Olá, colegas. Independência
Financeira e sentido da vida. Os leitores desse espaço, até pelos temas que
tratei nos primeiros anos de blog, em sua predominância possuem interesse no
que se convencionou chamar de independência financeira. Já sentido para a vida é algo que diz
respeito a todos os seres humanos, por mais que uma parcela da população esteja inconsciente
desse fato.
Confesso que não li o livro, mas há uma obra que é muita citada por muitas pessoas
interessantes e influentes que se chama “Man´s searching for meaning”. É um
livro escrito por um judeu chamado Viktor Frankl sobrevivente de um campo de
concentração nazista. A busca de um homem por sentido, mesmo dentro de um campo de
concentração onde o próprio sentido das coisas parece ser o absurdo, é algo essencial na vida. Parece ser essa a mensagem principal do livro escrito por aquele que viria a ser o criador da logoterapia.
Eu
sei que as pessoas preferem textos mais pessoais, pois isso é uma
característica humana: histórias fazem sentido para o nosso cérebro, nos ajudam
a elaborar e a criar conceitos. Se eu mostrar a foto de uma menina síria de
três anos desnutrida num campo de refugiados e contar a história de vida
dela, é muito provável que essa seja uma estratégia mais eficiente para arrecadar
fundos para os refugiados do que dizer que há centenas de milhares de crianças
sírias na mesma situação do que a nossa adorável garotinha. De um ponto de
vista estritamente racional, não faz sentido ficar mais tocado com a história de sofrimento individual quando comparado com o sofrimento coletivo de dezenas de milhares de pessoas, mas é exatamente assim que nosso cérebro funciona e se conecta com as pessoas e situações. Durante muitos anos eu apenas
apontava isso como uma “falha” de raciocínio.
Entretanto,
talvez pelo acúmulo de leituras e de experiências de vida, hoje apenas aceito
esse fato como algo inerente do ser humano, já que nós evoluímos por dezenas de
milhares de anos para ser assim. Nós gostamos de histórias, e a pessoalidade
delas é o que atrai nossa atenção. Portanto,
talvez hoje adicione um toque mais pessoal ao texto.
O
sentido é aquilo que nos traz o maior bem-estar. Isso é uma lição que sempre
esteve presente comigo e ela apenas foi se solidificando mais e mais. Quanto eu tinha 18/19 anos, recém entrado
numa das melhores faculdades de direito do país, me perguntaram o que eu queria
ser da vida. Sinceramente, não sei se alguém perguntou, ou se foi uma auto-reflexão minha
mesmo. Porém, eu me lembro da resposta: tornar-me um ser humano melhor.
Não,
eu não sou Buda e nem uma espécie de santo. Pelo contrário, sou uma pessoa
absolutamente normal. Não, nem sangue eu ainda doei, e se comparado com muitas
pessoas é bem provável que o que eu faço pelos outros ou pelo universo seja
algo absolutamente diminuto. Mas, mesmo jovem e entrando numa faculdade de
ponta, eu não via sentido como objetivo de vida ter muito dinheiro dinheiro, cargos importante, exercer poder, etc.
Quando
me tornei Procurador Federal isso mudou um pouco. Pessoas te chamam de Dr.,
você ganha uma identificação pessoal personalizada, as pessoas o respeitam mais
por você ter esse cargo. Assim, dos 24 aos 26 anos eu me seduzi um pouco com
essa perspectiva que sempre foi estranha a mim. E o que é mais patético é que
um cargo de Procurador Federal não quer dizer absolutamente nada, não é nem
mesmo algo com prestígio e poder como um Senador ou um Cantor de Rock de uma
banda super famosa.
Por
experiências próprias, ainda bem, eu acordei desse torpor muito cedo, mas cai
em outro que foi o da acomodação. Jovem, salário extremamente alto, imóvel bom
próprio quitado, horário livre, isso tudo me fez acomodar, no que muitos chamam
“algemas de ouro”. O trabalho, além de me agregar pouco além do dinheiro, não
me trazia qualquer sentido. Sim, a crise de sentido estava latente, eu de certa
maneira sabia disso, mas procurava afastar essa ferida clara com
racionalizações sobre o bem-estar financeiro e a sorte de ter um determinado
cargo. Apesar de sempre raciocinar algo como, “eu trocaria esse cargo por um trabalho que pagasse apenas minhas
despesas se eu fosse feliz nessa nova empreitada”, o fato era que a
paralisia tomava conta.
Algumas
questões ruins no trabalho ficaram piores, o que me levou a procurar o tema “viver
de renda”, o que me levou a um blog chamado “viver de renda”, e a partir daí eu
comecei a devorar material sobre finanças. Chegou uma época que metade de uma
mala que eu trouxe dos EUA, quando morei na Califórnia por alguns meses, foi de
livros sobre finanças em Inglês (devem ter sido uns 20-25 livros). Era isso, precisava viver de renda, não
trabalhar, ser independente financeiramente, e se para isso eu precisasse ler um
calhamaço (e na época ler em inglês assuntos técnicos não era tão fácil para mim como
hoje) de 700 páginas com letras pequenas, eu o faria.
Acumulei patrimônio, ganhei uma quantidade razoável de dinheiro comprando e vendendo
imóveis em leilão, tive a sorte de estar numa família estruturada, e quando me
dei conta o meu patrimônio acumulado era mais do que suficiente para viver bem.
Aliás, era muito maior. Então daí, por ser conservador em relação a finanças (na verdade por ser medroso mesmo, quantas vezes eu não calculei e recalculei a probabilidade de não ter dinheiro nem para as necessidades básicas, o que, tirando uma guerra civil é uma possibilidade remotíssima) ,
eu tirei da cartola a ideia de ter duas independências financeiras: uma em
ativos no Brasil e outra em ativos no exterior, como se fossem dois patrimônios
separados. Precisava ter feito isso? Definitivamente, não. Porém, foi a forma de me "convencer" de que eu estaria completamente seguro financeiramente.
Larguei
o cargo de Procurador Federal, continuei comprando e vendendo imóveis, e hoje
em dia posso dizer que tenho essas duas IF(s), apesar de para concretizá-la eu
ter que vender muitos imóveis que estão no meu Patrimônio Líquido, já que
decidi não comprar mais imóveis e há seis meses não olho mais “oportunidades”
em leilão. Sim, eu descobri que estava "viciado" em procurar oportunidades de comprar por algo por 0,5 e vender por 1. Sim, quem não quer ganhar retornos altos, mas eu percebi que por mais que não fosse um trabalho enorme, e não o é principalmente em alguns casos que se resolvem rápido, isso estava e ainda está drenando um pouco da minha energia vital. E os 40 anos chegando daqui um ano e pouco, eu preciso fazer escolhas mais inteligentes sobre como alocar o meu tempo e minha energia finita.
Portanto,
hoje sou independente financeiramente duas vezes. E isso me trouxe satisfação?
Sim, trouxe, no sentido de ter largado um trabalho que não gostava. Porém, para
ter largado esse trabalho, e para ter a vida que gosto de ter, eu precisava de
muito, mais muito menos, e isso resultou em anos a mais travalhando em algo que não me
trazia sentido. São anos que não voltam. São anos como jovem com disposição que se foram. Não me entendam mal, eu vivi bem esses anos. Diverti-me, viajei pelo mundo nas minhas férias, amadureci, mas o fato é que uma parcela importante da minha vida devotei a algo que não me trouxe muito sentido, apesar de ser grato por ter aprendido muitas coisas sobre mim mesmo, as pessoas e a vida no cargo de Procurador.
O
que eu faço atualmente? Eu sou pai. Eu me exercito. Eu leio muito. Nas últimas
semanas, por exemplo, venho vendo vídeos e mais vídeos sobre bioquímica, e
tenho me apaixonado pela matéria. Saber como o nosso corpo produz energia por
meio da Cadeia de Transporte de Elétrons, por exemplo, e ver isso em detalhes,
ver que é um processo que envolve dezenas de enzimas, reações, etc, é muito
interessante.
Eu
gosto de aprender sobre as coisas. Isso
preenche minha vida de sentido? Não. Melhor dizendo, sim isso dá sentido a minha vida, mas apenas isso não é suficiente. Essa é uma das constantes batalhas mentais
travadas no interior do meu cérebro, o sentido da vida, o sentido da minha
existência, e sim eu sempre penso que devo achar algo para que eu possa de
alguma maneira impactar o mundo de forma positiva.
Porém,
mesmo sem estar realizando uma atividade que esteja “impactando o mundo de
forma positiva”, consigo observar claramente aspectos da existência que tornam
nossas vidas mais felizes, mais significativas e mais coloridas. Interação
humana é um desses aspectos.
Seja
com vizinhos, com colegas de trabalho, com membros familiares, com
desconhecidos de uma comunidade, a interação que você tem com todas essas
pessoas, especialmente a qualidade da mesma, impacta necessariamente a sua
qualidade de vida para melhor ou pior, e ouso dizer por via de conseqüência o
próprio sentido que atribuímos à vida.
Esse
é um dos grandes motivos de eu ter reflexões às vezes políticas ou ideológicas
sobre alguns temas tendo como pano de fundo esse aspecto primordial: a
interação humana. Lembro-me de um texto escrito por um blogueiro bem divertido
e com textos inteligentes chamado “Sr. Madruga”, onde ele contava o episódio de
uma mulher, muito provavelmente viciada em alguma droga pesada como crack,
revirando o lixo e sendo agredida verbal e fisicamente por um policial, sob o
riso de algumas pessoas do condomínio do Sr. Madruga (se não me engano eram
lixeiras do prédio onde ele morava).
Não,
é evidente que eu não gostaria de uma viciada revirando os lixos do meu
condomínio, mas quão doente não está uma sociedade quando interações entre
seres humanos acontecem da forma narrada pelo blogueiro, e quando algumas
pessoas acham isso até mesmo engraçado ou divertido. Na minha visão, alguma
coisa se rompeu. Porém, além disso, eu acho que até mesmo a busca de um sentido
mais profundo e significativo para a vida fica mais difícil quando a qualidade
de algumas interações que temos com outros seres humanos se dá nesses termos.
Não
se trata de ser de esquerda ou direta, de policiais, bandidos, assistência
social, etc, a meu ver ao menos, mas de algo mais profundo: o reconhecimento de
que as nossas próprias vidas são impactadas positiva ou negativamente a
depender de como uma gama de relações nossas se desenrolam.
Portanto,
parece-me evidente que a esmagadora dos seres humanos achará mais bem-estar em
ter relações humanas fortalecidas, do que possuir um automóvel mais potente ou uma casa de luxo num condomínio.
Boa parte das pessoas, estimuladas por um sistema produtivo e de marketing, às
vezes é cega a essa realidade óbvia. Muitas vezes é preciso uma doença, um
trauma, o passar dos anos, a saída de casa dos filhos, para que o vazio se materialize
quando percebemos que o que traz bem-estar não necessariamente necessita de uma
soma grande de dinheiro.
Eu
sinto-me satisfeito com a vida. Eu sou bem resolvido comigo mesmo. Ter dinheiro
o suficiente para não me preocupar com horários, trabalhos que não gosto, e
poder ler, surfar, treinar crossfit, e principalmente ser um pai presente, é
algo muito positivo que advém do que se pode chamar independência financeira. Negar isso seria tolice, sou muito agradecido por ter a oportunidade de ter a vida que levo. Porém, a independência financeira por si só
não vai fazer com que sua vida ganhe mais sentido, ou suas relações humanas
melhorem, talvez a independência financeira seja um facilitador para pessoas
medrosas como eu.
Tenho absoluta certeza, eu já encontrei diversas pessoas assim no Brasil e pelo mundo, que o sentido da vida era algo tão claro e cristalino para elas, que independente da quantia de patrimônio acumulado que elas possuíam, o caminho delas pela vida era pautado pelo sentido e satisfação pessoal, sem a necessidade de grandes cálculos para saber se um patrimônio aguenta retiradas até os 95 anos, por exemplo. Talvez, apenas talvez , mais dinheiro torne as pessoas cada vez mais cautelosas e receosas de ir atrás de destinos mais luminosos para a sua existência. Não caia nessa armadilha, dê ao dinheiro o devido valor que ele tem, mas não mais do que isso.
Tenho absoluta certeza, eu já encontrei diversas pessoas assim no Brasil e pelo mundo, que o sentido da vida era algo tão claro e cristalino para elas, que independente da quantia de patrimônio acumulado que elas possuíam, o caminho delas pela vida era pautado pelo sentido e satisfação pessoal, sem a necessidade de grandes cálculos para saber se um patrimônio aguenta retiradas até os 95 anos, por exemplo. Talvez, apenas talvez , mais dinheiro torne as pessoas cada vez mais cautelosas e receosas de ir atrás de destinos mais luminosos para a sua existência. Não caia nessa armadilha, dê ao dinheiro o devido valor que ele tem, mas não mais do que isso.
É
isso, colegas, tentei fazer um texto mais “pessoalizado”, mas creio que falhei
no intento. Porém, mesmo assim, espero que algumas pessoas tenham proveito da
leitura.
Um abraço!