo News para  se "manter informado". E as pessoas leem sobre o que Trump está fazendo ou não. Uau. Talvez as pessoas estejam dedicando 20-25% de suas preciosas 480 horas para isso.  Se levarmos em conta que a maioria precisa trabalhar formalmente, precisam tomar banho, dirigir até o trabalho, comer, não é de se surpreender que ninguém mais tenha tempo, e paciência já que os cérebros estão sedentos por novas rodadas de liberação de dopamina,  para sentar num parque, fazer a sua própria comida ou ter uma conversa mais profunda cara a cara com alguém.  E assim, a saúde, produtividade e felicidade das pessoas declinam cada vez mais, num ciclo vicioso sem fim, até porque há um componente fisiológico nisso tudo como abordado parágrafos acima.

        Você é o responsável de como utiliza as suas 480 horas. Tome as rédeas de sua vida e controle sobre o seu tempo. Sua saúde, felicidade e produtividade agradecem.


E não é que os livros chegaram 10 minutos depois de ter acabado de escrever esse texto? O que me surpreende são as traduções que dão para os livros no Brasil. O "Always Hungry" do professor de Harvard David Ludwig se transforma em "Emagreça Sem fome" (WTF?). O famoso "The Big Fat Surprise" da Nina Theicholz (ela que foi expressamente citada na apresentação dos resultados do Estudo PURE que foi um grande estudo epidemológico feito em diversos países e liberado os resultados final do ano passado) foi traduzido como "Gordura Sem Medo", ai ai...

          Abraço a todos.