sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

LIVRO LEILÃO DE IMÓVEIS - PERGUNTAS - SUGESTÃO DE LEITORES


Olá, prezados leitores. Sim, a enrolação foi e está sendo grande. Já falei sobre esse tópico algumas vezes no blog, mas resolvi fechar um ciclo: terminar de escrever um livro sobre leilão de imóveis. De vez em quando, eu participo de uma reunião de homens chamado “Brotherhood”. Nos encontros, se discutem temas como vulnerabilidade, sagrado masculino e feminino, empatia, entre um monte de outros temas. As conversas se dão em roda, depois de uma janta preparada pelos participantes, há cantos em sintonia, e como o rapaz que é uma espécie de coordenador é descendente de tupis guaranis, a parte final foi uma espécie de meditação coletiva em torno de uma fogueira.

É incrível quando vem pessoas novas e nunca pararam para refletir a respeito dos diversos temas, ou, por causa da forma que nossa sociedade trata esses temas, nunca se sentiu num ambiente que assuntos tão essenciais para uma boa vida pudessem ser discutidos de forma franca e de boa-fé. É possível às vezes também perceber como questões pessoais das mais simples às vezes são tão prevalentes em algumas pessoas pelo simples fato delas nunca terem refletido a respeito sobre outra prisma. Raiva, frustração, medo, desejos e imposições sexuais, papel do homem na sociedade, na família, etc, etc. E é bem bacana ver que uma simples conversa de algumas horas, alguns gestos como cantar com outros, olhares de respeito, podem realmente transformar a pessoa, ou ao menos colocar numa boa direção para uma mudança positiva em sua vida.

            Por causa da paternidade, eu vou poucas vezes a esses encontros. Entretanto, quando vou, sempre saio com bons insights e com uma “boa energia”. Nas rodas de conversa, só é permitido um falar, e o outro que vai falar em seguida não quer contestar a fala anterior, mas apenas colocar a sua própria visão. Eu acredito muito em debates genuínos e sinceros de ideias, mas é muito interessante quando você se despe dessa postura e apenas ouve o que os outros têm a dizer. Enfim, só falo tudo isso, pois o tema final da conversa do último “Brotherhood” do ano foi rituais e fechamento de ciclos. A discussão sobre rituais, ainda mais vindo de um descendente indígena, foi bem interessante e instrutiva, mas foi sobre o fim de ciclos que deu um clique maior. 

Foi dito por um rapaz sobre a experiência de um pesquisador australiano sobre como comunidades aborígenes são diferentes na forma de pensar sobre projetos. Ao invés de duas fases como planejar e executar, geralmente comunidades aborígenes trabalham com quatro fases: sonhar (muitas vezes coletivamente), planejar, executar e celebrar. Eu achei incrível refletir sobre a celebração no fim de um ciclo. Eu sou um cara, comparado com o padrão vigente à minha volta, bem tranquilo e relaxado. Porém, é incrível como minha mente passa de uma função à outra, muitas vezes não celebrando o fim de um projeto/ciclo, antes de se preparar para mais uma empreitada.

Enfim, toda essa conversa me fez perceber que eu preciso fechar esse ciclo de escrever pelo menos um livro, e que com certeza eu celebrarei o resultado, para que possa estar pronto para sonhar com mais um projeto.

O livro está quase pronto (pelo menos do ponto de vista da escrita), e possui umas 500-550 páginas. Não há nada parecido escrito em português, e imagino que possa ser útil para advogados, juízes, leigos, interessados em leilão, apenas curiosos.  Quero agradecer aqui publicamente um leitor que me mandou um e-mail (e ainda não respondi, o que peço desculpas) que gentilmente me encorajou a terminar o projeto e inclusive fez uma revisão de português de uma pequena parte do livro que disponibilizei nesse blog há um tempo. Obrigado, amigo. O seu e-mail uns 40 dias atrás foi um incentivo para eu retomar, apesar de toda a “correria” que é ser um pai presente, esse projeto.

Pois bem. O livro será dividido em Três partes, mais ou menos assim:

PARTE I – 120-120 páginas
- Introdução. – 15 páginas
- Conceitos Fundamentais de Finanças – 25 páginas
- Finanças Comportamentais aplicadas à leilão de imóveis – 30 páginas
- Conceitos Fundamentais de Direito Imobiliário – 35 páginas
- Direitos Reais de Garantia – 15 páginas

PARTE II – (essa é a parte mais difícil para leigos, mas tentei deixar o mais claro possível) – 270-280 páginas
- O Leilão Extrajudicial – 90 páginas
- Defesas do Devedor em relação a um leilão extrajudicial – 35 páginas
- O Leilão Judicial – 140 páginas
- Leilão Judicial x Extrajudicial – 15 páginas
E mais umas 40-50 páginas de anexo em decisões judiciais que resolvi tirar do corpo da obra e colocar num anexo para quem tiver interesse, conforme sugestão de um leitor desse blog.

PARTE III – ASPECTOS PRÁTICOS 130-140 páginas
- Casos Práticos e Análise – algo em torno de umas 40 páginas (fiquei feliz que já tinha escrito algo em torno de 30 páginas e nem me lembrava)
- Acordo de Desocupação Voluntária – 25 páginas
- Perguntas e Respostas – Umas 30-35 páginas (razão desse post)
- Pós-Leilão. Venda. Reforma. Corretores – Ainda não escrito (creio que umas 20-25 páginas)
- É Ético comprar imóveis em leilão? (umas 15-20 páginas) – ainda não escrito

            É isso. Ainda não decidi se vou fazer um curso de vídeos aulas, ou simplesmente publicar o livro. Tem um monte de coisa para fazer e não faço a mínima ideia ainda como irei proceder: fazer imagens e diagramas, revisão do português, edição, diagramação, etc, etc.

            Se você prezado leitor, quiser ajudar (e muitos leitores foram de extrema valia) olhe as perguntas abaixo e veja se existe alguma dúvida que você por ventura possa ter que não está nas indagações abaixo. Esse capítulo é como uma série de perguntas e respostas que fui colecionando ao longo dos anos, quase todas as respostas para as perguntas estão no decorrer do livro de forma mais técnica e minuciosa, mas achei interessante fazer um capítulo apenas com as perguntas específicas.


1)      Como Saber Dívidas de IPTU e Condomínio? Quais Dívidas Poderão Ser De Responsabilidade Do Arrematante?
2)      Quais São Os Outros Custos Na Compra De Um Imóvel Em Leilão? O ITBI, A Escritura E O Registro Imobiliário
3)      Quais São As Melhores Estratégias Para Se Dar Lance Num Leilão?
4)      Qual A Periodicidade Para O Monitoramento De Leilões? Como Saber Se É O Momento Adequado?
5)      Comprar Qual Tipo De Imóvel? Casa, Apartamento ou Terreno?
6)      Quanto É Necessário De Dinheiro Acumulado Para Participar De Um Leilão?

7)      Comprar Um Imóvel Leiloado Para Moradia É Uma Boa Ideia?

8)      Qual É Uma Boa Margem De Lucro De Um Leilão?
9)      O que Pode Dar Errado? É Possível Perder O Dinheiro?
10)  Quanto Tempo Para Tomar Posse Do Imóvel Arrematado? Se Houver Uma Família Ocupando Leva Mais Tempo?
11)  Qual É O Menor Preço Que Se Pode Pagar Num Imóvel Leiloado (preço vil)?
12)  Quanto Se Paga De Imposto Na Venda Do Imóvel Arrematado Em Leilão? E Se a Arrematação For Feita Via Pessoa Jurídica?
13)  Funcionários públicos de qualquer ente federativo e qualquer Poder podem participar de leilões judiciais? Em quais casos são proibidos?

14)  Advogado, como escolher um? Quanto Custa?

15)  É Importante Ler O Edital Do Leilão?

16)  Venda Direta, o que é? Melhor ou Pior do que comprar em Leilão?
17)  É recomendável comprar imóvel em leilão de forma alavancada?
18)  Como Funciona O Leilão De Direitos Creditórios?
19)  O Autor Do Livro Já Sofreu Algum Prejuízo Comprando Imóvel Em Leilão?


É isso aí, um grande abraço!

domingo, 13 de outubro de 2019

UM HOMEM SAUDÁVEL POSSUI MIL DESEJOS, UM HOMEM DOENTE APENAS UM


Eu estava há mais ou menos um mês ouvindo uma entrevista interessantíssima do Joe Rogan com Naval Ravikant (um grande investidor em start-ups), quando o entrevistado citou uma frase de uma força profunda: “A Healthy person has a thousand wishes, a sick person has one. Eu não sei se é algum provérbio, se algum sábio disse isso, mas ela possui uma verdade fundamental sobre a existência humana.

Provérbio Indiano? Não sei, não fui atrás para pesquisar, mas que é uma verdade fundamental da existência humana, ah, isso é.

                Eu, ainda bem, sempre tive um sistema imunológico forte (talvez por ter sido amamentado e amado quando criança, quem sabe?), é muito difícil eu ficar doente. Lembro, porém, no ano de 2003 fiz uma viagem com a minha mãe para a região de Bonito e do Pantanal do Mato Grosso. Lugares fantásticos. No final da viagem, entretanto, fui acometido por uma dor de barriga forte.  Tudo que era colorido perdeu a cor naqueles últimos dias. É impressionante o que uma dor forte faz com a pessoa, como a vida fica muito mais difícil, como tudo ao redor parece não fazer sentido. Apenas consigo imaginar as pessoas que sentem dores intensas todos os dias, o martírio que não deve ser.

                Sim, uma pessoa saudável tem milhares de desejos, uma pessoa doente apenas um.  Aos vinte e pouco anos, isso parece algo distante.  Quase todos dessa idade possuem uma boa saúde. O corpo humano é tão fantástico que ele consegue aguentar agressões vindas de dietas horríveis, noites mal dormidas, stress, falta de exercício físico, sem que o corpo colapse quando se é jovem. O sistema de reparo (melhor dizendo os centenas de caminhos metabólicos de reparo) do corpo funciona a todo vapor.

                É verdade que o estilo de vida atual é tão anti-natural, que até mesmo jovens estão ficando doentes e frágeis. Imagina essas pessoas aos 50-60 anos, qual não será a qualidade de vida delas.  Eu já não tenho mais 20 anos, mas sim quase 40. Sinto diferença já de como eu era há 20 anos, e imagino que se eu chegar aos 50, a diferença será ainda mais aguda. Isso mesmo estando treinando forte, com um físico razoavelmente torneado (é a primeira vez que os six pack aparecem em mim).

                Há mais ou menos 18 meses mergulhei fundo no universo da nutrição, otimização de vida, marcadores de saúde, etc.  Para um não profissional e sem treinamento formal, posso falar que realmente fui e estou indo fundo. Já devo ter lido dezenas, quiçá, centenas de papers científicos. Um paper científico não é aquele artigo de blog ou livro escrito para agradar o leitor, geralmente é uma leitura árida, com termos técnicos incompreensíveis para quem não é da área (o que faz com que se precise pesquisar ainda mais para poder entender).  Li também centenas de artigos, dezenas de livros, ouvi centenas de horas de podcast com cientistas, pesquisadores, informação de alto nível.

                Tem sido uma jornada e tanto. Já pensei em fazer medicina, mas desisti. Meu amigo blogueiro Frugal falou “por que não faz nutrição?” e passou pela minha cabeça tentar fazer esse curso numa universidade como a Universidade da Califórnia de San Diego. O campus dessa universidade é na frente da praia de La Jolla, o lugar é simplesmente fantástico, além de ser uma universidade TOP. Imagina voltar a estudar animado num lugar como esse, criando minha filha numa das cidades mais fantásticas que já conheci? Porém, não sei se é caro, se eu teria condições de entrar, etc, etc. Mas isso mostra que o caminho de tentativa de melhorar a compreensão do meu corpo realmente me levou por uma jornada incrível de conhecimento.

Uau, imagine voltar a estudar numa universidade como essa, tendo um enorme interesse pela matéria?

                Nessa minha busca por conhecimento, cada vez fui mais reparando como vivemos numa sociedade com hábitos de certa maneira doentios, como prestamos muita atenção em coisas que não tem tanto valor, e como simplesmente ignoramos aspectos fundamentais de nossa vida.  Algo como a frase de Oscar Wilde de que nem tudo que tem preço possui valor, e nem tudo que tem valor possui preço, e muitas pessoas são cegas a isso.



                O fato mais assustador, porém, é como as pessoas não tomam responsabilidade de sua saúde, como acreditam cegamente nos profissionais de saúde, e como muitos destes não estão preparados nem para diagnosticar problemas de saúde evidentes.  Tome-se como o exemplo o hormônio insulina. Ou, melhor dizendo, a resistência à insulina, ou síndrome metabólica. 

                Numa pesquisa feita nos EUA, chegou-se a conclusão que pelos parâmetros de saúde metabólica, apenas 12 em cada 100 americanos eram saudáveis. Sim, 88% da população americana não possui um metabolismo saudável. Isso sim é uma crise sem precedentes, isso sim mostra a decadência de um povo, isso sim é “o que tem valor, mas não necessariamente preço”.  Aliás, nem a última frase possui sentido, pois os gastos de saúde com certeza serão um enorme estorvo para os americanos, seja num sistema de saúde público, seja num sistema de saúde privado. A política  de saúde pública, ou privada, ou individual, mais barata para um indivíduo e uma sociedade como um todo é apostar na qualidade de vida e em hábitos saudáveis.

                Eu imagino que os números brasileiros possam ser melhores, mas não muito melhores.  Se assim o é, por que raios quase nenhum médico pede nem mesmo um exame de insulina de jejum? O correto, e todos deveriam fazer, especialmente depois dos 35 anos, é medir a insulina depois de uma carga de glicose e fazer a sua curva. Esse exame criado pelo grande Dr. Kraft é a forma mais certeira de detectar com antecedência que está em maior risco de desenvolver complicações metabólicas. Dr. Kraft fez milhares de testes e descobriu que se este teste fosse rotineiro, isso na década de 70 (de lá para cá o problema só piorou), algo em torno de 75-80% das pessoas poderiam ser consideradas com diabetes, o que ele chamou "diabetes in situ". Porém,  quem faz esse exame? Qual médico pede esse exame? Eu nunca vi ninguém. Eu, por exemplo,  já fiz duas vezes.

Se você não for o Padrão I de resposta insulínica a um teste de tolerância de glicose , você está rumando para inúmeros problemas de saúde na sua segunda etapa de vida (45-85 anos).


                Portanto, as pessoas, principalmente depois dos 35 anos, vão andando por aí, sem fazer a mínima noção de como a saúde delas realmente está.  As pessoas se enganam que uma pessoa saudável ou não se pode perceber apenas pelo peso. Isso é um erro, e dos mais grosseiros.  Sim, a obesidade se correlaciona com inúmeras doenças, mas cada vez mais acredito que a obesidade é um mecanismo de defesa do nosso corpo contra às agressões externas. Na verdade, a adiposidade subcutânea é protetora, o grande problema é adiposidade dentro de nossos órgãos, chamada visceral.  Pessoas obesas tendem a ter as duas, mas pessoas “dentro do peso” podem tranquilamente ter gordura visceral, são os chamados TOFI (Thin Outside Fat Inside – Magro por fora Gordo Por dentro).

                É possível até mesmo que algumas pessoas obesas possuam na sua maioria adiposidade apenas subcutânea, sem muitos malefícios metabólicos.  Aliás, pesquisadores acham que esse é um dos motivos da diabetes estar explodindo em países asiáticos como a China e Índia. Brancos de origem européia parecem ter mais “capacidade” de acúmulo de gordura subcutânea, enquanto orientais possuem uma “capacidade” muito menor. Logo, asiáticos são muito mais suscetíveis ao acúmulo de gordura visceral.

                Bom, isso foi apenas uma digressão sobre insulina e adiposidade. Eu testo algo em torno de 50-60 parâmetros a cada seis meses em mim.  Aliás, é um médico leitor desse blog que faz os pedidos para mim, o que eu agradeço bastante. Na última bateria de exame, resolvi checar um marcador chamado Lp(a) ou Little P(a). Quase ninguém checa, ainda mais no Brasil, esse marcador. O que ele é? Bom,  vou tentar explicar de forma muito resumida.

                Existem substância hidrofílicas e hidrofóbicas. As primeiras conseguem “navegar” sem dificuldades em meio aquoso, as segundas não. Já ouviu falar de vitaminas lipossolúveis?  São vitaminas hidrofóbicas, elas não conseguem circular no nosso sangue livremente. As vitaminas A, E e K são lipossolúveis.  O colesterol, por exemplo, é uma molécula que tende a ser hidrofóbica (na verdade, é um pouco mais complexo do que isso, pois o colesteril-ester, ou seja o colesterol esterificado é hidrofóbico, e o colesterol livre é moderadamente hidrofílico ,mas deixemos essa minúcia de lado)

Demorou para eu aprender sozinho. O colesterol é essa estrutura com quatro anéis e uma cauda saindo no carbono número 18 se não me engano. No carbono 3, há um grupo OH. Esse grupo faz com que a molécula seja um pouco hidrofílica, é o chamado free colesterol. Porém, para ser transportado no centro de lipoproteínas o colesterol precisa ser esterficado. Esterificar é apenas substituir o grupo OH no carbono número 3 por um ácido graxo, o que torna a molécula de colesterol daí completamente hidrofóbica.

                O colesterol é uma molécula vital.  As membranas de todas as células possuem colesterol. Vários hormônios possuem o colesterol como precursor. Nossos neurônios para funcionar apropriadamente precisam de colesterol. Como o colesterol é hidrofóbico, ele não pode “navegar” livremente no sangue, ele pega “carona” no que chamamos de lipoproteínas.

                O que são Lipoproteínas? É uma mistura de lipídios com proteínas, sendo que a proteína geralmente é a parte hidrofílica e uma espécie de manto, ou seja, o que permite a “navegação” no sangue, sendo que os lipídios mais hidrofóbicos como o colesterol estereficado é transportado no centro da lipoproteína.

                Existem diversos tipos de lipoproteína, sendo o LDL (Low Dense lipoprotein) e o HDL (High Density Lipoprotein) os mais conhecidos (há diversos outros VLDL, IDL, Chylmicrons e subtipos de LDL  e HDL – pré-beta HDL, HDL2, HDL3, etc). Como curiosidade, uma lipoproteína como o HDL é mais densa, pois ela possui mais proteínas e menos lipídios, e como o peso molecular de proteínas geralmente é muito maior do que lipídios, isso confere ao HDL uma maior densidade, ao contrário do LDL.

Uma conceituação artística de uma Lipoproteína

                Quando se começa a estudar um pouco mais colesterol, e o assunto é extremamente complexo, o que chamaria de grau zero sobre colesterol e transporte de lipídios (o grau menos um é o que a gente lê em blogs de saúde ou no em conversas de dia a dia), é que não existe colesterol “bom” ou “ruim”, o que existe são lipoproteínas diversas que carregam o mesmo colesterol. Portanto, o colesterol chamado de “ruim” carregado numa lipoproteína LDL é rigorosamente a mesma molécula do colesterol “bom” carregado numa lipoproteína de HDL.

                Existem uma variedade enorme de proteínas em cada Lipoproteína, num HDL já foram catalogados mais de 100 proteínas diversas. As principais são APOE, APOC-II, APOC-III, APOA-1, APOA-2 e APOB100. Cada uma possui uma função específica, e foram necessários alguns papers e entrevistas para eu entender o esboço geral da coisa.

Depois de muitas horas de quebra-cabeça, posso dizer que entendo, ao menos de um ponto superficial, todas as setas dessa esquematização, e sei o que representa todas as letras (SRB1, ABCA1, LCAT, CETP, etc). A coisa é alguns graus mais complexo do que se ouve de LDL"ruim"e HDL "bom"

                A proteína APOB100 seria a mais importante na família das lipoproteínas LDL. Se a coisa não fosse complica o bastante, há ainda outra proteína que pode-se ligar a algumas lipoproteínas que possuem a APOB100, e ela se chama apo(a) (em minúsculo, para diferenciar da APOA-1 presente em HDL).  E aqui, depois de um resumo gigantesco, chegamos ao meu exame da Lp(a) que é um exame que tenta de maneira aproximada medir a quantidade de apo(a) num determinado indivíduo.

A LP(a) é essa proteína que parece um fio de telefone antigo acoplado numa Lipoproteína LDL (Apob100). A ligação se dá por um ligação dupla sulfídica o que torna o elo entre essas duas proteínas muito forte.  Se a coisa ainda não fosse complicada, cada apo(a) varia de indivíduo para indivíduo e isso altera o peso molecular e a concentração. Tecnicamente falando, há uma variação de isoformas (ou seja de formas), baseado no número de repetições de Kringles que ocorrem no Kringle IV - subtipo 2. Na imagem acima, no canto superior direito, o K4-II possui diversas cópias, e já o K4-II abaixo possui poucas repetições. Quanto menor o número de repetições, maior parece ser o risco de eventos cardíacos.

                E por qual motivo medir o Lp(a)? Porque essa proteína vem sendo associada em estudos epidemiológicos e genéticos (ramdomizações mendelianas) como um risco independente para doenças cardíacas. Em alguns casos, a depender da quantidade, os riscos são muito aumentados, na esfera de 100-150%.

                Não vou entrar em detalhes sobre a Lp(a), e olha que quando descobri que o meu nível era altíssimo eu mergulhei de cabeça em dezenas de papers sobre o tema,  mas é a “nova fronteira” em pesquisas médicas sobre lipídios e doenças do coração. O Lp(a) é determinado geneticamente, apesar de evidência anedóticas é muito difícil alterar a sua concentração, e não há qualquer tratamento atual que diminua a sua concentração drasticamente.

                Resolvi testar o meu nível de Lp(a) crente que, como a esmagadora maioria da população, seria baixo, pois nós temos a falsa sensação de que coisas desagradáveis não vão ocorrer com a gente, mas apenas com os outros. Lembro da minha sensação há 40 dias, quando eu abri o resultado do exame na tela do computador e vi o meu número. Eu simplesmente gelei, e uma sensação de pânico tomou conta de mim.  O meu número não era apenas maior do que o que é considerável aceitável,  mas era três vezes e meia maior.

                Foi um choque. Nos dias que se seguiram, eu tive uma sensação de “Dead Man Walking”, olhava para minha filha e imaginava se eu a veria com 15-20 anos, ou se morreria de algum evento cardíaco antes disso.  Entretanto, e aqui entra o “empoderamento” de saber por conta própria como pesquisar fontes sérias sobre o assunto, e foi o que fiz.

                Com o passar das semanas fiquei mais tranqüilo, até me consultei em Porto Alegre  com o famoso Dr. Souto (foi a primeira vez que paguei uma consulta na vida), e consolidei alguns conceitos sobre a minha situação.  O meu Lp(a) elevado não é uma “doença”, é um fator de risco apenas. Obesidade, hipertensão, tabagismo, história familiar de doença cardíaca, doença auto-imune (como artrite), resistência à insulina, sono de péssima qualidade, stress e diversos outros também são fatores de risco.  Sendo assim, se eu estiver bem relação a outros fatores de risco, e atualmente acredito que eu esteja muito bem, talvez esse fator de risco nunca venha a se manifestar e muito menos precocemente (isso é, antes dos 70-80 anos).

          Para se ter ideia, ser pré-diabético (algo que talvez metade dos brasileiros sejam), aumenta o risco de doenças cardíacas consideravelmente, talvez na faixa dos 300-400%.  Stress, por incrível que pareça, li um estudo feito na África do Sul que pessoas com alto grau de stress financeiro e na vida em geral, comparada com as com menos stress, tinham um risco aumentado de 1.200% para eventos cardíacos.

                Porém, a única forma de saber se uma pessoa apresenta doença cardíaca não é por meio dos fatores de risco, mas sim olhando diretamente se já houve alguma agressão nas artérias, especialmente as que abastecem o coração, as artérias coronarianas. E a forma mais simples de fazer, é fazer um exame de escore de cálcio. Foi o que fiz.

                Essa semana saiu o resultado, e quando o escore veio 0, um alívio percorreu o meu corpo. Ter um escore de cálcio de Zero para alguém com 39 anos é o normal. Porém, vai que eu tivesse um escore positivo, ou pior ainda, um escore de 150-250, eu estaria rumando ao desastre nos próximos 15-20 anos.

                Sim, eu trocaria algumas centenas de milhares de reais para ter uma Lp(a) bem diminuída, e se eu tivesse escore de cálcio positivo, eu trocaria centenas de milhares para ter um escore de cálcio zerado (a depender do escore de cálcio, eu trocaria milhões, todo o meu patrimônio).  Quando o espectro da mortalidade e doença se abate, a prioridade, os desejos diminuem para apenas um.
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                 Um escore de cálcio de zero não significa que não há risco, apenas significa que nos próximos 10-15 anos possuo um risco bem baixo de eventos cardíacos. Pretendo repetir esse exame com 46 anos, e torcer para que o escore permaneça zero.

Essa é uma tabela mostrando os riscos de acordo com o escore de cálcio. Significa que em média uma pessoa com zero possui uma chance menor do que 1% de nos próximos 10 anos sofrer um evento cardíaco. Já uma pessoa maior do que 400 possui 24%, ou seja 2.400% a mais de risco, se comparado  o meu fator de risco de Lp(a) some. Essa tabela é um pouco exagerada pelos estudos que já li, mas a diferença entre um CAC de zero e um CAC de 400 ou de 1000 para efeitos de risco, em quase todos os estudos é na faixa de 600 a 1000% de risco aumentado.

                E você, o que deveria fazer? Se você tem mais de 40 anos, você deveria medir a sua Lp(a) e fazer um escore de cálcio. Há uma chance em quatro de você possuir uma Lp(a) alta, e uma chance em 10 de possuir uma Lp(a) muito alta. Se 1000 pessoas lerem esse artigo, significa que 200-250 em média terão esse fator de risco aumentado, e 50-100 terão esse risco bem aumentado.

                Se você, ao contrário de mim, possui resistência insulina (o que é bem provável se você faz o que a média da população faz), se possui história na família de diabetes, se é estressado, você pode ser uma bomba relógio ambulante. O primeiro sintoma de um problema cardíaco para 30% das pessoas que sofrem desse mal é morte (daí o meu receio).  A pessoa com 40-45 anos, pode ter um CAC (escore de cálcio) de 400 e estar em extremo risco de um evento cardíaco sem saber disso.

                É isso meus prezados leitores, era um artigo que eu precisava escrever até como forma de “desabafo” interno meu.

Esse é o podcast que eu falei. Uma baita entrevista, Naval Ravikant é um baita pensador.

                Um abraço a todos!

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O RECADO (COMPLEXO) QUE VEM DA ARGENTINA


Olá, colegas.  Não, o texto não é uma provocação ao colega Rafael do site Investidor Internacional que publicou artigo com o mesmo título.  O blog dele já foi, e continua sendo, o mais indicado para investimentos internacionais, material de muito boa qualidade. O meu intuito é apenas refletir como um fato pode ser apreendido das mais diversas formas, e procurarei fazer um texto ainda mais abrangente do que o tópico da chamada do artigo.

HORMESE E IATROGENIA–  NICHOLAS NASSIM TALEB

                No começo desse blog, lá pelos idos de 2015, diversas vezes um comentador dizia que eu não entendia os livros que citava, especialmente quando fazia referência ao famoso escritor de “A Lógica do Cisne Negro”.  É bem possível que eu não tenha entendido tudo profundamente, afinal falhas de interpretação é algo normal e natural, ainda mais para alguém que não é superdotado como eu. 

                Desde então, eu reli o livro, e li alguns outros do mesmo autor. Não sei se a minha compreensão aumentou, eu acredito que sim. Apesar de ele ser bastante citado pela comunidade financeira, os conceitos que mais me chamam atenção na obra dele são a Iatrogenia e a Hormese.

                Iatrogenia é um termo bastante usado em medicina, e um dos motivos da minha busca pessoal por autoconhecimento em relação à saúde do meu corpo. Basicamente, esse termo se refere a um dano que pode ser causado quando se realiza um ato na perspectiva de melhorar uma situação.  Por exemplo. Alguém descobre que possui uma hérnia entre a L4-L5. A hérnia não é sintomática, ou seja, a pessoa não sente dor. Um médico resolve mesmo assim operar essa hérnia, e na operação alguma complicação surge. A complicação é a iatrogenia do ato médico de tentar melhorar a situação do achado de imagem (a hérnia entre L4-L5).

                A profissão médica sempre estará sujeita a iatrogenia, pois está lidando com situações limites dentro da complexidade fisiológica de um ser humano. Porém, ao se saber que fazer alguma coisa pode ocasionar efeitos iatrogênicos, pode-se refletir melhor sobre se um determinado ato realmente necessita ser feito. Taleb acredita,  e eu também, que um excesso de medicação e intervenções cirúrgicas pode ocasionar mais mal do que bem, justamente pelo efeito iatrogênico.

                O outro conceito, Hormese, é muito interessante.  Ele é central para a toda a linha de argumentação do Taleb. Na verdade, talvez seja o conceito mais importante tratado por ele no imenso livro de 700 páginas “Antifrágil”. Hormese é o fenômeno de que um organismo submetido a uma dose moderada de algum estressor pode na verdade ocasionar que esse organismo saia fortalecido e não enfraquecido.

                Exercício com cargas, por exemplo, é um caso típico de Hormese. Ao se levantar cargas pesadas, submetemos o nosso organismo a um estressor externo, nosso corpo sofre com o stress momentâneo, mas como uma forma de se preparar para futuros stress parecidos, nosso corpo se adapta criando, e aumentando, fibras musculares, nos tornando mais fortes, para que assim nosso organismo não seja estressado ao ser submetido novamente a uma sessão de levantamento de peso.

                A Hormese está presente em tudo. Expor o corpo ao frio fortalece o mesmo. Expor o corpo ao calor fortalece o mesmo. Talvez a exposição alguma desilusão profissional, ou amorosa, tem o efeito de nos tornar mais resilientes. Esse é um dos motivos, e claro compatível com a idade, pelos quais não irei tirar todos os estressores da vida da minha filha. Muito amor e Hormese controlada e compatível para uma criança, talvez seja a forma de se criar adultos fortes e resilientes.

                Infelizmente, quase nunca vejo pessoas que comentam a obra de Taleb abordando esses dois tópicos que em minha opinião são centrais para entender o pensamento desse escritor.

SISTEMAS COMPLEXOS


                A fisiologia de um corpo humano é de uma complexidade ímpar, isso ninguém pode negar. Quanto mais complexo um sistema, por uma questão de lógica, mais iatrogenia pode ser ocasionada por alguma interferência nesse mesmo sistema. Talvez uma medicação que suprima um determinado hormônio para aliviar algum sintoma no fígado, pode ocasionar uma interferência em como uma determinada parte do cérebro processa uma determinada proteína. Talvez, ao se testar a medicação, nunca se imaginasse que uma proteína poderia ter os seus efeitos modificados numa região do cérebro, e não se imaginou, pois como dito a fisiologia do corpo humano é complexa com milhares, dezenas de milhares, de interações entre hormônios, enzimas, genes, moléculas sinalizadoras, etc.

                Se o corpo humano é complexo, as sociedades modernas do século 21 são sistemas ainda mais complexos. A complexidade das interações humanas é tão grande,  que  um ser humano (ou um grupo de seres humanos) por mais inteligente que seja não é capaz de antever os efeitos de intervenções profundas na sociedade. Esse é o argumento principal contra regulamentos, a existência do Próprio Estado, de uma miríade de pessoas simpatizantes do liberalismo mais radical, escola austríaca, etc.  Como Taleb gosta bastante de pensadores como Mises, é natural que ele derive que interferência em sistemas complexos do ponto de vista econômico tem um potencial de ocasionar mais mal do que bem.

                Eu acredito que explicações da realidade que focam apenas no fenômeno econômico são no mínimo míopes. Desde o advento da economia comportamental, e talvez muito antes disso com os filósofos clássicos, sabe-se que o ser humano está longe de ser racional em todos os momentos. Pelo contrário, muitas das decisões são tomadas a nível inconsciente. Além disso, há questões culturais, geográficas, históricas, hormonais, e talvez uma miríade de muitos outros aspectos na existência humana.

                Sendo assim, se do ponto de vista econômico um agrupamento humano de centenas de milhões de pessoas é de uma complexidade absurda, se colocar os diversos outros aspectos na problemática, a complexidade salta algumas ordens de grandeza.

                É por isso, pelo conceito de iatrogenia e sistemas complexos, que intervenções militares podem ocasionar efeitos de segunda e terceira ordens inimagináveis. Eles não são previsíveis, pois os sistemas são complexos. É por esse motivo que Taleb sempre via com extrema reserva interferências militares dos EUA no oriente médio pós 09/11. É por isso que a Líbia possuía um dos maiores IDHs de todo o continente africano na era Kaddafi, e agora há feiras de vendas de escravos acontecendo em algumas cidades líbias.

                Pensem por um momento, leitores. Um país que talvez tivesse um IDH melhor do que o Brasil, e alguns anos  depois há feiras de escravos. Já imaginaram ir trabalhar e passar pela Praça da Sé e ver um leilão de escravos sendo feito em praça pública? Bizarro? Incompreensível? Pois é o que acontece na Líbia hoje em dia. Essa reflexão não significa que Kaddafi não era um ditador, ou que ele não cometia graves violações contra o seu próprio povo, apenas significa que quando se intervém em sistemas complexos (no caso o regime de um país que sempre foi dividido entre muitas tribos) mesmo com o intuito de melhorar a situação, pode ocorrer efeitos iatrogênicos graves, e a situação pós-intervenção ficar ainda pior.


BRASIL, TRUMP, SANDERS , ARGENTINA, ETC  

               
                E qual é a relação disso tudo com Argentina? Bom o texto do outro blog parte do pressuposto que a eleição da Argentina será ganha por um esquerdista, e isso é um recado para o Brasil que o mesmo pode acontecer aqui, e se isso ocorrer, o caos instalar-se-á.

                Eu concordo que é um recado para o Brasil, mas na verdade é um recado para todos, ainda mais em tempos de simplificações grosseiras, e visões de curtíssimo prazo. Primeiramente, um exercício de sinceridade. Nem eu, e muito provavelmente nenhum leitor, tem um conhecimento, talvez nem grosseiro, sobre a Argentina e sua história. 

           É possível que nem mesmo em relação ao Brasil boa parte das pessoas tenha um conhecimento firme. Se eu perguntar qual presidente veio primeiro, Prudente de Moraes ou Campos Sales, ou o que Rodrigo Alves fez ou deixou de fazer, é muito provável que quase ninguém saiba. Eu mesmo não sei (apesar de recomendar o fenomenal podcast presidentes da semana da Folha de São Paulo, um guia rápido para termos ao menos uma visão mais geral da história do nosso país. É provável que a maioria vai se surpreender como discursos anti-corrupcão, anti-sistema, corte de gastos, são velhos e já foram feitos algumas vezes na história de nosso país).

                Sendo assim, eu sei pouca coisa sobre a Argentina. Porém, sei que a Argentina é um sistema complexo. Eu sei que o Brasil talvez seja um sistema ainda mais complexo, assim como os EUA. Logo, é muito difícil realmente, se é que isso de alguma maneira é possível, entender a complexidade de um país inteiro.         
                E o que isso significa? Significa que como os sistemas são complexos, é muito difícil imaginar que o futuro será uma mera repetição do presente, ainda mais quando alguns atores importantes de certa forma tentam interferir de forma drástica nesses sistemas complexos. Sempre me causou certa graça ao ver com a eleição do Trump , e de outros populistas de "direita" como nas Filipinas, Hungria, Brasil, que o mundo estava se transformando por completo.

                Amigos, o mundo sempre está em eterna transformação. Essa é a lição de Heráclito de Efésios há mais de 2000 mil anos quando ele disse que “o mesmo homem não se banha no mesmo rio duas vezes”.  Há para mim certa ingenuidade em achar que a transformação é linear, e depois de ter ocorrido certa transformação, ela pára de ocorrer, e o presente se congela em direção ao futuro.

                Imagine se Bernie Sanders ganhar a próxima eleição. Para quem não conhece (eu ouvi uma entrevista dele no Joe Rogan, e ele é um senhor bastante inteligente), ele é um político com idéias como saúde universal, educação superior gratuita, etc, isso tudo nos EUA. Por muitos ele é visto como um autêntico comunista-socialista.  Eu acredito que o termo comunista não faz sentido em relação a ele, mas ele com certeza possui pautas muito mais inclinadas "à esquerda" do que outros democratas, como o próprio ex-presidente Obama.

                Não seria uma ironia? Se o mundo estava se transformando numa direção, como 4 anos depois pode haver a vitória de um candidato que representa outro espectro de idéias?   Trump pode ganhar, perder, não se pode saber. Porém, o fato é que alguém como Trump pode ocasionar a presidência de alguém como Sanders.

                Logo, o recado que vem da Argentina deveria ser para reconhecermos que o mundo é muito mais complexo e nuançado do que memes parecem sugerir. O presente não é o futuro, é bem provável que o futuro seja bem diferente do que os acontecimentos do presente sugerem. Quando há interferências em sistemas complexos, e Bolsonaro está fazendo várias dessas interferências (algumas até mesmo patéticas), iatrogenias inesperadas podem ocorrer, uma delas o fortalecimento de alguma ideia oposta até mesmo contra o que o Bolsonaro representa, e isso não significa um retorno ao bom-senso, mas talvez a idéias ainda mais extremadas.

                Por fim, encerro esse artigo com o conceito de Hormese. O stress saudável a um organismo ou a um sistema, não pode ser um stress maior do que as capacidades desse organismo ou sistema. Expor-se a temperatura de uma sauna por 15 minutos é uma coisa, expor-se a 300 graus Celsius por meia hora é outra.  E esse é o problema com grandes interferências em sistemas complexos como invasões militares estrangeiras ou mudanças no sistema político abruptas.  Se vamos ver esse tipo de coisa em nosso país (um estressor mais pesado do que nossas instituições possam aguentar?), não sei, apenas vivendo um dia após o outro para saber.

Um abraço!

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

OS SEIS PILARES PARA UMA BOA VIDA - SONO


                Os pilares de uma vida mais plena. Sim, é título de livro popular e de cursos a venda online.  Nunca gostei muito desses títulos, mas acabei adotando nesse artigo.  Eu tinha iniciado uma série sobre otimização de saúde, e escrevi apenas dois textos. Na verdade, era uma introdução a conceitos de como analisar uma evidência científica, principalmente no que toca a diferenciação entre duas variáveis associadas que podem ou não ter alguma relação de causa e efeito. Sem entender isso, e  quase ninguém (inclusive profissionais de saúde) compreende bem, não tem como realmente analisar o que pode ou não fazer bem ou mal aos nossos corpos de uma perspectiva científica.

                Neste texto, porém, irei abordar muito superficialmente alguns aspectos da vida humana que possuem relevância para o nosso bem-estar físico e mental (e quiçá “espiritual”).

SONO

                Ainda não mergulhei profundamente na análise desse componente da vida humana. Já li alguns artigos científicos, ouvi horas e horas de palestras de especialistas, mas ainda não posso dizer que tenho uma percepção aprofundada sobre o tema.

                Talvez o sono seja o aspecto mais fundamental na saúde de um indivíduo, ultrapassando até mesmo a dieta alimentar.  Uma pessoa pode tranquilamente fazer jejum de uma semana sem qualquer conseqüência adversa ao corpo, pelo contrário jejuns um pouco mais prolongados podem ser uma forma eficaz de regularização, ou ao menos melhoria, da função metabólica. Para se ter ideia 88% dos americanos são metabolicamente doentes, e os brasileiros não devem ficar muito atrás (1). Portanto, é quase certo que boa parte dos leitores desse texto esteja metabolicamente doente, e jejum pode ajudar bastante. Até mesmo jejum de várias semanas pode ser feito sem qualquer efeito deletério ao corpo humano (o jejum humano mais longo analisado num estudo foi de 382 dias ) (2) .

                Se um ser humano pode ficar semanas, e a depender dos estoques de gordura, por meses sem comer, quanto tempo o nosso corpo aguenta sem dormir? O maior tempo registrado de uma pessoa sem dormir foi de aproximadamente 11 dias (3).  Ao contrário do jejum, efeitos de privação de sono começam a ficar agudos depois de apenas 3 ou 4 dias acordados. A coisa começa a ser tão severa que alucinações começam a acontecer, e a pessoa entra num estado de psicose (4).  O fato é tão severo que hoje em dia não se considera ético fazer estudos de privação de sono que ultrapassem 48 horas, sendo que o estudo citado em “4” tem na sua conclusão o seguinte:

Psychotic symptoms develop with increasing time awake, from simple visual/somatosensory misperceptions to hallucinations and delusions, ending in a condition resembling acute psychosis (Sintomas psicóticos desenvolvem com aumento do tempo acordado, de simples visual/sensorial má percepções para alucinações, terminando numa condição semelhante a psicose aguda).

                Uau. Se ficar 3-4 dias sem comer pode até mesmo ter um efeito terapêutico no corpo, ficar 3-4 dias sem dormir pode ocasionar psicose.  Isso me fez refletir, principalmente depois de ler o livro e ouvir umas 10 horas de entrevistas com o Dr. Matthew Walker, que o sono possui uma centralidade em nosso bem-estar. Na bem da verdade, apenas uma noite de sono mal-dormida (algo como cinco horas) pode ocasionar aumento de resistência insulínica (talvez o principal problema de saúde e quase nunca discutido em nenhuma visita a um médico tradicional), perda da capacidade de aprendizado, queda no sistema imune, entre outros malefícios. Sim, com apenas uma noite de sono ruim.

                Dá para imaginar os efeitos em nosso organismo de cronicamente dormir abaixo do número de horas necessário, ou ter as fases de sono desreguladas. O sono é dividido em ondas, ou ciclos, de períodos onde estamos numa fase chamada REM (Rapid Eye Movement – movimento rápido dos olhos) e NREM (NO REM) (5). Tanto o sono REM, como o NREM possuem funções vitais em todo o nosso organismo que vão desde a incorporação de memórias de longo prazo, combate via sistema imunológico de células pré-cancerígenas, “limpeza” de nosso cérebro de metabólitos que são associados com doenças neurodegenerativas e uma pletora de outros mecanismos importantes.  Mesmo que uma pessoa esteja dormindo de 7 a 9 horas, ela pode estar tendo uma péssima qualidade de um sono profundo (NREM fases 3 e 4), por exemplo.

                Logo, dormir por um tempo adequado, e ter um sono reparador é essencial para uma boa saúde física e mental. Há maneiras de medir se o nosso está sendo de qualidade ou não, mas eu ainda não me aprofundei nesse tópico (inclusive há dispositivos portáteis que ajudam nessa medição, não necessitando dormir num laboratório, por exemplo). Um simples indicativo se a pessoa está dormindo uma quantidade adequada de tempo e tendo um sono reparador nas duas fases (REM e NREM) é simplesmente observar se ao acordar, a pessoa se sente renovada ou não. Basta “ouvir” o que o seu corpo está sentindo.

                Algumas dicas simples para a melhora da sua qualidade de sono:
A – Não use aparelhos eletrônicos de 1 hora e meia a 2 horas antes de dormir. Eu ainda tenho o péssimo hábito de ler artigos no laptop antes de dormir, estou tentando evitar ao máximo nas últimas semanas. Aparelhos eletrônicos são pródigos em luz azul, e luz azul inibe a produção de melatonina.

A.1 – A melatonina é um hormônio que ajuda o nosso corpo a regular o seu ritmo de acordo com o ritmo circadiano. Pensem num homem na savana africana há 100 mil anos. O seu padrão acordado e dormindo seguia a luz solar, já que não havia forma artificial de iluminação (a não ser uma eventual fogueira). Sendo assim, nosso organismo evoluiu, nosso ritmo circadiano, para que o nosso corpo seguisse o nascer e o pôr-do-sol. A melatonina é um hormônio que vai avisar o nosso corpo que é hora de “se preparar para dormir”.  Tendo isso em mente é fácil entender esse gráfico:



A produção de melatonina começa a aumentar drasticamente quando a luz solar não mais existe, chegando num pico no meio da madrugada e despencando quando a luz solar volta a existir, avisando o organismo que é hora de acordar.

A.2 - Eu nunca estudei a sério dosagens de melatonina, e pelo que eu ouvi de entrevistas, não há necessidade de uso de melatonina, a não ser em situações especiais como mudança de fuso horário. Muitas pessoas ficam refém do uso de melatonina, e eu tenho reservas ao uso de hormônios de forma exógena, pois o nosso corpo é tão complexo que não se pode saber ao certo se a melatonina exógena pode causar problemas em outros hormônios ou em outros funções do nosso metabolismo. Remédios para dormir então nem pensar, são drogas que causam dependência e pioram a qualidade do sono. É como ingerir álcool, a pessoa pode pensar que está dormindo com mais facilidade, mas na verdade ela está apenas ficando inconsciente. Essas drogas para dormir e álcool causam uma deterioração da qualidade do sono profundo (NREM fases 3 e 4).

B – Se quiser usar aparelhos eletrônicos, o que não recomendo, ou ver televisão (o impacto não é tão forte como um celular na melatonina), talvez faça sentido comprar óculos que bloqueiam a luz azul (eu ainda não comprei, mas estou pensando). É possível também fazer o uso de luz vermelha. Eu uso luz vermelha em meu quarto para ler antes de dormir, e a luz vermelha não tem impacto, ou se tem é muito menor, na produção de melatonina, a luz vermelha é a luz ideal para ambientes noturnos.

C – Tente ter um padrão alimentar mais compatível com a nossa evolução, ou seja, que a janta (se a pessoa tem o costume de jantar) seja logo antes ou logo após o anoitecer. Eu  tenho jantado às 17:30 e tenho gostado bastante da experiência. Até porque se eu como às 17:30 ou às 20:00, isso não faz nenhuma diferença no fato de as 09:00 no outro dia eu estar com uma leve fome, o que é algo interessante, já que a minha fome é a mesma estando 12 ou 15 horas sem comer. Tem a ver com o hormônio grelina, e posso abordar esse aspecto em outro texto.

D – Exercite-se, principalmente levantando pesos ou fazendo treinamento de alta intensidade intervalado.

E – Eu, às vezes, antes de dormir faço exercícios de respiração. Meditação por mais de cinco minutos ainda não é confortável para mim, mas um simples exercício de prestar atenção na respiração por 3-4 minutos pode ter um bom efeito para acalmar a mente e ter uma melhor noite de sono.

F – Banhos frios. O nosso corpo precisa diminuir a sua temperatura para começar a dormir (2 graus Celsius para ser exato) . É por isso que é mais fácil dormir quando se está num ambiente frio, do que quando está quente. Logo, ao contrário da crença popular, faz mais sentido tomar banhos frios do que quentes. Na verdade, banhos frios são excelentes para a saúde, e também posso abordar esse tópico num outro texto.

G - Escuridão total no local onde vai dormir. Se você se levantar para ir ao banheiro não acenda a luz, pois a luz simplesmente vai bloquear a sua produção de melatonina.

                É isso, amigos, falar apenas sobre o sono de uma forma resumida já ficou um texto enorme, falarei dos outros “pilares” em próximos textos.

               Sugiro essa conversa de cinco horas, extremamente completa, do médico   Dr. Matthew Walker com o Peter Attia https://peterattiamd.com/matthewwalker1/ . Ou o seu livro que é bem bom.



                Abraço!