Olá,
colegas. O blogueiro Mestre dos
Dividendos resolveu escrever “uma resposta” ao meu artigo publicado no sábado (basta ver o artigo ao lado).
Eu não tenho nenhum problema em dizer o nome do blog e dizer que consta no meu
blogroll há vários meses. Vou além, creio que ele já escreveu artigos
interessantes sobre Fundos Imobiliários, e foi a razão de adicioná-lo, e não
vejo nenhum motivo para retirar, já que leitores podem se beneficiar de mais
conhecimento sobre finanças pessoais.
Há
esse recalque das pessoas simpatizarem ou não com outra pessoa ou grupo de
pessoas, e partindo disso, como se fosse num confronto de uma luta de vida e
morte, fecharem-se numa bolha intelectual. Ainda bem que o meu pai sempre me
disse desde criança que essa não era uma atitude sábia, pois se alguém tem uma
opinião equivocada sobre X, ela pode muito bem saber mais do que você sobre Y.
Outro recalque comum é as pessoas fazerem melindres para dizer expressamente
que não concordam com a opinião da pessoa tal.
Superemos
esses recalques. Assim, o referido
blogueiro num artigo, em minha opinião é claro, confuso procura dizer que
dividendos não são uma vantagem tributária, pois o sistema tributário do Brasil
é confuso, complexo e incide principalmente sobre a produção. Até aí tudo bem. Aliás, acho extremamente
saudável que pessoas escrevam opiniões diversas, e que leitores possam ter
acesso a duas opiniões diferentes e partir daí aprofundar suas próprias
convicções, ou quem sabe questioná-las. Aliás, não acho saudável, creio ser
fundamental.
Para
além de observações ad hominem, o que achei interessante foi a conclusão do
texto:
“O governo compensa a suposta "isenção" com
tributação indireta sobre consumo o que na medida do possível afeta os mais
pobres, porém não se trata de isolar os fatores como bem sabemos não tem como
tributar de uma maneira homogênea os mais ricos já que boa parte do dinheiro do
ricos é usado para financiar escassos projetos de infra estrutura
brasileiro, como bem explicado no artigo do mises acima, todo aumento de
tributo sobre mais ricos é aumento de tributo sobre mais pobres.”
Eu tenho certas dificuldades de interpretar o
português do parágrafo, como o que quer
dizer “na medida do possível” os pobres serão afetados pelo aumento, ou o que
se quer dizer com “não se trata de isolar os fatores”, porém a conclusão de que
um aumento da tributação afeta a sociedade como um todo parece-me correta, bem
como a tributação sobre o consumo e a produção penaliza os mais pobres.
O texto então encerra num grand finale:
“Repito não
existe vantagem em receber dividendos isentos porque nosso governo compensa
esta queda na receita ( Benesse social) com mais impostos indiretos, nosso
governo te da com uma mão e te tira com as duas .”
Voialá,
no ponto. Vejamos o que o meu texto meu escrito dizia sobre o tema:
“É por isso que a carga tributária do Brasil tende a ser
regressiva (quando a nossa Constituição diz que deve ser exatamente o
contrário), quando em qualquer país mais desenvolvido a tributação tende a ser
progressiva. É exatamente por esse motivo que a tributação no país é
extremamente injusta e penaliza os mais pobres.
Qualquer tributo
sobre o faturamento de uma empresa é pago pelos consumidores, são tributos
indiretos que são repassados pela empresa a quem irá consumir o produto ou
serviço. Isso torna o Brasil menos competitivo em termos internacionais?
Sem sobra de dúvidas. Isso faz com que nossos produtos sejam mais caros, em
alguns casos bem mais caros, do que em outros países? Evidentemente. Isso faz
com que nossas empresas sejam menos produtivas? Sim. Faz com que em tempos de
crise a empresa tenha dificuldades de passar todos os custos tributários para
os consumidores apertando as margens? Também.
É por isso que a
reforma tributária é tão essencial para o país. Num mundo idealizado, essa
tributação simplesmente é abaixada sensivelmente, e fica por isso mesmo. No
mundo real onde pessoas precisam fazer decisões políticas, esse não é um
cenário realista, e a tributação sobre faturamento precisa migrar para algum
lugar, o único lugar possível é para a tributação direta.”
Incrível,
o afã hoje em dia de discordar por discordar, baseado talvez em antipatias prévias ou qualquer outra questão de ordem emocional, é tão grande, que as pessoas
discordam concordando. É evidente que a
“benesse social” de não tributação dos dividendos é compensada pelo aumento da
tributação sobre produção e consumo já
que a carga tributária do Brasil aumentou consideravelmente desde a isenção
concedida a distribuição de dividendos em 1995 até 2003, e essa é exatamente a injustiça
do nosso sistema tributário: os mais pobres são muito mais penalizados com esse
sistema tributário regressivo.
No meu artigo existe link para outro texto que existe os seguintes gráficos:
Portanto,
sim prezado blogueiro, os pobres do Brasil são muito mais penalizados pela
tributação no Brasil ser focada no consumo e produção. A sua conclusão de que o governo dá com uma
mão e te tira com as outras duas mãos é perfeita, quando pensamos a sociedade
brasileira como um todo, nosso país é indubitavelmente pior com essa estrutura
tributária, e foi exatamente isso o que foi dito no texto. Agora, a toda
evidência, isso não se aplica ao nível individual. O governo pode muito bem dar
com uma mão para um setor da sociedade e tirar o dobro do resto, fazendo com
que o grupo seja beneficiado à custa do agrupamento maior. É exatamente essa a
situação em relação à tributação do patrimônio e renda no Brasil em relação à tributação
sobre consumo e produção.
AH, MAIS TRIBUTOS, SÉRIO? OU
O PROBLEMA DA REALIDADE QUE NÃO EXISTE
Qual
é o primeiro passo para tornar o sistema tributário mais justo? Fazê-lo que ele
se torne menos regressivo, e, como no gráfico mostrado acima, fique no mínimo
parecido com os países desenvolvidos. Isso é o mínimo do mínimo. E como isso
pode ser feito? De duas maneiras: a) deixando a carga tributária inalterada e
b) diminuindo a carga tributária.
Um
anônimo, é claro que exagerando em ad hominem e na formação de espantalhos
argumentativos – conduta típica de pessoas que não possuem coragem ou altivez
de caráter para se expor publicamente – diz que a solução é:
“Quer resolver mesmo as injustiças
tributárias? Corte imposto sobre consumo, diminua os gastos do governo, pare de
tributar a renda de quem ganha tão pouco, pare com a transferência de renda da
população para funcionários públicos. O resto é autoengano pseudomoral.
Certo.
Primeiramente, a renda da esmagadora maioria dos brasileiros não é tributada a título de imposto de renda,
já que em 2014 menos de 15% dos brasileiros apresentaram declaração de Imposto de Renda (ver aqui). Portanto, percebe-se que o nosso colega anônimo não faz muita noção do que está
falando, o que é bem normal nesse tipo de debate, que para muitos é tido como
um confronto.
Quem paga a maior conta, em termos relativos da renda, de imposto sobre renda e rendimento é a classe média brasileira ( 98% de todos os blogueiros de finanças no Brasil). Além da regressividade da tributação ser mais pesada em relação aos mais pobres que gastam maior parte da sua renda consumindo (por isso a carga é regressiva), as alíquotas reais de imposto de renda são muito maiores para as faixas médias da população brasileira, e menores para as maiores faixas de renda.
Sim, ainda existe essa distorção no país. Assim, a classe média é sufocada pela tributação indireta, e ainda pela tributação direta na renda, e é por isso que as maiores reclamações sobre a tributação no Brasil vem da classe média, o que é óbvio de entender quando se olham os números.
Sim, ainda existe essa distorção no país. Assim, a classe média é sufocada pela tributação indireta, e ainda pela tributação direta na renda, e é por isso que as maiores reclamações sobre a tributação no Brasil vem da classe média, o que é óbvio de entender quando se olham os números.
Talvez fique difícil observar, mas essa é a consolidação dos dados da receita federal, o chamado relatório dos grandes números. Nele, se observa claramente, que a fatia de rendimentos isentos e de tributação exclusiva (que geralmente possuem tributação mais favorecida) são muitas vezes maior do que os rendimentos tributáveis nas maiores faixas de renda. Agora, nos extratos médios (onde está o grosso do número de declarações), os rendimentos isentos e com tributação definitiva são uma parcela pequena se comparados com os rendimentos tributáveis. O que isso quer dizer? Que a esmagadora maioria da classe média é tributada mais pesadamente no total da sua renda. Uma reforma que trouxesse mais racionalidade ao sistema também deveria abordar esse problema, aliviando a carga sobre a classe média (o estudo pode ser acessado aqui).
Em
segundo lugar, diminua a tributação sobre consumo (todos de acordo) e diminua
os gastos do governo (plenamente de acordo). Então, o anônimo quer a diminuição
da tributação sobre o consumo e produção, e creio, a queda da carga tributária. Dito de outra maneira, uma diminuição da carga sobre o consumo e produção não teria um efeito neutro em relação a carga total (ou seja outros tributos não seriam aumentados), mas sim seria uma diminuição pura e simples da carga tributária. Isso é, sinceramente, o que gostaria que acontecesse no nosso país. Porém, vamos olhar para a realidade.
Diminuir
a carga tributária sobre faturamento e a folha, sem compensação com aumento da
carga em outras formas de tributo, foi exatamente o que a Dilma fez. Aliás, no
governo Dilma a carga tributária em relação ao PIB declinou ligeiramente. O que
aumentou sensivelmente foram as desonerações, e muitos atribuem isso um dos
elementos da crise fiscal brasileira.
Ué, mas a carga tributária do Brasil não é de 38% do PIB ? A carga tributária não vem se expandindo loucamente, principalmente nos últimos governos? Não, na realidade a carga tributária de 2016 é idêntica a carga tributária de 2002. O Governo Dilma na verdade diminuiu a carga tributária em proporção ao PIB.
E a carga tributária foi basicamente diminuída pelas desonerações promovidas pelo último governo. Na verdade, as desonerações dão um salto com o Governo Lula e aumentam a níveis muito altos com o Governo Dilma. O gráfico acima mostra claramente isso. Hoje no Brasil, há quase 5% de PIB desonerado. Desonerar, sem lidar com o crescimento real acelerado das despesas (principalmente previdência) é um dos motivos da grave crise fiscal.
Se alguém realmente quer entender melhor o assunto, antes de sair dando opiniões genéricas, recomendo a leitura desses dois trabalhos (de onde os gráficos foram retirados):aqui e aqui. Aliás, já recomendei esses estudos para muitas pessoas, o Blogueiro Finanças Inteligentes é um deles, tanto que ele mudou algumas opiniões que ele possuía sobre a situação fiscal, carga tributária, etc.
Ou
seja, a carga tributária brasileira já teve uma leve retração, e isso levou ao
aumento do déficit primário. Agora, imaginem se o corte da tributação sobre
consumo e produção fosse para valer, se fôssemos levar o nível de tributação
sobre consumo para níveis de países desenvolvidos da OCDE (o que seria ótimo
para o Brasil), sem aumento de outras formas de tributação. Como no Brasil a carga
tributária é da ordem de 32% do PIB, como a tributação sobre consumo é da ordem
de 55%, e como a tributação da OCDE é na ordem de 30%, a nossa carga tributária
teria que cair, em cálculos de padeiro e bem aproximados, algo em torno de 8 a
10% do PIB. Isso é algo em torno de 500 a 600 bilhões de reais por ano.
Como
se tem um déficit primário de algo em torno de 150 bilhões de reais, e como os
economistas acreditam que é necessário um superávit primário de 2% do PIB para
estabilizar a dívida em relação ao PIB (mais uns R$ 100 bilhões), o esforço
fiscal anual da situação atual seria algo em torno de 750 a 850 bilhões de reais.
De
onde esse dinheiro pode sair? Quem vai abrir mão? É aí que os anseios, e algumas opiniões, não
guardam nenhuma conexão com a realidade, ou seja, são basicamente inúteis ou
muito parecidos com delírios socialistas.
A
chance de um esforço fiscal de 800 bilhões de reais anuais acontecer
politicamente no Brasil atual é nenhuma. Atualmente, se desconfia até mesmo que um presidente com plataforma liberal, nas atuais condições políticas do país, conseguiria fazer um esforço fiscal necessário para estabilizar a relação Dívida-PIB em 90% para daqui 5-6 anos, imagina um esforço fiscal o triplo desse tamanho. Qual é a chance de uma plataforma política dessas ter chance? Qual é a chance disso ser remotamente aplicado?
Aliás, não existe nem mesmo a possibilidade jurídica disso ocorrer. Se a previdência custa 13% do PIB por ano (e a reforma da previdência não é para diminuir os gastos, é para que eles sejam menos explosivos e cresçam menos), e o custo da dívida (para ficar na média histórica brasileira) gira algo em torno de 4-5% do PIB, o dinheiro basicamente de tributos já teria quase acabado com uma diminuição da carga tributária na ordem de 10% do PIB. Faltariam apenas Educação, Saúde, Forças Armadas, Judiciário, segurança pública, etc, etc. Um corte dessa magnitude na ordem constitucional atual não é possível, quem fala o contrário simplesmente não tem compromisso com a realidade, e se não tem esteio com a realidade de qual serventia serve para melhorar o país atualmente?
Aliás, não existe nem mesmo a possibilidade jurídica disso ocorrer. Se a previdência custa 13% do PIB por ano (e a reforma da previdência não é para diminuir os gastos, é para que eles sejam menos explosivos e cresçam menos), e o custo da dívida (para ficar na média histórica brasileira) gira algo em torno de 4-5% do PIB, o dinheiro basicamente de tributos já teria quase acabado com uma diminuição da carga tributária na ordem de 10% do PIB. Faltariam apenas Educação, Saúde, Forças Armadas, Judiciário, segurança pública, etc, etc. Um corte dessa magnitude na ordem constitucional atual não é possível, quem fala o contrário simplesmente não tem compromisso com a realidade, e se não tem esteio com a realidade de qual serventia serve para melhorar o país atualmente?
Portanto,
para começarmos a melhorar a carga tributária brasileira muito provavelmente a
única solução possível no Brasil a curto e a médio prazo é a migração para
padrões de tributação de países da OCDE.
FILME
REDE SOCIAL
Eu gosto muito do filme sobre o criador do Facebook. Eu aprecio muito duas cenas. A primeira quando o criador da rede social está discutindo com a namorada. Ele é um cara extremamente inteligente, e tem precisão naquilo que fala, sobre fatos e acontecimentos, pulando de assunto e assunto com uma velocidade que a maioria das pessoas não conseguiria acompanhar. A namorada só quer jogar conversa fora. Como habilidades sociais não estão muito presentes no Sr. Zuckerberg, a namorada acaba terminando com ele, pois ele está sendo irritantemente preciso, e agressivo ao mesmo tempo. Reza a lenda que ungido pelo "fora" tomado, toda a história do facebook começou.
A
outra cena é a última do filme, quando a advogada dele afirma que ele deveria
odiar os irmãos gêmeos que o estão processando cobrando dezenas e dezenas de
milhões de dólares. Ele então afirma que não odeia ninguém. As cenas podem
parecer banais, mas elas explicam muitas coisas.
Há
momentos onde a conversa deve ser descontraída, ponto final. Porém, há fatos e
acontecimentos, e se pode ter conversas descontraídas, ou conversas mais sérias
sobre algo. Há muitos blogs interessantes com conversas descontraídas, o que é
ótimo e salutar. E há ocasiões e espaços que uma conversa séria deve ser mais embasada,
onde milhões não se transformam em bilhões, e onde afirmações como “diminuir a
tributação sobre a renda dos pobres” deve ser desmentida, pois simplesmente é
falsa. Pode ser ótima numa conversa descontraída, mas se quisermos
realmente avançar com uma compreensão maior sobre algo quase nunca é a melhor maneira.
Por
fim, mostra que a raiva e o ódio só fazem mal a nós mesmos, e que mesmo sendo
processado, com razão ou não, o personagem central do filme não odiava ninguém,
postura que encorajo a todos os leitores desse espaço a colocarem mais em
prática nas suas vidas.
Eu
creio que a questão da tributação, como ela deve ser feita, como pode ser
melhorada ou aperfeiçoada, é central para o nosso país melhorar. A peça
orçamental, em minha visão, é o momento mais importante dentro de uma
Democracia, é o momento onde se discute para onde vão os recursos extraídos da sociedade,
e por quais motivos vai para um determinado lugar e não para outro. Esse
deveria ser o resgate da boa política no país, e creio que seria um tema
fundamental a ser enfrentado pelos aspirantes a presidente, governadores,
senadores e deputados no ano que vem.
Isso
só é possível quando o debate se dá de forma racional com base em fatos
concretos, não chavões repetidos sem se questionar se são verdadeiros ou não.
Seríamos um país bem melhor, se debates sobre progressividade ou
regressividade, complexidade do sistema tributário, etc, etc, fossem feitos de
maneira mais freqüente nas diversas esferas da sociedade.
Não
precisa ser uma questão de vida ou morte, de aniquilamento de quem pensa
diferente. Não, prezados leitores, não imite o modo “default” atual brasileiro, seja mais
inteligente, seja diferente.
Abraço
a todos!