terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

FINANÇAS - TAXA DE POUPANÇA, RENDA, RENTABILIDADE E INVESTIMENTO

Olá, colegas!  Neste artigo, irei tratar sobre temas bem conhecidos pelos investidores, mas talvez com um enfoque um pouco diferente.  O tema hoje é razoavelmente abrangente, mas espero não me estender muito no texto.

Como se mede a “riqueza” produzida por um País? Atualmente, se mede pela métrica do PIB. Eu coloquei entre aspas, pois para mim o PIB está longe de ser um bom indicador para desenvolvimento econômico humano saudável. Se o ar de alguma cidade brasileira piorar, por exemplo,  e alguma empresa começar a vender máscaras para os habitantes dessa cidade hipotética, o PIB aumenta. Logo, para mim é um erro a procura incessante pelo crescimento do PIB a qualquer custo.  É por isso que sempre achei interessante um país como o Butão adotar o conceito de “FIB” (felicidade interna bruta).  Porém, não irei adentrar nessas questões, vou partir do pressuposto que a riqueza produzida em um país é bem capturada pelo PIB.

Qual é a riqueza “produzida” por um indivíduo? Para a esmagadora maioria das pessoas é a retribuição financeira recebida pela venda da sua força de trabalho. É a renda proveniente do salário. Há alguma outra fonte? Sim, é claro. A pessoa pode ter uma casa alugada, ou receber dividendos de um Fundo Imobiliário ou de uma ação ou até mesmo juros emprestando dinheiro para o governo. Isso é uma forma de renda que não vem do trabalho, mas sim de um capital previamente acumulado.  Chega-se, portanto as duas formas de renda que um indivíduo pode receber: do seu trabalho e do seu capital acumulado. Quanto mais capital se tem, mais a renda proveniente do capital irá ser proporcionalmente maior à renda oriunda do trabalho. Quanto menos capital se tem o inverso acontece. O livro do Piketty aborda muito bem esses conceitos.  Aliás, para além das questões ideológicas, o livro possui muita divagação interessante, e essa é uma delas. Quanto mais se sobe na escala de riqueza (os 0.1% mais ricos, por exemplo), mais a renda do capital vai se tornando preponderante.

A riqueza produzida num país também vem das mesmas fontes: renda do trabalho e renda do capital. Porém, como é possível alguém possuir capital e auferir renda do mesmo? Há basicamente duas formas: poupando ou herdando o capital de alguém. Pense em vocês mesmos queridos leitores. Como chegar a R$ 5 milhões de reais em capital acumulado? Ou se poupa ou se herda essa quantia ou uma mistura dos dois. E a poupança vem da onde? Ela só pode se originar da riqueza produzida. Assim, se alguém não é herdeiro, e não possui nenhum capital acumulado, a única forma de auferir renda é ofertando a sua força de trabalho. Se o hipotético indivíduo consegue ter uma renda de R$ 25.000,00 ao ano, duas possibilidades se abrem: consumo ou poupança.

O que seria consumir? Simples, a pessoa gasta os R$ 25.000,00. Logo, toda a sua renda foi para o consumo e nada foi poupado. Dessa maneira é impossível haver acúmulo de capital, e, por conseguinte renda proveniente do capital acumulado.  Agora, se a pessoa resolve consumir apenas 70% da sua renda, isso quer dizer que ela terá ao final de um ano R$7.500,00 em capital.  Nessa situação, e imaginando um lugar sem inflação para fins de simplificação e uma taxa de juros básica de 10%,  o nosso sujeito hipotético poderia aumentar a sua renda em R$ 750,00 (presumindo que ele receberá a taxa básica de juros), passando a receber R$ 25.750,00 por ano. Notem agora que esse indivíduo possui renda não só do trabalho, mas como também, ainda que pequena, renda do capital acumulado.

Fica claro que quanto mais a pessoa poupar, mais o estoque de capital acumulado irá crescer, e mais significativa será a parcela da remuneração de capital na renda total da pessoa.  Logo, a taxa de poupança é fundamental para pessoas sem muito patrimônio e para países pobres ou de renda média. É a única forma de se acumular patrimônio. É por isso, colegas, que a nossa taxa de poupança enquanto país (o quanto o governo, as empresas e as famílias economizam) é uma lástima. No gráfico abaixo, é possível ver como a nossa taxa é baixa. A nossa poupança caiu ainda mais em 2014, estando abaixo de 13% em relação ao PIB. Logo, em 2014 para cada R$ 100,00 produzidos, economizamos enquanto nação  menos de R$ 13,00. Você conseguiria ir longe economizando apenas 13% do que ganha? Eu acho que não. Essa taxa de poupança muito baixa diz um pouco sobre o caráter do brasileiro de preferir o consumo imediato e não o acúmulo gradual de poupança.

Essa tabela é até 2013, a nossa taxa de 2014 foi ainda pior. Não sabe por qual motivo a China cresce tanto? A cada duas unidades produzida eles poupam uma. Isso quer dizer que um Chinês médio poupa quase cinco vezes mais do que um brasileiro médio. O Brasil perde de lavada para os demais países em desenvolvimento. 


 A taxa de investimento de um indivíduo depende de sua taxa de poupança. Assim, se quero investir 20% do meu salário, eu preciso ter uma taxa de poupança de 20%. Logo, poupança e investimento estão umbilicalmente interligados. O mesmo raciocínio serve para países. Sem poupança não pode haver investimento, a não ser que alguém financie esse investimento, e no caso brasileiro estamos captando poupança externa para  financiar o GAP entre a nossa taxa de investimento baixa e a nossa taxa de poupança mais baixa ainda. Esse financiamento se dá por meio de déficits em transações correntes. Observem que ao longo dos últimos 60 anos o Brasil sempre poupou menos do que investiu, a não ser num breve período de tempo no primeiro mandato de LULA.

Poucas pessoas lembram, mas a Dilma nas eleições em 2010 disse que iria levar o investimento para 22,5% do PIB, ela entregou um país com menos de 18% em taxa de formação bruta do capital fixo, ou seja, um retumbante fracasso. 




Observem que  o GAP entre a taxa de poupança e taxa de investimento é financiada com poupança externa (com a exceção dos anos dourados do primeiro mandato do LULA onde tudo deu certo para o Brasil).

Portanto, os números brasileiros infelizmente não são bons. Investimos pouco e poupamos menos ainda. Entretanto, nós enquanto investidores amadores podemos sair da média brasileira e poupar muito mais, acelerando o processo de acúmulo de capital. O acúmulo de capital para indivíduos se dá pela taxa de poupança, pelo retorno do capital e pela quantidade de dinheiro investida. São esses conceitos que todos os educadores financeiros, conscientemente ou não, trabalham em seus livros, palestras, vídeos e sites.

Logo, se a pessoa puder poupar mais da sua renda (chamarei aqui pela letra S), se puder aumentar a sua renda do trabalho (chamarei aqui de R) e conseguir retornos maiores em seu capital previamente acumulado (chamarei aqui de C), ela irá maximizar os seus resultados. Portanto, se uma pessoa tem uma renda anual de R$ 50.000,00 (R), uma taxa de poupança de 30% (S) e uma rentabilidade real do capital acumulado de (10%), a pessoa pode melhorar o seu acúmulo de capital seja aumentando R, S ou C. Se o indivíduo conseguir aumentar a sue renda anual para R$ 100.000,00, a sua taxa de poupança para 40% e o seu retorno de capital para 12%, ela estará numa situação muito melhor.

Nós temos controle dessas três variáveis? Não, se entendermos como um controle absoluto. Aliás, a ideia de controle é ilusória, mas não irei filosofar nesse tópico. Entretanto, parece-me que temos algum controle sobre essas variáveis. Numa ordem ascendente de controle, eu diria que temos pouco controle em relação a C, e maiores controles sobre R e S.  Logo, basear o acúmulo do nosso capital mais pesadamente no retorno do mesmo não é conservador, pois é a variável que temos menor controle, ou alguém sabe ao certo quanto vai ter de retorno investindo no mercado acionário brasileiro nos próximos dez anos?

Além de não ser conservador ou confiável, como dito no terceiro parágrafo ao fazer menção ao livro de Piketty, a rentabilidade do capital só vai ficando expressiva, como medida da renda geral produzida, quando se vai indo para os extratos superiores de riqueza. Isso significa que apenas quando se tem muito capital a rentabilidade do mesmo vai ficando cada vez mais importante.

Portanto, as sugestões de educadores financeiros famosos não são despiciendas: foque em formas de ganhar mais dinheiro com a sua força de trabalho e seja frugal pelo menos em alguns aspectos da sua vida para poder gerar taxas de poupança maiores, não seja obcecado com rentabilidades de capital, a não ser que já se tenha um capital acumulado razoável.  Dois exemplos hipotéticos:

a)      Capital acumulado = R$ 100.000,0
R = R$300.000,00 anuais
S= 50%
C =8%

b)      Capital acumulado = R$ 100.000,0
R = R$100.000,00 anuais
S= 30%
C =12%

Em qual das duas posições você gostaria de estar? Parece evidente que na primeira, mesmo tendo um retorno substancialmente menor (4%) do que na situação “b” .  É por isso que um pequeno empreendedor pode ter muito mais capital acumulado do que alguém que entenda de finanças e viva o dia a dia do mercado freneticamente. É simples, a renda e a capacidade de aporte serão tão maiores, que qualquer rentabilidade a mais de alguém que dedica horas e horas aos mercados será mais do que contrabalanceada. É por isso que um bom amigo meu com idade parecida e que deve saber bem menos de finanças do que eu, não que eu saiba muito, possui capital acumulado de dezenas de milhões de reais. Ele se arriscou, empreendeu, deu certo, e tanto faz se a rentabilidade real dele será menor do que a minha.

Portanto, colegas e leitores, a rentabilidade é algo a ser perseguido, evidentemente, mas ela está longe de explicar a diferença de acúmulo de patrimônios, principalmente para jovens e patrimônios pequenos. A parte financeira acaba aqui, mas prossigo mais um pouco com uma reflexão mais pessoal.

Como dito alhures, quanto mais capital acumulado se tem, mais a renda do capital vai se tornando mais importante do que a renda do trabalho. Logo, para uma pessoa com R$ 10.000.000,00 faz diferença receber 2% a mais, muita diferença. Porém, eu indago, se alguém possui R$ 10.000.000,00 irá fazer tanta diferença para se ter uma boa vida ganhar 5 ou 7% de retornos reais? Com 5% a pessoa poderá ter como renda de capital R$500.000,00, quantia mais do que suficiente para se morar bem, viver bem, viajar para onde quiser, ajudar outras pessoas necessitadas e ainda, caso queira, reinvestir parte da renda para fazer o bolo crescer ainda mais. Faria sentido uma pessoa nessa situação perder horas e horas lendo relatórios, dedicando-se ao mercado no dia a dia, para ganhar 2/3% a mais?

É claro que é uma questão bem particular, para mim não faz muito sentido, para outros pode fazer, mas eu desconfio que a maioria opte por aproveitar mais algo que sempre diminui e nunca aumenta: a nossa quantidade de tempo vivo com saúde no planeta terra. “Poxa, Soul, 10M? Tá de brincadeira que eu vou chegar numa quantia dessas!”. É verdade, a esmagadora maioria não chegará nem perto. Coloquei apenas um valor para que o argumento fosse mais forte. Cada um, conhecendo a si próprio, poderá estabelecer algo que seja mais factível e viável para o seu contexto atual. Porém, parece-me claro que o investidor deve procurar escolher bons ativos, tentar obter retornos reais protegendo o seu capital acumulado da inflação, mas ter uma ótica excessiva em rentabilidade, principalmente  com patrimônios pequenos, não parece ser um bom negócio.

Abraço a todos!


quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

FII - FUNDO DE PAPEL: BREVE ANÁLISE SOBRE O RELATÓRIO DO FEXC

        Olá, colegas. O FEXC lançou um relatório trimestral (para quem não sabe é o FEXC é um FII de papel, ou seja um fundo que compra dívidas imobiliárias) que foi muito diferente do padrão. O documento pode ser acessado nesse endereço https://www.mzweb.com.br/btgpactualfundos/web/download_arquivos.asp?id_arquivo=F6D494C5-BDE7-49A5-957E-EC46B58834FB . Talvez por eu ter escrito alguns artigos sobre FII de papel, alguns colegas pediram para  eu falar o que achava do relatório trimestral do FEXC. Olhei agora, bem rápido mesmo (o que pode ter feito passar detalhes importantes), e vamos por partes:
a) Primeiramente, não sou especialista, então é apenas opinião de um investidor amador como a esmagadora aqui;
b) Parabéns a feitura do relatório para o Administrador. Não veio com todas as informações, mas já é um começo. Aliás, é o mínimo eles informarem métricas básicas como LTV, saldo devedor, fluxo de amortização, etc. Porém, é inegável o avanço, parabéns a todos os quotistas e o pessoal do Blog do Tetzner, pois com certeza algum impacto as reclamações,comentários, análises, feitas no espaço tiveram sobre o Administrador;
c) Quando escrevi sobre FII de papel, disse que havia duas métricas importantes: LTV (loan to value) e DTI (debt to income). Para uma visão bem geral sobre FII de papel com CRIs pulverizadas sugiro a leitura do meu artigo http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/11/fundos-imobiliarios-de-papel-abrindo.html. O LTV é muito importante. Bom saber que o LTV médio das CRIs residenciais do fundo é algo em torno de 45%. 
O que isso significa exatamente? 
Se o fundo tem a receber R$45, há um imóvel avaliado em R$ 100,00 garantido esse pagamento. 
c.1) Está na memória as recentes reavaliações do CEOC, THRA, BMLC, etc? Se sim, saibam que esses imóveis dados em AF residencial não são reavaliados. Então, é possivel que o LTV real seja maior que 45%, pois os imóveis talvez não representem o valor quando da avaliação pela primeira vez (estou assumindo que há um risco não desprezível dos imóveis desvalorizaram no tempo devido a situação econômica e o ciclo imobiliário, assim como está acontecendo com os imóveis de vários FII);
c.2) Se chegarmos à uma situação extrema de perda e leilão, posso garantir por experiência própria que nenhum imóvel sai por 100% da avaliação. Se fosse assim não teria sentido comprar em leilão. Quando muito, vai sair por algo em torno de 70%. Isso faria também a garantia perder força. Não podemos esquecer que há custos de advogado, leiloeiro, etc. Estimam-se esse custos entre 15-20% (eu deveria virar advogado desses fundos, pois como dizem os japonês takai desu “tá caro hein” esses advogados). O que diminui ainda mais a garantia.  Sendo assim, 45/50% de LTV estamos num limite prudencial. Eu creio que é bem importante ser exigente com esse critério, se a pessoa realmente quer se expor ao mercado de dívida imobiliária com Alienação Fiduciária em garantia.
c.3) No relatório, não há nada sobre DTI (debt to income), métrica que mostra o quanto de renda está comprometida com o pagamento da dívida. A métrica é importante para antever pioras no fluxo de pagamento. Funciona assim: se o pagamento mensal é de 5.000,00 e a pessoa ganha 20.000,00 o DTI é de 25%, o que é razoável. Porém, se o rendimento cai para 10.000,00 o DTI sobe para 50% o que já é bem perigoso. O problema com contratos de financiamento imobiliário com AF é que se o desemprego aumenta o DTI pode ir para zero, o que ocasiona com toda certeza o Default na CCI específica. É diferente de uma Debênture da Vale, por exemplo, o desemprego pode subir e isso não ter qualquer impacto na VALE, a empresa não sofre desse risco direcional. Mesmo com o minério de ferro caindo e as margens caindo da VALE, é difícil imaginar que ela não honrará os compromissos e entrará em default. Esse não é o caso para empréstimos residenciais, qualquer soluço financeiro na vida das pessoas, e é default na certa;
Continuando então com a leitura do Relatório:
d) A Duration das séries é bem divida, mas há duration bem altas, o que não seria diferente em dívida residencial. Precisamos sempre ter em mente que duration é risco (há até um termo na doutrina mais técnica: BOND RISK PREMIUM), então instrumentos de dívida com duration maior devem ganhar mais para compensar o risco;
e) Um dado importante é que o fluxo de amortização está sendo mais intenso do que projetado. 
O que isso significa? 
Imagina que você deve 500 mil para um banco que te emprestou dinheiro para comprar uma casa. Porém, você recebe uma herança de 300 mil; assim, se o custo do financiamento for maior do que você pode receber sem risco numa aplicação financeira, faz sentido amortizar a dívida antecipadamente. 
Isso faz com que o empréstimo fique mais seguro, pois diminui o LTV, já que a dívida será menor, mas a garantia do bem continua a mesma. Logo, em todas as séries que vi o fluxo de amortização está maior do que o projetado, o que é bom e torna o FEXC mais seguro.
f) 11% do PL do FEXC está em empréstimos para a PDG. 
As métricas dessa empresa: P/L negativo, DÍVIDA BRUTA/PL de 1,22 (quando o ideal e conservador é até 0,5). Logo, é uma empresa que passa por dificuldades. Risco de crédito aqui. A doutrina tem nome para isso (CREDIT RISK PREMIUM)
g) Por falar em risco de crédito, fique claro mais uma vez, que o FEXC possui risco de crédito muito maior do que o ativo livre de risco.  Ele possui também muito risco específico, conforme delineado no item "c.3". Ou seja, se houver piora no desemprego e via de consequência nos financiamentos imobiliários formados, o risco de crédito da operação aumenta e muito, pois a carteira tende a sofrer como um todo e andar na mesma direção.
h) Eles poderiam incluir também qual é a ponderação das taxas na carteira, como o RBVO faz.  Assim, ficaria mais fácil vermos o spread (em relação ao custo de dinheiro) que está oferecendo. Eu creio que o a carteira oferece algo em torno de IGP-M + 8% (estou aproximando e chutando aqui, mas não creio que seja tão longe da realidade). 
Com a alta recente, o valor de mercado está quase idêntico ao Valor Patrimonial, então quem compra agora está comprando uma carteira com risco de crédito direcional acentuado para receber IGP-M + 8%.  Com NTN-B pagando IPCA + 6/6,5% ( as taxas de administração do FEXC equivaleriam aos 15% de IR), eu não creio que o risco está sendo bem remunerado. Isso significa que não há margem de segurança a preços atuais. Um maior deságio em relação ao Valor Patrimonial faria com que o spread pudesse chegar a níveis mais satisfatórios como 4/5% aa (sugiro a leitura desse artigo http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2015/01/renda-fixa-mercado-high-yield-spreads-e.html). Minha opinião apenas.
Recomendo a todos que se interessam por essa espécie de investimento, ou que até mesmo tenha FEXC a leitura do relatório disponibilizado. É sempre bom saber exatamente o que estamos comprando quando investimentos.


Mentawai (Indonésia - Sumatra) segura esses Barrels porque daqui a pouco estou por aí...

Abraço a todos!

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

THOMAS PIKETTY - A QUESTÃO DA DESIGUALDADE

              Olá, colegas. Hoje iria escrever sobre outro tema, mas depois de ver a entrevista de Thomas Piketty no roda viva na noite de ontem (infelizmente a entrevista ainda não está no youtube), resolvi falar brevemente a respeito. Para quem ainda não sabe, Piketty é um economista francês que escreveu uma obra intitulada “O Capital no século 21”. O livro tornou-se um Best Seller.  Apesar de ser um livro de fácil compreensão, a leitura é cheia de gráficos e conceitos econômicos, o que torna o sucesso do livro ainda mais impressionante.

Um livro interessantíssimo. Recomendo a leitura, até para que suas opiniões possam ficar mais fortalecidas, ou até mesmo para mudar de ideia sobre alguns pontos.

                Quando um livro que trata sobre desigualdade atinge tanto sucesso, seria normal esperar reações exageradas de vários espectros ideológicos.  Para pessoas mais à esquerda (sempre repito que acho esse tipo de rotulação a pior possível, mas  rotular pessoas é mais fácil para nosso cérebro ver ordem no mundo exterior) o livro é um grave alerta sobre os rumos que estamos tomando. Para espectros mais à direita, é uma grande bobagem, e o autor não passa de um comunista à la Marx.

                Pois bem. Antes, começarei citando um artigo no Instituto Mises, que quase todos por lá citam, quando se fala do livro do Piketty (http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1855, “Thomas Piketty e os seus dados improváveis”). Uma das observações centrais do livro “O Capital” é que quando a taxa de retorno do capital é maior do que o crescimento da economia como um todo, há uma tendência de concentração maior de renda das pessoas que detêm o capital.  Imagine que o retorno médio de toda forma de capital depois da tributação (dinheiro, empresas, títulos, imóveis, etc) seja algo em torno de 4%. Porém, a economia como um todo cresça 2%.  A renda nacional (PIB) é uma soma do retorno do capital + retorno da renda de salários. Se a economia cresce numa velocidade menor do que o retorno do capital, uma fatia cada vez maior da renda nacional irá para os detentores de capital, o que teoricamente irá aumentar a desigualdade. Em relação a essa afirmação, o artigo do Mises coloca o seguinte gráfico:

Do texto: "Esse valor de 4,5% de retorno sobre o capital também é insano porque o próprio Piketty argumenta, e muito corretamente, que todo o crescimento econômico ocorrido antes da Revolução Industrial foi insignificante, o que significa que retornos tão altos para os ricos simplesmente não são compatíveis com um crescimento tão ínfimo.  A verdade é que, durante boa parte desse período, os ricos estavam mais interessados em gastar ou em esconder suas riquezas a investi-las, pois, naquela época, expor suas riquezas significava se tornar suscetível a ser roubado — ou por bandidos ou pelo governo."

                Em nenhum momento do livro, o economista francês diz que o retorno do capital era reinvestido, mas sim que era consumido, da mesma maneira como o autor do texto. Ele está concordando com o Piketty. Como o crescimento econômico era muito pequeno e muito menor do que o retorno do capital, a renda era extremamente concentrada e alguém duvida disso? Ou é possível acreditar que a pessoa que não fosse cidadão romano (e a esmagadora maioria não o era) tinha uma boa vida no começo da era Cristã, por exemplo?

                    O autor do texto continua: “Por fim, se analisarmos mais atentamente a parte mais atual do gráfico (1913 a 2012) e ignorarmos a projeção feita para o futuro, veremos que as linhas também não dão sustentação à tese de Piketty.  A ideia de que, no capitalismo, os ricos sempre necessariamente se tornam mais ricos em relação a todos os outros simplesmente não é corroborada pelos dados que ele apresenta.

                Não é verdade também.  Outra linha central de argumentação do livro é que a desigualdade extrema que existia na Europa, e em certa medida nos EUA, no início do século 20 foi apenas diminuída pela onda sucessiva de choques pelos quais passaram o capital: duas guerras mundiais, uma depressão econômica mundial enorme e o estabelecimento de impostos sobre a renda. O mundo da década de 40 até recentemente passou por uma fase de crescimento enorme, o que dificilmente tende a se sustentar no futuro. O próprio Piketty faz uma observação interessante. Nos últimos 300 anos, o crescimento da economia é estimado em 1.6% aa. Metade desse crescimento veio na forma de aumento da população e a outra metade em ganho per capita. Mesmo com um crescimento modesto de 0,8% per capita por ano nos últimos 300 anos, fez com que a renda per capta multiplicasse por 10 e a população humana multiplicasse por 10. É difícil imaginarmos um crescimento tão grande, principalmente da população, para os próximos 300 anos, pois creio que temos barreiras naturais para o crescimento.  Logo, é baseado em projeções de demógrafos e de economistas, que Piketty projeta um crescimento econômico mais modesto para o mundo, o que não é algo necessariamente ruim.
                
                Depois o autor coloca o seguinte gráfico:


E cita o seguinte trecho: Já o gráfico seguinte mostra a fatia da riqueza nas mãos dos 10% mais ricos da Europa ao longo do tempo (linha azul-escura), a fatia de riqueza nas mãos dos 10% mais ricos dos EUA (a linha verde clara), a fatia da riqueza nas mãos do 1% mais rico da Europa (linha azul-clara) e a fatia da riqueza nas mãos do 1% mais rico dos EUA (a linha verde-escuro).
Este gráfico também não corrobora a tese de Piketty.  Sim, a fatia dos ricos cresceu desde 1970, mas só depois de ter caído acentuadamente antes.

Errado. Esse gráfico corrobora completamente a tese de que havia uma grande desigualdade no início do século 20. Foram necessárias guerras mundiais, uma depressão profunda e estabelecer impostos sobre a renda (não havia qualquer tributação sobre a renda antes), para que a desigualdade diminuísse e uma classe média se formasse. O que o mundo assiste a partir da década de 70 é uma tendência para voltarmos a níveis de concentração extremamente altos na época da Belle Époque.

Fiz esses apartes, pois há inúmeros textos criticando o livro de maneira equivocada e com gráficos mais equivocados ainda. Há diversos outros argumentos muito mais fortes de crítica, e dos dados coletados, o que é muito útil para se formar uma opinião mais equilibrada. Porém, para mim ao menos, é inegável que o livro do economista francês traz à tona uma miríade de questões em que a humanidade deveria debater de forma mais clara e objetiva.  Dito isso, comento partes em que achei interessante da entrevista:

A)     Ele diz expressamente que é a favor do livre mercado, do empreendedorismo, etc. Aliás, não tem como não sê-lo, já que essa forma de configuração da economia é o que produz mais inovação e mobilidade;
B)      A economia não é uma ciência e se sabe muito pouco sobre ela. Nada mais preciso em minha opinião. Física e Matemática são ciências. A economia não deve ser uma área restrita apenas a economistas com fórmulas mirabolantes. Impostos, desigualdade, crescimento, etc, etc, são temas importantes demais para ficarem alheios aos cidadãos comuns e fora do debate político de idéias. Foi necessário que um psicólogo, dois na verdade, falassem na década de 70 que aparentemente nem todas as decisões econômicas são racionais, para que nascesse um ramo novo de conhecimento chamado economia comportamental. Estudar economia e as complexas relações entre os seres humanos, sem estudar psicologia comportamental, neurociência, biologia evolutiva, etc, é por demais capenga;
C)       Níveis extremos de desigualdade não parecem levar a mais inovações. É salutar que haja desigualdade, e ele falou isso diversas vezes na entrevista. Entretanto, empiricamente parece não haver nenhuma corroboração ao fato que desigualdades extremas levem a sociedades mais inventivas, pelo contrário. Aliás, o autor Dan Ariely no livro “Positivamente Irracional” chega a mesma conclusão, que a partir de certo limite de renda, acréscimos adicionais dessa renda não parecem levar a melhores tomadas de decisões. Um exemplo de sociedade talvez seja a dos países nórdicos. Há desigualdade, há liberdade econômica, mas o nível de desigualdade é muito baixo (mesmo com tributação que em alguns casos, como na Dinamarca, pode chegar a 50% do PIB).  Aliás, vendo novamente um belíssimo documentário chamado “I AM” cada vez mais me convenço que a solidariedade, o sentimento de pertencer a uma comunidade, a compaixão são extremamente importantes e tais sentimentos evoluíram conosco enquanto espécie. Sendo assim, a competição é apenas um lado da moeda, importante de certo, mas está longe de ser o único e de nos trazer satisfação mais duradoura para a vida;
D)     Precisamos ter um debate mais transparente sobre essas questões. Pikkety afirmou expressamente que se os dados deles estiverem errados, se não estiver ocorrendo concentração de riqueza, então não há necessidade de progressividade nos impostos sobre renda e propriedade. Simples assim.  Portanto, seria mais sábio por parte da humanidade se discussões como externalidades ambientais negativas, desigualdade, progressividade de impostos, paraísos fiscais, limites de crescimento, etc fossem debatidas com dados e objetividade, e não com subjetivismo e histeria. Não há nada com o qual eu não concorde mais. A sua prefeitura quer bancar o carnaval da cidade e isso vai custar R$ 5 milhões? Deixe isso claro para a população, se a população prefere gastar mais com carnaval do que com a construção de calçadas, fazer o que, desde que as escolhas sejam claras e o debate objetivo.
E)  Por fim, é bom termos um visão de mais longo prazo da história, finanças e economia. Por mais que alguém possa não concordar com muitas das ideias apresentadas, é sempre interessante saber como as coisas se desenrolaram nos últimos 200/300 anos. Não é isso que se diz em finanças pessoais o grande erro de se ter apenas uma visão de curto prazo? Eu creio que o mundo, e não só em finanças/economia, está sofrendo de uma miopia de uma visão "curto-prazista." Isso para mim é um grande erro. Precisamos ter visão de mais longo prazo. Qual mundo queremos deixar para os nossos netos daqui 50/60 anos? Quais são os grandes desafios para o Brasil daqui 25/30 anos, e não apenas para esse e o próximo ano? Porém, infelizmente, as pessoas vão de relatório de inflação em relatório de inflação, de crescimento trimestral do PIB em crescimento trimestral do PIB, e os grandes debates nacionais e humanos acabam ficando em segundo plano.


Thomas Pikkety. Ao menos trouxe provocações objetivas sobre temas espinhosos. Concorde, discorde, mas o faça refletindo você mesmo, não simplesmente "comprando" ideias alheias sejam de quem for.



                    É isso colegas. É sempre bom ver o mundo sobre outras óticas. Ler opiniões sobre a qual concordamos não nos acrescenta muita coisa em nossa visão de mundo e no aumento da nossa capacidade analítica. Assim, Piketty não é um charlatão, nem um messias, é apenas um pensador que resolveu dar a sua opinião, com muitos dados, sobre uma temática complexa e difícil.
  
                        Abraço a todos!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

FINANÇAS - DÓLAR, OURO E CONSIDERAÇÕES SOBRE ALOCAÇÃO DE ATIVOS

              
              Olá, colegas. Em época de certa instabilidade cambial, sempre há um frenesi sobre investir ou não em dólar.  Porém, se pararmos para pensar, qual época não é assim na moeda de um país em desenvolvimento? Por causa disso, entusiastas da Escola Austríaca de Economia (há textos muito interessantes a respeito) advogam a existência de um currency board para economias em desenvolvimento. Porém, não é o foco desse artigo falar sobre isso, até porque não teria competência técnica para tanto.

                Qual seria uma quantia razoável em relação ao portfólio para se alocar em dólar? Aqui, há duas respostas possíveis. O colega Economicamente Incorreto em seu último artigo abordou um estudo feito sobre retornos de várias classes de ativo desde 1999. A abordagem, apesar de pouco existente na blogosfera financeira já que o foco é quase sempre gestão ativa, nada mais é do que a já conhecida estratégia de alocação de ativos com balanceamento regulares e investimento em ETF/índices representativos da classe de ativo, ou seja, uma gestão passiva. Porém, o meu ponto aqui não é a discussão gestão ativa x gestão passiva. Quero chamar atenção para um ponto muito claro quando se fala em alocação de ativos e que tem correspondência com o tema desse artigo: a perspectiva de retornos reais ou não de certas classes de ativo.

                O cerne da teoria de alocação de ativos, que vem desde a década de 50, é que se um investidor escolher ativos com correlação negativa, ou ao menos com baixa correlação, os retornos anualizados (compostos) são maiores e o risco (medido em volatilidade dos retornos) menor. Logo, o investidor consegue aumentar o retorno potencial com risco menor. Como tudo em finanças gira em torno do binômio risco x retorno, parece até um “almoço grátis”, e há muitos autores que usam essa expressão.

                “Ah, Soul, volatilidade não é risco, isso é papo furado”, alguém pode pensar. Não é bem assim. Imagine dois ativos com retornos de média simples idênticos, mas com volatilidades de retornos diferentes.  Capital inicial de R$ 10.000,00:

ATIVO A – Retorno ano 1 = 5%/ Retorno ano 2 = 5%/ Média simples = 5%/ Retorno anualizado = 5%
R$ 10.000 – 10.500 – 11.025
ATIVO B -  Retorno ano 1 = 20%/ Retorno ano 2 = -10%/ Média simples = 5%/ Retorno anualizado = 3.9%
R$ 10.000 –12.000– 10.800

                Isso é matemática básica. O que importa para um investidor é o retorno geométrico do investimento, não a média aritmética.  Uma maior volatilidade de retorno necessariamente faz que o retorno anualizado seja  menor do que a média simples. Logo, a volatilidade sim é um risco, pois faz com que os retornos anualizados de um portfólio diminuam.  Nos exemplos, a volatilidade do ativo A no período foi de 0%, e do ativo B foi de 15%. O ativo A se assemelha a um título soberano, e o ativo B a um título de renda variável.  Portanto, fica claro que (eu já abordei esse tema sobre diversos enfoques como custo de oportunidade, incerteza de fluxos, Prêmio Acionário, etc) um ativo com volatilidade maior de retorno deve obrigatoriamente ter uma perspectiva de retorno muito maior. O problema é quando o ativo de baixa volatilidade (no caso das finanças pode ser como exemplo o ativo “livre” de risco) possui retornos potenciais enormes, como foi o caso brasileiro nos últimos 20 anos.  Não é problema para o investidor, mas sim para outras classes de ativo. Contudo, esse também não é o foco do artigo.

                Logo, volatilidade é sim um risco.  Portanto, a alocação de ativo tem o condão de diminuir a volatilidade, desde que os ativos sejam negativa ou não correlacionados, e com isso aumentar o potencial de retorno anualizado. Isso é do conhecimento de muita gente. Pois bem. Acontece que há outro requisito para que isso funcione e não está relacionado com correlação: a classe de ativo precisa ter retornos potenciais reais no médio/longo prazo.  Esse detalhe às vezes passa despercebido em alguns textos.

                Ora, de nada adiantaria ter um ativo negativamente correlacionado, se esse ativo não gerasse retornos maiores do que a inflação no longo prazo. Esse é exatamente o caso do Ouro para os investidores internacionais e o dólar (moeda forte) para nós investidores brasileiros.  O ouro é um ativo considerado o hedge dos hedges. Se o mundo financeiro estiver entrando em colapso, há a fé de que o ouro é um porto seguro contra hecatombes financeiras. Tal fé ocorre pelo menos até, como o velho e lindo ditado de uma nação indígena americana, ocorrer “Quando a última árvore cair, o último rio secar, quando o último peixe for pescado, o Homem Branco vai entender que não se pode comer dinheiro”. Feita essa poética digressão, o ouro sempre foi encarado como o maior de todos os seguros. Ora, se o ouro é um seguro, haveria sentido ele ter uma expectativa de retorno real de 5/6% aa? Não faria o menor sentido. Por qual motivo? Como um ativo que age como um seguro contra a catástrofe pode ter retornos potenciais reais altos? Isso seria uma ineficiência do mercado e seria prontamente corrigida, pois não faria sentido qualquer investidor racional não ter 100%, ou perto disso, de suas aplicações em ouro.  Logo, o ouro serve como seguro, mas o retorno real dele enquanto ativo é apenas marginalmente superior a zero no longuíssimo prazo. Não acredita? O primeiro gráfico mostra que o retorno real do ouro em períodos longos de tempo é próximo de zero:
O ouro tende a ser extremamente resiliente em épocas de inflação alta. Por isso, a escalada na década de 70 (época que a inflação chegou em dois dígitos nos EUA). Na crise de 1929, apesar dela ser deflacionária, o ouro teve retornos reais muito fortes  no período de 1929/1934. Assim, o ouro parece servir como hedge para situações inflacionárias e deflacionárias.


          Se você achou estranho a disparada do ouro em 2010 (talvez influenciada pelo temor de disparada de inflação com tantos Bancos Centrais injetando dinheiro na economia), saiba que houve um mini-crash no mercado a partir de 2012, como mostra o gráfico seguinte:

Houve um pequeno colapso no mercado de ouro a partir de 2010. A inflação esperada pelo influxo de dinheiro dos banqueiros centrais não veio, o que ocasionou correção do valor da commoditie metálica.

             Sendo assim, o ouro serve como proteção de valor principalmente contra escalada da inflação, como fica claro no gráfico de pico do ouro na década de 70. Porém, o retorno real do ouro no longo prazo tende a ser discreto. Logo, o ouro não é um bom ativo para se compor um portfólio de crescimento, pois a sua perspectiva de retorno real no longo prazo é baixa. O ouro pode servir como seguro, mas ninguém deve colocar 30% do seu dinheiro num seguro. Só tem sentido financeiro uma aplicação maior em ouro se a pessoa quiser fazer timing com o ativo, aí é outra história, estamos falando de tatical asset allocation, com todos os riscos e potenciais de retorno que uma estratégia dessas possui.

                E o dólar? Todo raciocínio feito em relação ao ouro, pode-se aplicar, em relação a nós brasileiros, à moeda americana.  De 1999 a 2014, o dólar teve um retorno inferior até mesmo ao IPCA, o que denota que quem investiu em dólar teve retornos reais negativos.  Porém, no médio prazo o poder do real em relação ao dólar deve medir o poder de compra dessas duas moedas.  É claro que há momentos de crises cambiais (como foi em 1998), e períodos de forte valorização da nossa moeda com muitos dólares entrando na economia (como foi no boom das nossas maiores commodities de 2002 a 2011). Há períodos de turbulência política e de calmaria política. Tudo isso faz com que o câmbio seja volátil e profissionais bem treinados podem se aproveitar disso. Porém, do ponto de vista lógico as moedas devem representar umas em relação a outras o poder de compra das mesmas.  E como seria esse raciocínio do dólar em relação ao real?

                De agosto de 1994 a dezembro de 2014 tivemos uma inflação medida pelo IPCA de 343%(https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/corrigirPorIndice.do?method=corrigirPorIndice). Portanto, teoricamente, R$ 4,43 atualmente compram o que R$ 1,00 comprava em agosto de 1994. Para o raciocínio ser completo, precisamos colocar também a inflação medida pelo CPI nos EUA no período que foi de aproximadamente 60% (que diferença!). Assim, U$ 1,60 dólares hoje compram  o que U$1,00 comprava no ano de 1994 (http://www.usinflationcalculator.com/). Portanto, se fôssemos levar em conta apenas o poder de compra das moedas, qual deveria ser a taxa de câmbio do dólar:

Agosto de 1994 = 1 real/1 dólar
Fevereiro de 2015 = 4,43 real/1,6 dólar = câmbio de 2,76 real para cada dólar.

Ontem, dia 04/02/2015, o dólar foi negociado a R$ 2,74, quase que milimetricamente no lugar onde deveria estar se levássemos em consideração apenas a inflação das duas moedas. Logo, fica claro que o dólar em 2011 a R$ 1,50 era algo que não se sustentaria no médio prazo. Parece também que o dólar a R$ 4,00 também não é algo sustentável, a não ser que a nossa inflação comece uma escalada muito forte.  Portanto, a nossa moeda parece estar onde ela deveria estar.  Apesar de discordar de alguns aspectos ideológicos dos textos no Mises, alguns artigos são de extrema valia. Eu creio que uma moeda depreciada é ruim para os cidadãos, toda coletividade perde para beneficiar apenas alguns setores ligados à exportação. Falo alguns setores, pois apenas os setores onde toda cadeia é em real que realmente se beneficiam. Portanto, ao invés, como muitos economistas fazem, de advogar uma depreciação ainda maior da nossa moeda, deveríamos pensar é em fazer reformas para voltarmos a ser competitivos num mundo cada vez mais globalizado. Enfrentar os problemas graves de nossa economia e de nossa indústria apenas com o discurso de desvalorização cambial (que é inclusive um discurso bem fácil de ser feito) não parece ser a melhor e nem a mais inteligente solução.

É isso colegas, espero que tenham gostado do artigo. Um grande abraço a todos!


domingo, 1 de fevereiro de 2015

IMÓVEIS - LEILÕES ( ADENDO SOBRE MINHA ESTRATÉGIA)

Olá, colegas. Hoje abordo um tema quase nunca explorado. Não irei adentrar em detalhes mais específicos, pois isso com certeza necessitaria de vários artigos e sinceramente não sei se tenho vontade de escrever com tanto detalhamento a respeito. O assunto é sobre leilões de imóveis. Quando algumas pessoas sabem um pouco da minha expertise, invariavelmente perguntam sobre leilões de imóveis.  Na internet  comentei poucas vezes no site do Bastter e apenas uma vez no site do Tetzner sobre o tópico em questão. O que percebi é que pouquíssimas pessoas sabem sobre os verdadeiros riscos de um leilão de imóveis.

Comecemos pelo início.  Não há um tipo de leilão de imóveis apenas, há inúmeros tipos com diferentes riscos e possibilidades. A primeira pergunta que sempre recebo é sobre quais são os riscos. Não é possível responder essa pergunta sem saber sobre qual tipo de leilão de imóveis está a se falar.  A divisão mais fundamental entre os leilões é:  judicial e  extrajudicial.  A diferença entre os dois é que no judicial  o procedimento deve ser todo feito por meio de um processo judicial e no extrajudicial não. São dois tipos de leilões muito distintos, com riscos também distintos.

Entre os leilões judiciais, há diferentes tipos de leilões. A diferenciação mais clara é leilões de órgãos judiciais diferentes. Assim, há leilões da Justiça do Trabalho, Federal e Estadual. Há diferenças substanciais entre os leilões a depender de qual justiça está realizando os leilões. Há riscos diversos também e oportunidades distintas. A jurisprudência da Justiça do Trabalho sobre um determinado tema envolvendo leilão (ou sobre algum aspecto processual anterior ao leilão) pode ser bem diferente da jurisprudência da Justiça Estadual de algum Estado da Federação. Para os que não estão acostumados com a linguagem, jurisprudência é um nome que se dá para decisões judiciais reiteradas numa determinada direção. Assim como há diferenças entre algumas espécies de leilões extrajudiciais.

Por qual motivo um imóvel vai a leilão? Os motivos podem ser variados. Pode ser a ausência de pagamento de prestações de um imóvel alienado fiduciariamente a um banco. Pode ser a falta de pagamento de um condomínio ou a execução de uma dívida civil qualquer (há diferenças e riscos na simples diferenciação entre dívida de condomínio e outra dívida civil).  Pode ser a execução de impostos devidos ou de verbas trabalhistas devidas pelo empregador.  Enfim, os motivos são variados.

Muitas pessoas acreditam que um leilão não pode ser anulado ou que tal hipótese é remota, pois se o imóvel está sendo leiloado é por que tudo já foi resolvido anteriormente. Nada mais longe do que acontece no dia a dia das decisões judiciais. Há tantos motivos que um leilão pode ser anulado, seja judicial ou extrajudicial, que daria para preencher um capítulo num livro sobre o tema. Entretanto, e aqui começa a existir uma diferenciação de como eu encaro esses problemas, os riscos são muito diferentes uns em relação aos outros. Uns podem ser mais perigosos do que outros. E isso me leva ao próximo parágrafo.

O maior temor de pessoas que não conhecem muito sobre o tema é o imóvel estar ocupado. Quando falo que esse “risco” é o que menos me preocupa, as pessoas costumam não entender. Quase todos os imóveis estarão ocupados. Isso não é um problema maior. O maior problema é saber se o ocupante terá defesas jurídicas fortes para continuar ocupando o imóvel. Qualquer um pode ingressar com medidas judiciais para manter a posse de um imóvel. Porém, a qualidade dos argumentos jurídicos pode variar imensamente. O nosso Judiciário pode ser moroso, mas há uma diferença fundamental entre você litigar com alguém com argumentos fracos e alguém com argumentos fortes.  É nesse momento que entra o conhecimento e a experiência. A minha maior preocupação é mitigar a possibilidade de questionamentos judiciais futuros com argumentos fortes, e não mitigar qualquer possibilidade de questionamento, pois isso não é possível.  Além do mais, há técnicas de negociação que podem ser aplicadas para encurtar ao máximo a ocupação de um imóvel leiloado, e essas técnicas serão mais eficazes quanto mais fracas forem as defesas judiciais de quem ocupa um imóvel leiloado. Entretanto, o temor de um imóvel ocupado afasta muito as pessoas, o que faz com que seja ainda possível encontrar imóveis com break even muito substanciais.

Outra dúvida muito freqüente é sobre o tamanho de patrimônio razoável para participar de leilões. Para responder essa pergunta, eu me valho dos ensinamentos do mercado financeiro. Aliás, muitos conceitos do mercado financeiro eu adaptei para a minha estratégia específica nesse segmento. Ao fazer isso, creio que faço algo que não é replicado no país, pelo menos eu não conheço: o alinhamento de estratégias jurídicas com conceitos financeiros (TIR, Margem de Segurança, prêmio por iliquidez, etc) para um plano de ação muito mais efetivo e consciente em leilões.  Uma vez um amigo perguntou o que eu tinha aprendido por ler um livro tão complexo como o “Expected Returns”, e se não tinha sido perda de tempo. Não o foi. Na verdade, as associações que nós podemos fazer no futuro com um conhecimento aprendido no presente sem nenhuma “utilidade prática” são imprevisíveis. Semanas atrás li uma frase do Charlie Munger (aliás o sócio do Buffett tem escritos muito interessantes) de que o conhecimento pode também se comportar como juros compostos. No meu caso, esses últimos três anos foram importantes para aprender sobre finanças, errar, prosperar em negociações e traçar uma estratégia coerente com meus objetivos e minhas forças. É inegável o quanto o conhecimento de finanças está sendo útil para mim, e nesse processo eu não consigo distinguir o que foi inútil ou não ter lido.   O meu último artigo sobre ERP (Equity Risk Premium) foi um dos que menos teve acesso, apesar de achar um artigo bom. Apesar da tecnicidade do termo, é com associações com ERP, por exemplo e não só,  que eu comecei a ver com mais clarezas riscos e retornos em leilões, por exemplo. Na verdade, as associações que eu faço são múltiplas, mas não vou entrar em todos os detalhes possíveis.

Sendo assim, é correto colocar todo o seu patrimônio acionário numa única empresa? Apesar do termo certo e errado não ser tão preciso aqui, pode-se responder que no mínimo não é prudente. O mesmo conceito de diversificação se aplica a leilões. Quanto maior a sua capacidade de diversificar em vários leilões ao mesmo tempo, menor o seu risco. Se eu estimo que, depois de me certificar que  todos os pressupostos de check list para um leilão específico foram atendidos, a probabilidade de um leilão dar errado é de 10%, claro está que se há a possibilidade de se estar em 10 leilões ao mesmo tempo (e considerando cada leilão um evento independente, eles não são do ponto de vista estatístico, mas se pode aproximar e dizer que sim), a chance de tudo dar errado nos 10 leilões é extremamente diminuta. Logo, quanto menos capital alocado mais arriscado é.

Assim, leilões podem ser detalhistas e exigir conhecimento jurídico bem específico. Esses requisitos podem ser encontrados em alguns sites que prestam consultoria para leilões. Porém, se junto a isso, somar-se habilidades para fazer análises financeiras sobre custo de oportunidade, margem de segurança, TIR projetada, etc, e habilidades negociais, a vantagem competitiva pode ser grande.  As recompensas podem ser enormes, estou a falar de 60 a 100% ao ano. Eu acho até mesmo possível replicar isso nos EUA, e seria uma das formas de diversificação internacional minha, bem como para geração de fluxo em dólar. Os estudos são ainda bem iniciais, mas pretendo intensificá-los mais esse ano.

Meus artigos sobre estratégia e objetivos financeiros não são abstratos. Ao contrário, eles são muito concretos. O investidor conhecer-se a si mesmo, suas habilidades e fraquezas não é algo abstrato, pelo contrário é fundamental para traçar cenários mais compatíveis com os objetivos.  Eu concordo plenamente que não há um único caminho, há diversos deles.  Enquanto uns querem ganhar com opções (algo complexo para a esmagadora maioria), outros querem ganhar empreendendo e fazendo alguns negócios imobiliários mais convencionais, como os nossos colegas BBB e Corey estão fazendo.  Eu achei uma estratégia que faz todo sentido com o meu conhecimento e meus objetivos financeiros, mas isso não quer dizer que é a única ou que serve a todas as pessoas, muito provavelmente não.

Eu preciso de fluxo de renda não só para pagar as minhas despesas, mas para dar segurança financeira para operações que podem ser demoradas e dizem respeito a bens ilíquidos. Por isso, eu me dediquei no último ano e meio a estudar e refletir muito sobre Fundos Imobiliários. Alguns colegas pensaram que esse era o meu foco principal, talvez pela quantidade de textos financeiros um pouco mais técnicos que eu porventura possa ter escrito. Atualmente, sinto que os FII atendem e muito bem a necessidade de fluxo.  Preciso também de liquidez imediata para aproveitar oportunidades e me posicionar com mais facilidade. Logo, eu preciso de instrumentos financeiros que me possibilitem isso. Por fim, eu posso potencializar de forma muito grande os meus retornos, atuando numa área em que eu possuo expertise. Não pretendo potencializar retornos com trades no mercado acionário, opções, etc. São tópicos que não domino, e que há inúmeras pessoas muito competentes e estudadas querendo ganhar muito dinheiro e a maioria delas não consegue nem mesmo obter retornos em excesso a uma simples estratégia  de escolha de ativos com alguns filtros fundamentalistas. Logo, esse não é o meu caminho. Esses são os materiais de construção da minha estratégia. Claro está que é uma situação muito particular minha e provavelmente não replicável tão facilmente para outra pessoa. Por isso, conhece-te a ti mesmo, encare de frente suas limitações e invista naquilo que faz melhor.

As pessoas dizem que sentem adrenalina com trades. Experimente leilões de imóveis de quantias vultosas, aí sim experimentará um verdadeiro rush. Outro aspecto que não destaquei é do ramo de economia comportamental. Assim como em finanças precisamos tentar controlar as emoções, em leilão essa característica é vital. Conhecer os erros de julgamento, como as pessoas tomam decisões equivocadas sobre pressão, etc,  é de extrema valia.


É isso, colegas. Espero que tenham gostado. Abraço!