Olá, colegas! A leitura é algo que me dá prazer. Eu leio desde bem cedo, hábito este instilado pelos meus pais. Com o passar do tempo a leitura se transformou em algo natural. Dê-me um bom livro, e eu não me importo de esperar 6 horas num aeroporto ou numa estação de ônibus. Quando acho uma nova linha de pesquisas, ou uma forma diferente de ver o mundo, é um verdadeiro bálsamo para a minha inteligência. Não há nada mais monótono e enfadonho do que ficar lendo algum assunto onde a sua opinião é a mesma do autor, e nada de novo foi acrescentado.
Sendo assim, para minha alegria eu resolvi ler com mais atenção o relatório da ONU sobre felicidade publicado em 2015 durante um voo entre Seoul e Hong Kong. Os diversos estudos feitos pela ONU sobre o tema podem ser acessados AQUI. Quantos insights. Quanta informação valiosa para nós enquanto humanos refletirmos coletivamente. É um belo trabalho com milhares de dados, centenas de pesquisas científicas citados, um grande trabalho organizado pelas Nações Unidas. Eu tenho profundo interesse sobre esse tema, aliás é um dos, junto com Cosmologia, assuntos que mais gosto.
“Soul, Felicidade? Cada um é feliz do seu jeito. Ponto final!”. Colegas, muitos refletem assim quando o tema é análise do que faz os indivíduos felizes. Eu, com a devido respeito, acho essa uma resposta simplesmente errada, ou melhor dizendo incompleta.
A FELICIDADE DEVE SER ESTUDADA?
Qual é o seu maior objetivo da vida, caro leitor? A esmagadora maioria muito provavelmente responderá “ser feliz e realizado enquanto humano”. Seria estranho alguém dizer que o seu maior objetivo de vida é “ter uma carteira de ações bem diversificada” ou “um carro esportivo com teto solar”.
Se isso é verdade, por qual motivo há centenas de livros sobre finanças pessoais, e dezenas de revistas sobre carros, mas quase ninguém fala sobre felicidade para além de platitudes e obviedades? Faz sentido para você, leitor? Temos planos minuciosos de como balancear um carteira de investimentos financeiros, mas se nos perguntarem qual é o nosso plano para ser feliz, talvez quase todos apenas coçariam as cabeças e pensariam “e é possível ter plano para a felicidade?”. Assim, temos planos sofisticados para diversos assuntos, alguns até mesmo irrelevantes, mas para o assunto mais importante da nossa vida não temos muito o que dizer.
Essa reflexão se estende aos economistas, pelo menos para a esmagadora maioria deles. Sabe-se como calcular uma métrica como o PIB com extrema precisão. Há equações complexas modulando inúmeros aspectos econômicos. Pessoas brilhantes fazem teses e mais teses sobre o fenômeno econômico. Isto tudo é ótimo. Entretanto, e onde entra a satisfação humana nisso? Se a qualidade do nosso ar cair, e algumas empresas surgirem para vender “ar puro engarrafado”, isso pode ter uma consequência positiva no PIB, mas nós enquanto seres humanos estaremos melhor?
Pensem nas suas próprias vidas, prezados leitores. Será que a sua satisfação geral enquanto ser humano repousa única e exclusivamente no aumento ou decréscimo de seu patrimônio? Se a resposta for positiva, então o objetivo principal pessoal deve ser o aumento de renda e patrimônio. Se a resposta for negativa, outros objetivos devem ser sopesados. Essa não é uma resposta trivial, ela é central para entendermos o que realmente queremos para as nossas vidas.
Do ponto de vista mais geral, a resposta também é primordial. Se o que traz bem-estar para as pessoas em geral é o aumento da suas rendas, então coletivamente uma sociedade deve-se estruturar em torno desse objetivo. Os gastos estatais também devem ser direcionados com essa finalidade. Isto não é pouca coisa. São trilhões e trilhões gastos por governos ao redor do mundo, que nada mais é do que fruto de tributos sobre a riqueza produzida por indivíduos, e só deveria fazer sentido gastos que sejam eficientes em aumentar o bem-estar geral.
Portanto, o estudo da felicidade é de suma importância, talvez até mais do que estudos e mais estudos sobre PIB, mercados financeiros, etc. É tentar entender quais caminhos são mais eficazes para a geração de bem-estar subjetivo e qualidade de vida.
O QUE O RELATÓRIO DA ONU SOBRE FELICIDADE TENTA ABORDAR
O relatório da ONU sobre felicidade do ano de 2015 (há a versão de 2016 publicada recentemente) é um documento extenso de quase 200 páginas. São diversos artigos com inúmeros temas e a citação de variados artigos científicos. Aos poucos, tentarei trazer para o blog os diversos assuntos abordados. Entretanto, é possível dizer que o fio central de todo o relatório é o bem-estar humano.
“Soul, felicidade ou bem-estar humano?”, o relatório de certa maneira toma os dois termos como equivalentes. O bem-estar humano é o que nos torna pessoas felizes. Assim, o relatório tenta abordar quais são os elementos que levam a um bem-estar maior ou menor, ou seja, a uma felicidade maior ou menor.
Quem já leu sobre o tema felicidade, ou mesmo apenas refletiu a respeito, sabe que é normal que haja a diferenciação entre o “estar feliz” e o “ser feliz”. Uma vida feliz está mais relacionada com uma perspectiva mais densa e profunda da própria percepção de bem-estar. O “estar feliz” está mais relacionado a situações mais momentâneas de bem-estar. Eu, Soulsurfer, posso ser muito realizado com a minha vida, mas posso estar extremamente triste num determinado momento pelo falecimento de alguma pessoa próxima. Alguma outra pessoa pode ter uma percepção muito negativa sobre o seu bem-estar geral, mas estar momentaneamente feliz pela compra de uma nova casa, por exemplo.
No relatório da ONU, é dado um peso mais significativo ao bem-estar subjetivo mais relacionado a uma avaliação da própria vida. Entretanto, o “estar feliz” também é abordado, principalmente na forma de medicão de emoções e seu impacto na satisfação geral da vida. Assim, uma renda financeira menor tem impacto em minhas emoções? Se sim, essas emoções tem impacto na minha avaliação pessoal de bem-estar com a vida de forma geral? Os resultados nesse campo são muito interessantes, mas não serão abordados nesse artigo.
É preciso notar que o relatório da ONU não aborda quais atividades específicas levam a um maior ou menor bem-estar. Em outras palavras, não se discute se jogar video-game, pegar onda ou tocar violino, produzem resultados diversos no bem-estar individual. Nem poderia ser de outra maneira, pois os seres humanos são pessoas únicas, assim como as diversas culturas humanas são muito diferentes umas das outras. A unicidade de cada humano geralmente é levantada como barreira para os estudos sobre felicidade. Se cada um é diferente, coisas diferentes levarão ao bem-estar individual. Este argumento ignora o fato de que sim, apesar de diferenças culturais, etárias e de gênero, há certos aspectos da vida humana que são comuns a todos os seres humanos, pelo menos em relação a sua imensa maioria.
OS PARÂMETROS ANALISADOS
Caros leitores, em minha opinião os parâmetros analisados pelo relatório são fantásticos e capturam muito bem os diversos requisitos necessários para se ter um bem-estar maior de vida. São seis os parâmetros:
A) RENDA PER CAPTA
Sim, colegas leitores, a renda de uma pessoa é importante para a sua felicidade. Negar isso seria a negação do óbvio. Entretanto, o problema, como parece ser a norma para boa parte das pessoas, é pensar que esse fator será o único a impactar a felicidade. É essa mensagem, errônea a perigosa, que permeia quase todas as mensagens que conhecemos como o nome de propaganda estimulando cada vez mais e mais um consumo nada consciente. É o foco central de quase todos os economistas: a maximização da produtividade, do aumento do PIB, aumento da renda per capta, como se não houvesse outros aspectos tão importantes quanto.
B) LIBERDADE PARA FAZER ESCOLHAS DE VIDA
Sim, a liberdade é importante para a felicidade. É tão essencial que algumas pessoas, como o movimento libertário por exemplo, erroneamente em minha opinião consideram que a liberdade é o bastante para uma vida plena. A liberdade aqui não é apenas a econômica, muito citada por economistas, mas sim a liberdade para fazer escolhas na vida. Logo, é a liberdade para se manifestar, para escolher quem se deseja como governante, para se relacionar amorosamente com que se quer, etc. É por isso que talvez países com grande liberdade econômica, mas pouca liberdade em outras esferas da vida produzam sociedades não tão satisfeitas com suas próprias vidas. Liberdade econômica não se traduz necessariamente em outras liberdades.
C) PERCEÇÃO SOBRE CORRUPÇÃO
Esse item é interessante. A nossa percepção de uma vida feliz é afetada positiva ou negativamente pela nossa percepção de corrupção seja nos governos, seja nos relacionamentos sociais do dia a dia. Sendo assim, percebermos que o Brasil, por exemplo, não tem jeito e sempre será endêmico em corrupção possui um efeito negativo profundo em nosso bem-estar. Fugir do tema não adianta. Não se importar com política não adianta também. Platão há 2.500 anos já dizia algo como “Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam". Ele estava certo.
D) EXPECTATIVA DE VIDA SAUDÁVEL
O nome já diz tudo. Quanto mais temos a expectativa de viver vidas saudáveis, mais a nossa felicidade é influenciada positivamente. Logo, a saúde de nossa mente e corpo é fundamental para o nosso bem-estar. Se assim o é, por que há tantos alimentos que apenas fazem mal à nossa saúde, e por via de consequência à nossa sensação de bem-estar? Por qual motivo se possibilita um marketing tão agressivo direcionado a crianças para que estas consumam alimentos que irão danificar a sua saúde? Estas são apenas algumas perguntas em que a sociedade poderia refletir, levando em conta esse parâmetro de análise do bem-estar humano.
E) SUPORTE SOCIAL
Esse parâmetro é quase uma antítese do que muitas pessoas fazem hoje em dia. Quantas vezes leio ou escuto de que “o que importa sou eu e minha família mais próxima ”. Além de uma visão triste de mundo, ela leva a menos felicidade. A definição dado pelo relatório a este parâmetro é a resposta dada a seguinte pergunta “Em momentos de dificuldade, você possui amigos ou parentes nos quais pode contar?”. Para mim esse aspecto da vida é essencial para se viver bem, uma pena que é simplesmente ignorado pelas mais variadas ideologias modernas. Só se é possível contar com alguém se estabelecermos relações de confiança e cordialidade. Imagine uma sociedade onde se pode contar com a maioria das pessoas em momentos de problema? Se você imagina que isso é uma utopia, foi exatamente esse fator que manteve os níveis de bem-estar quase inalterados em países que sofreram uma crise econômica recente severa como a Islândia e a Irlanda. Foi exatamente esse fator que potencializou a queda absurda de 30% do nível de satisfação com a vida dos Gregos durante a profunda crise econômica que os Helenos sofrearam e ainda sofrem. Este aspecto do relatório é tão interessante que irei escrever um artigo apenas sobre ele.
F) GENEROSIDADE
Sim, ajudar os outros faz bem para a felicidade. Se assim o é, por qual motivo apenas se enobrece, hoje em dia, comportamentos de competição e preocupação quase que exclusiva com si próprio? Não se trata de uma oposição entre ser generoso ou ser competitivo, mas reconhecer que ao não estimularmos a generosidade nas pessoas, talvez estejamos construindo uma vida aquém do seu potencial de satisfação para nós mesmos.
Apenas por curiosidade, segue abaixo ranking dos países mais felizes do mundo:
O Brasil aparece no décimo sexto lugar. Entretanto, mais de um ponto é explicado por valores residuais, algo que não chega nem a 0.2 nos primeiros países. Tenho a impressão, e irei escrever a respeito, que o país irá despencar no relatório dos anos de 2017 e 2018.
MINHA AVALIAÇÃO DE FELICIDADE EM RELAÇÃO A MIM MESMO
Se eu fosse considerar os seis parâmetros avaliados pelo relatório, essas seriam as minhas considerações sobre a minha própria vida:
Renda - Não tenho do que reclamar. Sempre tive uma vida boa desde a infância. Aliás, o meu patrimônio e renda colocam-me numa posição privilegiada não só no Brasil, mas como no mundo.
Liberdade para fazer escolhas - Sinto-me livre para fazer as escolhas que bem desejo, tanto que estou numa viagem de alguns anos pelo mundo.
Percepção sobre corrupção - Esse é um dos parâmetros que mais me chateia. Fico extremamente triste com a situação do país e é um dos motivos que me faz ficar olhando de vez em quando o noticiário local. É uma das razões também, junto com a violência, a refletir sobre a possibilidade de se estabelecer em outro país.
Expectativa de vida saudável - Creio ter uma boa expectativa de vida saudável. Pretendo ainda melhorar e muito os meus hábitos alimentares e físicos.
Suporte Social - Esse item estou contente. Muitas pessoas no Brasil têm me ajudado enquanto estou fora do país. Algumas em especial tem se mostrado muito prestativas. Além do mais, já fiquei na casa de pessoas (e tive experiências fantásticas) que conheci viajando. Melbourne, Sydney, Hobart na Tasmânia, Auckland e uma pequena vila na Nova Zelândia e por último Hong Kong. É muito bom poder contar com a ajuda de terceiros. Como é ruim não poder contar com a ajuda de pessoas, principalmente as mais próximas, quando você precisa. Cada vez mais me convenço da necessidade de vivermos em comunidades saudáveis e colaborativas. Todos só tem a ganhar.
Generosidade - Talvez poderia fazer bem mais. Porém, não deixa de ser uma doação o tempo que redijo esses textos. Também gosto muito de ajudar pessoas que me solicitam auxílio, faço por prazer. Assim, há espaço para muita melhora, mas creio que possuo comportamentos generosos.
Sendo assim, creio que a minha avaliação de vida seria bem positiva. Sinto-me feliz com a vida que possuo e com o ser humano em que venho me transformando.
CONCLUSÃO
O tópico é extenso. Apenas recentemente cientistas e estudiosos estão se interessando e produzindo material sobre a felicidade humana e os fatores que a influenciam. Se a sensação de bem-estar e realização de ter vivido uma boa vida é crucial para quase todos os seres humanos, por qual motivo esse tema é secundário no debate público? Com toda certeza, esse não é um tema que comporta a resposta fácil, e de certa maneira preguiçosa, de que a felicidade é algo subjetivo e não pode ser estudada ou mensurada. É vital que nós enquanto espécie tenhamos dados sobre o que realmente traz satisfação às nossas vidas, para que não desperdicemos tempo, dinheiro e energia de forma desnecessária em atividades que não trarão melhoras significativas às nossas percepções de bem-estar.
Eu, tendo em vista os parâmetros utilizados pelo relatório da ONU sobre felicidade, creio que vivo uma boa vida. E você prezado leitor? O que acha da sua própria vida? Concorda com os parâmetros do relatório da ONU? Gostaria de saber a sua opinião, compartilhe nos comentários.
Grande abraço a todos!