Olá colegas! Estou com muitos temas na cabeça, e originalmente iria escrever sobre renda fixa. Porém, eu vi um comentário sobre a tendência de imóveis e alugueis dobrarem de valor real a cada 10 anos. Tal fato me fez elaborar o presente artigo para mostrar alguns dados históricos, e algumas premissas básicas sobre crescimento reais sustentáveis.
Primeiramente, toda vez que se fala em retorno real, está se dizendo um retorno onde a inflação foi descontada, portanto um retorno positivo significa um aumento no poder de compra e se negativo o contrário. Há algumas questões fundamentais sobre a inflação. Primeiramente, não se subtrai a inflação de um rendimento para saber o rendimento real, a inflação deve ser descontada. É impressionante como até economistas que falam na televisão ou são educadores financeiros famosos às vezes cometem esse erro primário.
A razão é simples amigos. Se houve uma inflação de 10% em um ano e um investimento rendeu 20% no ano, para medirmos o aumento do poder de compra a comparação deve ser com o final do período onde um valor de R$ 100,00 terá se transformado em poder de compra em R$110,00 (R$100,00 + 10% de inflação). Logo, o valor de R$ 120,00 (R$ 100,00 + 20% de retorno do investimento) deve ser comparado com o valor de R$ 110,00, e isso ocasiona diferenças.
A fórmula para se encontrar a taxa real de um investimento descontando a inflação é a seguinte:
Taxa Real = ( (taxa nominal + 1)/(inflação + 1) – 1
Continuando no exemplo, o retorno real de um investimento que teve rentabilidade em um ano de 20% com uma inflação de 10% é de : Retorno real = ((1+0,2)/(1+0,1)) – 1 = 9%
Portanto, o rendimento real não é de 10% no exemplo dado, o que aconteceria se apenas se subtraísse o rendimento nominal de 20% da inflação de 10%, mas sim 1% a menos. Pode parecer pouco, mas não é, imagine a grande diferença que isso faz num fundo de pensão com bilhões de reais sobre sua administração. Fica claro também que quanto maior a inflação, menor será o rendimento real, portanto um investimento com taxa nominal de 5% e uma inflação de 2% é muito melhor do que um retorno de 20% e uma inflação de 17%. Esse é um dos motivos porque países com altas taxa de inflação pagam juros reais maiores, e não apenas juros nominais maiores.
O segundo ponto importante é que os índices oficiais de inflação não refletem necessariamente a perda do poder aquisitivo de uma pessoa ou de uma família específica. Como assim, Soul? Os diversos índices de inflação nada mais são do que séries de números ponderados por algum critério. Ih, Agora complicou. É fácil. Um índice de inflação geralmente possui uma cesta de produtos: vestuário, alimentos, transporte, energia, etc. Cada tipo de produto possui um peso nesse índice, por exemplo, os alimentos podem ter um peso duas vezes maior do que o item transporte, por exemplo. Se a ponderação dos alimentos no total do índice for de 20% (e do item transporte de 10%), quer dizer que a cada alta de 1% nos alimentos corresponderá a um aumento de 0,2% no índice total e uma alta de 1% no item transporte vai afetar o índice em apenas 0,1%.
Soul, como é feita essa composição, como eles determinam o peso de cada variável no índice? Há metodologias, e elas podem ser encontradas no site do IBGE (para o caso de sabermos sobre o índice calculados por essa instituição). Não cabe aqui se discutir as metodologias para ponderação nos índices oficiais de inflação, mas apontar que a ponderação do IPCA pode ter uma estrutura muito diferente dos gastos de um indivíduo. O IPCA possui um item relacionado a mensalidades escolares, se um casal não possui filhos, muito provavelmente um aumento em 50% nas mensalidades não afetará em nada o poder de compra deles, apesar de afetar o índice oficial de inflação. Se uma pessoa possui um gasto maior do seu orçamento com comida (o que é o caso para a maioria dos pobres), a inflação com o item comida pode ter um peso maior do que na inflação oficial. Isso claramente está ocorrendo com o Brasil, onde o IPCA transita entre 5,5% a 6,5%, mas a inflação de alimentos em 2013 encerrou em 8,5% (http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/01/inflacao-oficial-fecha-2013-em-591-diz-ibge.html) . Portanto, os mais pobres estão sendo penalizados, e não é à toa a queda de popularidade da presidente.
Sendo assim, a medição do poder de compra é algo complexo e intimamente ligado aos indivíduos, porém é inegável que os índices oficiais de inflação, desde que o país seja sério (o que não foi o caso da Argentina que manipulou os seus índices de inflação nos últimos anos) é uma boa aproximação para o poder de compra de uma moeda para indivíduos e famílias.
Depois dessa breve-longa introdução sobre inflação e rentabilidade real, posso falar sobre o tópico central do artigo. O Brasil possui poucos dados sobre o seu mercado imobiliário. Infelizmente, não se tem dados confiáveis para períodos longos de tempo, e alguns dados são evidentemente falhos, como o índice FIP-ZAP que se baseia nos anúncios de venda de imóveis. Apesar destes problemas, há um índice brasileiro que mede razoavelmente bem o comportamento dos preços dos imóveis residenciais no país é o Índice de Valores de Garantia de Imóveis Residenciais Financiados, ou IVG-R publicado pelo Banco Central.
A maioria das vendas de imóveis no Brasil, até mesmo porque os valores envolvidos são muito altos para a esmagadora maioria dos brasileiros, é vendida por financiamento. É difícil saber exatamente o percentual de imóveis vendidos financiados por instituições financeiras, mas há estimativas que seja de aproximadamente 60%, contra 35% de pagamento à vista e 5% de financiamento do próprio dono do imóvel (http://revista.zap.com.br/imoveis/um-terco-dos-imoveis-vendidos-e-pago-a-vista/, os números são para o mercado de São Paulo).
Portanto é inegável que os imóveis financiados possuem uma grande relevância no mercado residencial brasileiro. Antes de o banco liberar o financiamento de um imóvel, um especialista, geralmente um engenheiro avaliador, precisa avaliar o valor de mercado de imóvel, pois é o próprio imóvel que servirá de garantia para o banco em caso de inadimplemento dos empréstimos. O IVG-R mede essas avaliações imobiliárias feitas pelas instituições financeiras ao conceder financiamentos imobiliários. É um índice bom que representa razoavelmente o comportamento de preço dos imóveis residenciais brasileiros. O único problema do índice é que ele remonta apenas há março de 2001, então a janela temporal é muito pequena, o que me leva ao próximo parágrafo.
Como sempre o mercado americano possui muito mais dados do que o brasileiro, quem leu minha série sobre REITs pode perceber isso claramente. Logo, o mercado americano é um bom ponto de partida para se analisar o comportamento de preço dos imóveis residenciais. Felizmente, os EUA possuem um índice que mede o valor dos imóveis residenciais desde 1890, ou seja mais de 120 anos. É o famoso Case-Shiller index Composite, elaborado pelos economistas Karl Case e o Nobel de economia Robert Shiller (mais informações aqui http://en.wikipedia.org/wiki/Case%E2%80%93Shiller_index) .
O índice já é ajustado pela inflação (sempre que se fala que alguma coisa é ajustada pela inflação, quer dizer que os rendimentos/evoluções mostrados são reais, esse tipo de ajuste é essencial para poder comparar dados de épocas tão distintas como 1920 com 2007, por exemplo), e teve início numa base 100 em 1890. Sendo assim, se o índice chegar a 200 quer dizer que o valor dos imóveis residenciais está uma vezmaior em termos reais do que em 1890, e se o valor for de 100 quer dizer que os imóveis estão basicamente com o mesmo valor real de 1890. Amigos, neste caso uma imagem, ou melhor um gráfico, vale mais do que mil palavras:
A tendência é clara. Os imóveis possuem uma discreta valorização real no longo prazo (no período de 1890 a 2012 foi de 0,3% ao ano), e quando há um descolamento muito grande dessa tendência histórica é um claro indicativo de que os preços estão sobreavaliados ou subavaliados. O período de 1995 a 2006 salta aos olhos, pois os preços dos imóveis subiram muito em relação a sua média histórica, o resultado , conhecido por todos, está consubstanciado no gráfico na severa retração nos anos de 2007-2008.
Por quais motivos os imóveis possuem essa tendência de apenas acompanhar a inflação no longo prazo? É difícil dizer, o professor Shiller dá algumas respostas interessantes: a) mobilidade, quando os preços de uma região ficam caros demais, as pessoas/indústrias/comércio se mudam, b) as restrições para construção vão sendo relaxadas pelo poder público, assim onde pode se construir um prédio de 10 andares passa a poder construir 30 andares, diminuindo o custo de se construir um aparamento por terreno, c) tecnologia que torna a construção de casas mais baratas, entre outros argumentos. Porém, não é o foco desse artigo discutir essa questão específica.
Depois de ver os resultados centenários do mercado americano, e nos acostumarmos com o grau de magnitude de mudança de preço real dos imóveis no longo prazo, eu posso apresentar o índice IVG-R de 2001 a 2014 retirado diretamente do site do Banco Central. É necessário destacar que diferentemente do índice Case-Shiller o IVG-R série temporal não é ajustado pela inflação. O início da série é em março de 2001 a valor 100 (http://www.bcb.gov.br/pt-br/paginas/banco-central-publica-serie-temporal-sobre-variacao-de-preco-de-imoveis.aspx).
Colegas, sem entrar na polêmica discussão se há ou não uma bolha imobiliária, o fato é que o gráfico é um pouco assustador. Ele mostra uma valorização real muito grande no período entre 2004 a 2014, muito maior do que a valorização no boom imobiliário dos EUA entre 1995-2006. Para percebemos melhor a valorização real dos imóveis nos últimos 10 anos basta olharmos o seguinte gráfico:
Durante os anos de 2007 a 2012, os imóveis residenciais valorizam 10% ou mais ao ano de forma real, chegando ao pico de 2010 com inacreditáveis 20% aa. Tais números em muito discrepam da longa tendência de valoração real verificada no mercado americano nos últimos 120 anos. É possível, porém, ver uma clara tendência de diminuição da valorização real dos imóveis. Portanto, talvez realmente não haja uma grande queda acentuada em valores como ocorreu em 2007-2008 no mercado imobiliário (o que não pode ser descartado totalmente), mas, e aqui é minha opinião pessoal, parece clara a tendência para os próximos anos de acomodação dos preços. Como a inflação aqui no Brasil é muito maior do que a inflação nos EUA, uma acomodação de preços em valores nominais, pode fazer que em 5/6 anos boa parte dessa valorização real seja “comida” pela inflação, se houver uma pequeno decréscimo nominal nos preços o vigor da queda da valorização real será ainda mais acentuado. Sobre esse tema há inúmeras opiniões, a perspectiva aqui adotada é baseada única exclusivamente na premissa de que a valorização real em períodos longos de tempo dos imóveis é discreta, como foi nos EUA. Pode ser que não seja o caso no Brasil, e que aqui possa haver uma expectativa de crescimento real dos imóveis no longo prazo, mas se houver essa tendência com certeza não será de 20%, nem tampouco de 5% (com essa taxa os imóveis dobram de valor real em 14 anos aproximadamente), mas talvez algo em torno de 1,5/2% ao ano.
O que dizer dos alugueis? Colegas, se os imóveis possuíssem uma tendência de crescimento real acelerado, os yields (percentuais) chegariam a níveis baixíssimos depois de pouco tempo. Tal fato pode ser comprovado pelo seguinte gráfico que mostra o declínio percentual do valor dos alugueis nos últimos anos devido à valorização real acentuada dos imóveis.
A explicação é simples. As dinâmicas atrás de valorações dos imóveis são distintas da valorização dos alugueis. O aluguel está nitidamente relacionado à renda per capta dos habitantes de um pais. Os imóveis financiados também estão, mas como os prazos para pagamento de um financiamento são longos, como é o caso no Brasil onde os financiamentos foram esticados para 30/35 anos, o impacto não é tão direito e imediato. Eu já li perspectivas otimistas de que o aluguel poderia crescer de forma real em 7% ao ano. Um crescimento desses é apenas otimismo, pois não encontra nenhuma correspondência com os dados econômicos.
De onde sai o dinheiro para pagar um aluguel residencial ou comercial? Da economia real. A economia real é afetada por diversas variáveis macroeconômicas. O que mede a possibilidade de aumento de renda de uma população é o aumento real do seu Produto Interno Bruto. Qual é o principal fator para o aumento do PIB? A produtividade da força trabalhadora. O que faz aumentar a produtividade? Basicamente investimentos e educação. De onde vem o dinheiro para se fazer investimentos? Basicamente da poupança interna de um país (e complementada com investimentos estrangeiros direitos em alguns países). Portanto, para um aluguel crescer 7% real ao ano, o que dobraria o valor do aluguel real em uma década, quer dizer que necessariamente a economia de um país deve crescer a taxa de 7% pelo menos, pois se uma empresa ou indivíduo vai pagar um aluguel em valor real dobrado daqui 10 anos, o dinheiro tem que sair de algum lugar.
Colegas, um crescimento real de 7% ou mais só foi atingido recentemente pela China, e a China possui inúmeras peculiaridades (ou ao menos possuía), como uma vasta população rural, taxas de investimento enormes e taxas de poupança interna gigantescas. Um crescimento dessa magnitude é tão fenomenal que ele não pode ser mantido para sempre, há um limite, e a China já está começando a esbarrar nesses limites. O Brasil com uma taxa de investimento ridícula, uma taxa de poupança incrivelmente baixa (os números são menos de um terço dos números chineses) não possui nenhuma condição estrutural de crescer nem remotamente perto de 7%, tanto é verdade que o nosso crescimento orgânico, segundo o FMI, possui um limite de 3,5% (http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,fmi-reduz-crescimento-potencial-do-brasil-para-3-5,168296e) , com o atual estágio da nossa produtividade, poupança, infraestrutura investimento. Esse 3,5% é o potencial se nós fizéssemos absolutamente tudo certo, portanto é uma taxa para lá de otimista. Portanto, o Brasil não vai crescer a taxas altas, pois o Brasil não apresenta condições objetivas para tanto. Logo, não é possível estimar, no mercado como um todo, é claro que pode haver alguma exceção setorial e geográfica, crescimentos reais muito acentuados, se é que vai haver algum, num período curto ou médio de tempo.
É isso colegas, espero que tenham gostado deste artigo. Um grande abraço a todos!