quarta-feira, 27 de agosto de 2014

ELEIÇÕES - GANDHI E A ALFACE

Olá, colegas! Estou preparando um artigo sobre taxa de retirada de um portfólio para fins previdenciários.  Sim, está relacionado com a taxa de 4% do estudo Trinity, na verdade houve um artigo anterior de Bill Bengen quatro anos antes desse estudo recomendando o 4% rule. Estou lendo diversos papers e é um assunto interessante, principalmente para as pessoas que almejam viver de renda passiva, ou se preparar melhor para a aposentadoria. Porém, o assunto hoje é outro, o tema tem como pano de fundo o debate entre os presidenciáveis realizados na data de ontem.

Eu não li, até porque não gosto de perder tanto tempo com isso, os diversos comentários sobre o desempenho dos candidatos. Porém, li um artigo do Sr. Rodrigo Constantino http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/democracia/o-debate-na-band-aecio-neves-foi-o-melhor-no-show-de-horrores/ e percebi que o discurso permanece o mesmo no Brasil. Eu particularmente não gosto dos textos do Constantino, pois eles são quase sempre extremamente agressivos e virulentos. Não é a forma que gosto de encarar as questões, pois dá a entender que só há um determinado tipo de resposta para questões cada vez mais complexas num mundo cada vez mais complexo. Além do mais, apesar de não apoiar tal forma de agir, a pessoa precisa ser muito, mas muito boa para ter esse tipo de postura, pois senão acaba caindo no ridículo quando pega uma pessoa mais preparada, e foi o que ocorreu quando vi um “debate” (não foi bem um debate, pois a diferença foi gritante) entre o Constantino e o Ciro Gomes  há um tempo atrás. Portanto, quer se agressivo e dono da verdade (isso não vai te trazer iluminação nem para si nem para os outros), seja ao menos muito bom.  

Entretanto, o artigo em tela não é para discutir as qualidades técnicas ou comportamentais do Constantino, mas pegar o seu texto como pano de fundo que demonstra para mim que algo muito errado está acontecendo, ou talvez sempre acontecesse e eu nunca me dei conta por ser jovem demais, com nossa sociedade.  Do que você está falando especificamente, Soul? Falo da incapacidade de ser ouvir o outro, aliás da completa falta de vontade de sequer reconhecer a existência do outro.

O Constantino fala que a Marina adotou uma “Postura de Gandhi”, o que é “muito irritante para quem não sonha em ´salvar o planeta´  só com uma bike e comendo alface”.  O que acho engraçado é que diversas pessoas no comentário da página dele o elogiavam, pois ele supostamente tinha feito uma leitura imparcial do debate. Colegas, você pode concordar com o que ele disse, e está em seu direito, porém a análise dele (e olha que peguei apenas duas frases) está repleta de falácias ad hominem e pré-conceitos (por gentileza não confundir com preconceito).  A análise dele pode ser esplêndida, o que não é na minha opinião, mas ela está longe de ser imparcial. Não há nenhum problema em ser parcial numa análise intelectual de um fato, apenas isso deve estar claro no texto, algo que não gosto é quando um ator faz uma defesa parcial de algo assumindo que está sendo imparcial.  Porém, continuemos.

Há uns meses escrevi um comentário, quase um artigo, num blog sobre a incapacidade das pessoas saberem conviver com opiniões diversas, e uma simples discussão de idéias descambar rapidamente para agressões e argumentos falaciosos da pior qualidade argumentativa.  Citei expressamente a polarização que esperava que fossem as nossas eleições. Para mim isso é um atraso de vida, pois de um lado vejo pessoas falando "petralhas" para tudo e de outro vejo (e tenho um primo petista que adora dizer isso) pessoas falando "coxinhas" para tudo. Sabe quem fica no meio e perdido no meio dessa cacofonia de agressões? O bom-senso e o verdadeiro embate de idéias.

A Marina, segundo o colunista, teve uma “Postura de Ghandi”, pois não assumiu lados explícitos na polarização que vivemos há duas décadas, como se não existissem outras opiniões possíveis.  Ela para mim teve um atitude admirável ao reconhecer os avanços tanto da era FHC, como da era Lula. Ora, com o FHC se estabilizou a economia, na bem da verdade foi o Itamar que deu o grande passo (um presidente quase nunca falado, mas que foi essencial ao Brasil), se criou avanços institucionais importantes e é inegável que o Brasil avançou bastante em algumas áreas. Com o Lula se focou, inclusive do ponto de vista do discurso, a questão da desigualdade absurda que existe no Brasil, e obtivemos diversas melhorias em vários campos: econômico, de saúde, de contas públicas,  etc. Não reconhecer isso no plano coletivo, algo que esta polarização sem sentido não permite,  é simplesmente fazer mais do mesmo, é condenar o Brasil a nunca ter uma visão do que quer ser num horizonte maior de tempo, pois como é possível construir um país pensando daqui 20 anos a frente se a cada 4 anos pode vir um grupo político e dizer que tudo deve ser feito novamente? Essa postura é ainda  contrária aos dados objetivos dos últimos 30 anos e da evolução do país em diversas esferas.

No plano individual, simplesmente é ter uma vida mais pobre intelectual e eticamente. A partir do momento que nos fechamos em verdadeiros quadrados mentais, a nossa capacidade de mudança e compreensão do mundo vai ficando cada vez mais estagnada. Isso é científico, e está relacionado com o conceito de neuroplasticidade, ou seja, a capacidade de se mudar e fortalecer conexões neurais. O nosso cérebro, ou seja tudo que nós somos e pensamos do mundo, não é necessariamente estático, ele pode ser dinâmico. Sabe por qual motivos é difícil mudar hábitos? Não por causa de uma força desconhecida que faz com que a pessoa aja sempre de uma determinada maneira, mas sim porque as conexões neurais para uma determinado tipo de resposta vão se fortalecendo cada vez mais, enquanto outras conexões neurais vão minguando. Portanto, para uma pessoa que está acostumada sempre a proferir xingamentos no trânsito, por exemplo, será sempre mais fácil se "entregar" a reações já completamente estabelecidas em sua rede neural, porém ao frear esse impulso "natural" a pessoa pode muito bem fortalecer outras conexões que poderão desencadear outros tipos de respostas quando os mesmos estímulos externos se fizerem presentes.
Legal Soul, você está querendo dizer exatamente o quê? A Marina é a melhor candidata? Olha, cada um pode ter a opinião que achar mais conveniente. Achar quem é o melhor candidato para ser o próximo presidente não é bem o tópico desse artigo. Além do mais, alguém pode realmente saber como seria um governo da Marina? Ou do Aécio? É imprevisível.  As pessoas não aprendem que muitos eventos são imprevisíveis. Há duas semanas um avião caiu na minha cidade natal e pode ter mudado os rumos de um país de 200 milhões de habitantes, algo completamente inesperado e com conseqüências muito profundas (sim um verdadeiro cisne negro), e as pessoas ainda acham que conseguem prever nos mínimos detalhes o que vai ocorrer se uma pessoa se tornar presidente.
O que eu posso dizer, entrando um pouco mais no tema na eleição propriamente dita, é que a classe política está apodrecida, muito por causa de conchavos políticos, do famoso “toma lá da cá”. Isso ocorre hoje, e ocorria com FHC.  Não é disso que todos reclamam? As pessoas não querem uma mudança na forma de fazer política? Portanto, quando alguém se apresenta como essa possibilidade, uma parcela considerável de pessoas rejeita de antemão essa postura. Se a rejeição fosse pelas ausências de qualidades técnicas seria compreensível (e pode ser bem verdade que as qualificações necessárias não existam), o que não é compreensível é a rejeição pela rejeição.
Por fim, o colega UB fez um post bem interessante sobre a possibilidade do diálogo no meio político (http://blogdouo.blogspot.com.br/2014/08/giannetti-x-mansueto-dois-pesos-uma.html). Será que não está na hora de termos debates mais qualificados e deixarmos de lado o discurso fácil e a argumentação capenga da ofensa? Eu acho que sim.
Ah, não poderia terminar o artigo sem dizer algumas palavras sobre o Gandhi, a Alface e a Bike. Primeiramente, Gandhi foi um ser humano extraordinário, com uma história de vida fantástica. Não conhece? Não precisa ler uma biografia , coisa que também não fiz, veja o clássico filme “Gandhi” ganhador de vários Oscar em 1981, se não me engano. Portanto, se alguém disser que você tem uma “Postura de Gandhi” fique feliz, pois isso deve ser encarado como um grande elogio. Coma mais alface, pois o seu organismo,  sua carteira e o mundo agradecem. Por fim, comece sim a andar de Bike, pois novamente o seu organismo, a sua carteira e o mundo agradecem.

Ah, como o mundo ia ser melhor se mais seres humanos tivessem posturas semelhantes, nem que em apenas alguns aspectos, ao notável Mahatma (grande alma) Gandhi. Tenho certeza que ele comia alface.
Grande abraço a todos!



sábado, 23 de agosto de 2014

REFLEXÃO - OS PERIGOS DA VITÓRIA

Olá, colegas! Resolvi esperar um pouco para escrever esse artigo para não escrevê-lo “no calor do momento”. O tema hoje é a vitória e como ela pode esconder problemas sérios. De outro lado como a vitória pode mostrar muito sobre um indivíduo ou um povo.

        Soul, como assim a vitória pode esconder problemas? Já disse algumas vezes que fui jogador de xadrez na minha adolescência. Viajei o mundo jogando xadrez e muito do dinheiro que eu tinha até o final da minha faculdade depositado em fundos de renda fixa era fruto de meus ganhos monetários jogando xadrez. Por que falo isso? Apenas para chegar ao Senhor Kasparov.

        Mesmo que a pessoa saiba pouco de xadrez, talvez o nome Kasparov não seja estranho. Ele foi durante muitos anos o melhor jogador de xadrez do mundo, muitos dizem que ele foi o melhor de todos os tempos. O Embate na década de 80 entre Kasparov x Karpov é algo absolutamente clássico na história do xadrez. Kasparov também foi jogador semi-profissional de futebol e depois que parou de jogar a nível altíssimo se envolveu com a oposição russa concorrendo inclusive contra o Putin em eleições majoritárias, ou seja, ele é uma pessoa extremamente ativa e eclética.

         Por que falo do grande enxadrista Kasparov? Há uns dois anos li o livro escrito por ele “Xeque-Mate: A vida é um jogo de xadrez”. Há passagens interessantes, mas a que mais me marcou foi quando ele analisa os perigos da vitória. Segundo a visão dele, não há nada mais perigoso do que a vitória, pois ela muitas vezes esconde falhas e fraquezas. Sabe aquele trader iniciante que acerta duas operações, mesmo que tenham sido operações com várias inconsistências, e na terceira operação resolve fazer com um capital 10 vezes maior e quebra? Pois é, nada mais é do que a vitória encobrindo as fraquezas. Quantas vezes não se observam analistas seja de futebol, de economia, ou de qualquer área do conhecimento tecendo louros para aqueles que venceram, sem ao menos fazer uma análise mais detida se a vitória ou o vencedor cometeu alguns erros ou demonstrou algumas fraquezas.

          Logo, precisamos sempre refletir se as nossas vitórias não podem estar escondendo alguns problemas sérios, principalmente quando o assunto é finanças. Será porque a minha carteira teve um retorno acima do CDI em alguns meses, ou em um ano, isso quer dizer que a minha estratégia está correta e de acordo com meus objetivos financeiros? Obviamente, não devemos desprezar a vitória, mas sim não nos tornarmos cegos por ela, e isso me leva ao segundo ponto desse breve artigo.

É um livro interessante. Conta um pouco a história do grande enxadrista Garry Kasparov.

       Quando alguém se torna vitorioso em alguma coisa, algumas manifestações duvidosas de caráter podem florescer de maneira inconsciente ou até mesmo consciente. Quando alguém “ganha” algum debate intelectual, ou claramente aparece em vantagem intelectual sobre determinado tema, por exemplo, infelizmente é comum que essa pessoa de alguma maneira tente diminuir o debatedor, muitas vezes o humilhando. É a vitória ou a vantagem cegando a pessoa e fazendo com que a mesma tenha comportamentos que não trazem a evolução dela, nem mesmo da outra pessoa, pois só quem é humilhado sabe a dor que isso pode significar.

       Pensem em alguém que tem sucesso material, ou seja, uma vitória financeira da vida, e como isso pode traduzir em comportamentos não muito positivos em relação a outras pessoas com menos sucesso financeiro. A vitória não apenas pode cegar para eventuais fraquezas, como ela pode fazer aflorar traços de comportamentos não muito agradáveis. 

      Por isso, foi com muita admiração que eu observei o comportamento Alemão na trágica (para os brasileiros ao menos) derrota do Brasil por 7 a 1.  Reflitamos sobre a situação: a Alemanha fez cinco a zero em menos de 30 minutos do primeiro tempo fazendo gols que mais lembravam futebol de salão colocando os jogadores brasileiros na roda, isso nunca nem remotamente tinha ocorrido em uma semi-final de copa do mundo, o jogo era no Brasil, os alemães perderam uma copa do mundo para o Brasil 12 anos antes e todos os olhos do mundo estavam voltados para aquela partida.

            O que será que os jogadores brasileiros teriam feito se a situação fosse a oposta? É difícil saber, e não quero aqui tecer julgamento de valor sobre algo que não ocorreu. Porém, não é despiciendo acreditar que muitos jogadores e muitas seleções talvez usassem essa chance histórica e única para simplesmente humilhar o adversário de uma maneira vexatória.

      O que os alemães fizeram? Eles simplesmente jogaram bola (eles até diminuíram o ritmo, senão poderíamos ter placares absurdos como 12 a 1), em nenhum momento procuraram humilhar nossos jogadores e inclusive ficaram até mesmo constrangidos com a situação.  Isso para mim mostrou caráter na vitória. Muitas vezes ouço a reclamação sobre alguma pessoa que não sabe ou não soube perder, mas poucas vezes, se é que já ouvi, alguém dizendo que uma pessoa não sabe ou não soube vencer, pois parece que a vitória é algo que tem o valor em si, parece que se basta para boa parte das pessoas, independente de erros ou fraquezas que essa mesma vitória possa esconder ou aclarar.

Mais do que nós admirarmos a vitória e os vitoriosos, também deveríamos admirar posturas bacanas daqueles que vencem. Vencer alguém não é sinônimo de humilhar o vencido. Infelizmente, nós enquanto sociedade estamos esquecendo essa importante lição.

            Por isso colegas, não devemos deixar que as nossas vitórias encobertem eventuais fraquezas, nem que nos tornemos excessivamente petulantes por elas.

            
            Grande abraço a todos!

terça-feira, 19 de agosto de 2014

REFLEXÃO - O ATO DE FÉ DE ALGUMAS IDEIAS: O ANARCOCAPITALISMO

               Olá, colegas! Hoje abordo um tema um pouco diferente.  A maioria deve ter conhecimento do IMB (Instituto Mises Brasil). É possível ler inúmeros artigos lá sobre os mais variados temas, mas a tônica geralmente é a mesma: o Estado é um mal e todos os serviços fornecidos por esse ente só são possíveis mediante a violência da expropriação de bens privados mediante o pagamento de impostos. Pois bem.

            Eu gosto muito de alguns artigos do IMB, principalmente aqueles feitos por um Senhor chamado Leandro quando ele aborda problemas econômicos atuais do Brasil.  Posso não concordar com algumas coisas, mas é muito interessante ver as análises econômicas dele, sempre muito bem embasadas.  Porém, esse final de semana fiquei sabendo de um conceito, para mim completamente novo, chamado anarcocapitalismo. Há dezenas de artigos lá sobre o tema (http://www.mises.org.br/Subject.aspx?id=16) e eu li alguns deles.

            A ideia básica é que não é possível uma sociedade realmente livre, próspera e eficiente quando há Estado, já que não há absolutamente nenhum serviço que não possa ser prestado pela iniciativa privada. Há muitos pontos para se abordar nessa ideia, mas a primeira questão que vem à tona e a segurança e a manutenção da ordem como fica? Não iríamos descambar para o caos completo, na “guerra de todos contra todos” prevista pelo filósofo político Hobbes? Não, segundo os defensores dessa ideia.

            Nos diversos artigos constantes no site sobre o tema há inúmeros motivos, racionais segundo os defensores, para que não haja nem mesmo a necessidade de uma segurança pública. Na parte de comentários, todas as críticas geralmente são respondidas com citações de outros artigos, entrando-se assim numa espiral de citações de artigos do próprio site.

            Entes privados de segurança não poderiam se tornar completamente ímpios e tirânicos? A resposta  fornecida, que não é bem uma resposta, mas o Estado já não o é? Ou geralmente, a resposta é de que se isso ocorresse o mercado se auto-regularia, e uma determinada entidade privada de segurança que não agisse em respeito a direitos naturais (só essa proposição de direitos naturais já é deveras complexa), basicamente o direito de propriedade,  seria excluída pelo mercado, pois ninguém iria querer mais os serviços dessa hipotética instituição privada.

            Quem iria estabelecer os limites do que é certo ou errado numa disputa entre dois entes privados? Os seus exércitos particulares ou arbitradores privados? Quem iria garantir a lisura desses arbitradores ou que o mais poderoso não fosse beneficiado? A essas perguntas geralmente a resposta é a mesma: e o Estado garante que o mais poderoso não prevaleça? Assim, fica-se como um cão perseguindo o próprio rabo, como esse argumento deste artigo (http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1540) :

E ainda assim há aqueles que alertam para o iminente apocalipse caso o estado desapareça.  A maioria das pessoas que acreditam em um governo limitado ("minarquistas") nutre essa ideia.  Mesmo grandes pensadores como Ludwig von Mises e Henry Hazlitt acreditavam nisso.  Todos eles aceitavam alguma versão do pesadelo imaginado por Thomas Hobbes: na ausência do estado, a vida seria sórdida, solitária, bestial e curta.  Mas o fato é que ele escreveu isso durante uma época de turbulência política, uma época em que tribos religiosas guerreavam para controlar o estado.  A vida sem o estado teria sido exatamente daquela maneira — mas exatamente por causa da presença do estado que todos queriam controlar, e não por sua ausência.

            Assim, o homem há 400 anos atrás se digladiava, divididos em facções religiosas numa época de turbulência política, o que pelo teor do argumento parece não ser mais o caso atualmente (Iraque, Síria, Sudão, Congo, Venezuela, Ucrânia, Irã, etc que o digam), e que essas lutas se davam para tomar o controle do Estado, mas se o Estado inexistisse talvez esses conflitos humanos não existissem. É, talvez.

            Há algum exemplo histórico de que isso já tenha ocorrido com a humanidade? Pensadores iriam dizer: sim, claro que há, e eles eram sociedades degeneradas e foi por isso que o Estado surgiu, pois os humanos, a partir de um determinado adensamento populacional, simplesmente não conseguiam resolver as suas disputas sem degenerar para a violência extrema sem a presença de um terceiro com autoridade para arbitrar o conflito.

            Sim, Soulsurfer, mas atualmente há algum exemplo? Eu não conheço. Eu creio que ambiente onde alguma organização como a Máfia controle seja uma aproximação. Veja, a Máfia é uma instituição privada, com sua própria segurança privada e que resolve os seus conflitos sem a necessidade de ingerência estatal. Pode se contra-argumentar, talvez com outro texto do IMB, de que isso não tem pé nem cabeça e enumerar diversos argumentos intelectuais sobre a eficiência dos entes privados e pode ser que eles façam sentido.

            Porém, parece que a realidade é que nunca vivenciamos, talvez apenas nos primórdios de nossa civilização, uma situação onde a violência não fosse monopolizada por um ente Estatal, e mais recentemente por um ente Estatal que deve obedecer a certos princípios (sim, os direitos humanos). Logo, todos os argumentos por melhores que possam ser (e eu não os acho bons, pelo menos no que toca a esse ponto do anarcocapitalismo) são apenas construções intelectuais. O pior são construções intelectuais não em Física ou Matemática, o que poderia nos fornecer algum grau de certeza, mas sim sobre o comportamento humano e sobre o homem com suas diversas falhas, contradições, etc.

            Sendo assim, acreditar no anarcocapitalismo, que pode ser a melhor solução (apesar de não concordar), é basicamente um ato de fé, nesse caso fé em idéias. Os anarquistas tradicionais do século 19 também defendiam idéias e quando colocaram em prática todos os experimentos se revelaram fracassos retumbantes. Marx também  baseou a sua “modelagem” de sociedade em idéias, não necessariamente no sucesso de alguma experiência histórica bem sucedida.

            Algumas pessoas talvez estejam dispostas a dar esse “salto de fé” em algumas idéias. O perigo é acordar num mundo muito pior daquele que as pessoas reformaram, pois simplesmente é impossível prever o que poderia acontecer com os humanos numa situação como essa.  Eu não compartilho esse entusiasmo messiânico por ideias, principalmente àquelas relacionadas a modelagem de uma sociedade.

           É isso colegas, em outra reflexão vou abordar alguns artigos sobre os países escandinavos e a pretensa “farsa” de argumentos que atribuem o sucesso desses países a alguma medida Estatal , e ver, por meio de números, se essa ideia bem propagada no IMB se sustenta ou não.

            Abraço a todos!



sábado, 16 de agosto de 2014

EUA - DESBRAVANDO OS MARAVILHOSOS PARQUES NACIONAIS DOS EUA

Olá, colegas! Volto hoje com mais um artigo sobre viagens. Falarei sobre um país apreciado por muitas pessoas da blogosfera: os EUA. Reparei que boa parte das pessoas prefere ir ou ouvir histórias sobre países mais desenvolvidos.  Quem sou eu para julgar preferências, porém eu  depois que comecei a andar por  lugares não tão glamorosos aprendi a apreciar muitas coisas na vida como satisfação com o que se tem, respeito à diversidade étnica e cultural, aprender que há diversas formas de se viver e a vida e se relacionar com outras pessoas e não apenas aquela que me foi ensinada pela minha família e pelo meu contexto social, entre tantas outras coisas.  Não sei, sinto-me numa experiência mais direta quando tenho a oportunidade de conhecer um país como o Nepal (que é fantástico) do que visitar algum país Europeu. Além do mais, tirante as questões de desenvolvimento humano, não há grandes diferenças entre o que acontece aqui e o que acontece em países europeus e nos EUA. Não se pode ter noção da grande diversidade humana apenas ficando restrito a estes lugares, o que pode dar uma falsa compreensão do mundo em que habitamos.

Porém, isso não quer dizer que não aprecio o mundo desenvolvido, claro que não. Há lugares fantásticos, muita cultura, muitas atrações, infra-estrutura, e tantos outros aspectos bem sucedidos que gostaríamos de ver em nosso país.  Falarei hoje sobre minha experiência em alguns parques nacionais americanos, bem como na incomparável Las Vegas.

Os EUA são um país com  inúmeros parques naturais belíssimos, e eu tive o prazer de visitar alguns deles.  Saí de San Diego na Califórnia com minha mulher e uma amiga para uma viagem sensacional. Primeiramente, as estradas dos EUA são impressionantes, bem sinalizadas, sem buracos e quando você está fora das vias principais praticamente se dirige sem mais ninguém na estrada. O plano era colocar o pé na estrada e rodar mais de 2.000Km e desvendar algumas belezas naturais da terra do tio Sam.

A primeira parada foi o Death Valley National Park localizado na divisa entre a Califórnia e o Estado de Nevada.  O lugar tem esse nome, pois é uma região inóspita, extremamente seca e quente. Eu apenas consigo ter um deslumbre de como deveria ser dura a vida das pessoas que habitavam aquela região há 100/150 anos.  O parque, como é muito grande e com muitas trilhas secundárias, pode ser um lugar perigoso, pois pode chegar a temperaturas acima de 50º C e o risco de desidratação é enorme. Quando estive lá ao invés de calor e secura, encontrei muito frio e chuva, mas a experiência mesmo assim foi fantástica.

É possível ficar vários dias lá explorando todas as trilhas e belezas do parque, mas eu fiquei apenas dois, o que já valeu a pena. Hospedei-me num cassino de beira de estrada, onde pude mostrar para um público de 10 pessoas todo meu talento como cantor cantando “Love me Two Times” do The Doors, minha mulher disse olhando a cara das pessoas enquanto cantava que fiz sucesso com as senhoras acima de 70 anos, talvez eu tenha potencial nessa carreira!

 Lugar lindíssimo, apesar de inóspito. O Death Valley tem inúmeras trilhas para se fazer a pé  e de carro (mas tem que ser um carro bom, pois tem algumas estradas que a condição é bem ruim).

A caranga da viagem. Acho que foi U$50,00 a diária, qual seria a diária de um carro desses no Brasil? Ponto para os States!

Rumamos então para Vegas, a cidade que nunca dorme, a “Disneyland for adults”. Como dizem por aí: “What happens in Vegas, Stay in Vegas”, então não posso dar tantos detalhes assim da viagem. Apenas digo que é uma cidade sensorial e feita para você esquecer conceitos filosóficos ou posturas éticas sobre dinheiro. Lá é para se gastar dinheiro com jogo, com festa, com comida e não se importar muito com conceitos. Os hotéis são luxuosos, os cassinos (que ficam dentro dos hotéis) são enormes, o fluxo de gente é sempre gigantesco, é uma cidade diferente de tudo o que eu já tinha visto. Eu como não consigo suspender o meu juízo crítico tive diversas reflexões sobre a vida naquela cidade, mas com certeza não deixei de aproveitar o que a cidade oferece. Recomendo e com certeza voltaria, até porque perdi US$ 300,00 doletas no Texas Hold e tenho que recuperar né (seria igual a postura de um “sardinha” no mercado de ações? Hehe)!

Las Vegas, cidade para deixar o seu dinheiro e para não refletir muito sobre o sentido da vida, ou refletir, mas deixar se levar pelos "vícios" humanos.

Com certo aperto no coração, pois a estada em Las Vegas foi acima das minhas expectativas (olha só as expectativas Executivo Pobre), partirmos para o Estado de Utah rumo a um dos lugares que seria um dos mais bonitos que já fui nesse planeta e não é tão conhecido dos  brasileiros: O Zion National Park.

Colegas, pense num lugar lindo e maneiro, esse é o Zion National Park. Ficamos num hotel numa cidadezinha bacana colada ao parque  pagando U$ 40,00 dólares por um quarto (o que nos EUA é relativamente barato). À noite, depois de fazer trilhas belíssimas, aproveitavamos o friozinho e comíamos uma bela pizza com vinho ou algum prato caseiro. Foi o lugar que mais curti da viagem.

Fizemos duas trilhas simplesmente inacreditáveis. A primeira chamada Angels Landing é uma que dura umas 6/7 horas  e você vai subindo uma montanha. Na parte final, você tem que se segurar em correntes, pois a trilha é muito estreita e do lado é simplesmente um precipício.  Bah, que visual lindo, no final da trilha nós três comemos um chocolate e ficamos olhando o horizonte do alto da montanha e foi uma sensação incrível.



 A trilha não é fácil, mas também não é para tanto. Porém, padrão de segurança primeiro mundo é isso aí, avisos sobre segurança em tudo que é lugar.
Fantástico o cenário (a foto também ficou belíssima e não é minha), reparem nas correntes para segurar para fazer a trilha.

Eu e Sra. Soulsurfer apreciando a vista.

No outro dia, fizemos uma trilha chamada Narrows. A trilha tem esse nome, pois ela é feita dentro de um rio em um canyon extremamente estreito. A água estava gélida, a temperatura fora também, alugamos roupas especiais para pode encarar a friaca e andamos sozinhos por umas 8/9 horas. Como estava muito frio, a exceção de umas poucas pessoas que encontramos durante a caminhada, não havia quase ninguém, o que não acontece no verão quando a trilha é bem movimentada tirando um pouco o encanto.  Foi uma experiência incrível  que sempre guardarei na memória, e quem sabe não volto para fazer com filhos?

 Soulsurfer em um momento de contemplação da natureza esplêndida da trilha Narrows.
Essa trilha foi demais (a foto não é minha). Pode ter certeza que tive muito mais prazer fazendo essas trilhas e vivendo no mundo presente (isso acontece quando se faz trilhas longas, você tem que se concentrar no momento presente) do que teria comprando algum bem de alto valor.

Depois de dias tão aprazíveis nesse parque rumamos para o famoso Grand Canyon  National Park. A estrada até lá foi incrível com muitas paisagens fantásticas. Infelizmente, não tivemos muita sorte, pois estava muito frio (chegamos a pegar -7°C de noite) e tinha muita serração,  o que impossibilitou de se ter um vislumbre melhor das paisagens do parque. Mesmo assim, foi maneiro visitar o parque e muitas histórias divertidas ocorreram nos dois dias que fiquei por lá. Após a visita ao parque retornamos para a cidade mais legal do mundo, e que tive o prazer de morar um tempo: San Diego. Vejo muitas pessoas com planos de emigrar, e não vejo nenhuma pensando na Califórnia  como alternativa. Se eu fosse morar nos EUA iria ser em lugar apenas a Califórnia, seja em San Diego, Santa Bárbara ou San Francisco.  Creio que é um local para as pessoas que querem sair do Brasil considerar.

Que friaca tava aquele lugar!


O tempo estava fechado, mas deu para aproveitar o Grand Canyon. É um local bem bacana e a maioria das pessoas vai para passar uma tarde, mas é um local que se pode tranquilamente ficar vários dias. 

É isso. Ao contrário do que pode parecer não tenho nada contra os EUA. Quando escrevo sobre algumas coisas, com meus parcos conhecimentos (ou como um gentil anônimo disse “uma cópia de retalhos da Wikipédia”), relacionadas a temas de guerras ou relações e falo que os EUA tiveram um papel negativo, isso não quer dizer que acho que tudo que vem de lá seja ruim, muito pelo contrário.  Precisamos saber separar as coisas.  Aprendi a gostar dos EUA depois de conhecer melhor, e se tem uma coisa boa de se fazer por lá é viajar, pois a estrutura é de invejar e as paisagens naturais são de tirar o fôlego.


Grande abraço a todos!

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

REFLEXÃO - SOBRE ALEGRIA, TRISTEZA E O IMPONDERÁVEL DA VIDA

                  Olá, colegas. Este meu artigo iria ser apenas sobre a alegria, porém depois do acontecimento de hoje, também tive que refletir sobre a tristeza e o imponderável. Comecemos pela alegria.

  Ontem, um Brasileiro ganhou a medalha Fields, conferir em http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/artur-avila-o-genio-brasileiro-cool-das-equacoes. Sou sincero ao dizer que não fazia ideia que esse prêmio existia. É conhecido como o “Nobel” da matemática. É um prêmio importante concedido a quatro matemáticos a cada quatro anos (outro fato interessante é que uma das ganhadoras foi uma matemática do Irã). Soul, por isso iria te trazer alegria?

                É claro que não dei pulos de alegria com a notícia, mas fiquei feliz ao saber que um brasileiro tão jovem tinha ganho um prêmio tão importante numa área que admiro tanto que é a matemática pura. Eu entendo pouco de matemática, mas tenho uma profunda admiração pela matemática e pela física.  Outra coisa muito bacana é que a área de estudo do Artur Ávila é matemática abstrata que pode vir ou não a ter aplicações práticas. Eu sempre achei esquisita a argumentação sobre  teoria e prática, e aqui não me refiro a ninguém em especial até porque isso é muito comum em nossa sociedade, colocando as duas em pontos antagônicos da existência humana, como se elas não fossem complementares e imprescindíveis uma para a outra, o que é um erro bem grave em minha opinião.  O conhecimento abstrato por si só já é engrandecedor, aliás como procurei ilustrar com a minha reflexão sobre as finalidades do dinheiro (http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/06/reflexao-as-tres-finalidades-do-dinheiro.html), porém nunca se sabe as conseqüências práticas da busca pelo conhecimento puro.

                Algumas pessoas que torcem o nariz para a busca do conhecimento por si só, talvez se surpreendessem ao saber que a internet, o celular, aliás, quase tudo que usamos como tecnologia, são frutos de pessoas que se dispuseram a pensar sobre o desconhecido às vezes sem qualquer finalidade prática em mente a curto prazo. É o que Artur Ávila faz. Ele trabalha com sistemas dinâmicos, ou seja, sistemas que evoluem com o tempo e que podem ser sensíveis a pequenas perturbações (está relacionado com a teoria do caos). Portanto, num país onde as boas práticas não existem e onde a teoria é mal-tratada, até por causa do nosso péssimo sistema educacional, para mim é uma grande alegria ver um brasileiro se destacando num ramo do conhecimento onde o pensamento abstrato é de suma importância.

                A toda evidência, eu não faço a mínima ideia dos pormenores matemáticos dessa teoria.  Entretanto,  ao reler “A Lógica do Cisne Negro” estou bem na parte onde o autor fala do matemático Poincaré e sua contribuição à ideia de sistemas dinâmicos e da limitação do conhecimento humano na possibilidade de prever eventos futuros,  da nossa cegueira epistêmica ao imponderável, e isso me leva ao motivo da tristeza.

Artur Ávila. Espero que a conquista desse rapaz sirva de inspiração para outros jovens brasileiros e que desperte um maior interesse pela ciência e pela busca do conhecimento em nossas crianças.

                No dia de hoje, um acidente aéreo ocorrido na minha querida cidade de Santos vitimou sete pessoas, uma delas o presidenciável Eduardo Campos. Em minha visão, a vida de qualquer ser humano é digna, e não creio que existam vidas mais importantes do que às outras. Por isso, a morte das outras seis pessoas, muitas delas jovens, de uma maneira tão inesperada é algo muito triste. Porém, é inegável que um  dos principais candidatos  à presidência possui uma posição mais proeminente e cause uma comoção nacional maior.

                Eu também não conhecia bem Eduardo Campos. Apenas sabia que tinha sido governador de Pernambuco, Estado onde tenho raízes familiares, com um altíssimo nível de aprovação e pelo que vi no jornal da cultura ele foi reeleito com uma das maiores quantidades de votos da história do Brasil. Ele era um político relativamente jovem e representava  talvez uma tentativa de fazer uma política diferente no país.  Poderia não ser ideal ou ter cometidos erros, mas com certeza ele era muito diferente dos Renans, Sarneys e tantos outros políticos profissionais que conhecemos e que o Brasil não suporta mais.

                O falecimento de um político como esse dessa forma inesperada  a dois meses das eleições é algo muito triste e ruim para o país. A política do Brasil, já extremamente enfraquecida, fica ainda mais frágil.  Isso, e provavelmente esqueceremos, pois nosso cérebro não é projetado para lidar com a extrema incerteza, apenas mostra como o imponderável é decisivo em grandes acontecimentos históricos. O que vai ocorrer agora? A Marina será candidata? Será que ela pode ter força para ganhar a eleição (algo que Campos dificilmente teria condições - talvez as maiores chances dele seriam para 2018 )? Difícil saber.  O que se pode dizer é que o imponderável, um Cisne Negro, ocorreu hoje no Brasil e as suas conseqüências são impossíveis de estimar. Não é demais lembrar que a morte de Tancredo Neves mudou completamente a história recente do nosso país, pois muito provavelmente o nosso país seria outro com ele no poder do que foi com José Sarney, principalmente num momento tão crítico como foi o período da transição de uma ditadura para um regime democrático. Cito uma bela frase do Eduardo Campos proferida em sua entrevista ao Jornal Nacional ontem: "Não vamos desistir do Brasil. É aqui onde vamos criar nossos filhos, é aqui onde temos que criar uma sociedade mais justa….”
               
Eduardo Campos. Podia ter os seus problemas e suas falhas (qual ser humano não as tem), mas ele sinalizava com a possibilidade de se pensar uma política mais alinhada com os anseios de boa parte da população.


                Alegre e triste com o Brasil em menos de 24 horas, como a vida é dinâmica.  Eu particularmente não sou muito fã de mídias sociais, mas observei que muitas brincadeiras de gosto duvidoso estão sendo feitas com o acontecimento.  Às vezes penso que o “pseudo” anonimato da internet traz à tona algumas características lamentáveis dos seres humanos, porém creio que temos que aprender a conviver com isso, pois não parece um fenômeno passageiro.  Ficam aqui os meus parabéns ao brasileiro Artur Ávila e os meus sentimentos às famílias de todos que pereceram no acidente de hoje.


Um abraço a todos.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

FII - ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE ASPECTOS FUNDAMENTAIS: PATRIMÔNIO X RENDA

        Olá, colegas! Hoje faço um artigo bem mais breve (para alegria de alguns:P), e volto um pouco às raízes de início desse blog que foi a análise de FII. Fiz uma breve atualização do estudo feito por mim no começo desse ano para dois fundos. Por que esses dois fundos? Como são fundos com distribuição não completamente linear, é sempre bom estar atualizado, pois a renda média não fixa tanto na cabeça como em fundos muito mais estáveis como um XPCM ou um BBPO. Além do mais, esses fundos não são tão novos, o que permite que se faça uma análise um pouco melhor sobre os dados e os resultados dos fundos. Coloco abaixo a análise e peço que prestem atenção principalmente às partes sublinhadas.


RBRD11 – Quatro imóveis voltados para logística  (10% do faturamento), varejo (60% do faturamento) e também escritórios (30% do faturamento), localizados no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Norte.  Fundo administrado pela Votorantim. Três locatários, sendo que um deles (Ampla) paga o aluguel anual em outubro, isso faz com que o rendimento tenha um comportamento parecido com o FIIP11B. Os contratos são de longa duração (2024/2025). O fundo está protegido contra eventuais rescisões pela existência de multas contratuais que prevêem o pagamento de aluguéis até o fim do contrato. O fundo tem uma participação pequena em logística com 10% e uma grande participação de lojas de varejo (retaliers) alugadas para a empresa  LAEDER.  Projetando-se um rendimento para 2014, tendo como base os aluguéis mensais e o aluguel anual da AMPLA, e um IGP-M e IPCA de 6% (o fundo possui contratos reajustados pelos dois índices) , pode-se esperar um rendimento de  R$ 7,4 anual  , algo em torno de R$0,62 por mês na média, por quota (em 2011 foi de R$ 6,00, em 2012 de R$ 6,4 e em 2013 de R$6,97, mostrando uma evolução interessante e uma proteção da renda) o que dá um yield de razoáveis 0,86 % am e 10,3% aa com quota a  preços atuais de R$72,00 (agosto de 2014) , o que é um patamar bem interessante pela segurança do fundo tendo em vista a boa diversificação geográfica, bem como a longevidade dos contratos, o que dá fôlego para o fundo agüentar uma eventual crise econômica e/ou imobiliária. Despesas na ordem de 4% do faturamento, o que é muito bom. Taxa de administração de 0,21% do PL do fundo.  O Valor Patrimonial da quota está em R$ 77,00, sendo assim a quota está sendo negociada com um leve deságio patrimonial. Volume não é grande, mas é razoável.  É interessante notar que a cota foi lançada em novembro de 2010 por R$74,12, portanto quase não houve valorização nominal da quota em quase quatro anos (é de se destacar que em 2011 houve uma amortização de R$4,00 por quota).

Avaliação: Ótimo. Contratos longuíssimos com bons locatários, rendimento atual bom.

 Risco: Baixo. Não vejo riscos significativos para esse fundo no curto/médio prazo.


FIIP11B – Fundo de logística e de locação para lojas de varejo. Particularidade de ter contratos corrigidos pelo IPCA (contratos longos com fim de prazo entre 2018-2024, a exceção do imóvel de Ilhéus que vence em dezembro de 2016 e representa 13% do faturamento do fundo). Razoavelmente diversificado com vários locatários e vários imóveis. Outra particularidade é uma certa diversificação geográfica, o que é sempre bem interessante para a carteira de FII (imóvel no Paraná, Bahia, Minas Gerais e São Paulo). As despesas de administração são relativamente baixas em relação a outros FII (algo em torno de 3% do faturamento). Há uma particularidade também que a AMBEV paga o aluguel anual em janeiro, o que faz que o rendimento mensal seja um pouco inferior nos outros 11 meses. Renda projetada para esse ano de R$ 15,8 anual, com uma média de R$1,31 mensal - com aluguel anual da AMBEV – (distribuição nos anos de 2010 - R$ 12,86, 2011- R$ 13,65, 2012- R$ 14,21 e 2013- R$ 14,97, o que mostra que a renda vem sendo protegida contra a inflação), o que dá um yield de razoáveis 0,87% am e 10,5% anuais com quota a R$ 150,00 (o que é muito parecido com o yield do RBRD) em agosto de 2014. Há uma particularidade de que o fundo possui apenas direito de superfície em relação ao imóvel localizado em Tatuapé e alugado a CA. O direito se extingue em 2047. Aparentemente não é um grande problema, pois representa 6% do faturamento do fundo. O valor patrimonial do fundo é de aproximadamente R$ 172,00, o que dá um deságio de aproximadamente 15%, o que é interessante e de certa forma mitiga o risco do imóvel com direito de superfície. Outro detalhe é que nos imóveis alugado para AMBEV e para a Magazine Luiza quase metade dos terrenos estão desocupados, o que com certeza pode ser usado para construção de outros galpões, o que pode trazer ganhos de valor no médio/longo prazo para o quotista.  É interessante notar que a cota foi lançada em dezembro de 2009 de 2009 por R$142,37, portanto houve uma valorização nominal da quota discreta de apenas 7%, muito abaixo da inflação do período. Sendo assim, os rendimentos foram protegidos da inflação, o valor da quota não, por isso é essencial reconhecer que a função precípua de um FII é gerar fluxos de caixa razoavelmente protegidos contra a inflação, o ativo subjacente pode sofrer desvalorização real como no presente caso.

Avaliação: Ótimo. Não há problemas aparentes. Os contratos são longos, há vários locatários e vários imóveis. O yield atual é bom. Foi um dos fundos onde a quota se manteve mais estável durante a baixa generalizada de 2013 e do começo desse ano.
Risco: Baixo. Os contratos possuem preço de locação competitivo, o que dá força para o fundo em um eventual cenário econômico adverso.


          O ponto principal que quero chamar atenção, e que sempre procurei colocar nesse blog, é como, pelo menos para nós pequenos investidores, é importante saber qual é a função de um ativo e o que esse ativo pode e não pode entregar. Sempre procurei ressaltar, e isso vem já do segundo post desse blog http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/01/fii-pessimo-negocio.html, que a função precípua da classe de ativo fundos imobiliários é gerar fluxos de caixa razoavelmente protegidos contra a inflação. Por que isso é importante? O colega Bob Lucas me indicou um texto (há dois artigos atrás) muito bom sobre a crise das aposentadorias escrito pelo economista e ganhador do prêmio nobel (sim, eu sei que não existe prêmio nobel de economia, mas é como se diz na prática) Robert C Merton que pode ser conferido em http://www.hbrbr.com.br/materia/crise-no-planejamento-da-aposentadoria 

            O ponto fundamental do texto é que a preocupação central da esmagadora maioria dos aposentados é a renda que um portfólio pode produzir, e não necessariamente o tamanho do portfólio. Sendo assim, os gestores dos grandes fundos de pensão pelo mundo deveriam mudar o foco de suas estratégias, pois o foco deve ser a geração de renda, ou seja fluxo de caixa, e não necessariamente de crescimento patrimonial ou estabilidade da mesma. Não irei analisar o artigo, pois os argumentos do Professor do MIT são fortes por si só e recomendo fortemente a leitura do artigo que é muito interessante.

           Soul, e qual é a relação disso com o seu artigo e principalmente com os FII? O motivo é simples. Ativos e configurações de patrimônio diversas podem produzir fluxos de caixa e expectativas de crescimento distintas. Um aposentado, ou uma pessoa com necessidade de fluxo de caixa porque quer viver de renda passiva (meu caso e o desejo de muitos blogueiros), talvez deva direcionar o seu portfólio para um configuração que privilegie mais a geração de renda. Se vocês prestarem atenção nas duas partes sublinhadas na análise dos dois fundos, perceberão que foi exatamente isso que quis salientar, a diferença entre o fluxo de caixa e a diferença da valorização patrimonial.

             Conforme consta na análise, tanto o fundo RBRD, como o FIIP, foram capazes desde o lançamento há alguns anos atrás, de produzir fluxos de renda estáveis e crescentes, o que demonstra que foram ativos apropriados para a geração de fluxo de caixa e para proteção inflacionária. Logo, se uma pessoa gastasse toda renda recebida no ano 2011, sem o reinvestimento, o mesmo teve o poder da sua renda mantido (claro que aqui vai depender da inflação pessoal de cada um, mas estou simplificando para ficar mais fácil a análise), logo essa espécie de ativo teria cumprido a função para uma espécie de investidor que está mais interessado na renda do seu patrimônio, os aposentados no artigo do Professor Merton, e os independentes financeiramente nos nossos objetivos pessoais enquanto investidores amadores.

                  Porém, se olharem a parte final da análise de cada fundo, perceberão que o patrimônio não cresceu, aliás teve desvalorização real, já que o valor nominal das quotas no mês de agosto de 2014 é quase igual ao valor nominal das quotas no lançamento nos anos de 2009 (FIIP) e 2010 (RBRD). Isso quer dizer que em termos patrimoniais, não estou considerando reinvestimento já que parto do pressuposto que a pessoa está consumindo o fluxo gerado, a pessoa ficou mais pobre em termos reais. Logo, uma pessoa que investiu nesses fundos manteve a mesma qualidade de vida já que o seu fluxo de caixa foi razoavelmente protegido da inflação, apesar de ter ficado em termos reais mais pobre. Se essa situação perdurasse por 10 anos, por exemplo, e os fluxos continuassem a ser protegidos, seria indiferente para um aposentado que o seu patrimônio diminuísse em termos reais. Porém, o fato é que no caso desses fundos houve prejuízo real.

              Soul, vou parar de investir em FII, pois não sou aposentado, minha IF está longe e não quero perder patrimônio. Calma, colega! Não estou dizendo que as quotas não irão se valorizar nem mesmo nominalmente no longo prazo, aliás isso é o mais provável que aconteça, como aconteceu com os REITs em períodos longos de tempo (quatro décadas). O nosso mercado ainda é muito novo e os dados são de períodos muito curtos e eu peguei apenas dois fundos. Além do mais, essa é uma das razões (respondendo a uma pergunta feita pelo colega Economicamente Incorreto no blog do Guardião do Mobral) dos qual  yields de alugueis residenciais estarem tão dissociados dos yields dos FII atualmente (sim, há outras elementos, esse é um deles), já que se a cota não se valorizou nem nominalmente em quatro anos, e a renda é cada vez mais crescente, isso quer dizer que o yield atual necessariamente tem que ser maior. Eu creio que o prêmio de fundos de tijolos em relação a alugueis residenciais para pessoas físicas está extremamente exagerado e creio que não se sustentará no longo prazo (mais de 10 anos), mas isso é apenas uma suposição.

              Portanto, os FII possuem algum risco se o seu foco é o aumento patrimonial e se o seu horizonte de prazo é relativamente curto como menos de cinco anos. É natural que pessoas jovens com patrimônios menores foquem no aumento patrimonial e pessoas com mais idade ou com um patrimônio maior foquem na geração de fluxo de caixa. Portanto, precisamos sempre ter em mente quando formos investir num ativo as suas qualidades mais evidentes, e ter em mente o que o ativo poderá produzir, e o que dificilmente ele poderá produzir. 

            Grande abraço a todos!






domingo, 10 de agosto de 2014

REFLEXÃO - A INFÂMIA, A MENTIRA, O MASSACRE E A CRIAÇÃO DE UM MONSTRO

"A verdade sai do poço, sem indagar quem se acha à borda" (Machado de Assis - 1865)

"A distinção entre ilusão e verdade está na diferença de suas funções vitais. A ilusão vive da verdade - a verdade tem sua vida em si" (Novalis - 1798)

                Olá, colegas! O artigo de hoje pode não ser do interesse de muita gente, mas é uma das áreas do conhecimento que mais gosto: geopolítica. Além do mais, creio que os assuntos tratados estão  de certa maneira ligados com o tema do meu último artigo http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/08/reflexao-incompreensao-sobre-os.html.
Não vou tratar com profundidade todos os assuntos abordados, pois isso redundaria em dezenas de páginas escritas e um trabalho muito grande, apenas lançarei alguns fatos e reflexões. Sobre o que é exatamente o artigo que com esse nome parece o filme de um faroeste italiano? É sobre uma história, na verdade várias histórias, e como ações impensadas, ou melhor dizendo ações que comprometem certos princípios, podem levar a resultados desastrosos.

                No dia 11 de setembro de 2001, o impensável iria ocorrer, um gigante cisne negro se abateu sobre os EUA e  viria a transformar o mundo de forma profunda.  A história todos sabem, mas quem poderia imaginar que um dos símbolos máximo do capitalismo mundial seria derrubado e a fortaleza do exército americano seria atacada? Os EUA foram atacados em próprio solo, algo extremamente raro na história de uma das nações mais poderosas de todos os tempos. Aliás, muitos pensadores e historiadores atribuem ao isolamento geográfico dos EUA uma das explicações para o seu desenvolvimento notável, já que é quase impossível atacar os EUA militarmente em seu território.Entretanto, o impensável ocorreu, e num ato de infâmia quase 3.000 pessoas foram assassinadas, fora os milhares de trabalhadores de resgate que iriam sofrer problemas de saúde principalmente de causa respiratória.

A potência econômica e militar do mundo foi atacada no seu coração financeiro. Um ato que pegaria a todos de surpresa, e uma prova cabal de que o mundo é muito mais imprevisível do que nossos modelos e analistas gostam de pensar.

                A resposta veio como se imaginava, os EUA iriam para guerra, pois um ataque desses não poderia sair impune. Poucas semanas depois os americanos bombardeavam o Afeganistão, pois este país, que era controlado por uma milícia fundamentalista religiosa chamada Talibã, permitia que campos de treinamento de grupos terroristas se desenvolvessem em seu território. O suspeito número um era um sujeito chamado Osama Bin Laden, supostamente líder uma organização chamada Al Quaeda.

                Para quem não sabe, Osama vinha de uma família extremamente rica da Arábia Saudita (o principal aliado dos EUA na região, um regime fundamentalista wahabista onde decapitações públicas ainda existem e onde mulheres possuem pouquíssimos direitos), e resolveu largar todas as riquezas e posses de uma vida nababesca (acreditem, os homens mais ricos da terra estão naquela região) para ir para o montanhoso Afeganistão se tornar um mujahideen (uma tradução literal seria “aqueles que estão em Jihad”) contra a invasão da Antiga União Soviética. Imperioso destacar que os EUA ajudaram os mujahideen. Portanto, num primeiro momento Osama foi aliado do governo norte-americano.

Filme "Jogos de Poder", é um filme bacana sobre a participação americana e seu apoio aos mujahideen no começo da década de 80
De aliado dos americanos a grande inimigo. Podem falar o que quiser, mas Osama podia estar num iate de algunas centenas de milhões de dólares com dezenas de mulheres estonteantes (talvez o sonho de boa parte da população masculina ocidental), mas trocou tudo isso para viver em cavernas por causa de um ideal. O ideal dele era grotesco e repugnante na minha opinião, mas mostra quão devotado à sua causa o mesmo era e que devoção a uma causa não necessariamente leva a grandes atos de desenvolvimento humano e espiritual

                A batalha contra o Talibã foi vencida rapidamente pela diferença de força dos exércitos, mas a guerra nunca seria vencida, pois os afegãos são conhecidos na história por  ser um país de guerreiros e os mesmos já enfrentaram em sua tumultuosa história várias outras potências estrangeiras, mas esse é um tópico para outro artigo. Com as principais batalhas encerradas no Afeganistão, a bateria de guerra americana virou-se contra um antigo amigo, que tinha se tornado inimigo nos anos mais recentes, o infame Saddam Hussein.

O alvo era agora outro antigo aliado que se tornou inimigo. Isso mostra que quando fazemos aliança apenas por conveniências, sem nos importamos com os aspectos morais e principiológicos, o resultado acaba sempre sendo desastroso (pode colocar nessa linha de raciocínio qualquer coisa: política partidária, se associar com alguém para empreender, etc, etc)

                A Comunidade Internacional se posicionou fortemente contra o ataque ao Iraque, ao contrário da primeira guerra do golfo no começo da década de 90 onde o apoio internacional foi maciço. Como se justificar uma guerra sem apoio? Aliás, como justificar qualquer coisa quando não se tem apoio? Muitos políticos apelam para uma antiga prática humana: a mentira.

                Os EUA estavam dispostos a atacar o Iraque, com anuência ou não da ONU, mas precisam de um motivo, independente se ele fosse verdadeiro ou não. O Iraque é de uma importância singular na questão energética mundial, um inimigo dos EUA estava no poder desse país e de brinde ainda poderiam isolar um dos maiores inimigos  dos EUA: a República Islâmica do Irã. Parecia um prato cheio para os EUA irem à guerra e gerar centenas de bilhões de dólares em contratos com empresas de segurança privada (apenas esse tema já merece um artigo), de armas e grandes empreiteiras para a  reconstrução do país que seria arrasado pela máquina de guerra. Antes de continuar com a nossa saga no Iraque, creio ser importante falar um pouco sobre a antiga Pérsia. Farei uma brevíssima digressão da história recente dos EUA e de sua relação com o Irã.

                O Irã sempre foi um dos países mais progressistas da região, e na década de 50 tinha elegido democraticamente Mohammed Mossadegh para primeiro-ministro.  Este senhor era nacionalista e possuía metas ousadas como nacionalização do petróleo iraniano e outras políticas não alinhadas com as principais potências ocidentais. Como talis políticas se opunham a interesses econômicos principalmente ingleses, Mossadegh viria a ser deposto num golpe com a ajuda da CIA, naquilo que seria a primeira participação americana num golpe de estado em outro país. Assumiu o poder no país, com apoio de EUA e Inglaterra, o Xá Mohhamad Reza Pahlavi. O governo do Xá foi transformando-se numa ditadura sanguinária, onde a família do xá e a elite iraniana viviam em extremo luxo e a população em situação cada vez mais miserável, fora os assassinatos e torturas políticas. O governo do xá foi tão brutal que grupos tão heterogêneos como comunistas, estudantes universitários e fundamentalistas islâmicos se uniram e em 1979 conseguiram derrubar o governo, no que ficaria conhecido como a revolução iraniana.

Um dos primeiros líderes populares que viriam a ser derrubados com ajuda dos EUA no século passado (Mossadegh)
Xá Reza Pahlavi com sua família
Um levante popular de proporções gigantescas viria a derrubar o regime sanguinário e ditatorial do Xá.

                Todos os demais espectros da política iraniana que não os de origem religiosa perceberam que não haveria espaço no novo Irã, e o país viu o retorno do exílio na França do líder supremo religioso o Ayatollah Ruhollah Khomeini que iria transformar o Irã num regime teocrático. As relações entre EUA e Irã deterioram-se de vez quando milhares de manifestantes exigindo que o Xá fosse extraditado de volta para o Irã(ele tinha fugido do país e se abrigado nos EUA) invadiram a embaixada americana em Teerã e fizeram dezenas de americanos reféns. Esse episódio é muito bem retratado no filme “Argo”. Pouco tempo depois o Irã entraria em guerra com o Iraque, país que era comandado por um jovem chamado Saddam Hussein, numa guerra extremamente mortífera que levaria a morte de mais de um milhão de pessoas segundo algumas estimativas. Adivinhem que armou o regime de Saddam?
O líder supremo da revolução iraniana: Ayatollah Ruhollah Khomeini. Este homem transformaria o Irã num regime teocrático. É necessário salientar que o Irã é a antiga Pérsia um dos reinos mais poderosos que existiram na antiguidade da humanidade.
A guerra Irã x Iraque, pouco conhecida por nós ocidentais, foi atroz. Guerra química, guerra de trincheiras (o que lembra um pouco a primeira guerra mundial, onde quase não se avançava territorialmente  e a mortalidade era muito grande) e um número muito grande de pessoas mortas.
Foto  reveladora: Donald Rumsfeld (que viria a ter um papel importante no governo Bush filho e na segunda guerra do golfo) confraternizando com o mas novo aliado americano o Sr. Sadam Hussein


                Sim, num primeiro momento Saddam virou aliado dos EUA, assim como Osama Bin Laden, seguindo a lógica magistralmente colocada no muito bom filme “O Senhor das Armas” de que o “inimigo do meu inimigo é meu aliado”.  O tempo passou, Saddam entrou em guerra com os EUA no começo da década de 90 e agora iria entrar em guerra de novo.  Toda essa digressão serviu para mostrar como os eventos podem tomar rumos inesperados no longo prazo, será que quando a CIA apoiou o golpe de estado contra Mossadegh na década de 50 tinha noção do que poderia ocorrer? Os EUA tentaram combater um suposto “mal” e criaram um “mal” muitas vezes pior.

                Os EUA precisavam de um motivo para atacar o Iraque. Associar Saddam Hussein a Osama Bin Laden como alguns tentaram fazer não seria crível, pois o Iraque nunca permitiu campos de terroristas em seu território, aliás Saddam era conhecido por não gostar de grupos como Al Quaeda. Qual foi a melhor estratégia então? Criar medo e assustar, pois as pessoas com medo e assustadas são dispostas a apoiar qualquer coisa que se destine a eliminar as causas que originam o medo.  Assim, os EUA inventaram a história de Armas de Destruição em Massa que o governo iraquiano possuía, sendo, portanto, uma grave ameaça  não só à região, mas como também à segurança interna americana.

                Ora, o Iraque estava quebrado depois de mais de uma década de pesadas sanções econômicas, e o seu exército estava enfraquecido.  Não havia nenhum relato confiável de inteligência de que o Iraque possuía armas de destruição em massa operacionais para colocar em risco a estabilidade da região, muito menos para ameaçar os EUA.  Portanto, um país usou de uma mentira para justificar moralmente uma guerra. Quando se mente para qualquer coisa, não se pode esperar que o resultado final seja bom. Porém, quando se mente para ir para uma guerra onde vai ocasionar a morte de dezenas de milhares de seres humanos é algo gravíssimo.

 Filme sensacional sobre a história de uma agente da CIA ameaçada pelo governo americano por revelar a mentira da existência da compra de urânio pelo Iraque de um país Africano (uma das principais "provas" dos EUA para a existência de armas de destruição em massa por parte do Iraque). Recomendo.
            
                       Em 20 de Março de 2003, os EUA iniciavam a segunda guerra do golfo. Uma guerra que dura até hoje, apesar da retirada das tropas americanas em 2011, que ceifou a vida até o ano de 2013 de aproximadamente 174 mil pessoas, sendo que entre 110/120 mil pessoas eram civis (http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-03-17/guerra-do-iraque-contabiliza-174-mil-mortes-em-dez-anos). Essa está sendo uma guerra horrorosa, com diversas violações de direitos humanos e massacres de civis. Os EUA que sempre foram conhecidos por um país que lutava pela liberdade e garantias fundamentais dos povos (pelo menos do ponto de vista teórico-moral, principalmente por causa da lembrança da segunda guerra mundial, onde os EUA tiveram um papel decisivo na derrota do Nazismo) chegaram ao fundo do poço do ponto de vista ético e de princípios com casos de abusos, torturas, assassinatos prisões arbitrárias e ilegais. Um grande massacre ocorre e continua ocorrendo no Iraque, um país que há uns 50 anos atrás era relativamente pacífico e próspero.

Uma das cenas infames da infame prisão de Abu Ghrabi. Não, a Tortura e a humilhação não levam a nenhum lugar, apenas a mais ódio. Alguns falam que o presidente Obama fez os EUA perderem destaque na agenda internacional geopolítica. A verdade, além de questões de surgimento de outros pólos de poder econômico e militar (no caso da Rússia de ressurgimento), é que os EUA perderam legitimidade depois de mentirem para invadir o Iraque e de abusarem de direitos humanos com tortura e prisões ilegais. Quando se perde a legitimidade, se perde a habilidade de se posicionar como uma parte legítima em conflitos próprios ou de terceiros.

                As ações sempre geram conseqüências, como procurei demonstrar com a minha brevíssima digressão sobre as relações entre EUA x Irã nos últimos 60 anos.  Qual é a conseqüência da guerra americana no Iraque baseada numa mentira, e com inúmeras violações de direitos humanos? Há várias conseqüências, mas uma é completamente aterradora e sinistra: criou-se um monstro.

                Com a desintegração do regime de Saddam e o vácuo de poder que ocorreu, houve um extenso rearranjo de forças no Iraque. Tensões religiosas que eram mantidas sobre controle no governo Hussein voltaram com toda força no Iraque. O país possui uma maioria xiita e uma minoria sunita e para agravar a situação ainda possuem uma minoria étnica ao norte; os curdos (a história dos curdos merece um artigo em específico). Saddam Hussein era sunita, e com a queda do seu regime os xiitas viram a chance de retomar o poder, em muito apoiado pelo Irã que é um país com a imensa maioria da sua população xiita, alijando e muitas vezes perseguindo os sunitas do Iraque. Onde há ressentimentos, onde há divisões, há o surgimento de lideranças mais propensas a violência e ao radicalismo. Foi o que ocorreu no Iraque.

                Um grupo chamado aqui no Brasil de ISIS pelas letras da abreviação em Inglês, Islamic State in Iraq and Syria (porém o mais correto seria ISIL - Islamic State in Iraq and the Levant, pois a região do levante é muito maior do que a região da Síria), é uma organização que surgiu em meados de 2005/2006. O seu objetivo principal é a criação de um califado (que abrangeria o território de muitos países, pare se ter ideia até com partes no continente africano) com a aplicação da Sharia, a lei estrita dos Muçulmanos.  O grupo é tão extremista que até mesmo a Al quaeda renega o grupo. O ISIS está simplesmente espalhando o terror e o horror no Iraque e na Síria, parecendo que estamos vendo alguma cena saída da idade média. Estupros coletivos, assassinatos coletivos, cabeças cortadas, conversões forçadas ao islamismo, perseguição cruel a outros grupos étnicos e religiosos, é simplesmente um horror.

                É um horror que está ficando cada vez mais poderoso. O grupo já controla boa parte do território Sírio e Iraquiano. O grupo vem tomando reservas de petróleo e nessa semana tomou a principal reserva de água do norte do Iraque. O grupo pode simplesmente deixar boa parte do Iraque sem eletricidade, pode inundar partes do país e pode trazer uma instabilidade para o lugar mais instável do planeta (sim, infelizmente é possível). A situação é tão grave que os EUA foram obrigados a reiniciar operações militares no Iraque esta semana, algo que não faziam desde 2011, para impedir o avanço do grupo na região do Curdistão, numa cidade onde há um consulado americano (já pensou cabeças de americanos cortadas e colocadas em varas de madeira, algo que o ISIS está fazendo, e transmitida a cena grotesca para todo o mundo?). Se alguém quer ver algumas cenas bem tristes e saber mais sobre o que está ocorrendo veja http://edition.cnn.com/2014/08/07/world/meast/stopping-isis/index.html?iid=article_sidebar.

                Sim, criou-se um monstro.  Como esse monstro vai ser contido, se é que vai ser, é algo que não se sabe.  Esse monstro foi criado, claro que o motivo não é apenas esse, mas ele tem grande explicação, por uma mentira e pelos abusos de direitos humanos. Talvez as raízes para criação desse monstro tenham sido plantadas quando a CIA ajudou o golpe de estado contra Mossadegh na já distante década de 50. É difícil saber. O que podemos ter certeza é que as ações têm conseqüências, violações graves de direitos humanos produzem conseqüências negativas e muitas vezes imprevisíveis e quando se usa a desinformação e a mentira o resultado nunca pode ser positivo.

                Portanto, colegas, talvez poucos tiveram a paciência de ler até o final, até porque esse tipo de assunto pode ser interessante para mim, mas não para outras pessoas. Porém, aos que chegaram até aqui fica a lição de que a violência arbitrária sem a preservação de garantias mínimas e sem uma justificativa moral forte, quase sempre produz apenas mais violência arbitrária e as vezes conseqüências muito piores do que o imaginado. Portanto, antes de apoiar um pai batendo ou tendo um comportamento agressivo, antes de regojizarmos ao ver um bandido sendo espancado por uma multidão enlouquecida, antes de apoiarmos medidas de força que podem estar baseadas em argumentos frágeis ou mentirosos, devemos lembrar que essas ações geram quase sempre efeitos negativos muito intensos.  O Brasil também possui o seu monstro criado, baseado num massacre e em pressupostos no mínimo contestáveis, e pretendo abordar esse tema qualquer dia desses.

                Abraço a todos!