Colegas, segue um artigo que escrevi no começo de dezembro do ano passado. Fiz algumas observações novas em itálico entre parágrafos. Lembro mais uma vez que não sou economista, e este texto é apenas a tentativa de um amador de se enveredar pela macro-economia. Recomendo a todos a leitura do fantástico blog Finanças Inteligentes para aprofundamento de várias questões.
" A TEMPESTADE PERFEITA"
Um
novo termo tem rondado o noticiário econômico local: “A Tempestade Perfeita”.
Entretanto, alguns podem perguntar, qual é o real significado desse termo? A expressão foi inventada para designar uma
catástrofe natural causada pela rara conjunção de várias condições
meteorológicas adversas. Quando aplicado no sentido econômico, ela significa a
conjunção de fatores negativos que podem resultar em uma grave crise na
economia.
O
Brasil poderia se tornar alvo de uma “Tempestade Perfeita”? Antes de se
responder esta questão, é importante conhecer os ingredientes em relação ao
caso brasileiro que poderiam vir a formar esse evento econômico negativo.
Um deles
tem origem externa, e o Brasil não possui o menor controle sobre ele, trata-se
da retirada de estímulos à economia americana via enxugamento da liquidez pelo
fim do programa quantitative easing. Como e quando será feito isso é a pergunta
de um trilhão de dólares que analistas, bancos e governos do mundo inteiro
tentam adivinhar. Tudo leva a crer que o
começo da retirada dos estímulos deve acontecer no primeiro semestre de 2014 (o início do tapering começou em dezembro do
ano passado, o que surpreendeu o mercado),
principalmente porque os dados sobre a economia americana e a taxa de
desemprego daquele país estão apresentado melhoras contínuas. Com uma
diminuição da liquidez, é muito provável que economias emergentes possam ser
afetadas pela diminuição do fluxo de dólares,
o que pode ocasionar no caso brasileiro uma desvalorização cambial mais
acentuada. Com o fim dos estímulos, um passo natural é o aumento gradual na taxa
de juros dos títulos americanos. Esse acontecimento pressionará países
emergentes ainda mais, pois o fluxo de dólares tende a inverter a tendência
iniciada pós-crise sub-prime de 2008.
Os
ingredientes sobre os quais o Brasil tem
controle são os de ordem interna. Quais seriam eles? Inflação, controle fiscal
e saúde das contas externas. A inflação brasileira permanece persistentemente
alta em relação aos países de mesmo nível econômico, e muito dificilmente
convergirá para o centro da meta de 4,5% em 2015 com uma taxa de juros de 10% (o COPOM aumentou o taxa de juros em cinqüenta
pontos base o que também surpreendeu o mercado). Adicionando pressão
inflacionária encontra-se a delicada questão dos preços administrados como
combustível e energia elétrica. O IPCA é composto por preços livres (75%) e por
preços administrados (25%). Segundo última ata do COPOM de novembro de 2013[i],
os preços administrados tiveram uma variação de apenas 1,01% até outubro de
2013, o menor valor da série histórica que começa em 1994. Tal situação não é
sustentável no longo prazo e mostra que se a variação dos preços administrados
estivesse em linha com a dos preços livres, o IPCA estaria 1% maior, superando
e muito o teto da meta de 6,5%. Outra questão a pressionar a inflação é a taxa
de câmbio. De acordo com o Banco Central, corroborado por projeções matemáticas[ii]
, para cada 1% de desvalorização do real o índice IPCA sobre 0,05%. Portanto,
para cada 20% de desvalorização do câmbio o IPCA sobe 1%. Caso o tapering, fim
dos estímulos econômicos promovidos pelo FED, se materialize para o próximo ano
(o mesmo já começou), a
desvalorização cambial advinda desse processo poderá impactar de forma
significativa a inflação.
O
controle dos gastos públicos é outra preocupação. Depois de anos de melhora
contínua, o que valeu ao Brasil a elevação para investment grade pelas agências
de classificação de risco, os números relacionados ao superávit primário e ao
déficit nominal[iii]
apresentam clara deterioração no presente ano. A meta do Governo para o
superávit primário que no começo do ano era de 3% do PIB, atualmente não chega
a 1,5% do PIB. O déficit nominal até o mês de outubro é de mais de 143 bilhões
de reais, um resultado muito pior em comparação ao do ano passado, atingindo a
marca de 3,45% do PIB[iv]. Caso o déficit nominal chegue a 4,0% do PIB,
o que não é algo muito improvável tendo em vista que o próximo ano é de eleições
presidenciais, o Brasil chegará ao maior déficit nominal desde 2003. O grande
problema da deterioração das contas públicas e do aumento dos gastos
governamentais é o efeito inflacionário, o que pressiona a taxa básica de juros
retroalimentando o próprio déficit. Assim, a inflação no Brasil só seria
eficazmente combatida com esforços conjuntos da política monetária (aumento de
juros) e da política fiscal.
O
último ingrediente é o aumento do déficit em transações correntes[v].
Segundo o Banco Central o déficit acumulado em doze meses até outubro de 2013 é
de U$ 82,2 bilhões, o equivalente a 3,67% do PIB[vi].
O cenário que não é bom pode ser agravado pelo fim dos estímulos e aumento dos
yields dos títulos americanos. Esse movimento muito provavelmente ocasionará um
grande fluxo de dólares para os EUA, diminuindo a entrada de dólares no país
seja para investimento direto, seja para aplicações financeiras, o que
pressionaria e muito o déficit em transações correntes. Num cenário mais agudo,
o governo teria que bancar o déficit com as reservas cambiais, atualmente um
dos únicos trunfos que o Brasil ainda possui, conjugado com um aumento sensível
na taxa de juros para atração de capital . (Nessa
semana bancos centrais de Índia, Turquia e África do Sul elevaram os juros de
suas economias, sendo que o da Turquia surpreendeu todo mundo e elevou em 4.25%
de uma vê só. Estes países são considerados emergentes, e são estão em posição
fragilizada como o Brasil. Para se ter ideia a Inflação nesses países é de 9,6%,
7.6% e 5.8%. Se o Brasil não segurasse os preços administrados a nossa Inflação
estaria na ordem de 7%, sendo uma das maiores do mundo entre os países
economicamente viáveis – Não vamos citar Argentina e Venezuela. Portanto, a
cada dia que passa a pressão aumenta sobre os emergentes)
Assim,
se o Brasil não tem nenhum controle sobre o ajuste americano em relação aos
estímulos e aos yields dos seus títulos, o Brasil pode sim minorar os efeitos
de tal movimento atacando diretamente a inflação, melhorando a qualidade dos
gastos governamentais e fomentando políticas públicas para que o país possa
convergir para déficits em transações correntes mais saudáveis. Ao fazer isso,
o país estaria indubitavelmente mais preparado para encarar os desafios que
serão apresentados ao mundo pela mudança na política econômica americana.
Portanto,
se o fim dos estímulos à economia americana acontecer e o FED começar a elevar
a taxa de juros, se a inflação permanecer em níveis altos, se as contas
públicas continuarem piorando e se o déficit em transações correntes aumentar
ainda mais, é possível que o próximo presidente do Brasil ao assumir em janeiro
de 2015 tenha que fazer escolhas difíceis, pois ao olhar para o horizonte pelas
janelas do Palácio da Alvorada poderá estar enxergando a formação de uma
Tempestade Perfeita a se abater sobre o país.
[iii]
Definições pode ser acessadas no seguinte site http://blogs.estadao.com.br/descomplicador/2010/03/30/o-que-e-superavitdeficit-primario-e-nominal/