Olá, colegas. Uma vez um colega blogueiro perguntou por qual motivo eu viajava. Qual era a finalidade de se viajar tanto tempo? Uma indagação natural. Porém, como responder de forma apropriada? Quem me conhece pessoalmente com mais intimidade, sabe que em determinados tipos de perguntas eu retruco se querem a resposta simples e “social" ou uma resposta mais elaborada e rica em detalhes. As perguntas sobre as minhas motivações ao viajar são dessa categoria de questionamento. Neste texto, tentarei trazer uma abordagem “não-convencional" ao tema.
Eu já citei diversas vezes a entrevista do Patch Adams dada ao programa roda viva da TV Cultura em 2007. Já vi diversas vezes, e para mim é uma das entrevistas mais brilhantes que já tive o privilégio de assistir. A forma como esse senhor encara a vida e tantos problemas humanos é algo que me estimula até hoje a melhorar como ser humano. Há muitos e muitos insights, há uma sabedoria incrível nas palavras daquele homem. Algumas pessoas já me agradeceram por indicar essa entrevista, mas creio que boa parte das pessoas não está nem mesmo preparada para realmente entender sobre o que ele fala.
Numa das partes iniciais da entrevista, ele diz textualmente que não vê qualquer diferença “em ser cordial com um homem de negócios no elevador ou levar alguma forma de conforto para uma criança morrendo de câncer terminal num hospital”. O conceito de vida que essa simples frase traz é simplesmente fantástico. E dificilmente você vê esta ideia em algum lugar.
E o que ele quer dizer exatamente com isso? A ideia é que podemos ser gentis com qualquer ser humano numa gama gigante de situações. Se ajudar uma criança com câncer terminal é algo evidente de uma boa ação (e todos reconheciam como tal, e até se emocionariam com um exemplo concreto), Patch Adams diz “Sim, claro que é maravilhoso ajudar a criança, mas também é maravilhoso ser amigável e gentil com um empresário engravatado subindo um elevador”. Para ele, e estas são palavras dele, “são experiências idênticas”.
Quão profundo não é isto? Quão libertador e poderoso não é esta lição para termos uma vida melhor? Citei este grande homem, para chamar atenção que seja viajando, ou fazendo o seu trabalho rotineiro, ambas as coisas podem ser experiências extraordinárias, tudo vai depender de como você enxerga a si mesmo, os outros e a realidade. É por meio de lentes de rancor, indiferença ou por meio de lentes de amor, gratidão e compaixão?
Esta é a primeira lição para quem quer se aventurar pelo mundo (e meu amigo como esse mundo é grande): você pode estar em Londres, na Avenida Paulista, no Deserto de Gobi na Mongólia ou em alguma praia da Tailândia, sua experiência será um reflexo do seu estado mental. Logo, é um erro achar que viajar irá fazer com que os seus problemas desapareçam. A sua mente, a forma como você encara a vida, sempre estará junto de você, você não consegue se afastar disso.
Conheci viajantes, mesmo os que estavam viajando por anos, com problemas mal resolvidos e que de certa forma se iludiam que resolveriam as suas dificuldades internas ficando um tempo longe fora de casa. Um Italiano de uns 50 anos que conheci numa cidade monastério numa região tibetana na província chinesa de Gansu foi um exemplo claro. O lugar é simplesmente sensacional. Eu e minha companheira o conhecemos na janta e conversamos por umas duas horas.
Ele estava reclamando de como as coisas tinham mudado na China, que era tudo muito diferente de 15 anos atrás. Tinha agora muitos turistas Chineses (e tem mesmo, o turismo interno na China deve responder por uns 99.5% do turismo no país, nós estrangeiros somos literalmente uma gota no oceano) e ele não parava de reclamar que nada mais era autêntico.
Enquanto ele fazia a missiva dele, um Tibetano vestido com roupas típicas entrou no recinto, ele era muito alto e forte, e abriu um sorriso enorme e disse para a nossa mesa “Thashidele”, uma saudação tibetana que quer dizer algo como “Oi, tudo bem?”. Foi algo muito bacana, pela espontaneidade. O Italiano não percebeu. Ele estava tão absorto em reclamar que não havia mais contato autêntico com os locais, que perdeu um contato autêntico com um local. Ele também não notou uma criança tibetana que ficou pegando no meu pé, e tentando brincar comigo. Dois momentos muito bacanas, e que passaram em branco para o italiano atormentado. Apenas pensei comigo mesmo “Por qual motivo ele está viajando? Ele claramente não está satisfeito”.
Tudo, absolutamente tudo depende do seu estado mental e de como você encara a vida. Não faz a menor diferença onde no mundo você está. Portanto, seja em algum lugar lindíssimo e remoto na Ásia Central, seja indo ao mercado comprar requeijão, cabe única e exclusivamente a você decidir o que você quer, qual o tipo de experiência que deseja produzir. “São experiências idênticas”, por mais distintas que elas possam aparentar. Compreenda isso, prezado leitor, e sua vida ficará muito mais leve, divertida e prazeirosa.
O escapismo não é e nunca foi uma razão para eu viajar. E o que seria então? Precisa haver alguma finalidade? Ou melhor dizendo, precisa existir algo claro e objetivo? Algumas pessoas ficam um pouco desapontadas quando digo que eu não tinha nenhuma finalidade em especial ao viajar 20 meses pelo mundo. Eu não procurava me tornar uma pessoa melhor, mas acabei me tornando, ao menos eu penso que sim. Eu não procurava conhecer mais, mas acabei conhecendo. Eu não tinha absolutamente nada em específico na mente.
Nós humanos, pelo menos os seres humanos com os quais eu mais convivo, possuem uma obsessão por finalidade. Por qual motivo eu vou fazer essa faculdade? Do que me serve saber química orgânica? Para que eu preciso conhecer um pouco de filosofia, vai me trazer dinheiro? Por que eu vou sair com aquele grupo de colegas do trabalho, vai me trazer alguma possibilidade de subir na carreira no futuro, poderei fazer um bom networking? Por qual motivo você está sentado num banco vendo as pessoas passarem, qual a finalidade, o que você ganha com isso?
Quem me conhece um pouco pelos meus escritos, já pode imaginar que acho essas perguntas, algumas delas ao menos, completamente sem sentido. Às vezes fazemos apenas pelo ato de fazer. Simples assim. Não precisamos colocar uma finalidade, e muito menos uma finalidade relacionada a dinheiro ou a trabalho em tudo na vida. Em algumas ocasiões estamos apenas fazendo, sem qualquer outro objetivo em mente.
Era assim que me sentia em boa parte da viagem. Eu estava apenas viajando. Nada mais, nada menos. Nada grandioso como transformar o mundo, ou me iluminar, ou seja lá qual finalidade sublime se possa associar com uma viagem como a minha.
Entretanto, quando nos libertamos, ao menos em algum grau, dessa “obsessão" por alguma finalidade, coisas maravilhosas ocorrem. No meu caso específico, os presentes que recebi nesta viagem foram extraordinários, e tenho certeza que a minha postura ajudou muito para que eu os percebesse e os aceitasse. É o tibetano dando “olá" para mim, numa forma figurada.
Quantos momentos maravilhosos eu pude viver junto com a minha companheira, por causa do meu estado mental e por simplesmente aceitar o momento da minha vida, sem qualquer grande objetivo associado. O leitor mais atento poderá pensar “mas você poderia viver momentos extraordinários ficando em sua cidade”. É claro que poderia, posso, e pretendo vivê-los. Aliás, acho que já venho vivenciado momentos bem agradáveis, entretanto às vezes é um pouco mais difícil, pois a loucura do dia a dia faz com que as pessoas criem certas “armaduras" para enfrentarem os seus cotidianos.
É difícil, mas possível. Como as pessoas não estão mais acostumadas, por exemplo, a ser tocadas. Um rapaz que ajudou a resolver um problema de ar-condicionado que estava tendo num dos imóveis foi tão solícito, um profissional tão honesto, que no final ele me disse o valor do serviço e eu apenas respondi “é este valor mais um abraço né?”, ele ficou sem jeito e eu dei um abraço nele, ele ficou super-feliz e ficamos conversando animadamente por uns 30 minutos depois disso.
Aliás, como as pessoas deveriam se abraçar mais. Hoje fui cantar numa banda que ensaio de vez em quando, e revi a filha de um amigo depois de mais de dois anos. Uma menina linda de 9 anos. Pedi um abraço de despedida (ela é uma menina muito amorosa), ela me deu um abraço bem forte. Depois de uns cinco segundos, quando já estava soltando do abraço, ela continuou abraçada, e abracei por mais uns segundos. Como crianças podem ser maravilhosas, um exemplo para nós adultos. Só disse para o meu amigo como ele era abençoado com uma filha como aquela, ele apenas assentiu e disse “eu sei!”.
Aliás, como as pessoas deveriam se abraçar mais. Hoje fui cantar numa banda que ensaio de vez em quando, e revi a filha de um amigo depois de mais de dois anos. Uma menina linda de 9 anos. Pedi um abraço de despedida (ela é uma menina muito amorosa), ela me deu um abraço bem forte. Depois de uns cinco segundos, quando já estava soltando do abraço, ela continuou abraçada, e abracei por mais uns segundos. Como crianças podem ser maravilhosas, um exemplo para nós adultos. Só disse para o meu amigo como ele era abençoado com uma filha como aquela, ele apenas assentiu e disse “eu sei!”.
Por qual motivo eu viajei? E por qual motivo eu faria outra viagem longa? A única resposta que poderia dar seria “Para Viver”. Para observar o mundo, não como alguém que está para julgar o que quer que seja, mas apenas para observar quão variados nós somos. É claro que julguei, julgo,e continuarei julgando algumas situações, nós humanos somos máquinas de julgamento ambulante. Porém, se conseguimos nos despir um pouco de pré-conceitos, e apenas observar o mundo de coração aberto, uau, que experiência fantástica pode ser.
Na cidade monastério de Xiahe na província de Gansu. Tivemos o privilégio de ver esse treinamento de "argumentação". Centenas de aprendizes de monge ficam em pares e começam a discutir, trocando argumentos. O que está de pé aparentemente tem a função de "furar" o argumento do outro, e quando se consegue isso, ele faz um movimento de dar um tapa na própria mão em direção ao outro sentado. É uma experiência interessantíssima. Esta foi a cidade onde o Italiano do texto estava encontrando "dificuldades" de ver beleza.
Um grande abraço a todos!