Sim, ontem tive uma recaída e abusei do
consumo de uma droga poderosa. Ela é sedutora, e se infiltra em nossa vida sem
que possamos dar conta. O pior é que às vezes nem se percebe que se trata de um
entorpecente maléfico e muitas vezes, se não quase todas, é considerado algo
positivo.
Depois de um período de quase dez dias
em abstinência, ontem deixei a minha atenção e mente serem entorpecidos pelo
fluxo de notícias. Para um brasileiro, ontem foi um dia para se prestar atenção
no que acontecia com o julgamento do ex-presidente Lula. Adorado por muitos,
detestado por muitos, uma parte significativa das pessoas prestou atenção ao
que três juízes tinham a dizer sobre as alegações de corrupção e lavagem de
dinheiro. Eu, brasileiro como qualquer outro, também devotei a minha atenção ao
noticiário. “Oh boy”, como isso faz mal à saúde mental e a uma vida mais
produtiva.
Eu há alguns meses venho modificando a
minha alimentação. Carboidratos refinados muito dificilmente entram na minha
dieta, assim como açúcar (na verdade todo carboidrato vai virar açúcar em seu
organismo), a não ser eventualmente a frutose encontrada em diferentes quantidades
com diferentes índices glicêmicos nas frutas. E o que isso remotamente tem a
ver com o tópico dos dois primeiros parágrafos? Paciência, chego lá antes que
os comerciais do programa de notícias do rádio terminem. Sábado passado, na
festa de despedida de um bom amigo que está indo viajar para o exterior, comi
um bom número de fatias de pizza, já que foi feito uma “noite pizzada”. No dia
seguinte, me senti muito mal fisicamente. Parece que o meu corpo está se desacostumando
a comer comidas que possuem a capacidade de produzir inflamação no corpo,
ou seja, não muito saudáveis.
Foi exatamente o que aconteceu ontem. Eu
tinha ficado uma semana sem ver absolutamente nenhuma notícia, em nenhum meio
de comunicação. Não foi uma tarefa fácil, pois como estou a todo vapor na
escrita do livro sobre leilões, constantemente estou sentando na frente de um
computador escrevendo ou pesquisando algo na internet. É quase automático
digitar algum endereço de notícias, seja brasileiro ou estrangeiro. Durante uma
semana, nem mesmo isso eu fiz. Desintoxicação. Eu já passei diversas semanas,
especialmente quando viajando em lugares mais inóspitos onde não tinha
eletricidade, sem qualquer contato com as “notícias” do mundo. Invariavelmente,
a sensação sempre foi de bem-estar e conexão com o momento, bem como com a
realidade de uma forma muito mais forte. Tentei, portanto, fazer isso no meio
do tumulto e das diversas distrações que os aparelhos eletrônicos hoje em dia
proporcionam.
Consegui. No final do sétimo dia, me
dei o “luxo” de olhar as notícias por uma hora, nem mais nem menos, colocando
inclusive despertador para tanto. Meu cérebro ávido, como qualquer viciado
talvez fique depois de um período sem entorpecimento, foi então olhar várias
notícias. O Trump chamou países de “buracos de merda” ou algo parecido. A Caixa
Econômica Federal teve funcionários do alto escalão acusados no envolvimento de
condutas duvidosas. Uma apontada, filha do pivô do mensalão o ex-deputado Roberto
Jefferson, foi impedida de tomar posse como ministra de alguma coisa. Deu 15
minutos, e eu sinceramente não agüentava mais, pois tudo aquilo me pareceu uma
grande perda de tempo, um mecanismo engenhoso para capturar a atenção das
pessoas sem fornecer nada significativo em troca.
Um livro de Dostoiévski demanda muita atenção, mas ele proporciona algo em troca. Um livro mais profundo do Damodaran demanda empenho e atenção, mas ele proporciona um conhecimento de alto nível para aqueles que querem realmente entender sobre valuation de ativos. Um relacionamento forte com amigos, esposas, pais, demanda atenção, mas, se fortalecidos, eles nos proporcionam muita satisfação pessoal.
Um livro de Dostoiévski demanda muita atenção, mas ele proporciona algo em troca. Um livro mais profundo do Damodaran demanda empenho e atenção, mas ele proporciona um conhecimento de alto nível para aqueles que querem realmente entender sobre valuation de ativos. Um relacionamento forte com amigos, esposas, pais, demanda atenção, mas, se fortalecidos, eles nos proporcionam muita satisfação pessoal.
Porém, o que essa máquina de produção
de pretensas notícias que não para um minuto sequer dá em troca pela nossa
atenção? Nada, absolutamente nada. Aliás, pelo contrário, ela apenas nos
retira. Ela retira o tempo para você ler Dostoiévski, Damodaran, Paulo Coelho,
ou qualquer outro autor que possa lhe interessar. Ela rouba precioso tempo em
que alguém pode gastar fortalecendo relacionamentos. Ela suprime valioso tempo
em que a pessoa pode gastar com ela mesma, seja reparando no seu corpo, seja
reparando na respiração, e construindo rotinas para que o organismo possa se
fortalecer e melhorar. Ela inspira, quase sempre, os piores sentimentos nas
pessoas: desesperança, indignação, ódio, medo (ah, principalmente medo, o
mecanismo perfeito de dominação e convite à passividade) e futilidade.
Ainda pior, ela destrói a capacidade de
se focar em algo com a intensidade necessária para produzir algo de valor. Ontem,
ao deixar o meu cérebro vagar pelos diversos noticiários, comentários sobre o
julgamento, eu não escrevi nada de novo no meu livro. Zero. Mesmo na minha
rotina de não precisar trabalhar mais por dinheiro. Apenas como comparação, na semana que me
abstive do consumo dessa poderosa droga, eu li seis dissertações de mestrado
sobre um tema que estará no livro, li centenas de decisões judiciais,
reformulei 70 páginas que já tinha escrito e escrevi algo entre 40 novas
páginas. Surfei diversas vezes, malhei diversas vezes, li diversos artigos
sobre temas relacionadas à saúde, iniciei práticas meditativas e de rituais ao
acordar e ao dormir. Não tenho a menor dúvida que há pessoas muias vezes
mais produtivas do que eu, mas fiquei bem contente com o resultado. No dia de
ontem, não produzi nada de valor. Não li nada de novo para a minha vida. Fiquei
como um verdadeiro zumbi entre uma noticia e outra, ao ficar ouvindo o voto dos
desembargadores do Tribunal, ao ler comentários de analistas e cidadãos, em
suma o dia passou.
À semelhança com o pós “noite da
pizzada”, eu me senti mal. Não só intelectual, mas como fisicamente. Era dia de
descanso da academia, mas resolvi às 18:00 pegar a bicicleta e ir à academia
fazer qualquer coisa. Estava chovendo, e foi incrível pedalar na chuva. Na
academia, fiz apenas um treino funcional, apesar de ser em alta intensidade.
Pedalei novamente na chuva sem camisa, e a sensação da água caindo no corpo foi incrível. Parei num
sushi, comi um combinado (comendo arroz branco refinado, mas enfim) e me senti
muito, mais muito melhor de como estava me sentido antes da atividade física.
Esse fluxo de informação é tóxico. É
prejudicial para o seu bem-estar, para o seus relacionamentos, e principalmente
para a sua capacidade de produzir algo significativo. O fluxo de desinformação de redes sociais e de
fontes criadoras de notícias sem pé nem cabeça é pior do que tóxico, porque
além dos problemas apontados acima, vai criando pessoas incapazes de realizar
pensamento crítico, crédulas em tudo que é apresentado. Em alguns casos é ainda
pior, pois vai instilando raiva e ódio em relação a grupos de pessoas ou idéias.
Dessa toxidade mais perniciosa ainda bem que nunca fui muito atingido.
O blogueiro Corey escreveu no seu
último artigo sobre silêncio. O silêncio não é só dos estímulos externos, mas
também o silêncio da mente. As mentes estão tão inquietas que boa parte das
pessoas não consegue mais apreciar o silêncio tão necessário para o
equilíbrio do corpo e da mente, e em muitos casos para a produção de conteúdo
de valor. O fluxo constante de notícias, de mensagens em mídias sociais, de
comentários, impede que a mente se aquiete. Impede que ela se restaure. É
possível que até mesmo impeça que novos conhecimentos mais aprofundados sejam
formados. A quantidade de estudos, e livros baseados nestes, sobre os efeitos
deletérios do fluxo constante de informações é simplesmente enorme.
Desintoxique. Se você pega o seu
celular de manhã ao acordar para ver as notícias do dia, sem mesmo se olhar no
espelho ver se acordou bem ou tomar um copo de água, você está viciado, e está
lentamente adoecendo. Sinceramente, eu não sei se há níveis saudáveis de
exposição a esse entorpecente. Porém, se é difícil se livrar totalmente desse
vício, ainda mais no mundo onde vivemos onde tudo está conectado mas parece que
as conexões verdadeiras humanas são cada vez mais raras, é possível sim
diminuí-lo para que a sua toxidade seja mínima.
E sobre o julgamento? O que se pode
dizer? Uns ficaram tristes, outros alegres. Alguns juristas entendem que houve
alargamento de conceitos, algo que ao menos em teoria não se pode fazer em
direito penal, outros juristas entendem que não. Uns acreditam que Lula morreu
politicamente, outros entendem que não. Uns acham que isso vai ajudar a reforma
da previdência, outros acham que não. Uns acham que o mercado já tinha
precificado a derrota por 3x0, outros acham que não.
O que eu acho é que o fluxo de notícias
simplesmente não irá parar, e a pessoa irá pular de uma notícia para outra, de
um “acontecimento importante” para o outro, e sem se dar conta, semanas, meses,
e às vezes anos se passam no piloto automático. A pessoa de uma maneira
inconsciente terá deixado que a sua atenção, o seu tempo (o que de mais
precioso possuímos), tenha sido tomado, sem que nada, absolutamente nada tenha
recebido em troca.
Um abraço a todos!