domingo, 22 de março de 2015

REFLEXÃO - A CELEBRAÇÃO DA INTELIGÊNCIA

                Olá, colegas.  Estamos num mundo voltado cada vez mais para um conhecimento teórico mais profundo ou, pelo contrário, as habilidades de um suposto conhecimento prático serão cada vez mais importantes na sociedade?  Faço essa pergunta, pois vez outra me deparo com textos tecendo louros a pretensas atividades práticas em detrimento de atividades intelectuais pretensamente estéreis. Há lógica nessa atitude, ou, melhor dizendo, há uma supremacia da prática sobre a teoria?

                Evidentemente, a questão é antiga e sempre gerou, no meu entendimento é claro, confusões desnecessárias. O conhecimento científico, chame de teoria se quiser, foi o que gerou, e muito provavelmente gerará ainda mais, essa imensa evolução tecnológica presenciada pela raça humana nos últimos 300 anos. Sem um homem brilhante como James Clerk Maxwell você não estaria lendo esse artigo num dispositivo chamado computador, por exemplo.  A humanidade só avança com homens extremamente versados no que comumente chama-se Teoria. Um mundo sem um grande artesão de móveis seria mais pobre, com certeza. Porém, um mundo sem Einstein, Darwin, Hubble, seria n vezes mais pobre.

Muito teórico? Nossas vidas seriam extremamente mais pobres sem a existência dessas equações e do homem brilhante por trás delas (Equações de Maxwell sobre electromagnetismo)

                A teoria nada mais é do que o uso sistemático e racional do nosso maior atributo enquanto espécie: nossa inteligência.  Ao se celebrar a teoria na verdade está se prestando homenagem à inteligência humana. Numa entrevista que já postei várias vezes aqui do Patch Adams para o programa Roda Viva em 2007, o entrevistado fala que não se importa em aparecer na televisão e que o único programa de televisão que ele gostou foi de um canal chileno chamado “A Celebração da Inteligência”. Eu achei a resposta dele, como muitas outras dele na entrevista, fantástica.

                Soa-me contraditório num mundo cada vez mais complexo, onde o conhecimento é o fator essencial para a ascensão ou declínio de indivíduos, empresas e até mesmo países, que a inteligência seja continuamente desprezada.  Faz sentido denegrir o conhecimento teórico em detrimento de uma “expertise prático”, sugerindo a supremacia deste sobre aquele?  Para mim não faz o menor sentido.

                Não tenho a menor dúvida de que possuirmos habilidades manuais é algo positivo. Quem as possui pode realizar diversas atividades sem depender de terceiros. Quem não as possui pode fortalecer o seu Sistema 2 (ver artigo anterior deste blog a respeito) tentando aprendê-las. É ótimo saber como construir uma cabana improvisada, principalmente se a pessoa gosta de acampar. Porém, podem ter certeza amigos leitores que o conhecimento teórico aprendido numa faculdade de engenharia de como projetar um prédio de 10 andares é muito mais poderoso.

                Num mundo cada vez mais plano e interconectado, onde uma pessoa com uma conexão de internet na Índia pode estar competindo por fatias do mercado interno de medicina nos EUA, por exemplo, o conhecimento será cada vez mais decisivo. Sociedades e países que avançarem no conhecimento serão aqueles que possuirão um melhor padrão de vida. Não é à toa que a produtividade do trabalho está intimamente ligada à evolução tecnológica que por sua vez está ligada à educação que por sua vez está ligada ao que chamamos de inteligência (pelo menos em uma de suas formas).

                Em minha opinião o conhecimento humano, para além da ótica utilitarista do mesmo, é um dos objetivos nobres que um ser humano pode almejar.  Riqueza, sucesso profissional ou empresarial, poder, etc, são para mim facetas muito menores e nem de longe significam uma vida bem realizada. Admiro, e aqui é uma opinião pessoal, muito mais um grande pensador como Eduardo Gianetti do que uma pessoa com uma grande riqueza material.  O conhecimento é o que nos faz evoluir enquanto espécie, é o que faz com que a escuridão da nossa ignorância seja aos poucos iluminada, como o grande Carl Sagan (um grande ser humano) colocou como subtítulo num dos seus livros mais famosos.  Foi um matemático homossexual britânico brilhante que apenas com seu intelecto provavelmente fez com que a segunda guerra mundial tenha sido menos sangrenta do que ela foi.

A força da inteligência de um homem. Apenas com conhecimento "teórico" esse ser humano brilhante revolucionou por completo a nossa relação com as máquinas e ainda ajudou a salvar milhões de vida na II Guerra Mundial. Um homem desses, se distribuíssemos honrarias baseado na contribuição para o bem-estar social humano, deveria estar no topo das listas das pessoas a ser admiradas. Acabou suicidando-se e sem qualquer reconhecimento (Alan Turing).

Sempre vale fazer uma homenagem a esse grande ser humano que se chamou Carl Sagan. Se não leu nenhum livro dele, recomendo e muito (o da imagem é um dos mais conhecidos).

                Outro objetivo humano nobre para mim é a compaixão, algo também relativamente em baixa nos dias de hoje. Será que um pai ficaria animado ao ouvir do seu filho que ao invés de querer uma carreira promissora, ele gostaria de se tornar uma pessoa mais bondosa e gentil, buscando o conhecimento humano de maneira desinteressada, como sugerido por Bertrand Russel em seu ótimo livro "Elogio ao Ócio"? Eu acredito que a maioria dos pais ficaria confusa ou até mesmo desapontada.  Porém, afasto-me um pouco do tema aqui.

Outro livro muito bacana do grande filósofo e matemático Bertrand Russel.

                Não podemos desmerecer a prática e os trabalhos manuais (que, aliás, são uma ótima forma de terapia para a mente e todos devem fazer algo parecido com certa freqüência), porém isso não deve ser feito em detrimento da celebração da inteligência manifesta no conhecimento humano, ou teoria. Isso quer dizer que se deve acreditar em teorias cegamente ou fechar os olhos para a realidade? Evidentemente que não. Aliás, basta termos o espírito de um cientista, de sempre estarmos questionando as nossas premissas e conclusões que muito provavelmente não cometeremos este erro, seja tocando uma empresa, seja trabalhando para o governo ou em qualquer outra situação humana do dia a dia.

                Portanto, colegas, sejam homens práticos e com habilidades práticas (seja lá o que isso possa significar para você), mas não abram mão da nossa maior vantagem enquanto espécie, o que nos torna tão especiais e tão humanos: a nossa incrível inteligência. A inteligência deve ser celebrada, não menosprezada ou diminuída.




                Um grande abraço a todos!

12 comentários:

  1. Soul, tive insight parecido na leitura do livro do Piketti quando ao utilitarismo das pesquisas científicas. Ele como economista tem um posicionamento no mínimo cético sobre a contribuição das pesquisas americanas que focam em modelos teóricos que não possuem aplicação prática e são um fim nelas mesmo. A pesquisa de Piketti é muito mais utilitarista e trabalha com uma problema concreto e extremamente relevante para a humanidade. Quantas linhas de pesquisa visam manter salários e bolsas, ou seja renda para o pesquisador do que realmente procurar avanços científicos? Abraço.
    Burro Manco

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    1. Olá, colega.
      Se entendi bem o seu ponto, sua preocupação é sobre a existência de um academicismo que se torna um fim em si mesmo, deixando o avanço do conhecimento de lado. Tendo a concordar que esse é um problema, e às vezes sério nas faculdades brasileiras.
      Sobre o Piketty especificamente, concordo que ele tenta dar uma contribuição, usando uma abordagem estatística - mesmo que básica, para temas tão complexos, interessantes e controversos como desigualdade, por exemplo.
      Abraço.

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  2. Soul,

    Não me lembro onde e nem as palavras exatas, mas algum tempo atrás eu li uma opinião dizendo que crianças eram essencialmente cientistas, querem saber como as coisas funcionam, testam hipóteses e etc e com o tempo os adultos acabam "tosando" este lado crítico e curioso, tornando-as pessoas conformadas com as coisas como elas são.

    Nesta época meu filho ainda era muito pequeno, mas desde então decidi que ia evitar ao máximo ser um empecilho a curiosidade dele. Claro, eu intervenho naqueles casos inevitáveis onde ocorre risco de vida ou de ferimentos, você já deve ter percebido por outros comentários e opiniões que não sou a favor de radicalismos ou extremismo! rs

    Recentemente percebi que uma das minhas "fontes de infelicidade", por ter fugido no momento palavra melhor, era justamente a falta deste espírito hacker, de aprender e fazer só para saber se é possível, de criticar e testar. Tenho trabalhado muito isto.

    Escrevi tudo isto só para dizer que gostei muito do texto, e concordo que nos faz muita falta este espírito de cientista, principalmente aqui no Brasil, onde compartilhamos qualquer texto em redes sociais sem questionar as fontes e a veracidade da informação.

    Um abraço!!

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    1. Olá, IC.
      Sim, é a mais pura verdade. Talvez a função dos pais e de da educação de crianças pequenas é não matar essa curiosidade tão maravilhosa sobre as coisas e o mundo. Basicamente a ciência é isso.

      Claro, um pai deve resguardar o bem-estar da sua prole. Porém, minha mãe sempre me disse, depois que já estava na fase adulta, que ela uma vez leu que na criação dos Índios, uma mãe não sai enlouquecida se o filho engatinha até o fogo, pois nenhuma criança irá se jogar no fogo, no máximo a criança irá sentir a alta temperatura e recuar. Isso me marcou, pois é uma forma sensata de se criar um filho. Contudo, numa sociedade com alto grau de violência como a nossa é difícil dar um grau de liberdade tão grande para os filhos sem às vezes colocar a integridade física deles em risco (porém não sou pai e apenas especulo aqui:) )

      Sim, uma postura dessas pode servir para ser um grande cientista, um grande empresário, um bom pai, um bom aluno, em suma um bom ser humano.

      Abraço!

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    2. Investidor casado eu li sobre isso no livro 'Mundo de Sofia'.

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  3. Gostei muito do post Soul!!
    Uma das coisas que me decepciona e me frusta no Brasil é a falta de interesse e valorização do brasileiro pelo conhecimento. Quantos adolescentes hoje, em nosso país, têm cientistas como seus ídolos (ao invés de cantores da moda ou jogadores de futebol)?
    Eu fiquei encantado quando morei na Inglaterra e via nas lojas brinquedos que mesclavam conhecimentos científicos com entretenimento (algo que pratimente não vejo por aqui).
    Sou professor universitário e fico chocado quando vejo que nossa juventude mal consegue escrever textos coerentes e bem articulados, o que dirá de textos com amplo domínio de complexos temas teóricos?!
    Hoje em dia acho que se discute muito PIB e se a economia vai bem ou mal, mas se discute muito pouco sobre a natureza dos valores realmete compartilhados pela nossa sociedade. Infelizmente vemos que, atualmente, a valorização de bens materiais supera muito a de valores intelectuais e se predomina uma cultura (relatimente vazia) da ostentação.
    É uma alegria ver textos como o seu, e chega a me dar uma ponta de esperança de que essa "minoria" que valoriza a riqueza intelectual não seja tão restrita assim.
    Grande abraço meu amigo!!
    Green Future

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    1. Olá, Green! Bacana vê-lo novamente por aqui.
      Eu achei super legal essa mesca de brinquedos com conhecimento científico. Claro que foi numa loja de um museu na Califórnia. Porém, tinham brinquedos geniais. Havia um brinquedo em forma de célula que se transformava numa célula cancerígena. Enfim, vários brinquedos muito bacanas, eu pensei em comprar vários para mim:)
      Chamou bastante minha atenção esse fato também.

      Nem só a Juventude, como a população como um todo. É uma pena mesmo. Também concordo que se discute muito PIB, economia, e estamos gastando pouquíssimo tempo naquilo que poderia realmente nos transformar numa sociedade mais forte e melhor: educação e valorização do conhecimento.

      Obrigado pelo comentário, Green.

      Abraço!

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  4. comecei a ler, mas dada a extensão do texto desanimei

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    1. Li e achei válida cada palavra, a coesão do soul aqui no blog melhorou muito desde os primeiros posts. Mas alguns textos eu leio duas vezes porque não entendo de primeira mesmo. Enfim, bom post soul, grande abraço !

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    2. Eu, por enquanto, só estou entendendo na terceira mesmo. Mas com esforço e boa vontade eu chego lá. Enfim ,grande post soul, bom abraço !

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