Olá, prezados leitores. Como sempre, sugiro a leitura dos artigos anteriores da série. Comece pela Primeira Parte
SE VOCÊ QUER PROFECIAS, NÃO PROCURE MODELOS
Pelos comentários que esse espaço vem recebendo, e por comentários que venho observando nos mais variados programas, eu creio que conceitos básicos ainda não foram bem entendidos. Quem vem lendo essa série, com a devida atenção, provavelmente já tem alguns conceitos mais solidificados.
Volto a dizer: modelos são aproximações da realidade, eles não são a realidade. Repita comigo, você que ainda não entendeu: MODELOS SÃO APROXIMAÇÕES DA REALIDADE, ELES NÃO SÃO A REALIDADE. Mais uma vez: MODELOS SÃO APROXIMAÇÕES DA REALIDADE, ELES NÃO SÃO A REALIDADE. Para que fique claro só mais um vez: Modelos são aproximações da realidade, eles não são a realidade.
O meu primeiro entrevistado, do meu futuro podcast, muito bem falou que modelos não são oráculos proféticos sobre o que vai acontecer, ainda mais em sistemas complexos como modelagem de uma epidemia de um patógeno novo.
Sim, na entrevista ambos concordamos que a esmagadora maioria das pessoas, ainda mais num momento como esse, querem certezas. "A Vacina sai até o final do ano?". A pergunta não é "Uma vacina vai mesmo sair?". Se não me engano, a vacina mais rápida produzida no mundo demorou quatro anos. "O Pico da infecção vai ser no dia 12 ou 14 de maio"? "A economia vai voltar à normalidade em três meses ou quatro meses?".
Se um cientista sério, baseado num modelo, disser que ele não tem como responder as perguntas acima, ele, por boa parte das pessoas, vai ser ridicularizado, esquecido ou às vezes, a depender dos ânimos, agredido. Prezados leitores, modelos tentam modelar, no caso de uma pandemia por um vírus novo, algo completamente incerto. Não há qualquer certeza sobre o que vai acontecer. Quem diz o contrário está simplesmente equivocado ou de má-fé.
Portanto, modelos são aproximações que tentam de alguma maneira fornecer alguma forma de refletir sobre a realidade. Entenda isso, prezado leitor, e a sua vida tornar-se-á muito mais incerta, mas a sua compreensão da realidade ganhará alguns graus de profundidade.
MICHAEL OSTERHOLM
Outra coisa que as pessoas, nos últimos comentários, estão se perdendo um pouco é sobre fontes. Eu indiquei o biólogo Átila, não porque o acho a melhor fonte de conhecimento sobre a eventual crise, ele está longe de ter esse conhecimento. Eu já indiquei diversas fontes de uma qualidade absurdamente alta de renome internacional. Um deles chama-se Michael Osterholm. Foi ouvindo uma entrevista dele no Joe Rogan há dois meses que eu percebi que a crise seria realmente séria, e que muita coisa mudaria, pois era nítido que o cara sabia do que estava falando.
Eu já indiquei inclusive um livro dele escrito em 2017 sobre pandemias. No capítulo 13 do livro em questão, ele trata sobre uma provável nova pandemia de um novo coronavírus tão ou mais contagioso como um vírus Influenza. Alguma relação com o que está acontecendo? Esse cara estava em Hong Kong como um investigador em 2002 no surto do SARS-CoV-1. Ele estava em Dubai em 2012-2013 no primeiro surto da MERS-CoV. Ele em 2015 disse que o MERS aparecer em algum centro urbano era questão de tempo, meses depois estourou um surto na Coréia do Sul matando 38 pessoas de quase 200 infectados (ou seja uma letalidade absurdamente alta de 20%) (1).
O cara vive há 40 anos estudando surtos epidêmicos ao redor do mundo. Você, prezado leitor, quer informação melhor do que essa? Quem no Brasil já citou, dos diversos textos que li, Michael Osterholm? Ninguém. Zero. Nem mesmo o professor universitário de ciências biológicas que entrevistei o conhecida. Ele possui um podcast apenas sobre essa crise, e libera um episódio semanal, que sempre ouço no mesmo dia (2). Um dos órgãos que ele participa está soltando informes semanais desde a última semana, e eles são a coisa mais sensata e técnica que se pode ler sobre o assunto (3).
Portanto, eu cito o Atila Iamarino pois ele produz vídeos simples, objetivos, com boas informações todas elas trazidas do exterior. E principalmente porque é em português. Quem vai ouvir uma entrevista técnica com um especialista em inglês? Aliás, quem consegue entender com a fluência necessária uma entrevista dessa? Mesmo um público seleto como desse blog, talvez 5%, no máximo 10% tenha a proficiência necessária da língua. Portanto, diversas fontes de altíssima qualidade já foram fornecidas nesse espaço, e todas elas são, infelizmente, em inglês. Para uma boa fonte de informação em português acessível para o cidadão médio, sim os vídeos do biólogo brasileiro é uma boa fonte para ser ter um quadro geral do ponto de vista científico.
Agora, se o cientista brasileiro citado é comunista, se ele fala bem ou mal da China ou EUA, isso deveria ser de tudo desimportante para quem é leigo em ciências biológicas, pois não tem qualquer relevância. Você que pensa assim deveria se importar apenas com a qualidade do assunto técnico tratado por ele, se não puder ter acesso a fontes estrangeiras.
Fica de novo a dica. Se você quer ir direto à fonte dos maiores especialistas aqui esta uma delas, não precisa de um tradutor brasileiro. Porém, se a língua, conhecimentos técnicos, tempo, são impeditivos, sim há pessoas produzindo bom conteúdo em português.
MODELO OXFORD X MODELO IMPERIAL COLLEGE - A DIFERENÇA É NA TAXA DE FATALIDADE DA DOENÇA E/OU POPULAÇÃO SUSCETÍVEL
Leitores, eu falo aqui de "modelo oxford" ou "modelo imperial college" apenas como uma aproximação da realidade. Leia a Parte IV para mais detalhes sobre esse tema A grande e única discussão é sobre o grau de fatalidade da doença. Ponto. Se uma cidade-país tem uma população de 10 milhões, e morrem 10 mil pessoas, isso pode ser uma notícia não tão ruim se 50% das pessoas já tiverem sido infectadas - "Modelo Oxford". Porém, a notícia pode ser péssima se 10% das pessoas foram infectadas - "Modelo Imperial College" (4). É isso. Ponto.
E qual a diferença? Num, o vírus se alastrou pela população, causou muitas mortes sim, mas a sociedade já pode se preparar para voltar à normalidade. No outro, o vírus nem de perto se alastrou por uma parcela significativa da população e tem a probabilidade de ocasionar muitas mais mortes, com consequências nefastas na economia e no próprio sistema de saúde.
E quem está certo? Só dados poderão responder. Só exames em massa de anticorpos de testes de boa qualidade (altíssima especificidade e ótima sensibilidade - vide Parte VIII - Imunidade e Testes) em populações que passaram por um grande surto.
Mas os dados do Imperial College estão obviamente errados, muitos afirma, sem nem ter aberto o paper orginal, e eles já produziram dezenas deles desde o início da crise. Qual dado especificamente? De volta para um dos maiores especialistas do mundo no assunto o Sr. Michael Osterholm "Modelos todos podem fazer, sejam mais ou menos complexos, forneça a sua IFR e a população suscetível e começamos daí a conversar".
No exemplo da cidade de 10 milhões de habitantes. Qual é a população suscetível para um novo vírus? 20% da população? 30%? 75%? Há imunidade natural ou todos são suscetíveis? Tendo essa premissa, qual é a fatalidade da doença sem contar com colapso da saúde: 1%? 0.5%? 0.001%? Com isso, prezados leitores, você já pode entender, nos fundamentos ao menos, qualquer modelo epidemiológico para essa doença, e pode questionar se os fundamentos fazem sentido ou não.
Muito se fala dos números exagerados do modelo original do Imperial College. É possível que seja exagerado mesmo. Mas onde estaria o exagero? No índice de fatalidade da doença? Ou na População Suscetível? Para se ter uma ideia, na modelação inicial para EUA e Reino Unido, a IFR foi fixada como um todo em 0.9%, e para cidades como NY e Londres em 0.6%, porque essas cidades possuem populações mais jovens do que o resto dos respectivos países.
E para o Brasil?
Essa é uma modelagem para o país. Veja, prezados leitores, há cenários de supressão que eles dizem ser distanciamento de 75% da população. Há cenários de mitigação maior ou menor, com mais foco ou não em idosos, e com números de R0 variáveis de 2,4 a 3. Todos esses números de R-Naught são absurdamente altos. Os países que pensam em (re)abrir suas economias devem trazer esses números para abaixo de 1, e se quiserem margem de segurança para bem abaixo de 1.
Aqui estão os números. Os infectados, a depender do cenário, variam de 5% da população (11 milhões) a aproximadamente 85% (187 milhões). As IFR variam de 0,6% no pior cenário até 0.4% no melhor cenário. As mortes variam de 1.150 milhões até 44 mil. E qual é a diferença enorme para tantas mortes? Não é a fatalidade da doença, mas sim o número de pessoas infectadas. Simples assim.
QUAL É IFR MAIS PROVÁVEL? DADOS ATÉ O MOMENTO
A única maneira de saber o real índice de fatalidade é saber o número de mortos e o número real de infectados. No brasil, conforme visto no último artigo Parte IX - Subnotificação, há até mesmo um problema enorme no número de contagem de mortes. Os números oficiais não condizem com a realidade, já que todos os indícios apontam para no mínimo o dobro de mortos pela COVID19. Cito isso, pois se parte do princípio de que não se poderia contar errado a morte, mas é o que se está fazendo no Brasil.
Entretanto, a grande discussão é sobre o número de infectados assintomáticos e, ou, com sintomas leves. Sem testes de toda a população, não tem jeito, será preciso realizar testes de anticorpos e estimar o número de infectados atuais e passados. Isso foi explorado à exaustão na Parte VIII.
Há inúmeros problemas com testes de anticorpos. A qualidade dos mesmos é algo que interfere muito nos resultados, especialmente se a incidência da infecção na população é pequena. Em lugares onde a crise foi imensa, e onde a testagem é feita num número muito grande, é possível que os números sejam mais confiáveis, simplesmente porque o "sample size" é maior, e porque a incidência é maior, aumentando o poder positivo preditivo.
Não consigo pensar num exemplo melhor do que a cidade de Nova Iorque, bem como o estado de Nova Iorque. Eles estão fazendo dezenas de milhares de testes. Resultados preliminares em 02 de maio, conforme o governador do Estado:
Aproximadamente 12% da população do Estado de NY possui anticorpos, ou seja foi infectado
Para cidade de NY o número é de aproximadamente 20%
A população da cidade de NY é de aproximadamente 8.4 milhões. A do Estado de NY é de aproximadamente 19.5 milhões. Sendo assim, aproximadamente 1.7 milhões de habitantes da cidade teriam/estão infectados (8.400.000 x 20%). Já no Estado seria aproximadamente de 2.350 milhões (19.500.000 x 12%). Pode ser um pouco mais, pode ser um pouco menos, mas parecem números compatíveis com os resultados dos exames de anticorpos.
E o número de mortos? Conforme o site worldmeters, há algo em torno de 27 mil mortes no Estado. Já em algumas outras fontes, o número é de aproximadamente 21 mil mortes. A diferença se dá porque há algo em torno de 5.500 mortes creditadas como prováveis por COVID19, e isso se deu porque foram, se não me engano quando eles reconheceram em meados de abril, de pessoas que morreram em casa com sintomas respiratórios.
Dados bem completos podem ser encontrados diretamente no site da cidade de NY sobre o tema (5). Mesmo com o acréscimo dessas 5.5 mil mortes, ainda haveria excesso de mortalidade de alguns milhares ainda não contabilizados, conforme reportagem recente do NYT. Portanto, creio que o número de 27 mil o mais fidedigno, sendo conservador. Para a cidade a mortalidade é de aproximadamente 20 mil pessoas.
Se a IFR é igual a divisão do número de mortos pela população efetivamente infectada, a IFR para a cidade de NY atualmente é de 1.17% (20.000/1.700.000). A do Estado e de 1.14%. Essa IFR, porém, é provavelmente maior, razoavelmente maior. Por qual motivo? Porque, conforme já explicado em artigos , há uma demora entre a infecção e a morte que vai de 30 a 45 dias. Por isso, que a curva de descida das mortes é um processo bem demorado, conforme Itália, Espanha e França vem demonstrando. Há 257 mil casos ativos, ou seja de pessoas com algum sintoma, no Estado de NY.
Portanto, não seria de se estranhar que esses casos ativos redundasse em 2% de mortes, acrescentando algo em torno de mais 5000 mortes. Isso levaria a IFR da cidade e do Estado para algo em torno de 1.5%. Sim, um número absurdamente alto, isso na cidade mais importante do mundo do país mais poderoso do mundo. Não é em Manaus, ou em Manila, mas sim Nova Iorque.
Talvez NY seja um aviso de que se a epidemia sai fora de controle num grande centro, mesmo sendo um centro rico, com os melhores médicos, melhores equipamentos, a IFR pode ser superior a 1%. O que é um aviso sinistro, pois conforme a seção anterior o cenário mais pessimista de IFR para o Brasil segundo o Imperial College é de 0.6%.
A cidade de NY é um exemplo de que o modelo de oxford não se mostrou acertado, ou seja, uma IFR na faixa de 0.1-0.15%. Aliás, longe disso.
E quando a crise acontece numa cidade de um país sem estrutura, mas não tão mais pobre que o Brasil como o Equador? Aí, meus amigos, são cenas de horror. Na cidade de Guayaquil há aproximadamente 10 mil mortes em excesso nos meses de março e abril. No ano de 2019 nos meses de março e abril nessa cidade morreram 2900 pessoas. Nesse ano, foram quase 13 mil pessoas. Sim, 10 mil mortes a mais. Os números oficiais dizem que morreram apenas 500 pessoas na cidade. O sistema lá colapsou de todas as formas (6). Como a população da cidade é de aproximadamente 2 milhões, a mortalidade em excesso é de algo em torno de 0.5% de toda a população.
Para se ter uma ideia, uma mortalidade em excesso de 0.5% da população brasileira inteira seria mais de um milhão de brasileiros. Não sei se a cidade de Guayaquil vai fazer testes de anticorpos em massa. Eu acho que não. E se apenas 10% da população tiver sido infectada? Isso quer dizer que seria uma IFR de aterradores 5% (10 mil/200 mil).
Espero, sinceramente, já que o Equador é um dos únicos países que não conheço em nosso continente, e gostaria muito de conhecer, que o número de infectados lá seja de 40-50%, e eles estejam próximo de Herd Imunnity depois de tanto sofrimento. Mas, Guayaquil é um alerta sinistro do que pode estar acontecendo em Manaus, Recife, Belém e Fortaleza nesse exato momento.
Eu, particularmente, de tudo que eu vi e li, acredito que o limite para a IFR se for um bom sistema de saúde, se não houver um colapso, se os médicos estiverem bem equipados e protegidos, se houver uma liderança séria e um povo unido, é no mínimo na faixa de 0.3%-0.4%.
POPULAÇÃO SUSCETÍVEL
Em teoria, um vírus novo pode infectar 100% da população. É o caso do SARS-CoV-2? Ninguém sabe. Será que há 50% das pessoas que são naturalmente imunes por alguma questão genética? Será que a exposição a outros coronavírus que causam gripe (há quatro deles) de alguma maneira fornece imunidade contra esse novo vírus? Não se sabe. Será que o vírus depois de infectar 15-20% da população simplesmente desaparece? Ninguém sabe. Será que o verão americano vai extinguir o vírus lá? Ninguém sabe.
Portanto, não se sabe o tamanho da população suscetível a ser infectada. Eu acho que o que faz mais sentido é presumir que todos podem ser infectados, sendo que boa parte, ou a imensa maioria será assintomática ou terá sintomas leves. Então, como todos podem ser suscetíveis, o vírus teoricamente apenas deixaria de ser epidêmico depois que uma parte da população se tornar imune, no conceito conhecido como imunidade de rebanho que é estimado em torno de 60-70%.
Há um conceito, porém, que a mídia brasileira não trata bem, se é que já tratou, que é o conceito de overshooting. A ideia é basicamente a seguinte: se 60% garante imunidade de rebanho, mas se todos se infectam rápido demais, há um aumento acima de 60% de pessoas infectadas. Se o R-Naught cair abaixo de 1, indicando que uma pessoa infecta em média menos de uma pessoa, mesmo assim o número de infectados cresce.
Se numa população de 50 milhões de pessoas, por exemplo, 60% já tenham sido infectadas (30 milhões), mas 20 milhões de pessoas estejam atualmente infectadas com o vírus e o R-Naught caia para 0.5, isso significa que mais 10 milhões de pessoas ainda seriam infectadas (uma nova pessoa infecta em média 0,5 pessoas, logo 20 milhões de pessoas infectariam 10 milhões), levando o número total de infectados para 40 milhões, ou 80% da população, mesmo que a imunidade de rebanho fosse atingida com apenas 60% da população. Esse efeito é diluído se as infecções acontecem espalhadas no tempo, mas é muito mais acentuado se a infecção da população ocorre rápido demais. Sobre imunidade de rebanho, sugiro a leitura Parte V.
Um leitor atento, e o tema precisa de atenção, talvez tenha olhado com o devido cuidado os números do Imperial College para o Brasil e percebido uma inconsistência de achar que 85% da população poderia ser infectada, mesmo com um R0 de 3, que produz imunidade de rebanho com 70% da população. Esses 15% a mais muito provavelmente é modelagem de overshooting, especialmente porque é o cenário onde nenhuma atitude fosse tomada.
IFR e população passível de ser infectada, as duas premissas que qualquer pessoa precisa ter em mente para analisar qualquer modelo.
O PICO DA INFECÇÃO NÃO QUER DIZER ABSOLUTAMENTE NADA SE APENAS UMA PEQUENA PARCELA DA POPULAÇÃO FOI EXPOSTA AO NOVO VÍRUS. É APENAS A PRIMEIRA BATALHA, NÃO O FIM DA GUERRA
"O pico no nosso modelo acontece entre 04 de maio a 10 de maio". Sim, e? Pico relacionado ao quê? O cidadão médio não está entendendo esse conceito, e eu o trouxe com maior detalhe na Parte V. Achatar a curva, deprimir a curva, demolir a curva, não irá fazer com que o vírus desapareça. Ele pode ser controlado com extremas medidas de segurança, testagem e controle da população, como está sendo feito na Coréia do Sul, China e Taiwan. A curva pode ser domada como o foi pela Austrália e Nova Zelândia.
Porém, enquanto houver focos de contaminação no mundo, nenhum país está seguro de novos surtos, se a sua população não possui imunidade. Ponto. Não entender isso, as autoridades não comunicarem isso com clareza ao público, vai criar e já está criando extrema frustração para as pessoas que em alguns lugares já estão 30-40 dias sob medidas de restrição.
Um amigo meu quis comparar a nossa ilha de Santa Catarina com a ilha da Nova Zelândia no combate à pandemia. Sério, não precisamos desse escapismo, a hora é séria, talvez uma das mais graves das últimas décadas, da minha geração com certeza, e precisamos de realismo.
Sim, a NZ esmagou a curva
A Nova Zelândia é longe de praticamente tudo. É uma ilha onde a entrada de quase todos os estrangeiros se faz por aeroportos. É uma população de aproximadamente cinco milhões de pessoas, razoavelmente esparsa. É liderado por uma mulher com M maiúsculo. É um país com forte senso de identidade. É um país rico. É um país educado. Etc, etc. Eles talvez consigam manter o vírus longe do país ou sob controle, se puderem testar, fazer rastreamento, quarentena de estrangeiros que chegam, etc. Talvez seja possível. Ninguém sabe ao certo. Mas em nada, absolutamente em nada, se compara com a situação da ilha de Florianópolis. Ainda mais agora, onde o vírus saiu completamente de qualquer controle das autoridades brasileiras.
A "Gripe Espanhola" é dita que ocorreu em 1918. Sim, mas o que não se fala muito é que houve ondas sucessivas de contaminação, sendo que a segunda e terceira ondas (ocorrida em 1919) foram muito mais mortais
Será que o Sars-cov-2 terá o mesmo comportamento? É o que alguns especialistas prevem para os EUA, que eles estão ainda na crista da primeira onda, e a segunda onda a começar no outono pode ser muito maior e mortal, especialmente se vier cumulada com uma temporada forte de Influenza.
Ninguém sabe ao certo. O grupo de Michael Osterholm propõe 3 cenários. O primeiro cenário é de picos sucessivos de contaminação, onde a atividade comercial vai e volta a depender de cenários de R-Naught, leitos de UTI disponíveis, etc, etc. É o que um grupo de Harvard modelou de cenários intermitentes como esse até 2022. É o cenário do Do Martelo e da Dança descrito na Parte VI. Há o cenário de ondas sucessivas maiores a começar no outono americano. E o último cenário, que não foi visto em nenhuma das últimas 8 pandemias de influenza nos últimos 250 anos, que o vírus tem um pico inicial e vai se extinguindo aos poucos até 2022.
Portanto, ou a população já foi exposta ao vírus em sua imensa maioria, ou nós vamos conviver com isso, a não ser que haja uma vacina em tempo record, por bastante tempo. Ficar falando de pico como se ao passar o "pico" tudo teria se resolvido, é uma grande ilusão, a não ser que o "modelo oxford" realmente esteja correto, e a IFR seja em níveis menores do que 0.1%.
"MODELO SAMY DANA"
Por fim, me foi perguntado algumas vezes sobre o "Modelo Samy Dana". Conversei sobre ele no meu primeiro podcast com o professor universitário. Para quem não sabe, esse não é um modelo Samy Dana, mas ele é o "garoto propaganda". Há uma equipe formada por médicos, matemáticos e pelo próprio Samy Dana. E aqui, deixo já expressado, absolutamente nada contra ou desrespeitoso ao economista e sua equipe. Pelo contrário, acho louvável brasileiros tentarem modular algo para a realidade nacional.
Cada um, imagino, depois desse artigo, na verdade depois dos nove artigos anteriores, pode analisar por si só a força do modelo, sem precisar de grandes conhecimentos matemáticos ou de modelagem. Sabe qual é a IFR desse modelo? Segundo palavras do próprio Samy Dana a IFR no cenário mediano é de 0.05% (7). Não, você não leu errado. Vou repetir: a IFR desse modelo é de 0.05%. É só 8-10 vezes menos do que os cenários mais realistas de países de primeiro mundo onde o sistema de saúde não vai ruir, e talvez 20-25 menos do que aconteceu na cidade de NY. Eu não acho nem um pouco crível. Na verdade, o "modelo Samy Dana" nada mais é do que o "Modelo Oxford". Sendo assim, com uma IFR de 0.05%, mesmo que 50% de brasileiros sejam infectados, 50 mil brasileiros morreriam.
Um número alto, com certeza, mas muito menor que os cenários piores. E na real, é o que eles projetam, com o número de mortes até o final de maio em aproximadamente 40 mil. O que eles deveriam dizer claramente, é que o modelo estima que até o final de maio 80 milhões de pessoas teriam sido infectadas, para que a IFR de 0.05% faça sentido, ou seja 40% da população (8). Até porque pelo modelo, ao menos na apresentação, ninguém morre mais por COVID19 no Brasil a partir de junho de 2020. Sim, a curva de mortes se torna flat.
E como se chega numa IFR tão baixa assim? Porque segundo o economista para cada uma pessoa testada positiva com sintomas, há nada mais nada menos do que 99 pessoas assintomáticas ou com sintomas bem leves (7). Sim, um fator de 99 para 1. É crível? Eu tenho a minha opinião de que não, não é nada crível pelos dados que vem de todo o mundo. Mas, leitor, você já está suficientemente informado para fazer a sua própria análise.
Um abraço a todos!
(1) https://www.who.int/westernpacific/emergencies/2015-mers-outbreak
(2) https://www.cidrap.umn.edu/covid-19/podcasts-webinars
(3) https://www.cidrap.umn.edu/covid-19/covid-19-cidrap-viewpoint
(4) num a fatalidade da doença é de 0.2% e no outro é de 1%.
(5) https://www1.nyc.gov/site/doh/covid/covid-19-data.page
(6) https://edition.cnn.com/2020/05/07/americas/ecuador-coronavirus-missing-intl/index.html - relato guayaquil
(7) https://www.youtube.com/watch?v=FWoxyVEZ1JI&t=1504s - entrevista Samy Dana da semana passada final de abril de 2020
(8) https://investnews.com.br/relatorios/relatorio_covid_v2.pdf - fls.32 da apresentação do modelo