segunda-feira, 27 de março de 2017

A SEGURANÇA DOS GOVERNADOS DEPENDE DA INSEGURANÇA FUTURA DOS GOVERNANTES

Olá, colegas. Antes de mais nada, nos últimos dias tenho escrito um texto por dia. Fui um pouco motivado pela leitura do livro o “Poder do Hábito”. Sempre pensei que fosse um livro mais superficial, mas fui surpreendido pela qualidade da obra.  Também resolvi experimentar outras formas de escrever. Fazendo textos mais satíricos, tentando trabalhar novas formas de construção, usando o diálogo como forma de expressão. Foi uma experimentação. Fiquei surpreendido como algumas pessoas ficam desconcertadas com novas formas de texto. Acho um processo pessoal importante a experimentação. Quem quiser olhar os textos, basta ver ao lado nos artigos escritos em março.


  A frase que dá título ao presente artigo foi dita para mim pelo meu pai há uns 15 anos. Ele por sua vez disse que a tinha lido num artigo escrito por um pensador estrangeiro. Ela resume de forma magistral como podemos pensar nossos sistemas políticos. Vou além, ela pode ser aplicada a quase tudo relacionado a relacionamentos humanos.

 Qual o sentido da frase? É simples. Se governantes são seguros em relação ao seu futuro político, há uma probabilidade muito grande para que haja abuso do poder no momento presente, com consequências deletérias para os governados no presente. Talvez fazendo uma associação como funciona, ou deveria funcionar, um mercado livre fique mais fácil a compreensão.

 Num mercado livre, a competição, ou seja a insegurança das empresas no futuro, fará com que sempre haja uma busca por uma melhora contínua nos processos. A busca pela eficiência, isso é fazer mais com menos, será quase que uma questão de sobrevivência para os agentes econômicos. Uma empresa bem consolidada no presente poderá simplesmente quebrar no futuro se houver uma acomodação grande ou uma perda de eficiência significativa. Logo, a insegurança das empresas no futuro, representa uma maior segurança para os consumidores no presente, que terão empresas sempre buscando ofertar melhores produtos e serviços.

  Por seu turno, se uma empresa possui um monopólio concedido pelo Estado , por exemplo,  é lícito presumir que essa empresa não temerá muito pelo seu futuro. Se assim o é,  muito provavelmente ela não terá muitos incentivos para ser cada vez mais eficiente no presente. Logo, a segurança da empresa, nesse contexto, em relação ao seu futuro financeiro, fará com que a vida para os consumidores do presente seja pior na forma de piores serviços e produtos prestados.

 Boa parte dos artigos do Instituto Mises Brasil falam sobre isso. É um dos conceitos fundamentais de toda teoria defendida por lá. E faz todo o sentido. Porém, a nossa vida é muito mais ampla do que relações de consumo. Eu não creio que é a melhor forma de  analisar o mundo pensar que todas as relações humanas possam ser resumidas a relações de consumo e produção. Ou, mesmo admitindo que haja relações distintas, usar a mesma forma de pensar para fenômenos completamente distintos. Apesar desse contraponto, fica evidente que faz todo o sentido de que mercados onde haja mais incerteza no futuro, as empresas tenderão a ser mais eficientes no presente, fazendo com que haja ganhos para os consumidores.

  Pense agora no seu relacionamento, caso você tenha um. Pense num casamento há 100 anos, onde o divórcio não existia, e havia uma pressão enorme sobre a mulher casada. A certeza por parte do marido sobre o futuro do casamento, com certeza levava a comportamentos que não prezavam de maneira mais intensa os interesses da esposa no presente. 

 Hoje em dia, onde as mulheres podem se divorciar quando quiserem, podem trair com muito mais facilidade sem uma pressão social enorme como existia há 100 anos, ou seja a incerteza por parte dos homens na manutenção do relacionamento no futuro, faz com que os maridos tenham que se esforçar mais para levar os interesses da esposa no presente com mais atenção. É mais ou menos o que consta no adágio popular “ Quem não dá assistência, abre para a concorrência”.

  Esse raciocínio pode ser levado para muitas esferas da nossa vida. Porém, volto aqui para a política.  Algo que acho bem interessante é observar alguns discursos de Stalin, principalmente a parte dos aplausos. O vídeo de menos de um minuto abaixo é apenas um exemplo:





  Um sujeito desse evidentemente não tinha qualquer receio sobre o seu futuro, e hoje nós sabemos o que aconteceu com os seus governados. Porém, o que Stalin fez nos causa repulsa não porque ele tenha sido o único sádico da história, isso está muito longe de ser verdade, mas porque aconteceu há pouco tempo. O meu pai era vivo quando ele deu esse discurso, e para nós que vivemos em sociedades razoavelmente estáveis e democráticas, a sombra de um Stalin é de certa forma perturbadora.

  O abuso total e completo do poder, como feito por Stalin, era a norma, não a excessão no mundo. Sempre quando leio sobre a história, nem que de forma superficial, sobre um país  que visito, fico abismado com o grau de violência e arbitrariedade que existiam há centenas de anos. Massacres de dezenas de milhares era algo comum. Governantes despóticos e poderosos podiam fazer o que bem entendessem. 

 Assistindo  ao primeiro episódio da série Marco Polo no Netflix, fiquei imaginando que o poder de um Trump ou de um Obama não é nada perto do que Kublai Khan poderia fazer com os seus súditos. Não havia qualquer incerteza no futuro para o grande Khan, o mesmo não se pode dizer dos presidentes mais recente e atual dos EUA.

  Logo, a minha, a sua, a nossa segurança, depende de sistemas políticos onde o futuro dos atuais mandatários seja incerto.  E algumas coisas contribuem para essa incerteza. A existência de pluralidade de pensamentos e de espectros políticos é uma delas. Num lugar onde não há dissidência política, de forma muito severa como na Coréia do Norte, e de forma mais branda como em Cuba (para citar dois exemplos que alguns  leitores desse espaço adoram falar), a incerteza do futuro dos poderosos é muito menor. Logo, a arbitrariedade no presente é muito maior.

 Não é à toa que esse espaço prima pela racionalidade no debate, não pela rotulação. Pessoas são diferentes. Há testes psicológicos que mostram isso. Há pessoas mais introvertidas, outras mais extrovertidas. Há pessoas com laços maiores com um determinado grupo, em que pese considerações como justiça por exemplo, outras pessoas já não agem desse modo. Há uma cacofonia de vozes e opiniões. Nós temos que saber conviver com isso, e para mim, por mais que seja um sistema com as mais diferentes falhas, a Democracia e o Estado Democrático de Direito são os melhores instrumentos para acomodarmos esse choque permanente. É um equilíbrio dinâmico ou um “equilíbrio instável”.

  O que muitos não percebem é que a sua própria segurança depende da existência de pessoas que pensem diferente. Isso é muito difícil de conceber e aceitar, eu admito. É por isso que muitas pessoas procuram o caminho mais fácil que é se fechar em suas concepções de mundo, invertendo o significado da famosa frase atribuída a Sócrates de que “Conheço uma gota, ignoro um oceano”. Quando se fecha para as diversas visões que existem sobre mundo, comportamento humano, etc, as pessoas na verdade estão implicitamente dizendo que “Ignoro uma gota, conheço o oceano”.

  O que se sabe, pelo menos pelo decurso da história, é que quase sempre houve grupos que dominaram uma grande maioria, muitas vezes de forma violenta. O poder de uns sobre muitos sempre foi a tônica. Logo, precisamos admitir que há uma tendência humana do poder ser abusado. Até pouquíssimo tempo essa era a norma, o que nós vivemos hoje em dia com poderes políticos limitados, respeito a direitos fundamentais mínimos, é uma completa exceção na história da humanidade.
  

  Isso independe do tamanho do Estado. O tamanho do Estado, ou do governo, nunca foi uma medida de maior ou menor liberdade dos súditos. Essa afirmação pode chocar ou irritar alguns ideólogos que pregam que quanto maior o Estado, menor a liberdade humana. Quanto maior a tributação, maior a “escravização” de um povo. Isso não se sustenta a uma breve análise dos números e dos próprios fatos históricos.

 Quando um blogueiro do qual eu gosto bastante repetiu essa ideia nos comentários de um outro artigo que eu tinha escrito, ele talvez possa ter ficado surpreendido que os países com menor carga tributária do Mundo são países onde a liberdade é muito restrita. Arábia Saudita, Guiné, e outros países “difíceis" estão entre os de menor carga tributária. Por outro lado, países extremamente livres, educados e saudáveis (pelas métricas do IDH) estão entre os de maiores cargas tributárias do mundo.

  Fique claro que aqui não é uma defesa de tributos ou de mais Estado, e nem o contrário de menos tributos e menos Estado, mas apenas uma constatação factual de que Estados com pouquíssimo peso no PIB podem ser totalitários, enquanto outros com grande participação, não. 

 Além do mais, na história da humanidade  , se fosse possível medir a carga tributária em períodos distantes de tempo no passado, é quase certo que há 500 anos ela seria muito menor do que é hoje. O Imposto de Renda é uma criação recente, por exemplo. Apesar disso, quem você acha que é mais livre, um cidadão inglês no ano de 2017, ou um camponês da Inglaterra no século 15?

  Logo, com Estados Grandes ou não, com ideologias das mais variadas possíveis, momentos históricos diversos, a tendência é que grupos pequenos abusem do poder. Quanto maior a segurança desses grupos sobre futuro, maior será a insegurança da maioria. Quanto menor a segurança desses grupos sobre o futuro, maior a segurança da maioria. Lembrem-se disso, prezados leitores.


  Um abraço!

sábado, 25 de março de 2017

O TEMPO NÃO FOI, NÃO É E NUNCA SERÁ O SEU ALIADO EM NADA

Olá, colegas. Tempo. O que é o tempo? “Como assim, Soul?”. Saibam que algo intrinsicamente natural para nós seres humanos como o tempo, não é algo tão claro para a ciência. O que é o tempo, se ele possui uma direção, por qual motivo ele existe, são questões que cientistas sérios, e filósofos também, tentam refletir.

 Estas reflexões são espetaculares, no meu entendimento. Uns, quiçá  uma grande maioria, talvez pensem que é uma grande perda de tempo (sem ironias). Preciso pagar o IPTU do ano, em qual fundo imobiliário investir, estou interessado na colega do trabalho, ou qualquer outro pensamento que percorre a cabeça de centenas de milhões de pessoas em suas rotinas. O que saber o que é o tempo, ou se ele possui uma direção, será útil na minha vida? Aliás, poderia haver algo mais inútil do que isso? Muitos podem pensar.

 É uma crítica justa e razoável. Para mim, entretanto, a capacidade de se refletir sobre o que é o tempo, e ir além disso questionar se a nossa noção de tempo é correta ou faz sentido, é que torna a nossa espécie Homo Sapiens tão fabulosa. O que nos torna únicos e preciosos. Dentre vários motivos da minha admiração por Einstein, um deles, talvez o maior, é como ele pôde desafiar noções tão triviais da realidade como Tempo e Espaço

 Como alguém usando simplesmente o raciocínio, o intelecto, pôde refletir sobre o tempo e o espaço de uma forma complemente não-natural para nosso cérebro que evoluiu em nossos ancestrais há milhões de anos, e em nossa espécie nos últimos 200 mil anos? É espetacular. Mais incrível do que isso para mim apenas o amor e a compaixão.

 Porém, esse texto não irá discorrer sobre o Tempo de uma forma tão mais profunda. Não, será sobre a nossa noção natural e arraigada de que o tempo existe, e ele sempre vai para frente. 

 Lendo um artigo hoje de manhã, reparei com uma frase e ideia de que “o tempo seria o seu aliado”. Colegas, o tempo nunca foi, não é e nunca será o seu aliado. Pensemos em termos financeiros. 

 O capital é algo que se pode acumular. Quando alguém recebe um salário, pode fazer, depois de satisfeitas as necessidades básicas humanas, decidir se esta renda se tornará mais consumo ou capital. Logo, se a pessoa decidir poupar, que nada mais é do que destinar uma parcela da sua renda para a formação de capital, ao longo do tempo é de se esperar que a mesma acumule capital. Quanto maior for o tempo, muito maior será o capital

 Quem já não leu alguma passagem de algum texto dizendo “ Se um dólar fosse aplicado em 1735 com uma taxa de juros de 7%, hoje seria possível comprar toda NY com o dinheiro acumulado”.

 Não se esqueçam que “os juros sobre juros” nada mais são do que a renda sendo poupada para acúmulo de mais capital. Se um investidor recebe um dividendo de R$ 1.000,00, cabe a ele a decisão , dessa renda que é de um capital anteriormente acumulado, de consumir ou poupar para aumentar ainda mais o capital. Os juros sobre juros , em finanças, nada mais são do que uma decisão de poupança sobre consumo. 

  A passagem de tempo na acumulação de patrimônio é algo lógico. Quanto mais tempo se tiver disponível, mais patrimônio poder-se-á acumular pelo destino de uma parte da renda, seja do trabalho ou proveniente de capital previamente acumulado, para poupança.

  E o tempo? Abaixo um vídeo do ex-presidente do Uruguai. É curto,um pouco mais de um minuto. Recomendo fortemente que se assista para que o resto do texto se torne mais compreensível. Por fim, há muitas ideias neste um minuto e meio de vídeo ( e não precisa se concordar com nenhuma delas), mas concentrem-se apenas nos últimos 20-25 segundos.





  Seja qual espectro ideológico sobre política ou economia que mais lhe agrade, seja qual tipo de misticismo você se identifique mais, seja qual for a sua orientação sexual. A Verdade é que tempo não se economiza,  o tempo só pode ser gasto. Não podemos acumular tempo, assim como fazermos com o patrimônio, só podemos consumir o tempo. Não há meio termo. Em matéria de tempo, todos os seres humanos, e seres vivos como um todo, são consumidores, nunca poupadores.


  Esta é uma verdade fácil de ser apreendida, difícil de ser completamente entendida. Mais difícil ainda é levar uma vida de acordo com este ensinamento. O que se mais vê, e basta abrir os olhos e observar a realidade que nos cerca, para vermos pessoas achando que o tempo não é gasto, e que além de tudo ele não é infinito.

 O nosso tempo de vida nessa terra, amigos, é deveras finito. Talvez nossos descendentes daqui 200 anos possam viver milênios. Quem sabe o que pode acontecer com o conhecimento humano até lá. Assim, a ligação dessas futuras gerações de humanos ( e eu tenho dúvidas se poderemos dizer que são humanos como nós) com o tempo pode vir a ser radicalmente diferente. Porém, para nós seres humanos no ano de 2017, o nosso tempo é finito.

 Quando se tem algo que é imprescindível, que não é renovável (ou seja só se pode consumir) e finito, faz sentido que a utilização desse insumo seja feito da melhor maneira possível, não é mesmo? 

 Se sofri um acidente aéreo, e me encontro no meio do deserto do Gobi na Mongólia sozinho com apenas um litro de água, faria sentido usar o líquido para escovar o meu dente? Pensemos. A Água é vital para a nossa sobrevivência, ela na situação é extremamente finita  (apenas um litro) e eu não sei quantos dias terei pela frente no deserto, faria sentido desperdiçá-la? Não faria qualquer sentido.

  Se assim o é, por qual motivo tantas pessoas desperdiçam o seu finito tempo nessa terra? Por qual motivo gastamos algo tão precioso e finito para metaforicamente “escovar os dentes no meio do deserto?”. Evidentemente, essa é uma questão que cada um deve responder para si mesmo. 

  Logo, o Tempo não é o seu aliado, nunca será. O tempo é algo que apenas diminui, que a cada dia consumimos. A cada dia vivido, diminui o nosso tempo aqui na terra. Não o contrário. A cada Real (ou dólares, ou euros) poupado, aumenta-se o patrimônio. Com o tempo isso não acontece.

  Portanto, não se auto-enganem, queridos leitores, achando que o tempo é seu aliado na acumulação de riqueza, pois ele não o é. A acumulação de riqueza nada mais é do que uma troca por tempo. Você pode até considerá-lo aliado, mas ele cobrará o seu preço por essa "aliança", e em alguns casos o preço será extremamente alto.

  Como algumas pessoas gostam de tirar conclusões precipitadas, ou gostam apenas de reafirmar suas ideias prévias, essa simples constatação em nada quer dizer que há algo de errado em acumular patrimônio. Não há qualquer juízo de valor, mas apenas um juízo de fato.

  Além do mais, muitos empreendimentos humanos necessitam tempo, ou seja, necessitam que gastemos o nosso precioso e finito recurso em alguma coisa. Quer ser um médico? Você terá que gastar o seu tempo para estudar bastante. Quer conhecer a Mongólia? Você terá que gastar o seu tempo com isso. Quer acumular uma determinada quantidade de patrimônio, você terá que gastar o seu tempo com isso.

  Percebe-se que não é uma questão de se desesperar com o conceito de que a cada segundo que respiramos, é um segundo a menos de vida, e de alguma forma isso nos paralisar. Não, prezados leitores. Isso serve para que possamos tentar, de forma consciente, tomar as rédeas das nossas vidas. 

 O que pretendo dizer com isso? Para mim nada mais é do que saber de forma consciente com quais empreendimentos, dentre uma gama quase infinita, gostaríamos de gastar o nosso tempo. E destes empreendimentos quais deles podem nos trazer uma maior satisfação.

  Essa reflexão é vital. No que toca aos investimentos, ela é de extrema importância. Como é muito fácil hoje em dia simular retornos para muitos anos no futuro, muitos talvez possam não se dar conta de que aquele gráfico quase que exponencial para o futuro, deveria ser contrabalançado com outro em declínio, que é o seu tempo de vida nessa terra. É uma troca. Talvez alguém queira atingir 100 milhões, ou 1  bilhão de dólares, quem sabe. Não há nada de mal na escolha em si, desde que ela seja tomada de forma consciente, e desde que esse acúmulo de alguma maneira guarde uma coerência com os anseios, mais uma vez repito conscientes, dessa pessoa do que seja uma boa vida, ou seja satisfeita e plena.

  Uma outra coisa interessante sobre o Tempo de vida Humano, é que ele, ao contrário do capital, possui qualidades diversas. Isso é uma constatação meramente biológica. O meu pai de quase 80 anos, nunca voltará a ter a vitalidade de quando ele tinha oito anos. Aliás, ele possui um quadro pendurado no apartamento onde vive, retratando uma cena da infância dele num município do interior de Pernambuco. O quadro é ele jogando bola de gude com outras crianças. Não adianta, aquele tempo nunca mais voltará. Simplesmente passou. A saúde dele nunca será mais como a criança que ele foi há 70 anos.

  Portanto, a nossa vitalidade diminui. A nossa saúde piora. Logo, a quantidade do tempo que gastamos na terra em certa medida é diferente na qualidade. Não é a mesma coisa que um dólar, por exemplo. Um dólar é um dólar, não há nada de qualitativo melhor ou pior entre dólares. 

  Os meus últimos dois parágrafos não significam que a nossa vida como um todo piora com a diminuição do nosso tempo na terra. Claro que não. O que se tem de vitalidade na juventude, ganha-se em maturidade em fases mais avançadas. Podemos ser felizes como crianças, jovens , adultos e idosos. Podemos ser infelizes enquanto jovens, mas felizes enquanto idosos. Podemos ser felizes enquanto jovens e insatisfeitos quando idosos. Porém, a nossa vitalidade física e biológica vai diminuindo cada vez mais, e a partir de certo ponto a queda é expressiva. 

  Portanto, além de termos um recurso finito que devemos escolher bem com o que gastar, este recurso tende a ser qualitativamente diferente com o passar do tempo, o que faz com que nossas escolhas no presente sejam ainda mais importantes e a nossa reflexão sobre como gastar o nosso tempo ainda mais fundamental.

 Portanto, colegas, tempo não se poupa. Tempo se gasta. Vida não se multiplica, ela se esvai. O Tempo nunca será o seu aliado. Somos humanos, fazemos planos, temos ambições, sonhos e projetos. Tudo isso demandará nosso tempo. Nosso recurso finito e precioso. Cabe a cada um tomar decisões conscientes como deseja gastar esse insumo.

  Quando pensar em Tempo, não pense nele como um aliado. Pense no tempo como se ele fosse água e estivesse no meio de um deserto. Você não vai querer desperdiçá-lo à toa, não é mesmo? Não faça o mesmo com o seu tempo de vida.

Já que falei de Mongólia e Tempo, nada melhor do que um exemplo. No meu lado esquerdo a poucos metros estava a Rússia. No meu lado direito (montanha nevada) estava a China. Nas minhas costas o Cazaquistão. Estava no ponto mais Oeste da Mongólia. Uma região absurdamente linda, remota e desolada. Gastamos 12 horas, muito esforço físico, para chegarmos no topo da montanha (estávamos descansando, preparando para o assalto final) a mais de 4 mil metros, com um percurso muito difícil mesmo. Esse foi um tempo muito bem gasto.


  Grande abraço!



sexta-feira, 24 de março de 2017

A VERGONHA DE ATLAS

"Dizia-se que Nat Taggart tinha enterrado a sua vida na ferrovia muitas vezes. Mas houve uma vez em que ele enterrou mais do que a vida. Precisando urgentemente de fundos, com a construção da ferrovia suspensa, ele jogou por três lances de escada abaixo um distinto cavalheiro que lhe fora oferecer empréstimos do governo. Depois ele empenhou a própria mulher num empréstimo que fez com um milionário que o odiava mas admirava a beleza de sua mulher. Repôs a dívida em tempo hábil e não perdeu o que dera como garantia. Tudo foi feito com o consentimento da esposa. Ela era uma mulher belíssima, descendente da mais nobre família de um estado sulista que havia sido deserdada pela família porque fugira para com casar com Nat Taggart quando ele era ainda apenas um pobre e jovem aventureiro." (A Revolta de Atlas, página 69, Livro 1)


UM POUCO ANTES


Nat Taggart: Boa Tarde.

Banqueiro: Boa Tarde.

Nat Taggart: O meu nome é Nat Taggart e estou aqui pois quero um empréstimo para poder construir um sistema de ferrovias que irá revolucionar os EUA e…

Banqueiro: Você é Nat Taggart?

Nat Taggart: Sim.

Banqueiro: The Nat Taggart?

Nat Taggart: Sim!

Banqueiro: Uau, você é o Nat Taggart que será o herói ancestral da heroína de um dos livros mais influentes da história de nosso país. Você será o modelo de moral, caráter e força de vontade que irá permear as mais de 1000 páginas. Você será a luz ética que sempre conduzirá a heroína Dagny Taggart nos seus percalços e lutas contra parasitas e homens de pouca ou nenhuma força moral. Você será a imagem da virtude, a virtude que um dia existiu, mas terá sido perdida por quase todos, a exceção de uns poucos iluminados, em tempos futuros.

Nat Taggart: Serei tudo isso? Dany Taggart? É parente? Qual livro?

Banqueiro: Sim, sim. Este livro, que será tão influente como a Bíblia para alguns, será escrito daqui uns 100 anos. 

Nat Taggart: Como é que? Como você pode saber?

Banqueiro dá de ombros.

Banqueiro: Sei lá, sou apenas um personagem criado, pergunte para o autor.

Nat Taggart: Como?

Banqueiro: Deixa para lá, como posso ser útil?

Nat Taggart: Bom, como ia dizendo, preciso de um empréstimo para seguir com o meu plano de construir uma ferrovia e mudar o nosso país para sempre!

Banqueiro: Sr. Nat Taggart, quanto o Sr. quer?

Nat Taggart: Dois Milhões de dólares.

Banqueiro: Isso é muito dinheiro para a nossa época. O Sr.Tem garantias para oferecer ?

Nat Taggart: Não.

Banqueiro: Agora estou lembrando. Não foi o Sr. que empurrou um distinto Sr. que ofereceu empréstimo do governo para a sua ferrovia?

Nat Taggart: Sim, fui eu.

Banqueiro: O pobre coitado não quebrou a coluna e está paralisado do pescoço para baixo?

Nat Taggart: Sim.

Banqueiro: O Sr. é o tipo de pessoa que gostamos de fazer negócios, mas não podemos oferecer essa quantidade de dinheiro sem que o Sr. possa oferecer uma garantia.

Nat Taggart: Veja, estava aqui pensando, sou casado com uma mulher lindíssima.

Banqueiro: E?

Nat Taggart: Veja, ela é uma mulher muito bonita, além de ter um corpo sensual. Além do mais, ela vem de uma família de muitas posses e tradicional do Sul.

Banqueiro: Uma daquelas famílias que explorava mão-de-obra escrava negra?

Nat Taggart: Evidentemente.

Banqueiro: São pessoas com o seu caráter moral que gostamos de negociar, Sr.Taggart. Mas, não entendi onde entra a beleza da sua esposa.

Nat Taggart: Olha, ela é muito bonita, prendada. Faz tudo que eu mando, se eu disser pula, ela pula, se eu disser se ofereça como garantia para um empréstimo bancário, ela se oferece.

Banqueiro: Ainda bem que não inventaram o feminismo na nossa época hein? hahaha!

Nat Taggart: hahaha!

Banqueiro: Mas Sr.Taggart, pelo que estou entendendo, você quer oferecer a sua mulher como garantia para um empréstimo bancário?

Nat Taggart: Quero sim.

Banqueiro: O Sr. não sabia que desde os primórdios do direito romano, há muitos e muitos séculos, a mudança das garantia para uma dívida das pessoas para o patrimônio dos devedores foi um dos grandes avanços da humanidade? Antigamente, antes dos romanos, era comum as pessoas se tornarem escravas por dívidas não pagas. Hoje em dia, esse tipo de coisa além de ser ilegal, causa um certo asco as pessoas normais.


Nat Taggart: Eu sei disso. Mas, eu sou um homem determinado a mudar o nosso mundo. Minha força de vontade é maior do que quase todos os homens somados. Minha força moral é tão grande, que talvez nem Alexandre poderia se comparar. E, veja, ela é muito bonita.

Banqueiro: Sr. Taggart, obviamente o Sr. é uma pessoa de força moral. Esse banco não se importa se você quase assassinou e deixou uma pessoa paralisada para sempre, pois não concordou com a oferta de negócios dele. Também não nos importamos sobre o que o Sr. acredita sobre a escravidão de outros seres humanos baseado apenas na sua cor de pele. Aliás, isso não mostra nada sobre o seu caráter. Agora, não podemos aceitar a sua mulher como garantia. Seria ilegal, não que não fazemos coisas ilegais, e também como classificaríamos a sua mulher nos nossos livros? Desculpe, mas não poderemos conceder o empréstimo.


UM POUCO DEPOIS


Nat Taggart: Mulher, o empréstimo bancário me foi negado. Tentei oferecer você como garantia, mas eles não aceitaram.

Mulher: Você fez o quê?

Nat Taggart: Fui a um banco e tentei oferecer você como garantia, mas eles não aceitaram.

Mulher: Você está louco? Me dar como garantia? Como assim?

Nat Taggart: Mulher, eu sou uma força moral e ética. Irei colocar a minha empresa para bilhar e mudar esse país, e você me pergunta coisas de pouca importância como dar a minha própria mulher como garantia de um empréstimo. Tenha Paciência.

Mulher: Que péssima ideia foi largar a minha vida confortável lá no sul com a minha família nobre e tradicional. 

Nat Taggart: Tenho uma ideia. Tem um sujeito que me odeia. Eu também não gosto dele. Ele é feio, barrigudo, possui aquela doença que faz a pessoa suar sem parar. Diz-se também que ele não é muito bom com higiene. Porém, eu sei que ele aprecia a sua beleza. Sei também que ele possui muito dinheiro. Vou pedir empréstimo para ele e oferecer  você como garantia.

Mulher: Você quer me oferecer em garantia para uma pessoa tão repugnante, que ainda por cima odeia você. Você vai me arriscar a me tornar uma escrava sexual?

Nat Taggart: Sim. E escute. Daqui a 100 anos irão escrever um livro fabuloso. Foi o que ouvi. Eu serei a fonte moral histórica que irá impulsionar uma jovem destemida a lutar contra as pessoas sem falta de caráter. O fio condutor da obra será as relações livres e consentidas. Sendo assim, você irá dizer que aceita ser dada como garantia para um empréstimo, pois com a sua aquiescência tudo parecerá melhor.

Mulher: Mas isso é ridículo. Se este livro realmente vier a existir, como as pessoas não irão perceber que você ofereceu a sua própria mulher para pegar um empréstimo, não para salvar a vida de um filho em risco de vida por uma doença, por exemplo, mas para aplicar num investimento arriscado que pode dar certo, como pode dar errado. E se der errado, eu vou ser uma escrava sexual de um sujeito que odeia você. Ou seja, poderei ter trocado uma nobre e honrada família escravocrata sulista para virar uma escrava sexual de um homem que não desejo.

Nat Taggart: Mulher, pelo que ouvi, o livro terá mais de 1000 páginas. Essa parte será apenas um curto parágrafo. Ninguém vai nem perceber. Além do mais estará no meio de várias páginas que tecem elogios ao firme caráter da minha pessoa, pode acreditar que ninguém irá perceber esse fato.

Mulher: E daí? Se você não pagar, eu vou me dar mal, não que a minha vida contigo seja das melhores.

Nat Taggart: Está decidido. Para fins de posteridade, eu preciso do seu livre consentimento. “Mulher, irei oferecer você como garantia de um empréstimo que pedirei para um homem odioso. Acaso eu não pague, você irá se transformar numa escrava sexual dele. Você aceita essa condição?”

Mulher: É para a posteridade?

Nat Taggart: Sim.

Mulher: Ok, eu aceito, afinal eu sou de uma família nobre e honrada do sul.


O EMPRÉSTIMO


Emprestador: Está aqui os seus dois milhões de dólares. O prazo do empréstimo é de seis meses e os juros são de 10% ao ano.

Nat Taggart: Mas esses juros são extorsivos!

Emprestador: Se é para emprestar por menos, eu empresto para o governo. 

Nat Taggart: Vocês parasitas improdutivos! Emprestar para o governo, ao invés de pessoas produtivas e com caráter moral elevado como eu.

Emprestador: Taggart, não me leve a mal não. É questão de risco x retorno, prêmio de risco, não é nada pessoal, apenas uma decisão financeira racional. Basta perguntar para os investidores de Tesouro Direto.

Nat Taggart: Tesouro o quê?

Emprestador: Esquece. Se o empréstimo não for pago em seis meses, a sua belíssima e suculenta esposa será a minha escrava sexual para sempre. Ela terá que fazer tudo o que desejar, quando eu desejar e como eu desejar.

Nat Taggart: Ok.

Emprestador: Eu disse tudo, tudo mesmo.

Nat Taggart: Ok, apenas me dê o dinheiro.

Emprestador: Eu odeio você. Você não gosta de mim. Sou um homem não atraente fisicamente. Você não tem nenhum peso na consciência de dar a sua bela esposa como garantia de um empréstimo arriscado? 

Nat Taggart: Não, claro que não. Primeiramente, porque ela  livremente aceitou esse fato. Em segundo lugar, porque sou um homem virtuoso que servirá de bússola moral no futuro quando o mundo terá se tornado um lugar de homens apáticos, mal-intencionados e sem força de caráter. E por fim, vai dar certo, irei pagar esse empréstimo.

Emprestador: Seis meses Taggart, seis meses.


UM CISNE NEGRO APARECE E O ATO SE ENCERRA


Nat Taggart: Mulher, se prepare pois irei entregá-la para honrar o contrato.

Mulher: O quê!!! O quê???

Nat Taggart: É isso que você ouviu. Não consegui pagar o empréstimo.

Mulher: Mas você não é a força moral, a salvação ética do futuro, o espírito daquilo que um homem de bem deve aspirar a ser?

Nat Taggart: É claro que sou. Mas, ocorreram problemas imprevisíveis. Sabe, a gente pensava que existia apenas cisnes brancos. Ora bolas, quem já viu um cisne negro?Porém, lendo o jornal parece que num lugar chamado Austrália avistaram cisnes negros. Agora estão usando essa expressão “Cisnes Negros” para eventos inesperados e imprevisíveis.

Mulher: Mas que raio de explicação é essa!

Nat Taggart: É, estava tudo indo conforme o planejado na ferrovia. Mas aconteceu um imprevisto fora das minhas análises, o fluxo de caixa que tinha previsto não se materializou, e não consegui pagar a dívida. Vamos, prepare-se, não esqueça as suas roupas íntimas.

Mulher: Nat! Você não me ama? Não fará nada?

Nat Taggart: É claro que a amo, mais do que tudo. Porém, contrato é contrato. Pacta Sunt Servanda. 

Mulher: Mas isso é um absurdo! Vou virar uma escrava sexual de um homem que possui apenas lascívia em relação a mim por causa de um empréstimo que você fez num projeto que era arriscado. Isso não é justo!

Nat Taggart: Mulher, não seja leviana. Não se comporte como os parasitas do futuro. Homens e Mulheres sem força moral e ética e que vivem às custas de homens honrados como eu. Você consentiu, você disse sim para que eu a oferecesse como garantia. Fizemos uma transação livre e consentida. Não há nada de errado.

Mulher: Mas como isso pode ser certo? Não podemos usar como argumento o caso belamente retratado por Shakespeare no livro “O Mercador de Veneza” quando o juiz de uma forma astuta consegue reverter uma situação parecida com a nossa, fazendo com que o judeu Shylock não pudesse executar a macabra garantia?

Nat Taggart: Quem é Shakespeare?

Mulher: Um dos maiores escritores de comédias, dramas e peças teatrais da história da humanidade. Um homem que de forma brilhante desnudou  as angústias mais profundas dos seres humanos.

Nat Taggart: Teatro? Está de Brincadeira. É por causa de bobagens como essa que daqui 150 anos, o mundo estará virado de cabeça para baixo. Mulher, pare de falar sobre bobagens, o que importa são as ferrovias! E apresse-se, pois o emprestador já está nas portas com uma ordem judicial para a entrega de coisa certa, coisa certa nesse caso é você. Não posso fazer nada.


Mulher: Mas não é assim que o livro acontece, Nat! No Livro você paga o empréstimo!



Burro: É deu ruim, Any Rand.

quinta-feira, 23 de março de 2017

QUEM QUER A VERDADE?


Um Traficante e um Aspirante se encontram


Traficante: Como vai essa vida rotineira? Entusiasmado?

Aspirante: Lá vem você com essa empáfia novamente. Do que se vangloria?

Traficante: Nada não. É que sabe, a vida é curta para fazermos coisas sem graça. O que faço é arriscado? Sim. É ilegal? Completamente. Imoral? Talvez sim, talvez não. Mas ao menos eu tenho emoção em minha vida.

Aspirante: É mesmo, pois sabia que entrei para os negócios! 

Traficante: O que? Você que é tão certinho, vai se arriscar agora a ser pego?

Aspirante: Sou honesto, sim, e não sou idiota.

Traficante: Está me chamando de parvo?

Aspirante: Em certa medida sim.

Traficante: Você está louco?

Aspirante: Não! Não me leve a mal! Mas você vende drogas não?

Traficante: Sim.

Aspirante: Elas fazem mal as pessoas que consomem, não? Principalmente se for consumido em excesso?

Traficante: Claro!

Aspirante: Elas não são permitidas por causa desses efeitos não é mesmo?

Traficante: Se é por causa disso, eu não sei, mas elas não são permitidas.

Aspirante: Essas drogas possuem mercado muito pelo poder viciante delas, não?

Traficante: Isso é óbvio!

Aspirante: Ora, por que não vender substâncias viciantes do ponto de vista químico, mas que sejam legalizadas?

Traficante: Como é que é?

Aspirante: Exatamente o que você ouviu. Por qual motivo ter todo um Estado Repressor contra você: Policiais, Juízes, Mídia, Defensores de valores morais, etc, etc. Se a ideia é atuar num mercado de venda de substâncias que levam  estímulos químicos ao cérebro para que seja criado um hábito de vício, por que não fazer isso de forma legal? Tem ainda um Bônus.

Traficante: Qual é?

Aspirantes: Se pode vender para crianças e você ainda é elogiado por isso!

Traficante: Nossa, ao menos os meus clientes são adultos.

Aspirantes: Pois é, clientes para a vida toda desde o berço hein?

Traficante: Mas afinal, o que você está fazendo?

Aspirante: Sou gerente de uma loja que vende comidas com alto teor de gordura e açúcar refinado especialmente para crianças.


Entra o Dono da Loja e um Burro Falante



Dono: Ei, o que você está fazendo aqui, daqui a pouco começa o seu turno. Não se esqueça do projeto dos brinquedos para as crianças.

Aspirante: Já vou, chefe. Estava falando com um amigo aqui que vende drogas.

Dono: Drogas? Quais tipos de drogas?

Traficante: Ah, aquelas nas quais os consumidores estão mais interessados.

Dono: Mas isso é um absurdo! Você não se envergonha de vender drogas que causam dependência química? 

Burro: Mas o Sr. Não vende produtos que de certa maneira causam dependência química?

Dono: Primeiramente, é diferente. Em segundo lugar, de onde você veio e como um Burro Pode falar?

Burro: Bom, eu também não sei porque eu falo, pergunte para o autor.

Dono: ?

Burro: Deixa para lá. Porém, no que seria diferente?

Dono: O quê?

Burro: O fato de você vender produtos que contém substâncias químicas que podem causar dependência.

Dono: Ah, antes de tudo porque não é contra a Lei. O Estado disse que essas substâncias são permitidas.

Burro: Ué, mas estou lembrando de você. Não foi você que fez uma vez um discurso sobre como o Estado é malévolo, e como estaríamos melhores sem a presença de um Estado e suas regulações?

Dono: Eu já fiz um discurso destes, aliás sempre faço.

Burro: Não é contraditório agora apoiar a diferenciação do que você faz em relação a um traficante de drogas ilegais única e exclusivamente na existência de uma regulação Estatal sobre o que é legal ou não? Regulação esta que você diz que nem deveria existir?

Dono: Não! É diferente!

Burro: Por qual motivo?

Dono: Eu gero empregos!

Traficante: Ué, mas eu estou empregado por causa do negócio do meu patrão.

Burro: Correto, mas não foi essa questão.

Dono: Não me interessa se essa não foi a questão. Eu gero empregos, e as pessoas procuram livremente os meus produtos.

Traficante: Ué, os consumidores também procuram livremente os meus produtos. Aliás, nem precisa fazer propaganda, eles voltam sem eu fazer absolutamente nada.

Dono: É mesmo? Poxa, meus gastos com propaganda são altíssimos. Boa parte das minhas margens são corroídas com o dinheiro que invisto em marketing, principalmente o indireto direcionado a crianças. Talvez eu possa aprender um pouco com o negócio de vocês…Ah, quer dizer, o que você disse é um absurdo! É lógico que elas voltam, você as vicia.

Burro: Mas os seus produtos não são viciantes também? Elas não ativam as mesmas áreas do cérebro que algumas drogas ilícitas?

Dono: Não vou comentar sobre isso. E o que você quer dizer com isso? Que um refrigerante é tão maléfico como cheirar cocaína?

Burro: Eu sou apenas um burro. O que um Burro sabe sobre as coisas? Porém, não foi essa a minha pergunta e nem quis dizer nada com a minha pergunta.

Dono: Veja, tudo bem. É verdade que o argumento de criar empregos não é o dos mais fortes. Várias atividades desprezíveis como prostituição infantil, tráfico de humanos, também criam.

Burro: Nisso concordamos.

Dono: Também é verdade, mas não espalhe, que vendemos produtos químicos que podem vir a causar dependência. É claro que colocamos instrumentos para entregar esses produtos de forma não tão direta. De certa forma é como o cigarro que nada mais é do que um instrumento para entregar nicotina É verdade também que as pessoas procuram livremente o vil traficante desse conto, logo não poderia argumentar, com racionalidade, que esse poderia ser o divisor entre a minha atividade e a dele.

Burro: Continuamos concordando.

Dono: Porém, eu conquisto o meu espaço pela minha inventividade. Não uso de violência, não uso de coação, como esses traficantes de drogas ilícitas. Além do mais, eu gero lucros para acionistas sérios que compram ações em bolsa de valores.

Burro: Porém, um traficante não tem que conquistar o seu espaço pela inventividade? Não precisa conquistar mercados consumidores assim como você faz?

Traficante: É, eu preciso fazer isso. Se eu me manter parado, a concorrência assume o meu espaço.

Dono: É, mas eu não uso de violência, não mato ninguém, não ameaço ninguém.

Traficante: Dr., e como eu faço para executar as dívidas de alguém que não pagou? Levo a protesto? E como faço para defender o meu território se um outro grupo quiser tomar o meu lugar? Aciono um advogado?

Dono: Bom, Não sei.

Burro: Se um concorrente entrar na sua loja, quebrar instrumentos e ameaça-lo de morte, o que você faria?

Dono: Eu vou ao Judiciário e à Imprensa. Em pouco tempo a reputação dele estará destruída. Seria até bom para os meus negócios.

Burro: Seria correto afirmar, então, que no seu negócio se a concorrência usar de violência pode vir a ser benéfico?

Dono: Sim, claro. É evidente que podemos usar de outras violências. Violências legalizadas, ou às vezes não. Mas deixa isso para lá.

Burro: Se um traficante invadir o seu território e fizer ameaças de morte, o que você pode fazer?

Traficante: Burro, a atividade é ilegal. O Estado não regula. Não tem essa história de Judiciário, ou Advogado e muito menos imprensa. É ele ou Eu. E cá entre nós, prefiro eu!

Burro: E quanto a acionista, Traficante? Tem?

Traficante: Ah, não é tão chique como o Dr.Aí, mas tem os donos sim, os lucros vão para eles. Por isso sempre estamos preocupados aqui com os custos e com a margem do negócio. Se o lucro cai, os "acionistas" vem para cima, fica ruim para a gente burro.

Dono: Eu gostaria de voltar ao ponto dos malefícios dos produtos que vendo. Não é verdade. Não é verdade mesmo. Eu vi um documentário, muito bom por sinal, chamado FatHead. Nele, um leigo em assuntos nutricionais diz que na verdade esse tipo de alimentação faz perder peso! Ou seja, faz bem para a saúde.

Burro: E desde quando perder peso está relacionado com saúde, e substâncias químicas que ativam certas áreas do cérebro? 

Dono: Ora, eu não sei. Mas o rapaz perdeu peso!

Burro: Traficante, em seus consumidores mais fiéis, você não nota uma perda de peso?

Traficante: Sim, alguns ficam muito magros.

Burro: Será por que elas ingerem menos caloria do que gastam com o seu metabolismo normal, muito provavelmente por estarem tão absortos na droga?

Traficante: Eu sei lá! Sei que ficam magros e a maioria emagrece.

Dono: Ok, ok! Eu sei que o emagrecimento tem a ver com a quantidade de calorias ingeridas e gastas, e não necessariamente com a qualidade dos alimentos. Também sei que o não-expert do documentário não ingeria refrigerantes, nem batatas fritas, também sei das centenas de estudos ligando uma série de doenças ao consumo de açúcares refinados, gorduras saturadas entre outros ingredientes que utilizamos. Estou ciente que crianças estão desenvolvendo doenças que eram tipicamente de adultos. Sei que há uma epidemia de obesidade. Sei que esse tipo de alimentação gera externalidades de todos os tipos que são arcadas por outras pessoas.

Aspirante: Externalidades chefe?

Burro: Deixa essa para um novo conto.

Dono: Sei que algo que vendemos como um frango, na verdade é um composto com mais de 30 produtos químicos. Eu sei disso tudo. Mas o que você, aliás não sei porque chamo um burro de você, quer que eu faça? Quer que eu vá à falência, e não gere empregos, lucros e dividendos?

Burro: Não, claro que não. Por que não começa dizendo a verdade?

Dono: E quem quer realmente a verdade?

Traficante: Quem quer a verdade?

Aspirante: Está louco Burro! Quem quer a verdade?


Burro: É…quem quer a verdade?