quarta-feira, 30 de abril de 2014

INVESTIMENTOS - VAMOS FALAR SOBRE O P/L

Olá colegas! Depois de um relato, de certa maneira emocionado, de minha viagem pela América Central, neste artigo trago à baila uma das métricas mais conhecidas no mundo de investimento, o famoso Preço/Lucro.

Primeiramente, gostaria de dizer que  investimentos não é uma questão que deveria suscitar um conflito de egos acirrado. Se uma estratégia funciona melhor para você, ótimo. Caso contrário, talvez seja melhor e sensato observar outras formas de investir. Pessoal, ao conversamos sobre investimentos, não estamos entrando na área do trio polêmico (pena de morte, maioridade penal e aborto, que poderia ser transformar no quarteto da discórdia se houver a inclusão da eutanásia), mas sim discutindo conceitos muitas das vezes eminentemente técnicos e lógicos. Não há porque nos angustiarmos tanto com idéias diferentes no mundo dos investimentos.

Feita essa introdução, antes de tecer algumas reflexões a respeito do tema propriamente dito, eu gostaria de chamar atenção para um ponto fundamental quando idéias são debatidas;  a diferença entre juízos de fato e juízos de valor. Para muitos a distinção pode ser clara, mas eu fico às vezes surpreso quando vejo que este conceito não é muito dominado por inúmeras pessoas. Vamos aos exemplos abaixo:

                                       Afirmação 1 :  “O gato desta imagem é preto”

Afirmação 2: “Este é o distintivo do melhor clube de futebol do Brasil”


               E aí, qual é o juízo de fato e qual é o juízo de valor? Sem adentramos em questões filosóficas mais profundas de se é realmente possível apreendermos como o mundo realmente é, ou se a nossa visão de mundo sempre será parcial, não representando necessariamente o que universo realmente é (a discussão é interessantíssima, mas a toda evidência não é o foco desse artigo), é claro que o juízo de fato é afirmação 1 “O gato da foto é preto”. Nessa sentença apenas descrevemos um objeto ou um fato, e não acrescentamos qualquer opinião pessoal. Na segunda afirmação, que por coincidência é verdadeira, “Este é o distintivo do melhor clube do Brasil”, não estamos descrevendo apenas um fato, estamos agregando uma qualidade  (“ ser melhor do Brasil”) a um fato (este é o distintivo de um clube do Brasil). Percebam a diferença. Num caso apenas se alude a fatos, não há margem para juízos de qualquer tipo de valor. No outro, por seu turno, uma valoração do emissor do juízo sempre está presente. E como falamos de uma valoração, o juízo de valor sempre vai estar sujeito aos pré-conceitos, formação cultural, momento histórico, etc, em que o emissor possui ou está inserido.

           Soulsurfer, sou Corinthiano (problema seu), e estava quase parando de ler o seu blog com essa conversa sem sentido sobre juízo de fato e de valor num artigo que era para tratar sobre P/L. Toda essa introdução foi para deixar bem clara a diferenciação, já que uma vez eu fiz um comentário no site do Bastter e emiti um juízo de fato, imediatamente houve muitos comentários emitindo juízos de valor sobre manada, bullshit, etc. Veja, não é uma crítica ao site, pois eu gosto bastante das ferramentas que ele fornece, e os vídeos são instrutivos e engraçados. Apenas chamei a atenção, pois eu vejo que em alguns temas, o emocional aflora e as pessoas começam a confundir juízos de fato com juízos de valor como se eles fossem a mesma coisa. Não, amigos, não são, e isso pode levar a confusões completamente desnecessárias.

             O que é a métrica P/L? É simplesmente o valor que se paga por um fluxo de dinheiro. Como assim? Se uma padaria produz um lucro líquido de R$ 100.000,00, e alguém compra essa padaria pagando R$ 500.000,00, significa simplesmente que esta pessoa está dispondo de R$ 5,00 para cada R$ 1,00 de lucro. Isso é um juízo de fato. E isso é um bom negócio? O P/L dessa transação foi alto ou baixo? A resposta correta seria que apenas com essas informações não é possível emitir um juízo de valor. Precisaríamos no mínimo saber se a padaria possui dívidas, se há uma clientela formada, se as instalações são boas, etc, etc. Vejam, que para emitir um juízo de valor equilibrado sobre se a compra citada foi boa ou não,  é necessária a existência de muitas outras informações que vão muito além da métrica P/L.


            Apesar de haver a necessidade de outras informações, é instintivo pensar que quanto menor o índice P/L, menor é a quantidade de dinheiro que se necessita para se conseguir um fluxo de dinheiro (e essa é a razão de quedas nos FII, quando a renda permanece a mesma, apenas facilitarem a compra de fluxos de aluguel com menos dinheiro). Sendo assim, se pegássemos o exemplo da padaria, e existisse uma padaria idêntica em tudo, o exemplo é apenas teórico e de impossível replicação na prática, e a mesma custasse R$ 400.000,00, fica claro que a compra desta padaria, e não da primeira,  faria mais sentido do ponto de vista financeiro-racional.

           Ok, Soulsurfer, isso é evidente. Entretanto, você não pode comparar uma padaria com uma empresa gigantesca como a AMBEV. Sim, podemos, se for para efeito de compararmos conceitos básicos. Quando compramos ações da ABEV hoje, com um P/L de aproximadamente 30, quer dizer que hoje, com os dados de hoje, pagam-se R$30,00 para cada R$1,00 de lucro gerado pela empresa. Percebam, que isso é um juízo de fato. Não estou valorando se isso é bom, ruim, indiferente, se é pensamento de manada, etc.


          Alguém que estivesse começando a ler textos sobre investimentos, poderia perguntar, mas por qual motivo há empresas que você precisa de apenas R$ 10,00 para "comprar" R$1,00 de lucro, e por qual motivo há empresas que você precisa gastar o triplo para "comprar" o mesmo R$1,00 de lucro? Ineficiência do mercado, sardinhas operando, diferença absurdas entre empresas? Não, colegas, a resposta tem a ver com expectativas e com o verdadeiro conceito de renda variável.

          Comecemos com o conceito de renda variável. Já viu alguém perguntando por qual motivo uma ação da empresa Y (ia colocar X, mas ai lembrei do enrosco que essa letra causa no mercado acionário brasileiro) caiu 30% em apenas uma semana? Aí vem uma resposta: "porque é renda variável". Não, amigos. A diferença entre renda variável e renda fixa não está na flutuação de preço do ativo. Se fosse assim, por qual motivo os títulos do tesouro não são chamados de renda variável quando há rentabilidade negativa forte (como ocorreu no ano passado)? Os preços dos títulos variam no tempo, e nem por isso é chamado de renda variável. Quando se fala em renda fixa ou renda variável está se falando do fluxo de dinheiro, não do preço do ativo subjacente.  A renda é considerada fixa, pois sabemos de antemão, se não houver o evento default do emissor,  exatamente a quantidade de fluxo de dinheiro que teremos num período de tempo pré-determinado.

        Por seu turno, a renda variável é exatamente o que o nome diz, a renda, ou seja o fluxo de dinheiro, pode variar no tempo seja para mais ou para menos, e não se pode estimar com certeza absoluta como na renda fixa.  Essa diferença é fundamental para entendermos corretamente o múltiplo P/L. A renda proveniente do lucro das companhias pode ser estável, crescente ou decrescente. A tendência do mercado acionário como um todo, até pelo efeito da inflação, é produzir cada vez mais fluxos de dinheiro pelo menos nominalmente maiores. Quanto maior é a capacidade de uma empresa crescer os seus lucros, mais vantajoso é possuir o direito aos fluxos dessa mesma empresa. Vamos explorar este conceito com uma empresa querida por muitos, a EZTEC.

       Atualmente, a EZTEC é negociada com um múltiplo P/L de 6,76, vamos aproximar para 7. Isso quer dizer, juízo de fato, que uma pessoa que compra ações da empresa está pagando R$7,00 para cada R$1,00 de lucro. Entretanto, veja que fenômeno interessante, como a empresa possui crescimento acelerado dos lucros, é possível que o múltiplo P/L não represente a capacidade de geração de fluxos de dinheiro da companhia no futuro. A regra dos 72 é uma ferramente muito útil para fazermos cálculos com rapidez sobre quanto tempo leva para uma determinada variável dobrar de tamanho pela incidência de um fator de progressão Basta dividir o número 72 pela  taxa de juros, já que estamos tratando de finanças, para saber o período no qual o capital aproximadamente irá dobrar (a explicação matemática,encontra-se num vídeo que coloco abaixo). Sendo assim, eu sei que uma taxa de juros de 10% ao ano faz o capital inicial quadruplicar em 14 anos (sete anos há a primeira dobra, e com mais sete anos há uma outra dobra, resultando em uma multiplicação por 4). Eu também sei que uma taxa de Inflação de 7% ao ano faz o meu capital reduzir em 1/4 o poder de compra original em 20 anos (com isso fica mais fácil entender a razão da inflação ser um dos maiores inimigos dos investidores, bem como da saúde financeira da população).

Se você não conhece o Khan Academy, é hora de conhecer. Esse cara é uma das pessoas jovens que mais admiro atualmente (tirando algumas pessoas mais experientes que possuo extrema admiração como Yunus, não, não tenho muita admiração por grandes investidores, respeito, mas não é algo que me chama tanta atenção como o trabalho do Sr. Yunus)
        

             Vamos supor que a empresa cresça os seus lucros a impressionantes (aqui é um juízo de valor) 20% aa. Aproximando pela regra dos 72, eu sei que em sete anos o lucro da empresa será quatro vezes maior. Ok, Soulsurfer, estou entendendo, mas e daí? Bom, se o preço da ação da companhia se manter constante nestes sete anos, quer dizer que em 2021 a empresa estaria sendo negociada com um P/L de 1,75, pois o preço da empresa seria o mesmo de há sete anos, mas os lucros teriam crescidos quatro vezes. Sendo assim, se a empresa fosse manter o mesmo P/L em 2021 do que tinha em 2014, a cotação deve necessariamente subir 4 vezes. É por isso que se diz que a cotação segue os lucros no médio/longo prazo, pois se não seguisse, distorções como empresas sendo negociadas a P/L abaixo de dois seriam comuns.

        Portanto, dá para perceber que em relação a ativos que a renda pode variar positivamente, é fundamental a taxa de crescimento dos fluxos de dinheiro (lucro no caso das empresas listadas em bolsa). É por esse motivo que empresas com possibilidade de alto crescimento dos lucros são negociadas muitas vezes com P/L presente maiores do que outras empresas sem possibilidade grande de crescimento futuro. Há até mesmo uma métrica, muito utilizada e defendida por Peter Lynch (e o colega do Blog Investimento em Valor adora citar) chamada de PEG: Price/Earnings/Growth (P/L/Crescimento lucros). Esse múltiplo tenta relacionar o P/L atual da empresa com a perspectiva de crescimento, quanto menor o múltiplo menos se estaria pagando por um potencial crescimento dos fluxos, o que é ótimo.

            Sendo assim, respondendo a pergunta por quais motivos há empresas sendo negociadas com P/L de 30, a resposta é pela expectativa de crescimento dos seus lucros. Não pode ser só isso Soul! Veja, para ficarmos no exemplo de uma empresas já citada, a AMBEV e sua maravilhosa gestão e números operacionais. Sim, realmente são números de encher os olhos. Entretanto, do ponto de vista financeiro-racional, e aqui é um juízo de fato com um pouco de juízo de valor, só faz sentido pagar por uma empresa com um P/L atual de 30, se houver expectativas de crescimento alto dos seus lucros, ainda mais se a taxa do ativo livre de "risco" for alta, como é no caso do Brasil, e se houver outros ativos com expectativas de crescimento razoáveis, mas com P/L mais baixos.

             Soulsurfer, mas o P/L da EZTEC não é baixo demais? Aqui temos que sair do simples juízo de fato, e ir para um juízo de valor. Cada um pode ter suas próprias opiniões sobre risco do setor imobiliário, solidez dos lucros da empresa, baixo endividamento, bolha imobiliária, etc, etc. Entretanto, há mais um detalhe interessante a acrescentar no exemplo da EZTEC. Lembram-se que se o lucro crescesse em 20% nos próximos sete anos, o preço da ação, para manter o mesmo P/L, teria que crescer quatro vezes. Porém, outra coisa pode acontecer, que é uma nova visão dos agentes do mercado sobre a precificação do lucro da empresa. O que isso quer dizer? Se em 2021, o mercado achar que para cada R$ 1,00 de lucro da empresa, é justo que se pague R$14,00, então na verdade o preço da ação irá se multiplicar por 8 entre 2014 a 2021.

         O escritor Burton G. Malkiel no já clássico "A Random Walk Down Wall Street" (excelente livro que recomendo), descreve bem esse fenômeno no capítulo 13 ao tratar, segundo sua visão é claro, das quatro grandes eras no mercado acionário americano pós segunda guerra mundial: a) a era do conforto (1947 a 1968), a era da angústia (1969 a 1981), a era da exuberância (1982 a 2000) e a era do desencantamento (2000 a 2009). É importante salientar que o livro foi escrito em 2010, e os últimos quatro anos foram de extrema euforia no mercado americano, já que a primeira década do século os retornos do S&P500 foram negativos. O autor relata detalhadamente como o "humor" e a percepção do mercado mudaram nessas últimas sete décadas, e como isso influenciou a percepção de quanto os agentes financeiros estariam dispostos a pagar pelos fluxos de dinheiro (ou seja o P/L). A conclusão que o autor chegou é que em mercados deprimidos, os ativos de renda variável podem ter um duplo ganho que é o aumento exponencial dos lucros, bem como uma melhora da percepção dos agentes sobre o próprio mercado, ou um ativo em especial. Logo, a força do mercado acionário está na possibilidade de "duplo" ganho, como no exemplo hipotético da EZTEC. Fica fácil perceber que empresas com um P/L de 30 dificilmente terão este outro ganho, e ter os seus P/L transformados em 60 por uma percepção mais positiva do mercado sobre o ativo.

                                                   Ótimo livro. Soulsurfer recomenda!

               Logo, colegas, é evidente que o múltiplo P/L é apenas um indicativo, mas é um indicativo que nos pode dizer muitas coisas sobre as expectativas do mercado, as expectativas em relação a uma empresa em específico, um eventual pessimismo, otimismo, etc. Portanto, quando se paga R$30,00 por R$ 1,00 de lucro (juízo de fato), é preciso ter em mente que se está comprando um ativo que possui expectativas  de crescimento alto dos lucros pelo mercado (outro juízo de fato). O ativo pode ter todas as qualidades do mundo (entramos aqui em juízo de valor), e  nos próximos anos cumprir as expectativas, bem como superará-las. É possível, e ninguém pode prever o futuro.

          Entretanto, e aqui termino este artigo, há um motivo estatístico muito simples que explica por qual razão diversas pesquisas acadêmicas mostram que ativos com baixo P/L tendem em média a performar em longos períodos de tempo melhor do que ativos com alto P/L. Ora, o que você acha mais simples de acontecer: uma empresa crescer os seus lucros a 10% ou a 30%? É uma questão de lógica, as expectativas mais pessimistas ou moderadas são muito mais fáceis de ocorrer do que expectativas otimistas. Se levarmos esse raciocínio para o mercado como um todo, pode-se entender que é muito mais fácil que empresas onde há pessimismo em relação ao crescimento dos seus lucros (além do mais levando em contra o princípio da regressão à média) surpreendam positivamente do que empresas onde há grandes expectativas pelo crescimento do lucro, já que estatisticamente é muito mais fácil que o primeiro evento ocorra.

       Soulsurfer, isso quer dizer que não devemos investir em empresas com P/L atual considerado alto? Não, absolutamente. Apenas deve-se ter claro que P/L considerados altos corporificam expectativas altas em relação ao crescimento dos lucros da empresa ou do mercado como um todo (quando se mede o P/L de todo o mercado). Isso é um juízo de fato. Se a empresa, ou um mercado específico, é merecedora da confiança e de toda expetativa otimista, cada investidor deve valorar com seus próprios filtros e decidir por si só.

      É isso colegas, grande abraço a todos!

sábado, 26 de abril de 2014

AMÉRICA CENTRAL - NA TERRA DOS MAIAS, DOS REBELDES, DO SURF E DO AMOR

           "Especialistas sem espírito, sensualistas sem coração - e esta nulidade se considera, ainda por cima, o supra-sumo da civilização" - Goethe


     Olá, amigos! (vou começar a cada Post colocar alguma citação de alguma grande figura humana. Esta frase é ou não é um retrato dos nossos tempos?)

Depois de uma série sobre REITs com dezenas de gráficos e conjecturas, o próximo post tinha que ser mais light né!

Hoje vou escrever sobre minha experiência na América Central. Este pequeno “continente”, com pequenos países, guarda histórias grandiosas, histórias tristes, e uma beleza natural de tirar o fôlego.  Quem gosta de surfar, então, é  um paraíso, com lugares de água quente, ondas constantes e perfeitas e preços muito, mas muito baratos. No meu caso, a viagem ainda me presenteou com o começo de uma história de amor e companheirismo.

A América central é uma unidade continental muito diversa da América do Sul, bem como da América do Norte, apesar de ter traços similares com o México. São oito países que formam a América Central, e eu tive a oportunidade de passar por todos (Honduras foi apenas de passagem mesmo). Não pretendo, pois seria cansativo e além dos meus conhecimentos, esmiuçar a história e as características de cada país, mas apenas fazer um relato das minhas percepções.  Vou começar a contar um pouco da minha epopéia que teve ondas incríveis na Nicarágua, SUS de El Salvador, brigas de amigos e o encontro da minha companheira.

GUATEMALA

                Comecei a viagem com dois grandes amigos da época da faculdade. Eles nunca tinham mochilado na vida, e a primeira viagem seria para Guatemala.  Este é um país incrível. Berço dos poderosos Maias. Aproximadamente 60% de sua população é indígena e descendente dos Maias. É um país, como a maioria da América Central, com grande desigualdade e muita pobreza. A miséria chega a ser tanta que é comum ver centenas de crianças muito pequenas, despidas complemente de sua dignidade,  acenando para os carros nas estradas para que as pessoas jogassem moedas num espetáculo deplorável. Foi uma das partes tristes da viagem presenciar isso.

                Como a maioria dos países da região, a Guatemala foi sempre um país muito desigual, geralmente com uma elite descendente dos europeus no poder. Houve, é claro, muitas resistências populares, mas todas elas sufocadas com extrema violência. Os EUA, como em quase todos os países da América Central, sempre tiveram um papel muito negativo na região. Em 1954, por exemplo, um presidente democraticamente eleito, o Sr. Jacobo Arbenz, num que seria um dos primeiros golpes documentado patrocinado pela CIA , foi ilegitimamente retirado do poder pela força militar patrocinada pelos americanos. A plataforma de Arbenz colidia fortemente com uma gigante multinacional americana a United Fruit, e interesses econômicos foram responsáveis por um golpe de estado apoiado por uma potência estrangeira.

                Após esse golpe, o que se seguiu, como aconteceu em outros países na América Central, foi uma violenta guerra civil, com abusos atrozes de direitos humanos praticados, principalmente contra a maioria indígena, que se estendeu por vários anos até meados da década de 90.  A Guatemala possui até mesmo um prêmio Nobel da paz (o Brasil, apenas para comparação, ainda não possui nenhum nobel) conferido a Rigoberta Menchú, devido sua luta por direitos dos povos indígenas.

                Eu passei por diversas cidades interessantes como a cidade colonial de Antígua, o surreal lago de Atitlán, os maravilhosos lagos esmeraldas de Semuc Champey e a espetacular cidade antiga maia de Tikal, considerada por muitos historiadores o centro de poder maia entre o começo da era cristã até o final do primeiro milênio depois de cristo. Até um vulcão  ativo eu escalei, ficando a menos de 1 metro de um rio de lava numa das experiências mais diferentes da minha vida.

                O fato triste é que os meus dois amigos brigaram entre si durante a viagem, e nunca mais a amizade deles seria a mesma. É a vida, e por mais que eu tenha ficado chateado, não se tem qualquer controle sobre isso.

Soulsurfer admirando a beleza em Tikal. Sim, foram obras que dezenas de milhares de escravos trabalharam (poucas pessoas pensam nisso quando visitam esse tipo de lugar), mas apesar disso, não se pode negar que Tikal é uma cidade impressionante.

Algumas horas depois de uma caminhada para subir o vulcão Pacaya, eu simplesmente não acreditei quando vi esse rio de lava, e pude chegar tão perto. Sim, era perigosíssimo, qualquer estouro ali era morte, mas na hora nem pensei nisso. Jamais num país desenvolvido seria permitido chegar tão perto de um rio de lava. Bom, pelo menos voltei vivo, e a experiência foi única.

         Um lago com dois vulcões ao fundo. Paisagem alucinante, lago Atitlán.

  Os lagos de Semuc Champey. Você pode se banhar neles, e foi iradíssimo. Ainda fiz um passeio numa caverna no meio de um rio que foi também algo muito diferente. Tive que nadar, e para você ter uma ideia, entramos com uma vela na caverna, pois não tinha lanterna, e eu nadando e tentando não apagar o fogo.

                Guatemala, um país sofrido, um povo sofrido, com histórias de genocídios e massacres. Um povo, mesmo assim, que sorri, com um artesanato riquíssimo e colorido e com um passado glorioso. Sim, os Maias foram gloriosos, atingiram feitos na astronomia, nas ciências, na arquitetura que são realmente notáveis, se pensarmos que algumas cidades maias possuem mais de 2 mil anos. Veja, eu não idealizo os Maias ou povos indígenas. Pelo contrário. Há dois mil anos, havia sacrifícios coletivos, não havia direitos mínimos, e se você fosse de uma tribo conquistada pelos Maias o seu destino era a morte ou a escravidão. Era como a vida humana transcorria há séculos atrás, isso só demonstra como nós evoluímos em muitas questões como seres humanos. O declínio dos Maias, e eu já tinha visto isto no Camboja com a civilização Khmer, é um alerta para nós, de que a desgraça pode vir logo depois da glória, de que não somos poderosos para sempre, e que a falta de recursos naturais e seu uso desmedido(a razão mais provável para o declínio dos Maias) podem sim levar uma civilização ao colapso.

O filme possui erros históricos claros e  não deixa de ser um pouco forçado em algumas cenas. Entretanto, é um filme interessante, e mostra o declínio da civilização maia. Apocalypto, direção Mel Gibson.


BELIZE
  
             Imagine passar o ano novo gastando cinco dólares com a hospedagem, 1 dólar com  cerveja gelada e 8 dólares com  lagosta na brasa, isso tudo numa ilha pequena caribenha com mar cristalino, sentando para comer com o pé na água? Pois foi exatamente assim que eu passei o ano novo de 2010. Meus amigos, depois da Guatemala, voltaram para o Brasil, e eu segui viagem rumo a Belize, um país pequeno, na já pequena América Central.

                O que chama atenção em Belize é que a sua população majoritária é negra. Enquanto na maioria dos outros países da América Central a população é indígena ou mestiça, não há muitos negros, pois o grosso dos escravos africanos foi enviado para o Brasil pelos europeus. Além do mais, a língua lá falada é o inglês, ou similar ao inglês.  Eles falam “Broken” English, isso mesmo "inglês quebrado", eles não pronunciam todas as letras ou pulam vogais, etc. É muito difícil de entender, e nem os nativos de língua inglesa às vezes conseguem decifrar o que os belinezes falam.

                Minha passagem por Belize foi basicamente fazer snorkel, tomar cerveja, e andar descalço com o pé na areia numa ilha que fiquei alguns dias para o ano novo. Foi muito bacana, e com certeza repetiria a dose em alguma outra oportunidade. Quando eu já estava indo embora para o meu próximo destino, fiz amizades com três austríacos gente boa. Após conversamos um pouco, este foi o nosso diálogo:

Austríacos – Para onde você está indo amanhã?
Soulsurfer – El Salvador.
Austríacos – Vai fazer o que lá?
Soulsurfer – Vou surfar.
Austríacos – Saindo de onde estamos quanto tempo para chegar lá?
Soulsurfer – Não sei, mais de 30 horas pegando no mínimo uns seis ônibus diferentes.
Austríacos – Beleza. Vamos para El Salvador contigo
Soulsurfer – Vocês surfam?
Austríacos – Não, mas a gente aprende lá!

                Isso é estar vivo, isso é sair da rotina e se entregar ao que a vida pode oferecer, é aceitar o diferente e não temer o novo.  Podemos fazer isso diariamente, não precisamos estar viajando num país diferente para termos esse tipo de atitude. Depende única e exclusivamente da gente se levamos uma vida sem surpresas ou se escolhemos uma vida que leve a desafios, decepções, alegrias, amizades, brigas e tudo o que acontece normalmente quando humanos se relacionam. Quando desafiamos a nossa zona de conforto, quando nos permitimos avançarmos por lugares novos, idéias novas, percepções novas, a vida fica mais colorida e muito mais divertida.
               
                  Bom, depois de dezenas horas,  diversos transportes (especialmente “Chicken Bus” – falo sobre ele abaixo), pagamento de propina (na fronteira da Guatemala com Belize) pela minha cara “gringesca”, eu estava em El Salvador,  na região de La Libertad, e mal esperava para cair na água e pegar a minha primeira onda internacional!

                   É isso, Caye Caulker. Não tem muito o que falar, apenas aproveitar. 
                                          Barzinho pé na areia, coisa boa.
               Vá Devagar! Diminua o ritmo! É bom desacelerar de vez em quando.
Olha o visual do Snorkel, tartarugas gigantes.
Água cristalina, inúmeros peixes, sim é um tubarão ao fundo, já fiz snorkel algumas vezes com tubarão.
       Olha o Rango! E nem é caro, e você gastando 130 reais em algum restaurante no nordeste (nada contra o nordeste, pelo contrário já que o meu pai é nordestino, mas o Brasil tá caro demais para o serviço oferecido em troca). 

Esse é o famoso "Chicken Bus". São ônibus escolares americanos que foram importado por vários países da América Central e servem como meio de transporte local. Eles são coloridos, barulhentos e quase sempre entupidos de gente.


EL SALVADOR


                El Salvador, com a sua capital com o sugestivo nome de San Salvador, fez me lembrar que eu estava no Brasil, pois a semelhança com o nome da capital da Bahia não saía da minha cabeça. O gozado também é que quando estive lá  todo El-Salvadorenho quando sabia que eu era do Brasil fazia questão de  dizer que a primeira-dama era brasileira e todo mundo gostava dela.
             
               O país possui uma história similar com outros países da América Central. Os Maias não tiveram tanta presença em El Salvador, como na Guatemala, mas há alguns lugares históricos no país. A vida após a independência da Espanha foi marcada pelo domínio de uma elite sobre uma maioria empobrecida. Na segunda metade do século 20, devido a graves problemas econômicos, uma intensa guerra civil entre o governo e a  FMLN (Frente Farabundo Marti de Liberación Nacional) – uma guerrilha de orientação marxista – mergulhou o país no caos e na violência, com a morte de 75.000 pessoas e o desaparecimento de quase 40.000.  


                A guerra civil chegou a um fim na década de 90, mas uma guerra dessas sempre deixa cicatrizes. El Salvador é um país violentíssimo com 41,2 assassinatos a cada 100.000 habitantes, é o terceiro país mais violento do mundo (o Brasil é o 18ª com uma média de 25,2 assassinatos, o que é um número horroroso. O Japão, por exemplo, possui uma média de 0,3, enquanto a média mundial é de 6,2, ou seja o Brasil é quatro vezes mais violento que o resto do mundo).  O clima de tensão é evidente na capital do país. Apesar de ser violentíssimo, o país mais violento do mundo é Honduras com incríveis 90.4 assassinatos, seguido pela Venezuela com assustadores 53.7.  A situação realmente é caótica no nosso vizinho do norte, a inflação é apenas um dos graves problemas (http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/04/140410_homicidio_onu_mm.shtml) 
               
            Lembram da longa viagem de Belize para El Salvador, da minha ansiedade para ir surfar? Pois então. Quando eu cheguei à pousada na frente da praia, pela qual paguei apenas 7 dólares por noite, eu lembro até hoje que comi um hambúrguer com fritas, tomei umas cervejas, e parecia uma criança de tão faceiro que eu estava.  Depois de uma longa viagem, estava alimentado, levemente feliz pelo efeito do álcool, e no próximo dia ia pegar onda na frente da pousada, bah, era bom demais para ser verdade.  Eu estava indo dormir, faltava alguns passos até a minha cama gostosa (como uma cama fica boa depois de dois dias sem dormir direito), quando eu tropecei e torci o meu pé, e uma dor absurda começou. Eu apenas pensei “Fudeu.”

                                      Vixe! E agora? Quem poderá me defender?

Será que eu tinha quebrado alguma coisa? Continuo a viagem? Volto para o Brasil? Enquanto pensava isso meu pé ia inchando.  O dono da pousada achava que nada tinha quebrado, e me ofereceu carona (eu não tinha conseguido contactar o meu seguro-viagem) até o hospital mais próximo. Lá, eu tive a minha experiência com o SUS de EL Salvador. Imagina as pessoas simples do local olhando um gringo mancando dentro de um hospital de uma cidade nada turística. Seis ou sete horas depois, consegui fazer um Raio X, e o médico me disse que nada tinha quebrado, era ficar com o pé para cima e gelo 24 horas por dia. Perguntei: "Dr. Vou conseguir surfar em duas semanas"? Ele falou, "não sei vai depender da evolução". Voltei para pousada, depois de passar um certo sufoco na cidade, pois nunca tinha visto tantos olhos com intenções que eu interpretei como “Gringo, esse não é o seu lugar, está escurecendo, o que você está fazendo aqui?” direcionados a mim. Por fim, cheguei à pousada. A semana toda eu fiquei em companhia de um dos austríacos (que tinha raspado a cara no fundo de pedra tentando aprender a surfar, ele não podia pegar sol no ferimento) vendo filmes (vi muitos), lendo livros (li uns três), refletindo na vida, sofrendo um pouco vendo altas ondinhas quebrando, e principalmente pensando: “Caraca, Lula, foi dar abrigo ao Zelaya, agora eu estou preso aqui em El Salvador e não vou conseguir ir  para Nicarágua via Honduras. O que eu vou fazer?”

Não sei se lembram, mas Honduras viveu uma crise institucional alguns anos atrás, e o presidente deposto Zelaya se refugiou na embaixada brasileira em Honduras. O Brasil aplicou sanções em Honduras, uma delas foi começar a exigir visto de entrada de Hondurenhos no Brasil. Honduras, pelo princípio de relações internacionais da reciprocidade, começou a exigir visto de Brasileiros para entrar em Honduras, e eu que só queria passar pelo território de Honduras para chegar na Nicarágua, tinha agora que ter um visto. Um visto formal que deveria ser feito na embaixada de Honduras em El Salvador. Eu não sabia se eu conseguiria fazer o visto. Tive que ficar em San Salvador, a capital, por longos três dias (os austríacos seguiram viagem, pois eles não precisavam de visto). A capital de El Salvador é cheia de homens armados fazendo segurança, muros incrivelmente altos e uma quantidade absurda de Fast Food que nem nos EUA você encontra tanto. Por fim, consegui o bendito visto e iniciei mais uma jornada em direção a Nicarágua, passando por Honduras.

Foi outra viagem extremamente cansativa. Peguei inúmeros Chicken Bus de conexão em conexão. Ao final deu tudo certo, e enfim tinha chegado à bonita cidade de Léon na Nicarágua.

                   Meu cartão do SUS de El Salvador está guardado, vai que eu precise dele um dia....
                                                       Valeu Zelaya!
O nome Farabundo Marti é uma homenagem a um líder popular esquerdista da década de 20, morto por tropas governamentais, coordenadas  pelos  EUA. Seu nome virou símbolo da luta contra as condições injustas em que viviam a maioria da população. Seu nome seria homenageado pela guerrilha marxista FMLN.
Um filme de 1986 dirigido por Oliver Stone. Retrata o panorama de El Salvador em plena guerra civil.
         Direitas incríveis de El Salvador, algum dia irei voltar para surfá-las!

NICARÁGUA

Ah, Nicarágua! Saudade de suas esquerdas longas e perfeitas!  Como dizia, depois de uma longa viagem, e inúmeros trâmites de diversas fronteiras, estava na Nicarágua, na cidade revolucionária de Leon.

Existe uma espécie de Rio x São Paulo na Nicarágua, no caso entre as cidades de León e Granada. As duas são cidades coloniais bem bonitas. León sempre foi considerada o reduto das ideias progressistas, dos ideais revolucionários, sendo atualmente um grande centro sandinista (explicação abaixo). Granada, por seu turno, sempre foi associada com ideias mais conservadoras dentro da Nicarágua. Assim, foi interessante saber da existência de duas cidades com posições ideológicas distintas. Será que temos algo parecido no Brasil?

A história da Nicarágua, não há sítios Maias no País, nos últimos séculos é parecida com seus vizinhos do norte. Dominação colonial européia, independência, grave abismo social entre a maioria da população e a elite governante. Um fato um pouco diferente é que os EUA, no final do século XIX, intervieram diretamente no país, controlando suas ferrovias e banco central. Na década de 20 do século passado, revoltas populares questionaram a presença militar dos EUA, e um movimento de guerrilha, liderado por César Augusto Sandino conseguiu repelir as forças estrangeiras.Após a expulsão das tropas americanas,  Sandino resolveu abandonar o combate armado, mas um golpe de estado apoiado pelo EUA e liderado por Alberto Somoza Garcia, que ficaria 42 anos no poder, tomou o controle do país. Sandino, que iria virar um dos heróis nacionais nicaraguenses, foi assassinado logo após o golpe.

Somoza endureceu o combate a qualquer oposição. Isso fez com que houvesse a criação de um grupo guerrilheiro com orientação marxista, chamado Frente Sandinista de Libertação Nacional - FSLN- o que fez com que o país mergulhasse numa guerra civil sangrenta por muitas décadas. Os sandinistas conseguiram chegar no poder em meados da década de 70, mas o país estava arrasado e a economia em frangalhos. Além disso, a guerra continuava, pois havia grupos armados, conhecidos como Contras e apoiados pelos EUA, que agora combatiam os sandinistas no poder. Episódio muito conhecido é o caso de corrupção envolvendo altos funcionários da CIA, no qual os EUA secretamente forneceram armas ao Irã (sim ao Irã meus amigos, que na época já era inimigo dos EUA, devido ao incidente na embaixada americana de Teerã em 1979 - o recente filme ARGO retrata esse episódio, é um excelente filme - época também que o Iraque do simpático Sadam Hussein era aliado estratégico dos EUA na região), apesar de haver um embargos de armas, para financiar os Contras na Nicarágua. Eu vou repetir: Os EUA venderam armas secretamente para o Irã, inimigo, para financiar grupos guerrilheiros num país da América Central. Este caso é conhecido como IRÃ-CONTRAS (mais informações aqui : http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Ir%C3%A3-Contras).

Atualmente, a paz reina no país. Os índices de desenvolvimento humano e de renda são baixíssimos. A miséria é muito alta. Um Sandinista, Daniel Ortega, ocupa atualmente a presidência. Tive a oportunidade de conversar com um ex-guerrilheiro da FSLN quando estive em Léon. Foi uma conversa interessante, pois não é sempre que você tem a oportunidade de conversar com um ex-guerrilheiro marxista.   Veja, não sou adepto de guerrilhas, muito menos de guerrilhas marxistas, mas para mim é interessante  tentar compreender o desenvolvimento da história e os diversos lados que existem.

Depois de conhecer as duas aprazíveis cidades, era hora de tentar surfar. Já tinha se passado quase duas semanas desde o acidente com o meu pé. Eu já andava quase normalmente, mas não sabia se conseguiria surfar ou não. Fui conferir eu mesmo, e rumei para a praia de Popoyo localizada no sul da Nicarágua, perto da fronteira com a Costa Rica. A praia é afastada. Fica num pequeno vilarejo que é composto basicamente de uma rua. Não há nada. Pra chegar lá, eu desci de um Chicken Bus, pois o motorista tinha indicado, numa encruzilhada e comecei andar supostamente em direção à praia. O motorista tinha me dito que a praia era uns 5 minutos andando. Para minha sorte, parou um carro caindo aos pedaços com pacotes de pão praticamente até o teto e me ofereceu uma “táxi” até a praia, como ele pediu 1 dólar apenas, aceitei. Os cinco minutos andando do motorista eram na verdade 20 minutos de carro. Eu tinha a indicação de um surf hostel, e quando cheguei ao local apenas me perguntei: “O que eu estou fazendo aqui?”.

Não havia nada no local, tinha um vento muito forte (geralmente vento muito forte é muito ruim para o surf), o meu pé tinha começado a doer, pensei “é não foi uma boa todo esse esforço para chegar aqui”. José Saramago em sua infância era apaixonado pela beleza de uma catedral. Todos os dias ele passava em frente dela e se encantava com tão impressionante arquitetura. Um belo dia, ele por acaso deu a volta na catedral e viu que a construção estava completamente deteriorada na parte de trás, e percebeu que a administração da catedral apenas conservara a parte da frente do prédio. Saramago, eu ouvi essa história numa entrevista dele, disse que aquilo foi uma dura lição de que para se conhecer algo é preciso “dar a volta inteira”. Eu tinha visto, aliás minhas percepção tinha apenas apreendido, apenas a parte de trás de Popoyo. Quando eu “dei a volta inteira”, rapaz, como valeu a pena.

O Surf Hostel era bacana e barato (apenas 10 dólares). O vento que soprava sem parar era terral o dia inteiro (terral e um vento que sobra da terra para o mar, e é muito bom para as ondas, mas é muito raro, principalmente no Brasil, de acontecer. Um vento terral o dia inteiro é quase impossível no Brasil), pois Popoyo está bem à frente de um gigantesco lago, então os ventos vão do lago em direção ao Mar. Encontrei uma bela prancha para alugar. Fui correndo ver as ondas, e esquerdas longas quebravam. Minha primeira queda (termo de surfista para ir surfar) foi no meio-dia. O meu pé não doeu, fiquei muito feliz. Voltei a surfar no final de tarde. O mar tinha melhorado muito, um metro e meio de esquerdas perfeitas, o sol se pondo no oceano, numa explosão de cores. Voltei para a pousada, comi um prato de macarrão gigantesco. Fui passear na única rua, e quase não havia luz artificial, mas o céu, minha nossa, que céu estrelado era aquele. Tinha surfado, tinha comido um simples macarrão, bebido uma cerveja, visto um pôr-do-sol magnífico e um céu estrelado que talvez apenas o meu amigo poeta investidor encontre palavras adequadas para descrever. Que dia maravilhoso. Vou guardá-lo para sempre na minha memória. Como pouco dinheiro e coisas simples podem encher nossas mentes de felicidade e satisfação. Minha passagem por Popoyo, fiquei seis dias lá, se resumiu a isso: acordar as cinco da manhã, surfar oito horas por dia, comer, tomar cerveja, dormir as 8 da noite, acordar as cinco da manhã, surfar oito horas por dia...

Frente Sandinista de Libertação Nacional - FSLN. Hoje em dia se transformou num partido político e abandou a luta armada.
                    Pôr-do-Sol na charmosa cidade colonial de Granada.
Mais um dia difícil em Popoyo...
Quando Popoyo funciona, é uma das melhores esquerdas de toda América. Ainda quero ver quebrando assim...
Olha o tamanho do Popoyo Express! (estou longe de ter surf para encarar uma onda dessa)
Não são as ondas espetaculares, e assustadoras, das duas fotos acimas. Mas e daí? Soulsurfer em momento de felicidade nas esquerdas longas de popoyo....

Depois de passar esses dias memoráveis, era hora de continuar descendo o continente rumo à famosa Costa Rica. E lá fui eu de novo pegar diversos transportes, ficar três horas em pé na emigração da Nicarágua, e passar certo perrengue. Muitas horas depois eu tinha chegando a Tamarindo no norte da Costa Rica, louco para conhecer as famosas ondas da região. 

COSTA RICA

A Costa Rica é um país singular. Eu pensava que era o único país a não ter forças armadas (mas dei uma pesquisada e há vários países nessa situação http://www.blogdotony.net/81624 - não conferi se a fonte é boa ou não). Foi uma opção do pais há mais de sessenta anos de não gastar dinheiro com algo que evidentemente não traz qualquer retorno para o bem-estar da população. O país é considerado um dos mais pacifistas do mundo,  um dos países onde a população se sente mais feliz (http://exame.abril.com.br/mundo/album-de-fotos/os-50-paises-onde-as-pessoas-sao-mais-felizes-segundo-a-onu), e um dos países com a maior parte do seu território constituído de parques nacionais e áreas de proteção, o que tornou o país uma referência em turismo ecológico. Não é por menos que a Costa Rica é considerada a “Suíça das Américas” (sim os índices de IDH, expectativa de vida, etc são bem maiores do que o Brasil).

Portanto, a vida na Costa Rica não é ruim não. É um país com uma beleza natural espetacular, e índices sociais muitos razoáveis. O Slogan do país é “Pura Vida”, você diz oi, e os locais respondem “Pura Vida”. É um país diferente. Eu, infelizmente, não tive sorte. Cheguei numa semana flat (expressão no surf para dizer que não tem onda), e não consegui surfar nos dias que fiquei no país. Conheci uns brasileiros e viajei de carro com eles pelo país. Foi bacana, visitamos o famoso vulcão Arenal, parei num hotel termal muito bacana, e fiquei uns dias na bacana cidade fronteiriça de Puerto Viejo de Talamanca, já na parte caribenha do país. Lá está localizada uma das ondas mais perigosas do continente, a famosa “Salsa Braba”. Tem esse nome, pois a onda faz “Salsa” com os surfistas. Quando eu estive lá não tinha onda nenhuma. Paciência, eu também não iria surfar um lugar desses. Depois de uns dias aproveitando a beleza de algumas praias, resolvi rumar para o último país da viagem, mal sabia que minha vida ia mudar completamente em poucos dias.

Salsa Braba. Essa onda é pesada. A bancada de coral é muito rasa, aqui só pró surfa.
A mítica Roca Bruja (quem já viu o clássico filme de surf Endless Summer, sabe do que estou falando! Bah, como eu queria ter surfado esse lugar, mas não consegui. 
Sem ondas, o negócio foi ficar morgando nas praias lindíssimas da Costa Rica.
     É isso aí, Costa é Pura Vida! Lugar manerríssimo, para se voltar várias vezes.

PANAMÁ


O Panamá é um país conhecido pelo seu canal, uma obra de engenharia do começo do século XX que de certa forma ajudou a conectar o mundo, ao fazer com que navios pudessem atravessar do oceano atlântico para o oceano pacífico, e vice-versa.

A história do Panamá diverge da dos outros países da América Central. O Panamá na verdade fazia parte da Colômbia até o começo do século XX, e sua história está mais ligada com o continente da América do Sul, do que com a América Central. Tendo em vista a importância estratégica do canal do Panamá, os EUA sempre tiveram uma presença muito forte no país, com muitos militares no país, sendo que o canal do Panamá só passou ao controle do próprio Panamá em anos recentes. Durante todo século XX, os EUA controlaram o canal do Panamá.

É um país que avança social e economicamente, sendo o destino de muitos americanos aposentados, já que numa recente pesquisa o Panamá foi eleito um dos melhores países para aposentados viverem.


Minha primeira parada no Panamá foi na cidade-ilha de Bocas Del Toro. Lugar com praias lindíssimas, astral muito bacana e ondas alucinantes. Peguei ondas muito boas, sendo que o interessante é que você tem que ir obrigatoriamente de barco surfar, pois os lugares que tem onda são um pouco afastados da ilha principal.  Bocas Del Toro é um lugar ideal para se ir com a família ou com a mulher, pois a atmosfera do local é muito legal mesmo.

Depois de dias pegando altas ondas e aproveitando o local, eu estava comendo numa pizzaria quando troquei algumas palavras com uma brasileira. Foram poucos minutos apenas de conversa, mas a conversa foi interessante, pois é bem raro encontrar alguma brasileira viajando sozinha de mochileira, muito menos na América Central, bonita então, uma raridade. Se acrescentar que ela estava lá fazendo curso de mergulho, então a raridade aumenta ainda mais.  No outro dia, eu estava em outro restaurante comendo, quando essa mochileira gatinha brasileira se aproximou e começamos a conversar novamente. Era o último dia dela na ilha, eu ficaria ainda mais uns dias, e ela estava me dando algumas dicas sobre um lugar no Panamá que ela já tinha ido e era um dos meus próximos destinos. Papo vai, papo vem, eu pedi o e-mail dela (essa geração virtual atual!), e anotei num papel. Ela, por uma sorte do destino, também pediu o meu e-mail.

Despedi-me da mochileira gatinha, desejei boa viagem e continuei almoçando na companhia dos austríacos que tinha reencontrado no Panamá (um tinha quebrado a perna ao cair num bueiro em Manágua, capital da Nicarágua, e tinha voltado para Europa). Entretido pela conversa, terminei o almoço e comecei a caminhar pelas ruas de Bocas Del Toro. Alguns minutos depois eu percebi que tinha esquecido o papel com o e-mail anotado, voltei correndo para o restaurante, mas não consegui achar, cheguei mesmo a olhar na lata de lixo. Pensei, "que mierda"! Paciência.

No outro dia, eu estava checando meus e-mails numa lan house. Eu recebo muitos e-mails, mais de 50 por dia (recebo muito e-mail de uma lista de discussão que faço parte). Quem eu não conheço, ou se o assunto do tópico não me interessa, eu deleto sem olhar. Eu vi que entre os e-mails selecionados para deletar havia o nome de uma Mulher que eu não conhecia. "Deve ser Spam", vou detetar assim mesmo. Entretanto, alguma coisa me fez olhar o e-mail ao invés de deletá-lo sem olhar, e não é que era o e-mail da mochileira gatinha. Se eu tivesse deletado, muito provavelmente ela não teria escrito outro, e os nossos breves encontros, seriam isso, uma memória apagada num futuro não muito distante.

Como eu iria imaginar que a mochileira gatinha iria se transformar na Senhorita Soulsurfer algum tempo depois? Aliás, como eu iria imaginar que iria conhecer alguém tão especial numa viagem pela América Central? Quando eu estava machucado e sozinho em El Salvador, na capital San Salvador esperando pelo visto de Honduras, eu apenas pensavam : "que droga, o que eu estou fazendo aqui, queria estar no Brasil". Quase fiquei um pouco deprimido, e é difícil eu ficar deprimido. Como eu iria imaginar que algumas semanas depois eu iria encontrar uma companheira tão bacana? Como a vida é espetacular e misteriosa. Como é importante estarmos abertos para o novo, e não termos tanto medo. Essa viagem na América Central fortaleceu em mim essa importante lição da vida.



Ruazinha de Bocas Del Toro. Lugar maneríssimo, e para mim o local em que eu conheci minha companheira.
Esse é o nipe das ondas em Bocas Del Toro, alucinante! Peguei um pouco menor do que o tamanho dessa foto, mas foi uma das ondas mais fortes e perfeitas que peguei  na vida(no dia devia estar uns seis pés tubulares)


Depois de Bocas Del Toro, passei pela capital Panama City, uma cidade bem interessante, e com muitas partes bem modernas e um centro histórico bem conservado. Geralmente as capitais dos países da América Central não são muito bonitas, poia são extremamente caóticas e de certa maneira violentas. Não possuem grande atração turística, mas a capital do Panamá não, talvez seja a capital mais interessante entre os países da América Central. 

Da capital eu fui em direção ao arquipélago de San Blás, o que viria a ser um dos pontos altos de uma viagem que já possuía diversos pontos altos. Este arquipélago é uma região autônoma dentro do Panamá, é administrado pelos índios Kunas. A região possui centenas de ilhas pequenas, rodeadas por um mar paradisíaco, e você pode se hospedar numa dessas ilhas pequenas. O lugar é mágico. Principalmente para ir com sua namorada, mulher ou companheira. Ficar com uma ilha quase que exclusivamente só para você, comer frutos do mar, e ver o dia passar sem muita preocupação, e pagando barato por isso, é algo muito bacana. Eu ainda dei sorte, pois teve um incêndio na ilha em que fiquei, e como eu ajudei a controlá-lo, o índio que administrava a ilha liberou as minhas diárias, ou seja, fiquei comendo e hospedado de graça!




Para ir de ilha em ilha só com barco. Minha fiel companheira: minha mochila que já me acompanhou em dezenas de países.

Minha suíte presidencial. Olha que bacana o visual do local.
O heróico Soulsurfer teve que ajudar a combater o fogo!
Quem precisa de luxo e conforto num lugar desses? Eu não.

Difícil a vida num lugar como estes (a foto não foi tirada por mim, mas posso atestar que o lugar é tão bonito quanto parece).

América Central. Um lugar relativamente pequeno, com países pequenos, mas meu amigo quanta coisa para se ver, fazer e refletir! Vulcões, rios de lava, guerrilheiros, ruínas maias, praias lindíssimas, ondas espetaculares, cultura, história, é muita coisa diferente. Essa viagem para mim foi sim uma verdadeira epopéia. Presenciei amigos brigando, conheci pessoas interessantes, machuquei-me, fui pego pela burocracia, tiver que sair correndo com balde de água para apagar um fogo, vi miséria e desesperança, vi força e garra para melhorar a vida tão sofrida, e principalmente encontrei uma mulher especial que seria a minha companheira por muitas viagens ainda.

Se você acompanhou esse longo post, agradeço. Espero que tenha gostado, e que tenha instigado alguém a ir comprar uma mochila e se jogar nesse mundo, ninguém sabe o que nos espera numa viagem como essas.

Grande abraço a todos!

quarta-feira, 23 de abril de 2014

REITs - UM ESTUDO SOBRE SUAS CARACTERÍSTICAS - PARTE FINAL


CORRELAÇÃO DOS REITs COM OUTROS ATIVOS

            Este foi um tópico que um colega no BLOG perguntou, e que me fez apressar a feitura desse artigo. Correlação é um termo estatístico, demonstra qual é o grau que uma variável se relaciona com outra variável. Em termos de investimento e de maneira simples, é saber se quando a taxa de juros sobe os FII perdem ou ganham valor, se o mercado acionário sobe, os FII perdem, ganham valor ou é indiferente.

           A correlação pode ir de +1 a -1.  Ativos com correlação de +1 são perfeitamente correlacionados, ativo A sobre 10%, ativo B sobe 10%. Intuitivamente, já podemos perceber que ativos com correlação +1 não servem para diversificação, pois eles sobem e descem na mesma intensidade.

          Por seu turno, ativos com correlação -1 são inversamente correlacionados. Ativo A sobre 10%, ativo B cai 10%.  A teoria do Asset Allocation diz que devemos procurar ativos negativamente ou pouco correlacionados para se formar um portfólio, e ao se fazer isso reduz-se o risco global da carteira, bem como se aumenta o seu retorno esperado.

No mundo real dos investimentos, é muito difícil achar ativos que sejam negativamente correlacionados. Os acadêmicos, sabedores disso, acreditam que ativos com correlação inferior a +0,6 já são hábeis a promover os efeitos positivos da diversificação com diminuição do risco, e aumento do retorno esperado para aquele nível de risco. As correlações não são fixas, elas mudam historicamente, por isso é tão difícil se construir um portfólio perfeito. Entretanto, por mais variáveis que sejam as correlações entre os ativos, as correlações passadas ao menos nos apontam alguns caminhos de como os ativos podem se comportar em determinados períodos. Com certeza não é um mapa com um grande X escrito, mas ao menos é uma bússola para se tentar navegar com mais tranqüilidade nos mares às vezes revoltos das finanças.

Feitas essas considerações bem básicas sobre correlação, é hora de se observar como os REITs se correlacionaram com outros ativos:



Essa tabela mostra que os Equity Reits tiveram uma correlação bem baixa com alguns índices acionários (principalmente os representativos de Large-Cap, ou seja, empresas com capitalização de dezenas de bilhões de dólares), apresentando uma correlação um pouco maior com MID e SMALL caps. Entretanto, em média a correlação foi menor do que 0.6, o que mostra que os REITs serviram como bom instrumento de diversificação de porfólio.

Apenas para título de comparação, observe-se o gráfico abaixo sobre a correlação de um índice Small Cap Value (eu ainda quero falar sobre os fatores tamanho e valor no mercado acionário, mas não será agora):



A correlação do índice de pequenas empresas de valor foi muito maior do que os REITs, mostrando que a compra de um ETF desse índice traria efeitos positivos menos intensos de diversificação a um portfólio  do que o uso dos REITs.

O próximo gráfico trata das correlações cambiantes  dos REITs com o índice Dow Jones nos últimos 40 anos:


            
           Como é possível observar, a linha amarela, a correlação entre os REITs e o Dow Jones variou muito nos últimos 40 anos, chegando em alguns períodos (crise acionária de 2000) até mesmo a ser negativa. O fato que chama atenção é que no período de crise aguda do mercado americano em 2008, a correlação atingiu níveis altos, isso quer dizer que estar investido em REITs e no mercado acionário naquele momento não produziu grandes efeitos na diminuição do risco. Esse fenômeno foi visto em quase todos os ativos na grande crise de 2008, a não ser o ouro.  É compreensível, as pessoas achavam que o mundo estava à beira de uma catástrofe financeira, e todos os ativos sofreram, sendo o ouro um porto seguro, pelo menos aparentemente.

         Um comportamento semelhante foi detectado entre os REITs internacionais e o mercado acionário internacional:



           
         Portanto, os REITs mostraram uma correlação não muito forte em média com o mercado acionário americano, mostrando que foi um bom instrumento para a diversificação do portfólio.

FUNÇÃO DOS REITs DENTRO DE UM PORTFÓLIO DIVERSIFICADO

                Este tópico está mais relacionado com Asset Allocation, e a teoria por trás desta forma de investir.  Bem resumidamente, a teoria propõe que uma divisão de ativos em diferentes espécies de ativos faz com que o risco (a volatilidade) da carteira como um todo diminua, aumentando ainda o retorno esperado potencial.


                O gráfico mostra que no período de 1992 a 2012 com a adição de 10% de REITs a um portfólio de 60% renda variável/ 40% renda fixa, o retorno anualizado da carteira aumentou em 0,4% com a diminuição de 0,1% do risco da carteira. Logo, os REITs foram um ótimo ativo para fins de diversificação, diminuição de risco, e aumento da rentabilidade numa carteira diversificada. Não há nenhuma razão para se achar que o mesmo não aconteceria em carteiras com ativos brasileiros com acréscimo de Fundos Imobiliários.


REITs E PROTEÇÃO CONTRA A INFLAÇÃO
               
Os resultados, bem como os gráficos, deste tópico foram retirados de um estudo bem interessante sobre como os REITs se comportaram em relação a períodos de baixa e alta inflação. Os REITs foram um bom hedge contra períodos de alta inflação ou deixaram a desejar? As conclusões deste estudo são bem interessantes.


        
          Para entendermos este gráfico, é necessário fazer algumas explicações. Os autores do estudo durante o período de análise (1978 a 2013) separaram períodos de seis meses de baixa inflação e períodos de alta inflação. O objetivo era saber como uma diversas classes de ativos se comportaram em períodos de alta inflação. A percentagem mostrada demonstra em quantos períodos uma determinada classe de ativo foi superior à inflação daquele mesmo período. Como se pode observar, o ativo que mais rentabilizou acima da inflação foi um índice relacionado a uma cesta de commodities (S&P500 GSCI) com 70% de taxa de sucesso. Os Equity Reits vieram logo atrás com notáveis 67,6% de taxa de sucesso. Observem que os REITs rentabilizaram melhor em períodos de alta inflação até mesmo do que um incide que mede os retornos dos TIPS (Ibbotson Associates TIPS). Para quem não sabe, os TIPS são as NTN-B do mercado americano, pois são títulos do governo que pagam o CPI (o índice de inflação deles) mais uma taxa pré-fixada. Mesmo em comparação a estes títulos defensivos em relação à inflação, os REITs foram mais eficientes.

           Soulsurfer, o que é Blend que teve uma taxa de sucesso de 71,8%? Bom, blend é nada mais do que a teoria do asset allocation em prática, com uma distribuição no porfólio de 28,1% REIts, 26% de ações, 24.8% de TIPS, 15,9% de commodities e 5.2% você teoricamente equalizaria os riscos entre períodos de baixa e alta inflação, e conseguiria rentabilizar muito fortemente em relação a períodos de alta inflação. Esse tópico tem a ver com fronteiras eficientes de alocação, e não pretendo me estender nele nesta artigo.

           Sendo assim, o estudo mostrou o que era de conhecimento comum que as commodities reagem bem em períodos de alta inflação, sendo os REITs uma grata surpresa, fornecendo uma grande proteção contra disparadas da inflação.

           Por fim, termino esse tópico com  mais um gráfico, comparando os retornos dos diversos ativos nos períodos de baixa e alta inflação:
          

         
         O gráfico mostra claramente  as commodities rentabilizando extraordinariamente bem em períodos de alta inflação, e muito mal em períodos de baixa inflação. Isso abre, para quem quer fazer uma alocação de ativos mais agressiva, espaço para aumento de concentração em commodities se há expectativa de aumento de inflação. Entretanto, Tatical Asset Allocation não é o foco desse artigo.

         Fica claro também que inflação não é bom para o mercado acionário. Os REITs, por seu turno, se comportaram bem tanto em períodos de baixa e alta inflação, o que mostra uma característica única nessa espécie de ativo.

LEVERAGE – ALAVANCAGEM FINANCEIRA NOS REITs

       O uso de alavancagem financeira talvez seja a fundamental diferença entre os Equity Reits americanos e os Fundos Imobiliários do Brasil. Alavancar-se é simplesmente comprar um ativo assumindo uma dívida. Como assim, Soulsurfer? Imagine que um FII queira comprar um prédio que vale 150  milhões de reais, mas não possui nada em caixa para investimento. O Fundo possui duas alternativas, ou ele pega emprestado no mercado 150 milhões de reais e realiza a compra, ou o Fundo emite novas quotas, diluindo os quotistas atuais, e tenta captar 150 milhões de reais para poder comprar o prédio.

        O que é mais seguro? Evidentemente, o mais seguro para o FII é emitir novas quotas e não ser devedor, pois é sabido que dívidas implicam no pagamento de juros. O que pode ser mais rentável? O empréstimo.  A razão é simples. Nem sempre é possível se fazer captação de recursos com novas emissões de quotas, pois o mercado pode não estar favorável, o que parece ser o caso atual para Fundos Imobiliários, onde diversas emissões estão sendo canceladas.  Além do mais, dependendo do cap rate (basicamente esse termo representa o retorno de aluguel que uma propriedade pode oferecer), faz todo o sentido comprar um imóvel financiado. Imagine que o hipotético prédio de 150 milhões, forneça uma receita provável de aluguel anual de 15 milhões, ou seja, um cap rate de 10% aa.  Se o fundo tomar emprestado os 150 milhões pagando menos do que 15 milhões anuais de juros, financeiramente a decisão de tomar empréstimo faz sentido. Quanto maior for a diferença entre o potencial cap rate e a quantidade de juros que se paga no empréstimo, mas vantajosa a operação. Se o fundo pagasse 12 milhões de reais em juros, no primeiro ano com uma receita de 15 milhões, o fundo conseguiria pagar os juros devidos, bem como amortizar 3 milhões da dívida. Ano a ano o resultado vai ficando melhor, pois as receitas de aluguel são corrigidas no mínimo pela inflação, e as despesas de juros vão diminuindo nominalmente já que a cada ano uma parcela vai sendo amortizada. Assim, no segundo ano, o fundo não precisará pagar mais 12 milhões de juros, pois ele amortizou 3 milhões da dívida, e o fundo não terá apenas 15 milhões de receitas, mas terá um pouco a mais a depender da revisão pelo índice.

         Fica claro perceber que na situação narrada no parágrafo anterior, o Fundo ao se endividar está criando um enorme valor aos quotistas, algo que um fundo que apenas diluísse os quotistas por uma nova emissão não conseguiria criar.  Soulsurfer, se é tão bom, é a fórmula para a criação de dinheiro fácil? Bom, primeiramente, é preciso dizer que a estratégia é arriscada, pois se, no caso comentado, houver vacância, se os aluguéis diminuírem, o fundo pode se complicar, pois terá que continuar a pagar os juros no empréstimo feito. Além do mais, gestões que não são tão conservadoras ou competentes, podem exagerar na alavancagem. Imagine o exemplo acima, mas feito não com 1 prédio, mas com 15 prédios, os retornos podem ser sensacionais, mas o risco aumenta e muito. No fim, tudo se resume a primeira fórmula que se aprende em finanças de que os retornos tendem a ser proporcionais aos riscos assumidos.

          Portanto, a alavancagem financeira quando bem utilizada pode criar valor no médio/longo prazo para os quotistas. Os fundos brasileiros não se alavancam (a única exceção, e não é bem alavancagem financeira, é o caso do BRCR. Não é alavancagem, pois este FII tem mais dinheiro em caixa do que possui dívidas), e por isso eles podem se comparar a simplesmente possuir um imóvel fisicamente. Eu abordei essa questão de passagem no meu segundo post http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/01/fii-pessimo-negocio.html. Logo, os fundos brasileiros dificilmente conseguirão crescimentos muito fortes nos seus resultados operacionais, como os REITs vêm conseguindo nos últimos anos. Por outro lado, os FII são extremamente seguros, e por essa segurança, em minha opinião, nada justifica um aluguel residencial estar pagando em média 0,4% am bruto,e um FII pagando entre 0,8% a 0,9% am líquido.

                Feitas essas considerações sobre alavancagem, como os Equity Reits se comportaram em relação à alavancagem. Valeu a pena se endividar? Primeiramente, vamos considerar os dados globais da indústria:

 Equity REITs (dados relativos ao 3T de 2013)
· Debt Ratio: 33.9%
· Coverage Ratio: 3.7x
· Fixed Charge Ratio: 3.3x
· 46 Equity REITs are rated investment grade, 68 percent by equity market capitalization.
- Coverage ratio equals EBITDA divided by interest expense.
- Fixed charge ratio equals EBITDA divided by interest expense plus preferred dividends.

                
        Vamos traduzir os números acima. O índice de alavancagem financeira em média dos REITs é de 33.9%, o que pode ser considerado bom, já que especialistas dizem que uma alavancagem financeira de até 40% pode ser considerada conservadora. O índice de cobertura para pagamento de juros (Coverage Ratio) é obtido mediante a divisão do resultado operacional do fundo antes de impostos e depreciação pela quantidade de juros paga. Sendo assim, em média os fundos produzem resultados operacionais capazes de pagar 3,7 vezes suas despesas financeiras. Eu não achei números tão confortáveis, gosto de Coverage Ratio maiores do que esse número. Por fim, boa parte do débito dos REITs advém de dívidas com juros fixos (fixed charge ratio), o que proporciona mais previsibilidade, já que a dívida não é afetada pela subida da taxa de juros no mercado.  Fato interessante é que 46 Equity Reits são considerados investment grade (investimento seguro), o que corresponde a 68% da capitalização de mercado de todos os Equity Reits.

          Conhecidos os números básicos da indústria em relação à alavancagem, bem como os seus conceitos básicos,  fica mais fácil entender o gráfico abaixo:



           Como tudo em finanças orbita em torno da eterna disputa entre risco x retornos, é possível calcular os retornos esperados normais com o uso de alavancagem. Esse gráfico faz exatamente isso. Há uma linha onde os retornos esperados pelo uso de alavancagem (observem que quanto mais alavancagem mais os retornos esperados, bem como os riscos, aumentam) são medidos. Se um investimento fica abaixo da linha, quer dizer que assumiu riscos pela alavancagem e não teve retornos satisfatórios. Acaso fique acima da linha, quer dizer que a alavancagem produziu resultados maiores do que o esperado.

            Como o gráfico mostra, os REITs, pelo grau de alavancagem média assumida, obtiveram retornos muito maiores do que o esperado (mais de 3% aa), o que demonstra que os Equity Reits foram extremamente competentes no uso da alavancagem, e criaram valor para os seus quotistas, o que pode ser observado também no gráfico que trata sobre o crescimento dos dividendos em ritmo muito maior do que o índice inflacionário.

PRÊMIO EM RELAÇÃO AO NAV (NET ASSET VALUE)

                Primeiramente, é necessário dizer que os REITs, ao contrário dos FII, não são obrigados a fazer avaliações periódicas de quanto vale os seus empreendimentos imobiliários. O NAV (Net Asset Value) que grosso modo seria o valor patrimonial dos REITs não é uma coisa tão fácil de calcular e observar como nos Fundos Imobiliários Brasileiros.


                               (gráfico retirado do site Green Street Advisor)   

É interessante notar que na média os REITs são negociados com um pequeno ágio em relação aos seus NAVs. Em períodos de euforia os ágios são gigantes, em períodos de desespero os deságios são significativos. Chama atenção de que no auge da crise financeira em 2008, que teve origem no mercado imobiliário americano, os REITs chegaram a ser negociados com incríveis 40% de deságio em relação aos seus NAVs. Ora, se olharmos a relação P/VP de alguns bons FII brasileiros, pode-se observar que há deságios de 25/30%, chegando alguns fundos a mais de 40%. Portanto, observa-se que fortes deságios em relação aos valores patrimoniais, pelo menos no mercado americano, são passageiros e não tendem a durar muito.

          No Brasil, talvez o mesmo ocorra. Soulsurfer, os VP do Brasil não podem estar inflados pela situação macroeconômica atual? Sim, claro que podem. Entretanto, o ponto é que compras com deságio em relação ao VP, mesmo que este venha a sofrer correção negativa, promovem no mínimo um colchão de segurança, e talvez possam proporcionar bons pontos de compra se o investidor tiver um horizonte de médio/longo prazo. Os resultados do mercado americano parecem corroborar essa minha linha de argumentação.

REITs EM OUTROS PAÍSES

                Hoje estruturas de investimento parecidas com os REITs estão presentes em dezenas de países. A legislação dos EUA foi e continua sendo a base para a legislação de vários países. Obviamente, diferenças há em relação à tributação, restrições, etc nos variados países. Entretanto, muitas das características legais dos REITs americanos são encontradas nos diversos países. A leitura do livro “Reits Around The world”  apenas confirma essa percepção.


Quer receber aluguel em Euros por uma propriedade francesa ou de uma propriedade na avançadíssima Cingapura? Pois isso tudo é possível. Há índices que medem os retornos de vários REITs, desde globalmente a mercados emergentes.

 Há ETFs que replicam esses índices, então literalmente você pode estar investido em vários mercados imobiliários no mundo inteiro. E o que é melhor, ao contrário dos ETFs brasileiros (ainda não existe um ETF de FII), os ETFs geralmente pagam dividendos. Sendo assim, pode-se diversificar de uma maneira muito grande com um único investimento, pagar taxas baixíssimas por isso, e ainda receber fluxo de dinheiro em alguma moeda forte. Quem sabe algum dia estes ETFs fiquem acessíveis ao mercado brasileiro, sem a necessidade de ter conta fora do Brasil.

CONCLUSÃO

                Bom, colegas, se você chegou até o fim desse estudo pode estar se perguntando qual é a conclusão que se pode chegar disso tudo. Bom, eu vou apresentar as minhas conclusões por tópicos, talvez você possa concordar com tudo, talvez com pouca coisa, mas eu acho que fazer este estudo, algo que eu ainda não tinha lido no Brasil, foi interessante para fortalecer alguns conceitos, bem como para questionar alguns outros. Só posso dizer que foi bem válido o exercício. É inegável que olhar para o mercado americano talvez seja como tentar vislumbrar como o mercado brasileiro pode ser daqui 20/30 anos, que é o horizonte de investimento de muito dos blogueiros e dos investidores amadores.

A)     REITS COMO INVESTIMENTO DE LONGO PRAZO

- Os REITs se mostraram excepcionais em termos de rentabilidade nas últimas décadas;
- forneceram bons dividendos, proteção contra inflação e foram um ótimo instrumento para diversificação de portfólio;
-  mostraram-se menos voláteis do que as ações;
- os gestores, em média, se mostraram competentes para gerar valor de longo prazo, bem como crescimento real de dividendos;

B)      PONTOS FORTES DOS REITs EM RELAÇÃO AOS FII

-  Os REITs são muito mais consolidados com uma história que remonta há mais de cinqüenta anos. Já passaram pelas diversas fases no mercado, e hoje em dia pode-se dizer que é um mercado maduro;
-  São muito maiores em tamanho do que os Fundos Imobiliários Brasileiros, o que confere mais segurança ao investimento;
- Quase todos são geridos de forma ativa, ao contrário do Brasil, logo a possibilidade de crescimento dos resultados operacionais é muito maior do que no Brasil;

    C)     PONTOS FORTES DOS FII EM RELAÇÃO AOS REITs

- Os yields dos fundos de tijolo são praticamente o triplo do que o fornecido pelos Equity Reits em média;
- Não há taxação nos dividendos recebidos nos FII, enquanto nos REITs a taxação pode chegar a incríveis 43.4%, o que faz a primeira vantagem dos FII ser ainda maior;
- O mercado brasileiro tende a se consolidar e a proporcionar rendimentos muito bons no longo prazo, algo que talvez os REITs encontrem mais dificuldades;
- Os FII não usam alavancagem, o que os torna extremamente seguros.

D)     VISÃO PESSOAL PARA ONDE OS FII PODEM IR NO FUTURO

- Vejo reais possibilidades dos FII se mostrarem um investimento com excepcionais resultados, principalmente se o horizonte for de longuíssimo prazo, como 30 anos;
- se houver reinvestimento dos dividendos, creio que os retornos podem ser muito fortes, principalmente levando em conta os substanciais yields pagos pelos FII;
- não vejo motivo de quase não haver spread entre os dividendos dos fundos de papel, em relação aos fundos de tijolos. Não faz sentido um fundo de papel pagar 0,9% am, e um fundo de tijolo também pagar 0,9% am. Como demonstrado no estudo, a diferença entre os yield dos Equity Reit e dos Mortage Reit é substancial. Eu não vejo essa pequena diferença se sustentando no longo prazo no Brasil;
- O mercado brasileiro tem muito a crescer e a se expandir. Novos setores podem ser aumentados e ampliados. Com o tempo, é possível que mais investidores institucionais se interessem pelos FII, o que pode fazer com que a liquidez, atualmente um fator de risco, aumente significativamente;

É isso. Espero que tenham gostado do estudo.

Um grande abraço a todos!