Olá colegas! Depois de um relato,
de certa maneira emocionado, de minha viagem pela América Central, neste artigo
trago à baila uma das métricas mais conhecidas no mundo de investimento, o
famoso Preço/Lucro.
Primeiramente, gostaria de dizer
que investimentos não é uma questão que deveria suscitar um conflito de egos acirrado. Se uma estratégia
funciona melhor para você, ótimo. Caso contrário, talvez seja melhor e sensato
observar outras formas de investir. Pessoal, ao conversamos sobre investimentos,
não estamos entrando na área do trio polêmico (pena de morte, maioridade penal
e aborto, que poderia ser transformar no quarteto da discórdia se houver a
inclusão da eutanásia), mas sim discutindo conceitos muitas das vezes
eminentemente técnicos e lógicos. Não há porque nos angustiarmos tanto com idéias
diferentes no mundo dos investimentos.
Feita essa introdução, antes de
tecer algumas reflexões a respeito do tema propriamente dito, eu gostaria de
chamar atenção para um ponto fundamental quando idéias são debatidas; a diferença entre juízos de fato e juízos de
valor. Para muitos a distinção pode ser clara, mas eu fico às vezes surpreso quando vejo
que este conceito não é muito dominado por inúmeras pessoas. Vamos aos exemplos
abaixo:
Afirmação 1 : “O gato
desta imagem é preto”
Afirmação 2: “Este é o distintivo do melhor clube de futebol do Brasil”
E aí, qual é o juízo de fato e qual é o juízo de valor? Sem
adentramos em questões filosóficas mais profundas de se é realmente possível
apreendermos como o mundo realmente é, ou se a nossa visão de mundo sempre será
parcial, não representando necessariamente o que universo realmente é (a
discussão é interessantíssima, mas a toda evidência não é o foco desse artigo),
é claro que o juízo de fato é afirmação 1 “O gato da foto é preto”. Nessa
sentença apenas descrevemos um objeto ou um fato, e não acrescentamos qualquer opinião pessoal. Na segunda afirmação, que por
coincidência é verdadeira, “Este é o distintivo do melhor clube do Brasil”, não
estamos descrevendo apenas um fato, estamos agregando uma qualidade (“ ser melhor do Brasil”) a um fato (este é
o distintivo de um clube do Brasil). Percebam a diferença. Num caso apenas se alude a fatos, não há margem para juízos de qualquer tipo de valor. No
outro, por seu turno, uma valoração do emissor do juízo sempre está presente. E
como falamos de uma valoração, o juízo de valor sempre vai estar sujeito aos
pré-conceitos, formação cultural, momento histórico, etc, em que o emissor
possui ou está inserido.
Soulsurfer,
sou Corinthiano (problema seu), e estava quase parando de ler o seu blog com
essa conversa sem sentido sobre juízo de fato e de valor num artigo que era
para tratar sobre P/L. Toda essa introdução foi para deixar bem clara a
diferenciação, já que uma vez eu fiz um comentário no site do Bastter e emiti
um juízo de fato, imediatamente houve muitos comentários emitindo juízos de
valor sobre manada, bullshit, etc. Veja, não é uma crítica ao site, pois eu
gosto bastante das ferramentas que ele fornece, e os vídeos são instrutivos e
engraçados. Apenas chamei a atenção, pois eu vejo que em alguns temas, o
emocional aflora e as pessoas começam a confundir juízos de fato com juízos de
valor como se eles fossem a mesma coisa. Não, amigos, não são, e isso pode
levar a confusões completamente desnecessárias.
O que é
a métrica P/L? É simplesmente o valor que se paga por um fluxo de dinheiro.
Como assim? Se uma padaria produz um lucro líquido de R$ 100.000,00, e alguém
compra essa padaria pagando R$ 500.000,00, significa simplesmente que esta
pessoa está dispondo de R$ 5,00 para cada R$ 1,00 de lucro. Isso é um juízo de
fato. E isso é um bom negócio? O P/L dessa transação foi alto ou baixo? A
resposta correta seria que apenas com essas informações não é possível emitir
um juízo de valor. Precisaríamos no mínimo saber se a padaria possui dívidas, se há uma clientela formada, se as
instalações são boas, etc, etc. Vejam, que para emitir um juízo de
valor equilibrado sobre se a compra citada foi boa ou não, é necessária a existência de muitas outras informações
que vão muito além da métrica P/L.
Apesar
de haver a necessidade de outras informações, é instintivo pensar que quanto
menor o índice P/L, menor é a quantidade de dinheiro que se necessita para se
conseguir um fluxo de dinheiro (e essa é a razão de quedas nos FII, quando a
renda permanece a mesma, apenas facilitarem a compra de fluxos de aluguel com
menos dinheiro). Sendo assim, se pegássemos o exemplo da padaria, e existisse uma padaria idêntica em tudo, o exemplo é apenas teórico e de impossível replicação na prática, e a mesma custasse R$ 400.000,00, fica claro que a compra desta padaria, e não da primeira, faria mais sentido do ponto de vista financeiro-racional.
Ok, Soulsurfer, isso é evidente. Entretanto, você não pode comparar uma padaria com uma empresa gigantesca como a AMBEV. Sim, podemos, se for para efeito de compararmos conceitos básicos. Quando compramos ações da ABEV hoje, com um P/L de aproximadamente 30, quer dizer que hoje, com os dados de hoje, pagam-se R$30,00 para cada R$1,00 de lucro gerado pela empresa. Percebam, que isso é um juízo de fato. Não estou valorando se isso é bom, ruim, indiferente, se é pensamento de manada, etc.
Alguém que estivesse começando a ler textos sobre investimentos, poderia perguntar, mas por qual motivo há empresas que você precisa de apenas R$ 10,00 para "comprar" R$1,00 de lucro, e por qual motivo há empresas que você precisa gastar o triplo para "comprar" o mesmo R$1,00 de lucro? Ineficiência do mercado, sardinhas operando, diferença absurdas entre empresas? Não, colegas, a resposta tem a ver com expectativas e com o verdadeiro conceito de renda variável.
Comecemos com o conceito de renda variável. Já viu alguém perguntando por qual motivo uma ação da empresa Y (ia colocar X, mas ai lembrei do enrosco que essa letra causa no mercado acionário brasileiro) caiu 30% em apenas uma semana? Aí vem uma resposta: "porque é renda variável". Não, amigos. A diferença entre renda variável e renda fixa não está na flutuação de preço do ativo. Se fosse assim, por qual motivo os títulos do tesouro não são chamados de renda variável quando há rentabilidade negativa forte (como ocorreu no ano passado)? Os preços dos títulos variam no tempo, e nem por isso é chamado de renda variável. Quando se fala em renda fixa ou renda variável está se falando do fluxo de dinheiro, não do preço do ativo subjacente. A renda é considerada fixa, pois sabemos de antemão, se não houver o evento default do emissor, exatamente a quantidade de fluxo de dinheiro que teremos num período de tempo pré-determinado.
Por seu turno, a renda variável é exatamente o que o nome diz, a renda, ou seja o fluxo de dinheiro, pode variar no tempo seja para mais ou para menos, e não se pode estimar com certeza absoluta como na renda fixa. Essa diferença é fundamental para entendermos corretamente o múltiplo P/L. A renda proveniente do lucro das companhias pode ser estável, crescente ou decrescente. A tendência do mercado acionário como um todo, até pelo efeito da inflação, é produzir cada vez mais fluxos de dinheiro pelo menos nominalmente maiores. Quanto maior é a capacidade de uma empresa crescer os seus lucros, mais vantajoso é possuir o direito aos fluxos dessa mesma empresa. Vamos explorar este conceito com uma empresa querida por muitos, a EZTEC.
Atualmente, a EZTEC é negociada com um múltiplo P/L de 6,76, vamos aproximar para 7. Isso quer dizer, juízo de fato, que uma pessoa que compra ações da empresa está pagando R$7,00 para cada R$1,00 de lucro. Entretanto, veja que fenômeno interessante, como a empresa possui crescimento acelerado dos lucros, é possível que o múltiplo P/L não represente a capacidade de geração de fluxos de dinheiro da companhia no futuro. A regra dos 72 é uma ferramente muito útil para fazermos cálculos com rapidez sobre quanto tempo leva para uma determinada variável dobrar de tamanho pela incidência de um fator de progressão Basta dividir o número 72 pela taxa de juros, já que estamos tratando de finanças, para saber o período no qual o capital aproximadamente irá dobrar (a explicação matemática,encontra-se num vídeo que coloco abaixo). Sendo assim, eu sei que uma taxa de juros de 10% ao ano faz o capital inicial quadruplicar em 14 anos (sete anos há a primeira dobra, e com mais sete anos há uma outra dobra, resultando em uma multiplicação por 4). Eu também sei que uma taxa de Inflação de 7% ao ano faz o meu capital reduzir em 1/4 o poder de compra original em 20 anos (com isso fica mais fácil entender a razão da inflação ser um dos maiores inimigos dos investidores, bem como da saúde financeira da população).
Se você não conhece o Khan Academy, é hora de conhecer. Esse cara é uma das pessoas jovens que mais admiro atualmente (tirando algumas pessoas mais experientes que possuo extrema admiração como Yunus, não, não tenho muita admiração por grandes investidores, respeito, mas não é algo que me chama tanta atenção como o trabalho do Sr. Yunus)
Vamos supor que a empresa cresça os seus lucros a impressionantes (aqui é um juízo de valor) 20% aa. Aproximando pela regra dos 72, eu sei que em sete anos o lucro da empresa será quatro vezes maior. Ok, Soulsurfer, estou entendendo, mas e daí? Bom, se o preço da ação da companhia se manter constante nestes sete anos, quer dizer que em 2021 a empresa estaria sendo negociada com um P/L de 1,75, pois o preço da empresa seria o mesmo de há sete anos, mas os lucros teriam crescidos quatro vezes. Sendo assim, se a empresa fosse manter o mesmo P/L em 2021 do que tinha em 2014, a cotação deve necessariamente subir 4 vezes. É por isso que se diz que a cotação segue os lucros no médio/longo prazo, pois se não seguisse, distorções como empresas sendo negociadas a P/L abaixo de dois seriam comuns.
Portanto, dá para perceber que em relação a ativos que a renda pode variar positivamente, é fundamental a taxa de crescimento dos fluxos de dinheiro (lucro no caso das empresas listadas em bolsa). É por esse motivo que empresas com possibilidade de alto crescimento dos lucros são negociadas muitas vezes com P/L presente maiores do que outras empresas sem possibilidade grande de crescimento futuro. Há até mesmo uma métrica, muito utilizada e defendida por Peter Lynch (e o colega do Blog Investimento em Valor adora citar) chamada de PEG: Price/Earnings/Growth (P/L/Crescimento lucros). Esse múltiplo tenta relacionar o P/L atual da empresa com a perspectiva de crescimento, quanto menor o múltiplo menos se estaria pagando por um potencial crescimento dos fluxos, o que é ótimo.
Sendo assim, respondendo a pergunta por quais motivos há empresas sendo negociadas com P/L de 30, a resposta é pela expectativa de crescimento dos seus lucros. Não pode ser só isso Soul! Veja, para ficarmos no exemplo de uma empresas já citada, a AMBEV e sua maravilhosa gestão e números operacionais. Sim, realmente são números de encher os olhos. Entretanto, do ponto de vista financeiro-racional, e aqui é um juízo de fato com um pouco de juízo de valor, só faz sentido pagar por uma empresa com um P/L atual de 30, se houver expectativas de crescimento alto dos seus lucros, ainda mais se a taxa do ativo livre de "risco" for alta, como é no caso do Brasil, e se houver outros ativos com expectativas de crescimento razoáveis, mas com P/L mais baixos.
Soulsurfer, mas o P/L da EZTEC não é baixo demais? Aqui temos que sair do simples juízo de fato, e ir para um juízo de valor. Cada um pode ter suas próprias opiniões sobre risco do setor imobiliário, solidez dos lucros da empresa, baixo endividamento, bolha imobiliária, etc, etc. Entretanto, há mais um detalhe interessante a acrescentar no exemplo da EZTEC. Lembram-se que se o lucro crescesse em 20% nos próximos sete anos, o preço da ação, para manter o mesmo P/L, teria que crescer quatro vezes. Porém, outra coisa pode acontecer, que é uma nova visão dos agentes do mercado sobre a precificação do lucro da empresa. O que isso quer dizer? Se em 2021, o mercado achar que para cada R$ 1,00 de lucro da empresa, é justo que se pague R$14,00, então na verdade o preço da ação irá se multiplicar por 8 entre 2014 a 2021.
O escritor Burton G. Malkiel no já clássico "A Random Walk Down Wall Street" (excelente livro que recomendo), descreve bem esse fenômeno no capítulo 13 ao tratar, segundo sua visão é claro, das quatro grandes eras no mercado acionário americano pós segunda guerra mundial: a) a era do conforto (1947 a 1968), a era da angústia (1969 a 1981), a era da exuberância (1982 a 2000) e a era do desencantamento (2000 a 2009). É importante salientar que o livro foi escrito em 2010, e os últimos quatro anos foram de extrema euforia no mercado americano, já que a primeira década do século os retornos do S&P500 foram negativos. O autor relata detalhadamente como o "humor" e a percepção do mercado mudaram nessas últimas sete décadas, e como isso influenciou a percepção de quanto os agentes financeiros estariam dispostos a pagar pelos fluxos de dinheiro (ou seja o P/L). A conclusão que o autor chegou é que em mercados deprimidos, os ativos de renda variável podem ter um duplo ganho que é o aumento exponencial dos lucros, bem como uma melhora da percepção dos agentes sobre o próprio mercado, ou um ativo em especial. Logo, a força do mercado acionário está na possibilidade de "duplo" ganho, como no exemplo hipotético da EZTEC. Fica fácil perceber que empresas com um P/L de 30 dificilmente terão este outro ganho, e ter os seus P/L transformados em 60 por uma percepção mais positiva do mercado sobre o ativo.
Ótimo livro. Soulsurfer recomenda!
Logo, colegas, é evidente que o múltiplo P/L é apenas um indicativo, mas é um indicativo que nos pode dizer muitas coisas sobre as expectativas do mercado, as expectativas em relação a uma empresa em específico, um eventual pessimismo, otimismo, etc. Portanto, quando se paga R$30,00 por R$ 1,00 de lucro (juízo de fato), é preciso ter em mente que se está comprando um ativo que possui expectativas de crescimento alto dos lucros pelo mercado (outro juízo de fato). O ativo pode ter todas as qualidades do mundo (entramos aqui em juízo de valor), e nos próximos anos cumprir as expectativas, bem como superará-las. É possível, e ninguém pode prever o futuro.
Entretanto, e aqui termino este artigo, há um motivo estatístico muito simples que explica por qual razão diversas pesquisas acadêmicas mostram que ativos com baixo P/L tendem em média a performar em longos períodos de tempo melhor do que ativos com alto P/L. Ora, o que você acha mais simples de acontecer: uma empresa crescer os seus lucros a 10% ou a 30%? É uma questão de lógica, as expectativas mais pessimistas ou moderadas são muito mais fáceis de ocorrer do que expectativas otimistas. Se levarmos esse raciocínio para o mercado como um todo, pode-se entender que é muito mais fácil que empresas onde há pessimismo em relação ao crescimento dos seus lucros (além do mais levando em contra o princípio da regressão à média) surpreendam positivamente do que empresas onde há grandes expectativas pelo crescimento do lucro, já que estatisticamente é muito mais fácil que o primeiro evento ocorra.
Soulsurfer, isso quer dizer que não devemos investir em empresas com P/L atual considerado alto? Não, absolutamente. Apenas deve-se ter claro que P/L considerados altos corporificam expectativas altas em relação ao crescimento dos lucros da empresa ou do mercado como um todo (quando se mede o P/L de todo o mercado). Isso é um juízo de fato. Se a empresa, ou um mercado específico, é merecedora da confiança e de toda expetativa otimista, cada investidor deve valorar com seus próprios filtros e decidir por si só.
É isso colegas, grande abraço a todos!
Por seu turno, a renda variável é exatamente o que o nome diz, a renda, ou seja o fluxo de dinheiro, pode variar no tempo seja para mais ou para menos, e não se pode estimar com certeza absoluta como na renda fixa. Essa diferença é fundamental para entendermos corretamente o múltiplo P/L. A renda proveniente do lucro das companhias pode ser estável, crescente ou decrescente. A tendência do mercado acionário como um todo, até pelo efeito da inflação, é produzir cada vez mais fluxos de dinheiro pelo menos nominalmente maiores. Quanto maior é a capacidade de uma empresa crescer os seus lucros, mais vantajoso é possuir o direito aos fluxos dessa mesma empresa. Vamos explorar este conceito com uma empresa querida por muitos, a EZTEC.
Atualmente, a EZTEC é negociada com um múltiplo P/L de 6,76, vamos aproximar para 7. Isso quer dizer, juízo de fato, que uma pessoa que compra ações da empresa está pagando R$7,00 para cada R$1,00 de lucro. Entretanto, veja que fenômeno interessante, como a empresa possui crescimento acelerado dos lucros, é possível que o múltiplo P/L não represente a capacidade de geração de fluxos de dinheiro da companhia no futuro. A regra dos 72 é uma ferramente muito útil para fazermos cálculos com rapidez sobre quanto tempo leva para uma determinada variável dobrar de tamanho pela incidência de um fator de progressão Basta dividir o número 72 pela taxa de juros, já que estamos tratando de finanças, para saber o período no qual o capital aproximadamente irá dobrar (a explicação matemática,encontra-se num vídeo que coloco abaixo). Sendo assim, eu sei que uma taxa de juros de 10% ao ano faz o capital inicial quadruplicar em 14 anos (sete anos há a primeira dobra, e com mais sete anos há uma outra dobra, resultando em uma multiplicação por 4). Eu também sei que uma taxa de Inflação de 7% ao ano faz o meu capital reduzir em 1/4 o poder de compra original em 20 anos (com isso fica mais fácil entender a razão da inflação ser um dos maiores inimigos dos investidores, bem como da saúde financeira da população).
Vamos supor que a empresa cresça os seus lucros a impressionantes (aqui é um juízo de valor) 20% aa. Aproximando pela regra dos 72, eu sei que em sete anos o lucro da empresa será quatro vezes maior. Ok, Soulsurfer, estou entendendo, mas e daí? Bom, se o preço da ação da companhia se manter constante nestes sete anos, quer dizer que em 2021 a empresa estaria sendo negociada com um P/L de 1,75, pois o preço da empresa seria o mesmo de há sete anos, mas os lucros teriam crescidos quatro vezes. Sendo assim, se a empresa fosse manter o mesmo P/L em 2021 do que tinha em 2014, a cotação deve necessariamente subir 4 vezes. É por isso que se diz que a cotação segue os lucros no médio/longo prazo, pois se não seguisse, distorções como empresas sendo negociadas a P/L abaixo de dois seriam comuns.
Portanto, dá para perceber que em relação a ativos que a renda pode variar positivamente, é fundamental a taxa de crescimento dos fluxos de dinheiro (lucro no caso das empresas listadas em bolsa). É por esse motivo que empresas com possibilidade de alto crescimento dos lucros são negociadas muitas vezes com P/L presente maiores do que outras empresas sem possibilidade grande de crescimento futuro. Há até mesmo uma métrica, muito utilizada e defendida por Peter Lynch (e o colega do Blog Investimento em Valor adora citar) chamada de PEG: Price/Earnings/Growth (P/L/Crescimento lucros). Esse múltiplo tenta relacionar o P/L atual da empresa com a perspectiva de crescimento, quanto menor o múltiplo menos se estaria pagando por um potencial crescimento dos fluxos, o que é ótimo.
Sendo assim, respondendo a pergunta por quais motivos há empresas sendo negociadas com P/L de 30, a resposta é pela expectativa de crescimento dos seus lucros. Não pode ser só isso Soul! Veja, para ficarmos no exemplo de uma empresas já citada, a AMBEV e sua maravilhosa gestão e números operacionais. Sim, realmente são números de encher os olhos. Entretanto, do ponto de vista financeiro-racional, e aqui é um juízo de fato com um pouco de juízo de valor, só faz sentido pagar por uma empresa com um P/L atual de 30, se houver expectativas de crescimento alto dos seus lucros, ainda mais se a taxa do ativo livre de "risco" for alta, como é no caso do Brasil, e se houver outros ativos com expectativas de crescimento razoáveis, mas com P/L mais baixos.
Soulsurfer, mas o P/L da EZTEC não é baixo demais? Aqui temos que sair do simples juízo de fato, e ir para um juízo de valor. Cada um pode ter suas próprias opiniões sobre risco do setor imobiliário, solidez dos lucros da empresa, baixo endividamento, bolha imobiliária, etc, etc. Entretanto, há mais um detalhe interessante a acrescentar no exemplo da EZTEC. Lembram-se que se o lucro crescesse em 20% nos próximos sete anos, o preço da ação, para manter o mesmo P/L, teria que crescer quatro vezes. Porém, outra coisa pode acontecer, que é uma nova visão dos agentes do mercado sobre a precificação do lucro da empresa. O que isso quer dizer? Se em 2021, o mercado achar que para cada R$ 1,00 de lucro da empresa, é justo que se pague R$14,00, então na verdade o preço da ação irá se multiplicar por 8 entre 2014 a 2021.
O escritor Burton G. Malkiel no já clássico "A Random Walk Down Wall Street" (excelente livro que recomendo), descreve bem esse fenômeno no capítulo 13 ao tratar, segundo sua visão é claro, das quatro grandes eras no mercado acionário americano pós segunda guerra mundial: a) a era do conforto (1947 a 1968), a era da angústia (1969 a 1981), a era da exuberância (1982 a 2000) e a era do desencantamento (2000 a 2009). É importante salientar que o livro foi escrito em 2010, e os últimos quatro anos foram de extrema euforia no mercado americano, já que a primeira década do século os retornos do S&P500 foram negativos. O autor relata detalhadamente como o "humor" e a percepção do mercado mudaram nessas últimas sete décadas, e como isso influenciou a percepção de quanto os agentes financeiros estariam dispostos a pagar pelos fluxos de dinheiro (ou seja o P/L). A conclusão que o autor chegou é que em mercados deprimidos, os ativos de renda variável podem ter um duplo ganho que é o aumento exponencial dos lucros, bem como uma melhora da percepção dos agentes sobre o próprio mercado, ou um ativo em especial. Logo, a força do mercado acionário está na possibilidade de "duplo" ganho, como no exemplo hipotético da EZTEC. Fica fácil perceber que empresas com um P/L de 30 dificilmente terão este outro ganho, e ter os seus P/L transformados em 60 por uma percepção mais positiva do mercado sobre o ativo.
Ótimo livro. Soulsurfer recomenda!
Logo, colegas, é evidente que o múltiplo P/L é apenas um indicativo, mas é um indicativo que nos pode dizer muitas coisas sobre as expectativas do mercado, as expectativas em relação a uma empresa em específico, um eventual pessimismo, otimismo, etc. Portanto, quando se paga R$30,00 por R$ 1,00 de lucro (juízo de fato), é preciso ter em mente que se está comprando um ativo que possui expectativas de crescimento alto dos lucros pelo mercado (outro juízo de fato). O ativo pode ter todas as qualidades do mundo (entramos aqui em juízo de valor), e nos próximos anos cumprir as expectativas, bem como superará-las. É possível, e ninguém pode prever o futuro.
Entretanto, e aqui termino este artigo, há um motivo estatístico muito simples que explica por qual razão diversas pesquisas acadêmicas mostram que ativos com baixo P/L tendem em média a performar em longos períodos de tempo melhor do que ativos com alto P/L. Ora, o que você acha mais simples de acontecer: uma empresa crescer os seus lucros a 10% ou a 30%? É uma questão de lógica, as expectativas mais pessimistas ou moderadas são muito mais fáceis de ocorrer do que expectativas otimistas. Se levarmos esse raciocínio para o mercado como um todo, pode-se entender que é muito mais fácil que empresas onde há pessimismo em relação ao crescimento dos seus lucros (além do mais levando em contra o princípio da regressão à média) surpreendam positivamente do que empresas onde há grandes expectativas pelo crescimento do lucro, já que estatisticamente é muito mais fácil que o primeiro evento ocorra.
Soulsurfer, isso quer dizer que não devemos investir em empresas com P/L atual considerado alto? Não, absolutamente. Apenas deve-se ter claro que P/L considerados altos corporificam expectativas altas em relação ao crescimento dos lucros da empresa ou do mercado como um todo (quando se mede o P/L de todo o mercado). Isso é um juízo de fato. Se a empresa, ou um mercado específico, é merecedora da confiança e de toda expetativa otimista, cada investidor deve valorar com seus próprios filtros e decidir por si só.
É isso colegas, grande abraço a todos!