Olá,
colegas! Vocês sabem com quem estão falando? Pois é, a famosa frase que é
associada a algum abuso de uma suposta autoridade possui muito mais
desdobramentos do que uma primeira análise superficial pode revelar. Na bem da verdade, a infame frase nos remonta
a uma das maiores falácias argumentativas: o argumento de autoridade.
O
que é exatamente o argumento de autoridade? É o argumento que é baseado em
alguma qualidade de alguma pessoa em especial, não necessariamente na força do
argumento em si. Ficou um pouco confuso, Soul, dá para aclarar mais o conceito?
Sim, caro amigo. Imagine que você esteja como eu na academia fazendo exercícios e ouve uma garota com seus 20 anos de idade contando para o professor
o “embate” intelectual que teve com mãe dela sobre política, resumindo a
conversa com a seguinte pérola: “E minha
mãe querendo discutir política comigo, eu que faço faculdade de comunicação!”. Percebam
que a assertiva garota em nenhum momento teceu quaisquer comentários objetivos
sobre política, mas focou na sua qualidade superior no debate, em relação à
própria mãe, por ser uma estudante universitária. Isso é argumento de
autoridade. Soul, mas qual é a autoridade de uma garota de 20 anos para falar
sobre política? Provavelmente nenhuma, e esse episódio ocorrido ontem me fez refletir sobre a questão do argumento de autoridade. Esse singelo acontecimento mostra para mim alguns aspectos de nossa sociedade que estão no mínimo desalinhados.
Alguém
pode perguntar ou pensar: “qual é o grande problema do argumento de autoridade?”
O problema é que o argumento de autoridade não é um argumento, ele é uma forma
de se impor uma determinada opinião ou ideologia para alguma pessoa ou
até mesmo para uma sociedade inteira, baseado na força, não em argumentos objetivos. Não satisfeito alguém pode ainda
perguntar: “Então, quer dizer se o Einstein (uma pessoa que sei que o Soulsurfer admira) tiver dito alguma coisa você não concordaria Soul”? Não
necessariamente. Einstein pode ter dito alguma coisa sobre geopolítica, por exemplo (ele era
um grande humanista e pacifista), que eu não necessariamente concorde. “Ah, mas
se for sobre alguma coisa relacionada a Física”? Eu ainda diria: não
necessariamente. Acho que é nessa parte em que há uma grande confusão e má compreensão para muitas pessoas.
Einstein
foi um dos maiores físicos de todos os tempos, talvez o maior deles. Eu sou
apenas um leigo que leio livros feitos para leigos sobre física. Eu do ponto de
vista objetivo não teria condições de analisar tecnicamente nenhuma afirmação de
Einstein sobre física, mas isso não transforma tudo o que Einstein disse sobre
física em verdade, muito pelo contrário, já que o mesmo cometeu alguns erros na
sua carreira. A beleza da ciência está, pelo menos do ponto de vista ideal, em dar
peso 0 ao argumento de
autoridade. O que interessa para os debates científicos são os argumentos,
mais precisamente os fatos e se estes fatos podem ser provados. Não importa se
foi Einstein que disse ou o padeiro da esquina que disse. O que importa são
fatos e raciocínio lógico encadeado. O detalhe é que como
a física é um ramo do conhecimento humano muito técnico e demanda muitos anos de
estudo para se ter um domínio matemático dos seus conceitos, muito dificilmente
veremos um padeiro dar uma grande contribuição para física. Porém, se um dia o
nosso improvável padeiro tivesse algo a falar sobre a Teoria M e pudesse de
maneira lógica expor o seu raciocínio, o seu argumento deveria ser levado em
conta tanto como o argumento de um físico atual famoso como Stephen Hawking.
Geralmente
é assim com áreas de conhecimento muito técnicas como matemática, química,
engenharia, física, etc. Elas são
praticamente herméticas para leigos, não por causa da existência de argumentos de autoridade, mas sim porque são áreas que demandam um conhecimento prévio
técnico muito grande para se ter algo a falar a respeito. Por isso, quando eu
vejo uma pessoa sem educação formal em matemática falar sobre matemática eu
acho extremamente interessante, ao contrário do que a maioria das pessoas
pensa em não dar valor porque a pessoa não tem formação em matemática . Algumas vezes disse para colegas que se uma pessoa conseguisse passar numa prova para Juiz sem ter feito direito, essa pessoa na verdade deveria ser muito talentosa. Porém, nunca ninguém concordou e todos sempre disseram que seria um absurdo pensar num juiz sem ter feito uma faculdade de direito.
Se as áreas de exatas são praticamente
herméticas, o que dizer das chamadas “ciências” (de ciências elas não possuem
nada) humanas? Uma vez, depois de formado, resolvi fazer uma aula de filosofia
junto com alunos de contabilidade do último ano. A aula foi sofrível. No final, o professor falou de uma maneira um tanto quanto indignada: “Eu acho
um absurdo ver pessoas convidadas para falar sobre ética num congresso sobre
conhecimento, e nem filósofos são.”. Segundo o professor , para falar de ética apenas depois de
receber o diploma de filósofo. O absurdo
da ideia é patente e ela está centrada única e exclusivamente no argumento de
autoridade. A ética é algo que todos nós
humanos uma hora ou outra na vida iremos nos deparar. Muitas pessoas podem ter coisas interessantes
para dizer sobre ética, entre elas filósofos, mas admitir que apenas filósofos estejam
habilitados a falar sobre esse tema é de uma cegueira completa.
Os
argumentos de autoridade estão espraiados pela nossa sociedade. Ah, o Nobel de
economia disse isso. Ah, o Instituo Mises Brasil disse aquilo. Ah, a Veja falou
isso. Ah, a Caros Amigos falou aquilo. Isso, colegas, é apenas a mediocrização
do pensamento independente. O pior é quando o argumento de autoridade é o
reinante numa determinada sociedade, a troca de idéias, essencial para a
evolução individual e coletiva de um agrupamento humano, fica prejudicada, pois
um lado sempre se achará superior, independente de qual seja o argumento “inferior”
produzido pelo outro lado. Assim, a jovem da minha academia não poderá ter uma
real troca de idéias com a sua mãe sobre política, pois ela é universitária,
logo possuidora de conhecimentos especiais e, portanto, as idéias dela sobre o
tema política devem ser levadas mais em conta pelo único fato dela ser
universitária, independente se acertados ou não, mesmo que sua mãe, até pela experiência de vida de provavelmente ter vivido a época de hiperinflação, ditadura, redemocratização, possa ter algo interessante a dizer sobre suas percepções sobre política.
É
evidente que quando não há trocas de idéias numa sociedade de maneira legítima,
há um acirramento que não raramente descamba para agressões. Não é exatamente
o que está ocorrendo no Brasil? Muitas pessoas ficam felizes de terem as suas
opiniões respeitadas quando divergentes da minha, por exemplo, algumas pessoas
já escreveram isso nesse blog de pequeno alcance que possuo. Ora, as pessoas
agradecendo por serem respeitadas? Que distorção é essa? Isso, junto com tantos
outros – alguns comentados nesse artigo – , é um sintoma de que a nossa
sociedade parece estar definhando do ponto de vista intelectual, muito devido
ao abuso de argumentos de autoridade falaciosos.
A
frase “sabe com quem você está falando” é apenas uma radicalização do argumento
de autoridade. Um político, por ser uma
autoridade, pode se achar acima do bem e do mal, pensar que pode obter vantagens
indevidas e quando confrontado pode soltar a famosa frase. Um executivo poderoso que
quando não tem o seu pedido atendido talvez fique tentado a falar a infame oração. Se os argumentos de autoridade predominam,
por qual motivo as autoridades propriamente ditas (nesse caso as autoridades
políticas e econômicas) não abusariam de suas condições?
É
evidente que o abuso de autoridade no Brasil não é explicado apenas por essa
minha linha de raciocínio, mas não tenho a menor dúvida de que ele pode ser um
fator importante em entendermos o que está acontecendo no nosso país.
"Você sabe com quem está falando? Eu tenho duas faculdades, sou vice-diretor da....."
Olá,
colegas! O tema de hoje não tem absolutamente nenhuma relação com
investimentos. Para mim as idéias contidas no artigo de hoje são sensacionais,
são algumas ordens de grandeza mais interessantes do que mercados financeiros,
rentabilidades, partidos políticos, e quaisquer outros assuntos mais comuns do
nosso dia a dia. O assunto de hoje é sobre uma das descobertas mais incríveis
da humanidade: a radiação cósmica de fundo.
Alguém
pode estar pensando: “O que eu lá quero saber sobre radiação cósmica de fundo,
qual é a importância disso para mim? Aliás, what fuck is cosmic background
radiation?” Calma para as duas perguntas colegas. Talvez esse assunto que me
fascina não encante boa parte das pessoas, então você talvez possa parar a
leitura aqui. Porém, eu creio que mesmo que o assunto talvez não interesse num
primeiro momento o leitor mais avesso a temas científicos, a história sobre
esse assunto é tão interessante que vale ao menos saber algumas coisas a
respeito.
Quando comecei a escrever
sobre finanças, já disse num dos primeiros artigos que eu não era profissional
do assunto e não tinha formação formal, e que poderia cometer alguns equívocos.
Sou apenas uma pessoa esforçada nesse assunto. Agora, com certeza eu não sei
quase nada de Astrofísica, sou absolutamente leigo no assunto. Ora, se você não
sabe nada por qual motivo está escrevendo então? Em primeiro lugar, porque esse
aqui é o meu blog e posso basicamente escrever sobre o que bem quiser. Em
segundo lugar, eu creio que talvez eu possa passar alguns conceitos, mesmo que
de forma simples e leiga, para pessoas que ainda não tiveram nenhum contato com
certas ideias científicas. Portanto, se houver algum físico entre os leitores,
peço a gentileza que seja indulgente ao analisar esse texto.
“Ok,
Soul, desembucha logo aí o que é essa tal de radiação cósmica de fundo”, alguém
pode estar pensando. Não dá para dizer
de antemão o que é sem ficar abstrato demais, então vamos começar literalmente
pelo início: O BIG BANG. Porém, antes de falarmos um pouco sobre o início, é
necessário esclarecer primeiramente alguns fenômenos físicos e um fato
histórico. A luz possui uma natureza ondulatória e corpuscular, ou seja, a luz
se comporta como se fosse ora uma partícula ora uma onda. Isso é um fenômeno complexo e está relacionado com física quântica, assunto que não irei
abordar no artigo de hoje. Estou mais
interessado, por enquanto, em falar na natureza ondulatória da luz, ou mais precisamente nas frequências
da radiação eletromagnética.
Como
assim? A luz que nós vemos nada mais é do que um faixa do espectro da radiação
eletromagnética. É mais fácil detalhar
isso com um gráfico:
Todo fóton (partícula que transmite a força eletromagnética) emite radiação. O espectro da radiaçao eletromagnética é amplo e varia de ondas de intensa energia (raios gama) a ondas de energia muito baixa (ondas de rádio). A luz visível aos olhos humanos é uma parcela muito pequena do espectro.
A
imagem acima é auto-explicativa. A radiação eletromagnética pode existir em
várias frequências ou seja, em vários comprimentos de onda. Quanto maior o
comprimento de onda, menos energética (podemos dizer menos temperatura também
para simplificar) fica a radiação, quanto menor o comprimento de onda, muito
mais energética fica a radiação. A maior fonte energética que existe no
Universo, pelo menos que se tem conhecimento, são raios gama. Raios
gama extremamente energéticos são produzidos quando uma estrela com mais massa do que o nosso sol
(é conhecido como limite de Chandrasekhar, não irei falar sobre isso hoje, mas
posso fazer um artigo sobre o ciclo de vida de estrelas, inclusive possuo uma
imagem gigantesca de uma nebulosa – berçário de estrelas – em minha sala) chega
ao seu fim e explode em uma supernova liberando uma quantidade de energia muito grande incinerando tudo ao redor. Se alguma estrela próxima da terra explodir em supernova, a terra seria incinerada.
Outra aspecto interessantíssimo, e com implicações filosóficas profundas em minha
opinião, é que o olho humano apenas consegue captar uma faixa muito estreita da
radiação eletromagnética, a chamada faixa visível de luz. Vejam na imagem que
o limite é muito pequeno comparado com todo o espectro da radiação. Nós não
conseguimos ver um raio-x ou um infravermelho, por exemplo. Assim, a nossa compreensão, a
nossa capacidade de observar o universo e a realidade sempre será limitada.
Isso deveria nos trazer mais humildade em muitas coisas na vida, pois não há
ser humano que não seja limitado na sua percepção da realidade.
Outro
fenômeno que precisa ser esclarecido é o chamado efeito Doppler. Para de uma maneira simples explicar esse
fenômeno também recorro a uma imagem:
Segundo
o efeito Doppler, toda vez que uma fonte que produz alguma onda (no caso da
imagem é uma onda sonora produzida por um avião) se movimenta em direção a um
observador (na imagem o homem em destaque), o observador tem a impressão de que
a freqüência das ondas aumenta (diminuindo o seu comprimento), tornando o som
mais agudo. Quando a fonte sonora está se distanciando de um observador (no
caso da imagem o homem mais ao fundo), este mesmo observador tem a impressão de
que a freqüência das ondas diminuiu (aumento o comprimento de onda), tornando o
som mais grave. Quando ouvimos uma sirene com um som mais grave se afastando e
um som mais agudo ao se aproximar, isso nada mais é do que o efeito Doppler.
O
efeito Doppler não é limitado apenas a ondas sonoras, ele se aplica a quaisquer
tipos de ondas (não saberia dizer se a ondas gravitacionais também, mas isso já
é um tema para lá de complexo), e a radiação eletromagnética também sofre
efeito Doppler. O que acontece quando é uma fonte de radiação eletromagnética?
Acontece exatamente o que a imagem mostra, se a fonte de luz se afasta o
comprimento de onda aumenta e a radiação se torna menos energética e isso
significa que ela se desvia para o espectro vermelho da radiação (radiações
menos energéticas). Se a fonte de luz estiver se aproximando, o comprimento de
onda diminui e a radiação sofre um desvio para o espectro azul da radiação
eletromagnética (radiações mais enérgicas). Assim, fontes de luz que estão se
distanciando apresentam um “desvio para o vermelho”, fontes de luz que estão se
aproximando apresentam um “desvio para o azul”. Essa informação é essencial
para entender a descoberta fabulosa de um dos maiores cientistas do século
passado, o Sr. Edward Hubble.
Hubble,
sim o nome do famoso telescópio foi uma homenagem a esse brilhante homem, fez
uma descoberta extraordinária no final da década de 20, aliás, foram duas
descobertas. A primeira e impressionante contribuição desse homem foi descobrir
que havia muitas outras galáxias no universo, a nossa galáxia não era a única.
Por milênios o homem pensou que vivêssemos num universo-ilha, sendo que a nossa
galáxia era a única. Homens geniais como Galileu, Newton, Kepler, morreram tendo
essa ideia na cabeça. A descoberta de que a nossa galáxia era apenas uma entre
várias outras já seria assombrosa. Porém, o Sr. Hubble descobriu algo ainda
mais extraordinário: o universo estava se expandindo e isso caiu como uma
bomba, pois até mesmo Einstein apreciava a ideia de um universo estacionário.
Como
Hubble chegou a esta conclusão? Ao fazer inúmeras observações das diversas
galáxias que ele conseguiu catalogar, ele observou que todas possuíam desvio
para o vermelho, quer dizer todas as galáxias que ele observou (em relação a
nossa galáxia creio apenas que a galáxia vizinha de Andrômeda há desvio
para o azul, ou seja a galáxia vizinha está se aproximando não se distanciando, devido à força gravitacional entre as duas galáxias, mas isso é uma
exceção devido à proximidade de ambas) estavam se afastando da nossa
galáxia. Outro fenômeno interessante foi que ele percebeu que quanto mais
distante a galáxia, mais acentuando era o desvio para o vermelho, ou seja, a
galáxia se afastava da nossa galáxia com uma velocidade de recessão maior.
O famoso quadro de Hubble que deu origem a lei de Hubble. Quanto mais distante está a galáxia (eixo X), mais veloz é a velocidade de recessão (eixo Y).
Imagens de galáxias muito distantes e o desvio para o vermelho.
Isso
deu origem a famosa lei de Hubble que diz que a velocidade de recessão de uma
galáxia é igual ao produto da distância e de uma constante que se chama de constante de
Hubble: V elocidade = Constante de Hubble x
distância. Essa descoberta extraordinária chacoalhou com o mundo da física,
a ideia milenar de um universo estático, atemporal e infinito estava próxima de
sofrer um profundo abalo.
O grande astrônomo Hubble. Suas descobertas na década de 20 modificaram por completo o entendimento sobre o universo.
Não
demorou para alguém raciocinar que se as galáxias estavam se afastando uma das
outras, isso queria necessariamente dizer que em períodos pretéritos de tempo
as galáxias deveriam estar mais próximas. Se rebobinássemos o filme da história do
universo por um período suficiente de tempo, era lógico e intuitivo pensar que
todas as galáxias em um determinado período estivessem todas juntas adensadas num único ponto de densidade infinita e temperaturas que vão alem da nossa imaginação. "Soul como pode existir algo com densidade infinita", alguém pode pensar? Eu não faço a mínima ideia. Na verdade, nem os cientistas sabem, é a chamada singularidade, um fenômeno onde as leis da física parecem não fazer sentido. Outra singularidade no universo é os chamados buracos negros, o tema é tão interessante que merece um artigo próprio. Os cientistas atualmente conseguem modelar períodos cada vez mais próximos do instante original, mas quanto mais próximo se chega do instante original mais as equações vão perdendo o sentido. A teoria M (relacionada a teoria das supercordas), também conhecida como Teoria do Tudo, tenta lidar com essas singularidades. O problema de uma singularidade é que é uma região, ou fenômeno, onde grande quantidade de energia está restrita num espaço muito pequeno. Espaços pequenos são diretamente afetados por fenômenos quânticos, algo muito bem explicado pela física quântica. Grandes energias (ou objetos massivos) são bem explicados pela teoria da relatividade geral de Einstein. Quando se coloca grande energia num espaço reduzido (imagine num lugar com densidade infinita) as equações tanto da mecânica quântica, como da relatividade geral perdem o sentido. A Teoria M é um esforço para tentar unificar esses dois campos e fazer uma teoria que possa explicar o funcionamento do universo. Porém, estou me afastando do tema do artigo.
Representação do BIG BANG. Da singularidade, ao resfriamento, formação dos primeiros núcleos atômicos, depois dos primeiros átomos, depois das proto-galáxias e por final das galáxias.
A teoria fazia sentido, mas havia
alguma prova de que ela era verdadeira além da observação do astrônomo Hubble? Sim,
havia uma prova teórica, e finalmente chegamos a radiação cósmica de
fundo. Para entender o que seria essa
radiação, é preciso falar um pouco sobre temperatura e densidade. Quando
estamos com frio e temos uma companheira para poder abraçar, não nos sentimos
mais quentes quando nos abraçamos e ficamos mais próximos? Não sei se alguém já
viu um filme muito bonito chamado “A Marcha dos Pingüins” . A forma da espécie
de pingüim retratada no filme sobreviver aos invernos rigorosos de seu habitat
é ficando amontoado com outros pingüins para de alguma forma manter a
temperatura. Isso é um fenômeno físico. Quanto mais denso vai ficando um
ambiente, ou seja mais matéria concentrada num ponto, maior é a temperatura.
Como toda energia estava concentrada num ponto de densidade infinita pela teoria
do BIG BANG, a temperatura era infinita. A partir do momento que houve a “explosão”
inicial (eu coloco entre aspas, pois o termo explosão não é cientificamente
correto, é uma aproximação para nós leigos podermos entender) e o espaço começou a se expandir, a
temperatura começou a cair, pois a densidade começou a diminuir também, menos
matéria/energia concentrada, mais volume de espaço, menor temperatura.
Essa
relação entre expansão do espaço, matéria e temperatura é fundamental e envolve
muitos pontos de interesse como: a formação das forças fundamentais, o processo
de nucleossíntese fundamental (que ocorreu nos três primeiros minutos, há um
livro bem conhecido mais técnico chamado “Os três primeiros minutos”) e depois
de 380.000 anos a formação dos primeiros átomos. Todos esses temas são
interessantíssimos e todos eles poderiam facilmente ser abordados num artigo
específico. Entretanto, o que quero retratar é a relação entre a expansão do
universo e a diminuição da temperatura.
Um
físico ucraniano chamado George Gamow junto com o americano Ralph Alpher no
final da década de 40 por meio de demonstrações matemáticas chegaram à
conclusão de que quando houve o início do universo pelo BIG BANG (os detalhes
são mais complexos do que isso, simplifico aqui) havia fótons (fótons é a parte
corpuscular da luz, lembre-se que a luz pode ser tanto onda como matéria, é
conhecido como o princípio da dualidade da luz, e é difícil de entender como
algo pode ser onda e matéria ao mesmo tempo, mas depois de ler a respeito vai
ficando um pouco mais claro) que a partir de certo momento (mais precisamente
depois de 380 mil anos quando o universo se esfriou até uma temperatura onde
foi possível que elétrons e bárions se combinassem para formar átomos) deixaram
de interagir com o plasma extremamente quente de bárions e elétrons e passaram
a viajar livremente pelo espaço em expansão (se essa parte foi um pouco mais
confusa, peço escusas).
Gamow
e Alpher concluíram que esses fótons deveriam ainda existir no universo,
deveriam emitir radiação eletromagnética em comprimentos longos de onda (ou
seja, deveriam ter uma temperatura muito baixa, já que poucos energéticos) e
deveriam estar em todos os lugares do universo. Esse último detalhe é
importantíssimo. Se toda a energia estava concentrada num único ponto e o universo expandiu-se,
pressupõe-se que o universo é homogêneo, ou seja, idêntico em todos os lugares.
George Gamow, um grande físico que deu uma contribuição imensa para o aprofundamento da nossa compreensão sobre o universo.
Apesar
da sagacidade da teoria dos dois físicos, não houve nenhum empenho da
comunidade científica em tentar descobrir essa radiação eletromagnética
residual do BIG BANG. Por quase duas décadas, essa ideia foi simplesmente
esquecida. Então, o inesperado aconteceu, o cisne negro da física moderna se
materializou, numa das maiores descobertas ao acaso feitas pela humanidade.
Dois
radio-astrônomos chamados Arno Penzias e
Robert Wilson estavam trabalhando para a Bell Telephone Company numa antena de
rádio construída pela empresa. O objetivo deles era estudar sinais de rádio
vindo de galáxias. Ao prosseguir com as medições, os dois cientistas notaram
que havia a persistência de um ruído. Para qualquer lugar que eles apontassem a
antena o ruído continuava. Eles tentaram de tudo, inclusive reza a lenda que
eles pensavam que o ruído era fruto de bosta de pombos nas antenas, mas o ruído
persistia (não adiantou limpar os dejetos das aves da antena). O ruído que eles encontraram era a radiação
cósmica de fundo, era um fóssil do início do universo e a prova mais
contundente até então da existência do BIG BANG.
Se vocês voltarem na primeira
imagem que coloquei nesse artigo, irão perceber que há um comprimento de onda
associado à emissão energética de microondas. Há também uma temperatura
associada. Qualquer fóton emite radiação
eletromagnética. Dependendo do nível de energia do fóton ele emite radiação
eletromagnética de uma determinada freqüência. Como dito, Gamow e Ralph previram
que deveria haver fótons espalhados por todo o universo emitindo uma radiação
residual (residual ao Big Bang) em microondas. Eles erraram apenas por poucos
graus a temperatura da emissão, a temperatura da radiação cósmica de fundo é de
3K (0K é conhecido como zero absoluto) ou -270 ºC. Portanto, Penzias e Wilson
tinham encontrado uma radiação em microondas existente em qualquer lugar que eles
apontassem a antena, a conclusão era apenas uma: tinha-se encontrado o fóssil
do BIG BANG previsto há mais de 20 anos.
Penzias e Wilson. A descoberta acidental mais profunda da história da humanidade.
Recentemente, telescópios cada vez mais sensíveis tem captados cada vez mais imagens espetaculares do nosso universo. A imagem abaixo é do telescópio Planck, uma imagem vale mais do que milhões de palavras:
Radiação cósmica de fundo. As diferenças de cor são variações minúsculas de temperatura (eu creio que é uma parte por mil), provando que a radiação é homogênea em todo o universo.
Dizem
que os dois não sabiam o que encontraram, e só foram avisados depois por
físicos que eram familiarizados com os trabalhos de Gamow e Ralph. Porém, o fato objetivo é que essa descoberta inesperada mudou os rumos da ciência e valeu a Penzias e a Wilson o nobel de Física no ano de 1978. Gamow já era morto e não podia receber o Nobel, mas Ralph ainda era vivo e simplesmente foi esquecido pelo prêmio nobel, num dos atos que viria a ser considerado uma das maiores injustiças na história da premiação. Essa história também não deixa de ser humana com contornos de tragédia. Mostra que nem sempre aquela pessoa que teve uma ideia original é reconhecida ou premiada e que outros às vezes podem levar os louros da vitória, nem sempre havendo justiça nos resultados. O vídeo abaixo da muito boa (principalmente para leigos) série "Poeira das Estrelas" que o físico brasileiro Marcelo Gleiser (recomendo muito os livros dele, eu já li uns 3 ou 4 acho), mostra em mais detalhes essa história. Inclusive uma entrevista do Gleiser com o grande físico Ralph Alpher num retiro para idosos antes do mesmo falecer. Vale muito mesmo assistir o vídeo.
Vídeo de um episódio do seriado "Poeira das Estrelas". Ralph Alpher, um dos físicos que contribuiu para a humanidade ter um conhecimento mais profundo sobre o universo, esquecido nos últimos anos de vida num retiro para idosos. A vida pode ser injusta às vezes.
É isso amigos. O artigo foi longo, talvez poucos cheguem até o final, mas aqueles que o fizeram creio que não se arrependeram, pois a história da radiação cósmica de fundo, do nosso universo e em última instância de nós mesmos é algo surpreendente e belo. Você mesmo pode "ver" a radiação cósmica de fundo. Sabe aquele chiado que fica nas televisões, ou pelo menos ficava, quando a transmissão terminava? Pois é, esse chiado nada mais é do que a radiação cósmica de fundo.
Você já tinha imaginado que ao ver essa imagem estava na verdade olhando para uma das provas do início do Universo?
Olá, colegas! Não sei se alguém já tentou mandar e-mail para mim e não conseguiu para perguntar sobre alguma coisa. Por isso, criei um e-mail pensamentosfinanceiros@gmail.com para receber mensagens de eventuais leitores desse espaço.
Eu acho interessante postagens que respondem a determinadas perguntas, pois além de tentar ajudar alguém como alguma dúvida, obriga a pessoa que vai responder a pensar sobre a questão, a pesquisar alguma coisa e a aprender mais sobre determinando assunto. Por isso, se alguns leitores tiverem algumas dúvidas, e se eu puder ajudar, ficarei grato em fazê-lo.
"Não existe absurdo que não encontre o seu porta-voz" (F.W.J. Schelling - 1809)
Olá, colegas! No
último artigo falei sobre uma ótima notícia que aconteceu no nosso país. Hoje,
trato de uma péssima notícia: o corporativismo extremo que existe em alguns
setores do serviço público.
Ser juiz não é
uma atividade fácil se exercida de maneira ética e compromissada. Definir quem
deve ser preso ou não, se a criança deve ficar com o pai ou a mãe numa
separação conflituosa ou até mesmo decidir se uma obra de dezenas de bilhões de
reais deve ser suspensa ou não por causa de motivos ambientais com certeza não é uma atividade simples. Não, julgar
conflitos humanos não é fácil. É necessário conhecimento técnico apurado e
bastante compromisso. Para mim é evidente que um Juiz deve ser bem remunerado e
respeitado.
Meu pai sempre
me disse que cargos públicos importantes deveriam ser bem pagos, uma
remuneração para proporcionar uma vida digna e confortável. Porém, ele sempre
me disse também que cargo público não era lugar para se enriquecer, para ter
uma vida nababesca. Se alguém quer isso, o caminho tem que ser a iniciativa
privada e a assunção de riscos.
Sendo assim,
sou favorável que juízes ganhem bem, mas isso não significa que sou favorável a
salários distorcidos da realidade brasileira. Soul, por que você está falando
tudo isso? Nessa semana, o STF por meio de uma decisão liminar decidiu que a
União deveria pagar a todos os juízes federais auxílio-moradia (http://www.conjur.com.br/2014-set-15/fux-manda-uniao-pagar-auxilio-juizes-federais-moram-aluguel).
Se você leu o
link disponibilizado acima, ou mesmo se não teve paciência, vou adentrar em
alguns conceitos jurídicos que talvez não sejam do domínio de muitos leitores. Os
salários de servidores públicos consistiam numa miríade de gratificações, abonos, etc. O que
isso significava? Significava que havia um salário base, mas sobre esse salário
havia um sem número de penduricalhos. Isso além de não fazer sentido apenas
criava uma grande fonte de debates jurídicos sobre o que era ou não devido,
acreditem há ainda inúmeros processos judiciais em andamento discutindo
questões relacionadas a essa forma confusa de remuneração.
A nossa
Constituição então estabeleceu, por meio de uma reforma realizada no ano de
1998, que algumas carreiras centrais (Juízes, Procuradores, Membros do MP,
entre outros) deveriam receber por subsídio. O que consiste o subsídio? É
apenas outro nome para dizer salário. Assim, se um cargo de juiz substituo tem
um salário de R$ 18.000,00 bruto, esse é o subsídio do cargo. Não deveria haver
mais gratificações, abonos, etc. O processo de fixação de subsídio para as
diversas carreiras não foi fácil, mas ao final acabou prevalecendo a forma de subsídio de remuneração. Assim, juízes, delegados, auditores, procuradores, etc recebem suas remunerações por meio de subsídio.
Há um conceito
em direito que diferencia verbas remuneratórias de verbas indenizatórias.
Basicamente, verbas indenizatórias servem para indenizar alguém, nesse caso um
servidor, por algum custo incorrido e verbas remuneratórias servem para
remunerar o trabalho do servidor. Como aqui não é um site sobre filigranas jurídicas,
resumidamente a diferença jurídica entre uma verba remuneratória e uma
indenizatória no caso dos servidores são dois aspectos: a) não há incidência de
Imposto de Renda sobre a verba indenizatória e b) a verba indenizatória, como é
uma indenização por um custo indevido ocorrido pelo servidor, não está sujeita
aos limites do subsídio. O que isso quer dizer especificamente, Soul? Isso
representa que o juiz do nosso exemplo pode ganhar R$ 18.000,00 pelo seu subsídio e mais alguma
outra verba que tenha caráter indenizatório.
Um leitor mais
atento poderia perguntar “Ué, mas isso não é voltar ao sistema antigo de vários
penduricalhos?” Bingo! Sim, é. Por isso,
deve-se ter muita cautela em definir o que seja uma verba indenizatória. Além
do mais, quando houve a criação do subsídio, pelo princípio da irredutibilidade
de vencimentos, quase todos os “penduricalhos” de remuneração foram
incorporados ao salário base e tudo transformado em subsídio, logo criar mais “penduricalhos”
seria exatamente obter um ganho duplo.
Apenas mais um
detalhe jurídico para que a questão seja bem compreendida. Cabe ao Supremo
Tribunal Federal, como corte constitucional, definir em última instância o que
está de acordo com a Constituição ou não. Quando uma questão é pacificada no
STF sobre algum tema, ela pode ser sumulada, que quer dizer que é um
entendimento forte do STF sobre um determinado assunto. Sendo assim, se uma
pessoa entra na Justiça com um entendimento diverso de um contido numa súmula
do STF, muito provavelmente o processo vai ser extinto rapidinho, pois o juiz
de primeiro grau vai apenas dizer que há uma Súmula do STF em sentido
contrário. É uma forma de dar segurança jurídica ao sistema e agilidade as
decisões, é perda de tempo discutir uma súmula do STF (há exceções, como tudo
na vida, mas repito que o artigo aqui não é sobre minúcias jurídicas).
Na época dos penduricalhos,
era muito comum servidores sob o pretexto da igualdade (em direito é mais comum
dizer isonomia) pedir equiparação de alguma gratificação ou abono na via
judicial. Assim, um servidor de um cargo X entrava na justiça dizendo que suas
atividades eram muito semelhantes a um cargo Y pedindo que o Judiciário
equiparasse os salários. Sabe o que o STF
dizia a respeito? Súmula n°339 do STF de
1963 (não, você não leu errado, há 50 anos esse é o entendimento consolidado
do STF): “Não
cabe
ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.”
(destaques meus)
Depois
dessa breve explicação sobre alguns conceitos, podemos voltar a decisão do
ministro Fux do Supremo Tribunal Federal que mandou pagar auxílio-moradia para
os juízes federais. A argumentação (e
ela é defendida por associações de Juízes e membros do MP) basicamente é que:
a) o auxílio-moradia é uma verba indenizatória, e b) os juízes federais possuem
isonomia com os juízes estaduais e também com membros do Ministério Público,
sendo assim não é correto pagar uma verba para uma carreira e não para outra.
Com a palavra o Ministro: “Em razão da simetria entre as carreiras da magistratura e do
Ministério Público, que são estruturadas com um eminente caráter nacional,
defiro a tutela antecipada requerida, a fim de que todos os juízes federais
brasileiros tenham o direito de receber a parcela de caráter indenizatório” O valor do
singelo auxílio-moradia fixado liminarmente pelo douto Ministro do STF foi a
módica quantia de R$ 4.377,33 por mês para todos os juízes federais (http://oglobo.globo.com/brasil/stf-manda-pagar-auxilio-moradia-juizes-federais-sem-residencia-oficial-13952465#ixzz3DtNwmgvw).
Segundo o ministro do STF, pelo menos em decisão liminar, deve se pagar auxílio-moradia aos juízes federais. Por quê? Porque alguns
estados pagam auxílio-moradia para juízes estaduais, bem como os membros do MP
também recebem a benesse. Isso não viola a sistemática de Subsídio? Não, pois é uma verba
indenizatória. Um leitor atento perguntaria: “Mas que raio de verba
indenizatória é essa para bancar moradia?” Pois é. O salário não serve para
pagar pela nossa alimentação e moradia? Por qual motivo a moradia de juízes e
promotores seria diferente? Já não existe subsídio para isso? E a Súmula n°339
como é que fica? Não fica, aliás, fica apenas se outras carreiras tentarem
ganhar auxílio-moradia, pois com certeza aí vai se criar alguma argumentação
jurídica para dizer por qual motivo a súmula n°339 se aplica para quase todos,
mas não se aplica para algumas pouquíssimas carreiras.
Pô, Soul,
você só pode estar de brincadeira que isso está acontecendo. Antes fosse,
colega. Há inúmeras outras propostas para aumentar os “penduricalhos” de juízes
e promotores. Vou citar algumas: reviver o adicional por tempo de serviço (a
cada ano trabalhado se ganha 1% a mais de remuneração, isso foi extinto com o
FHC e agora os juízes e promotores, e só eles, devem voltar a ganhar, verba por
substituição, etc). No Rio de Janeiro, os juízes estaduais estão querendo
ganhar R$ 7.250,00 como uma forma de “indenização”
para bancar o estudo dos filhos (http://oglobo.globo.com/rio/juizes-desembargadores-querem-auxilio-educacao-de-ate-725-mil-para-dependentes-13906100). Errata - ( Um colega nos comentários disse que a informação não era correta e me forneceu um link (http://www.amaerj.org.br/noticias/o-dia-publica-entrevista-com-presidente-do-tj-rj-sobre-auxilio-educacao). O amigo tinha razão, apesar da proposta poder ensejar a interpretação do auxílio de R$ 7.250,00. O valor solicitado é de R$ 3.030,00, sendo que é R$ 1.010,00 para cada dependente limitado a três, porém isso apenas torna o pedido menos afrontoso, não empresta legitimidade ao pleito).
Isso é
apenas a parte mais nefasta do corporativismo: a busca de realizar interesses da corporação a
qualquer custo, independente do interesse de outros extratos do corpo social. A
péssima notícia é quando isso acontece com Juízes, pois esta é a “corporação”
encarregada de aplicar o direito e julgar as controvérsias de forma imparcial. Quando os juízes começam a dar interpretações para lá de
elásticas para a lei em benefício próprio, a coisa pode desandar, pois
ninguém e nenhum outro poder pode rever
decisões do Poder Judiciário. O Judiciário é o “fiscal
final”, nada, nem ninguém, em tese pode interferir , num sistema democrático, em
decisões judiciais definitivas.
Isso passa
uma mensagem muito ruim. Primeiramente para outras carreiras que obviamente vão
querer aumentos e vão pressionar o governo de todas as formas para mais
aumentos. Se já estamos com problemas fiscais, imagina num próximo governo o
que não pode acontecer se o grosso do funcionalismo
tentar obter ganhos expressivos na remuneração? Além do mais, isso passa uma mensagem
muito ruim para o resto da sociedade, pois parece que somos formados por
castas, onde há privilegiados que podem ter mais direitos do que outros. Como
dizer para população que se precisa apertar o cinto, fazer alguns ajustes, se
algumas classes do extrato social parecem ser imunes a isso?
Não
podemos negligenciar o efeito disso no médio prazo. Eu creio que plantamos
sementes muito ruins em algumas coisas no Brasil nos últimos anos. É por isso
que há uma desmoralização da autoridade, índices de violência ainda muito altos
e uma falta de coesão social no nosso país. Se continuarmos plantando sementes ruins:
não priorizar a educação, não retomar o respeito a autoridade (seja do pai, de
um professor, de um policial) e continuarmos na ótica da “salvação individual e
dane-se o resto“, fica difícil imaginar um
Brasil substancialmente diferente daqui 20 anos.
Há uma
história de que o grande rei da Prússia Frederico II queria derrubar um moinho de vento num terreno
particular, pois essa construção aparentemente estava atrapalhando os planos de expandir o seu castelo. O Kaiser então ofereceu para o dono do terreno a compra do imóvel. O dono disse que não poderia vender a terra onde o seu pai tinha falecido e onde os seus filhos nasceriam. O Rei ofendido com a resposta do sujeito teria dito que se ele quisesse poderia simplesmente tomar a propriedade a força. O proprietário então teria retrucado para o
dignitário : “Como se não houvesse juízes em Berlim!”. A frase significa que não importa se você é a maior
autoridade de uma região, mesmo assim você deve se submeter as regras, e o
poder judiciário independente serve para garantir que até mesmo um rei seja
submetido as regras. É daí que
aparentemente vem a expressão “Ainda existem juízes em Berlim”.
Portanto,
precisamos de um Judiciário forte, ele é essencial num regime democrático e
para que os mais poderosos não possam fazer o que bem quiserem com os mais fracos.
Esperemos que essa decisão liminar possa ser cassada quando o plenário do STF
julgar a ação, mesmo que isso signifique que os juízes julguem contra os seus interesses
corporativos. Uma bela dose de pressão popular também não é nada mal nesses
casos.
Torcemos para que o Supremo Tribunal Federal possa ser realmente o "guardião" máximo da nossa Constituição e comprovar o velho ditado de que ainda existem juízes em Berlim.
Olá colegas!
Uma grande notícia para o Brasil e para nós brasileiros a ONU divulgou na data
de ontem. Em meio a tantas notícias ruins, induzidas ou não, é sempre bom ver
algo extremamente positivo acontecendo. O país diminuiu pela metade o número de
pessoas com fome, ou mais tecnicamente em situação de insegurança alimentar. O
mundo também melhorou nos últimos 10 anos, mas infelizmente ainda há mais de
800 milhões de pessoas que passam fome no mundo.
A fome é o
maior flagelo social. Para mim é uma aberração num mundo tão desenvolvido
intelectual e tecnologicamente haver centenas de milhões de pessoas passando
fome. Eu gosto muito de física. Um dos grandes feitos na história da
humanidade, em minha opinião, foi a construção do Grande Colisor de Hadróns na
Suíça. Ainda voltarei a essa máquina fenomenal, mas basicamente esse acelerador
de partículas recria condições de alta energia, colindindo as partículas (Hadrons)
para poder analisar uma variada gama de conseqüências. Dizem que o Bosón de
Higgs foi achado, o que é um passo absurdamente fenomenal para a compreensão do
universo. Porém, o meu ponto aqui não é falar sobre Física, mas sim destacar
que a mesma humanidade que constrói uma máquina de 27km de extensão capaz de recriar de
alguma forma as condições iniciais de alta energia na formação do universo, é a
mesma humanidade que não consegue erradicar a fome na família humana, mesmo
havendo comida e recursos mais do que suficientes para alimentar a todos.
Um dos detectores do LHC (Large Hadron Collider). Se fomos capazes de criar uma máquina tão fantástica para fazer elucubrações tão abstratas e profundas sobre o universo, e em última instância sobre nós mesmos, eu recuso a aceitar a ideia que o problema da miséria extrema , particularmente a fome, não pode ser extinta do planeta terra nos próximos 10/15 anos. Basta apenas vontade política dos Estados, bem como de nós humanos mais afortunados.
Eu nunca
passei fome. Porém, algumas vezes, quem já não passou por essa situação, fiquei
muitas horas sem me alimentar e a sensação é horrível (a não ser que a pessoa
esteja conscientemente jejuando). Eu não consigo imaginar o que é passar a vida
constantemente com fome. Alguém com fome não irá conseguir estudar, trabalhar
adequadamente e muito menos refletir sobre os problemas “filosóficos” da vida,
até porque a máxima “só é possível filosofar de barriga cheia” parece aplicar a
esmagadora maioria dos seres humanos. A fome destrói a dignidade das pessoas e
envergonha as demais pessoas que não são afligidas por esse mal.
Portanto, a
erradicação da fome deveria ser a prioridade número um da comunidade
internacional se vivêssemos num mundo onde as vidas de todos tivessem a mesma
dignidade e importância. Porém, sabemos que isso não é verdade. A vida de um
recém formado brasileiro ( alguns muitos críticos em relação à sua própria
condição de vida), por exemplo, não vale a mesma coisa do que uma criança subnutrida em um
campo de refugiados no Chade.
Assim, a
notícia de que o Brasil diminuiu sensivelmente o número de pessoas que passam fome, e além disso é
um exemplo para o mundo de formas positivas e eficientes de combate à fome , me enche de alegria (ver a notícia em http://www.onu.org.br/brasil-reduz-em-50-o-numero-de-pessoas-que-passam-fome-diz-onu/).
Há pessoas que associaram isso ao governo atual e tecerão louros aos
mandatários e ataques a oposicionistas. Há pessoas que farão pouco caso dessa conquista
fenomenal, e talvez soltem alguns impropérios contra o governo atual. É uma
pena. Essa é uma conquista apartidária. Essa é uma conquista do Brasil, é algo
que coloca o Brasil mais perto de países menos injustos. É um marco civilizatório.
Segundo a ONU,
1.7% da população brasileira ainda passam por insegurança alimentar. São muitas
pessoas, mas o número é muito menor do que há 20/25 anos. Alguns podem dizer
que não passar fome não é uma conquista para se gabar, pois isso é o mínimo.
Concordo que é um mínimo existencial para uma pessoa ter alguma dignidade, mas
se há duas décadas uma parcela significativa não tinha nem mesmo esse nível básico garantido,
podemos imaginar quão injusto e desigual nosso país não era.
Os erros são
inúmeros, os nossos desafios imensos, mas uma notícia como essa deveria ser
comemorada por todos os brasileiros, pois além de nos tornamos mais humanos,
podemos praticar a compaixão e alegria pelos outros, duas atitudes nobres que
apenas nos colocam mais próximos do bem-estar subjetivo e da felicidade.
Infelizmente, ainda há mais de 800 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar. Que o ato de se alimentar seja considerado um direito inalienável de qualquer ser humano. Que a família humana ser envergonhe de ter tantas pessoas passando fome, para que um dia possa contemplar um mundo onde esse flagelo seja relegado aos livros de história.
Olá, colegas!
Hoje escrevo sobre um tema que é central para as finanças, mas também o é para
a vida humana. Falo do custo de oportunidade. Este é um conceito tão essencial
que deveria ser ensinado desde cedo para as crianças. Ele é central em
finanças, mas às vezes percebo como ele pode ser ignorado ou mal compreendido. Afinal o que é custo de oportunidade?
Imaginemos
você leitor neste exato momento em que lê essa oração. Sua atenção e o seu tempo estão dedicados
para a leitura e compreensão do que estou escrevendo. Porém, se você não
estivesse lendo esse artigo, talvez você pudesse estar lendo outra coisa, ou
vendo um filme ou conversando com um amigo. A leitura deste presente artigo
possui um custo de oportunidade, pois ao ler as palavras aqui escritas o leitor
está abrindo mão de fazer alguma outra coisa. Absolutamente tudo em que fazemos
na vida possui embutido algum custo de oportunidade. Se uma pessoa vai para a
faculdade, há um custo de oportunidade nesse ato, seja de aspectos
financeiros (valor de uma eventual mensalidade, gastos com transporte, material,
etc) ou aspectos não-financeiros (como o tempo gasto assistindo as aulas em
detrimento de outras atividades, apesar daqui também ter certo aspecto
financeiro).
Esse conceito
de custo de oportunidade nas nossas escolhas foi o que tentei trazer com o primeiro
artigo sobre taxa segura de retirada de um portfólio para fins de independência
financeira. Um maior conservadorismo possui um custo de oportunidade de mais
anos trabalhando. Por isso, talvez seja bacana conhecer dados para saber se
esse conservadorismo é necessário ou não. Veja, não há nenhum mal na escolha em
si, desde que a pessoa saiba exatamente os custos envolvidos em ter uma postura
mais conservadora ou mais agressiva, pois aí a pessoa pode realmente fazer
escolhas conscientes sobre os rumos que gostaria de dar a sua vida.
O conceito de
custo de oportunidade é vital em economia. Talvez seja o primeiro princípio a
ser ensinado nos livros de introdução à economia. Para nós investidores amadores, o conceito de
custo de oportunidade também deveria ser de primeira grandeza. O que é custo de
oportunidade para os investimentos? Entender o conceito e sua aplicação em
finanças exige que se saiba sobre o valor do dinheiro no tempo. Como assim,
Soul? Bom, o dinheiro possui valor no tempo, geralmente o dinheiro vale mais
hoje do que valerá amanhã, e há dois motivos para esse fenômeno.
O primeiro é
que as economias pós-fim padrão ouro (antes desse evento, a inflação era
muito baixa), tirando algumas exceções, possuem um caráter inflacionário. Isso
quer dizer que R$ 100,00 hoje valem mais do que R$ 100,00 daqui um ano, tendo
em vista que o poder de compra será diminuído com o passar do tempo. O outro motivo, e esse é aplicável desde
sempre, é que o ser humano tende a dar mais prevalência ao consumo presente do
que ao consumo futuro, mantidos todos os pressupostos inalterados. Isso é
facilmente entendido pelo teste do Marshmallow aplicado em crianças e que já
foi objeto de alguns artigos aqui na blogosfera (o último creio ser do colega
U.B). O teste é colocar um Marshmallow na frente de uma criança e dizer a mesma
que ela poderá ter mais um Marshmallow se conseguir segurar o impulso e não
comer o quitute por um determinado período de tempo. O teste geralmente é mostrado para dizer que as crianças que
conseguiram adiar o consumo presente tornaram se adultos mais confiantes, mais
bem sucedidos, etc. Sim, esse é o resultado, e já foi repetido em diversos
tipos outros de testes. Porém, o que esse resultado mostra com uma clareza
ímpar (basta ver a cara das crianças que não comeram se retorcendo de vontade)
é que nós damos muito mais valor ao consumo imediato. Precisamos ter algum
incentivo para adiar o nosso consumo imediato, no caso das crianças foi um
Marshmallow a mais (ou seja 100% de retorno), para os investidores o incentivo
se dá o nome de remuneração do capital, é a promessa de que se não houver o
consumo imediato dos R$100,00, a pessoa poderá ter mais dinheiro para consumir
no futuro, por exemplo R$ 110,00. Estes R$10,00 são o Marshmallow a mais dos
investidores, mas conhecemos mais comumente como juros.
Nós humanos temos uma tendência de querer sempre antecipar o consumo. Esse tema foi tratado magistralmente pelo livro "O Valor do Amanhã" do Eduardo Gianetti. Esse teste é apenas uma corroboração desse fato.
Logo, o
dinheiro tem valor no tempo. O Marshmallow, ou juros, comumente aceito como
remuneração mínima fundamental de um ambiente financeiro é a remuneração do
ativo “livre” de risco. Soul, por qual
motivo as aspas no adjetivo livre (colocarei as aspas uma única vez no texto)? Colegas, não há nada livre de risco no
mercado financeiro. Estados podem quebrar, empresas centenárias podem falir e
imóveis podem simplesmente perder valor por uma grave depressão econômica (não
acredita? Leia sobre o que está acontecendo com os imóveis na cidade de Detroit
– primeira grande cidade americana a falir). Entretanto, no mercado financeiro
há o conceito de ativo livre de risco, sendo considerado aquele ativo com menor
possibilidade de não entregar o que foi prometido.
Geralmente, eu
diria quase sempre, o ativo livre de risco é conceituado como um título
governamental. O grande balizador dos mercados internacionais são os títulos de
dívida do tesouro americano. O Marshmallow mínimo dos mercados internacionais é
a remuneração oferecida pelos títulos do tesouro americano. É por causa disso
que há um grande frenesi há mais de um ano sobre se e quando o FED (o Banco
Central Americano) irá aumentar as FFR (federal fund rates – taxas de curto
prazo). Mesmo aqui é difícil dizer qual
é o ativo livre de risco, pois os títulos de curto prazo do governo americano
pagam rendimentos nominais perto de zero, enquanto títulos de maturação alta
(superior a 10 anos) estão pagando juros de 2,5% aa. Geralmente, os entendidos
usam as taxas dos títulos de maior duração como a taxa do ativo livre de risco,
porém não seria errado considerar as taxas de curto prazo.
Se formos para
a escala que mais nos interessa, qual seja o nosso país, o ativo livre de risco
é tido como os títulos de dívida do governo brasileiro. Há diversos tipos de
título, com diferentes maturações e formas de remuneração, porém o que é aceito
por aqui é que o CDI (Certificado de Depósito Interbancário) seria o melhor
proxy para representar a remuneração do ativo livre de risco. Também não há problemas
em considerar a SELIC, até porque se pode investir diretamente nela por um
título como a LTF. Porém, SELIC e CDI apresentam remunerações muito
semelhantes, e não é um grande problema escolher uma ou outra.
Ok, Soul, pode
pensar algum amigo, entendo o conceito, mas estou começando a achar que o custo
de oportunidade de estar lendo este seu artigo está ficando alto demais, qual é
a relação dessa explicação toda com o começo do texto? Bom, recapitulemos. Tudo
o que fazemos na vida apresenta um custo de oportunidade e em finanças não
seria diferente, muito pelo contrário. O dinheiro, na maioria das vezes, tem
decréscimo de valor no tempo. Tendo em vista este fato e a nossa tendência
natural de queremos comer o Marshmallow imediatamente, é necessário ter um
incentivo para que haja o adiamento do consumo e isso é chamado de juros. Em
finanças, há o conceito de ativo livre de risco, a remuneração mínima que se
pode obter no mercado, já que como teoricamente o risco é mínimo a remuneração
também será mínima, dificilmente se consegue fugir da relação risco x retorno.
No contexto internacional, essa remuneração mínima é a oferecida pelos títulos
americanos, no caso brasileiro é a oferecida pelos títulos do governo
brasileiro que pode ser concebida como o CDI ou a SELIC (no restante do texto
usarei apenas o CDI para fins de clareza e simplificação).
Assim, para o
caso brasileiro, a remuneração mínima que um investidor minimamente racional
deve esperar receber por adiar o seu consumo é o valor do CDI. Qualquer outro
investimento que um investidor for fazer em outro ativo que não seja de alguma
maneira atrelado a um título público possuirá um custo de oportunidade
representado pela remuneração do CDI. Lembre-se que o custo de oportunidade
nada mais é do que uma troca que se faz por alguma coisa, o custo de não estar
fazendo X, quando se está fazendo Y.
Como a
remuneração do CDI é a remuneração existente para o menor risco possível
assumido, só faz sentido em pensar no investimento em outros ativos quando o
rendimento esperado seja superior ao CDI, o famoso expected returns, a área
mais nebulosa das finanças. Reparem que falo em retornos esperados, não
retornos certos. Um ativo pode ter um expected return maior do que o ativo livre
de risco, mas não entregar esse rendimento em determinado horizonte temporal.
Por que isso ocorre? Porque o ativo é mais arriscado do que o ativo livre de
risco, se não fosse mais arriscado, não teria sentido ele ter um retorno
esperado maior, pois se estaria sendo mais remunerado por assumir um risco
idêntico. O ponto não é que os outros ativos entreguem uma remuneração superior
ao ativo livre de risco, mas sim que eles possuam retornos esperados que sejam
superiores ao ativo livre de risco. Investir num ativo com um expected return
abaixo do ativo livre de risco não faz sentido do ponto de vista financeiro . A
Poupança se encaixa com perfeição nesse caso. A Poupança pode ter funções
psicológicas ou fazer às vezes de uma reserva de emergência, mas analisando
sobre a perspectiva risco x retorno, o investimento em poupança não possui
muito fundamento.
Logo, o
retorno potencial de um ativo deve ser necessariamente o seguinte: remuneração
do ativo livre de risco + expectativa extra de retorno da classe de ativo escolhida. Não
há como fugir dessa “fórmula”. Eu abordei alguns insights dessa “equação”
quando escrevi sobre os três fatores de risco de Fama e French http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/05/acoes-os-tres-fatores-de-risco-de-fama.html. Não vou abordar a questão da “expectativa extra de remuneração da
classe de ativo escolhida”, pois isso é assunto para muitos e muitos artigos,
onde eu quero chegar é na relação entre o custo de oportunidade (remuneração do
CDI no caso brasileiro) e a precificação dos ativos.
Muitas
pessoas, e são muitas mesmo, costumam dizer que não há relação entre o
Marshmallow mínimo de uma economia (a remuneração do ativo livre de risco) e a
precificação dos ativos. Alguns dizem que é coisa de “sardinha” pensar assim,
outros não conseguem observar a relação entre CDI e precificação de Fundos
Imobiliários ou outros títulos mobiliários cotados em bolsa, por exemplo. Com a devida vênia, eu creio que quem pensa assim
está completamente equivocado.
Negar a
influência da remuneração do ativo livre de risco na precificação dos ativos é
simplesmente negar a existência de um conceito central para economia e
finanças, e para vários outros aspectos da nossa vida, que é o custo de
oportunidade. Quando a remuneração do
ativo livre de risco sobe, isso significa que o custo de oportunidade de se
investir em outros ativos ficou maior. Se o CDI de 10,8% aa atuais passasse
para 15% aa no começo de 2015, por exemplo, o custo de oportunidade de investir
em outras classes de ativo aumentaria significativamente. O que isso significa em termos práticos? As
outras espécies de ativos devem se desvalorizar para compensar esse aumento no
custo de oportunidade. O inverso também é verdadeiro, quando o custo de
oportunidade diminui, os outros ativos podem valorizar de preço. Esta relação é
apenas uma conseqüência lógica do conceito muito mais fundamental que é o custo
de oportunidade. Não é por outro motivo que a década de 90 apenas um ativo reinou soberano no imaginário popular: a renda fixa com seus juros altíssimos. Talvez seja daí que veio toda a retórica ideológica contra o "rentismo". Com taxas de juros de 20% aa, o custo de oportunidade de se investir em outros ativos fica proibitivo. Minha família aprendeu a duras penas (nem foi tão duro assim, foi apenas um resultado financeiro não-ótimo) ao investir em imóveis com taxas de juros tão altas. Não quer dizer que outros ativos não possam valer a pena, apenas que o custo de se investir neles fica muito alto, fazendo com que apenas investimentos com resultados excepcionalmente bons compensem um custo tão alto.
Muitas pessoas
que investem em um espécie de ativo como FII estão dispostas a aceitar que a não oscilação do valor de
seu imóvel residencial é devido à falta de liquidez. O famoso livro “O
Investidor Inteligente” inclusive tem uma passagem específica com esse exemplo.
Sendo assim, a estabilidade de preço de um imóvel residencial é ilusória, e
isso serve como um “consolo” para as variações às vezes abruptas de preços das quotas de
fundos que na bem da verdade representam imóveis físicos. As pessoas costumam aceitar isso
como um fato do mercado. Porém, algumas pessoas não conseguem ir para a
conclusão lógica posterior de que todos os ativos variam de preço de acordo com
a magnitude da mudança do custo de oportunidade no mercado financeiro. Longe de ser um “movimento de manada”, “irracionalidade”
do mercado, isso é apenas um fato da vida nos mercados financeiros.
Observem,
colegas, que isso não quer dizer vender ou comprar um determinado ativo
querendo fazer alguma espécie de timing. São dois assuntos diversos. Eu posso
ter um apartamento, ser feliz nele, e mesmo que ele suba ou caia de preço por
circunstâncias alheias a minha vontade, não ter motivos para querer me desfazer
do imóvel. O mesmo acontece com Fundos Imobiliários, ações, títulos
pré-fixados, negócios próprios, e qualquer outra espécie de ativo que alguém
possa imaginar. Momentos de compra e venda de um determinado ativo estão
relacionados com estratégia de alocação, objetivos financeiros de curto, médio
e longo prazo, ou timing para as pessoas que acham ser possível conseguir
retornos em excesso. Porém, um fato é certo, há determinadas taxas de juro que a própria atividade produtiva vai ficando inviável pelo alto custo de oportunidade. O nosso país ainda possui taxas altíssimas, e é por causa disso que temos empresas com dividendos de 7/8% ou FII com yields de 10/11%, isso é impensável em mercados mais desenvolvidos onde o custo de oportunidade é muito menor.
Entretanto,
isso não muda o simples fato de que quando o custo de oportunidade aumenta
todos os ativos se desvalorizam e quando o custo de oportunidade baixa todos os
ativos se valorizam. Sendo assim, o custo de oportunidade é um conceito central
em nossa vida. Continuo trabalhando num emprego chato porque me remunera bem?
Sigo aquele sonho mesmo sabedor das chances de fracasso? Faço aquele mestrado?
Como aquele hambúrguer com fritas e coca-cola? Todas essas questões podem ser
pensadas pelo conceito de custo de oportunidade. Em finanças, o conceito é mais
fundamental ainda. Entender corretamente o conceito com certeza ajuda a ter
mais clareza do funcionamento do mercado, bem como de definir metas factíveis
para alcançarmos nossos objetivos financeiros.
Olá, colegas.
Neste artigo trato de uma desvantagem dos FII em relação a imóveis próprios que
não é muito abordada na internet, trata-se do imposto inflacionário.
Após me
dedicar um tempo ao estudo dos FII, cometer algumas bobagens, e com o
conhecimento que tenho de imóveis próprios, ficou claro para mim que os FII são uma forma superior de investimento em relação a imóveis diretos se o foco for a
geração de fluxo de renda proveniente de aluguéis. Com uma carteira de uns
15/20 FII, se pode diversificar entre centenas de imóveis, centenas de
contratos de locação, diferentes regiões geográficas e diferentes segmentos imobiliários. Além de todas essas características
favoráveis, os Fundos Imobiliários possuem uma liquidez muito superior ao
mercado imobiliário direto, spreads BID/ASK muito menores e taxas de negociação
incomensuravelmente menores. Um
investidor pode movimentar 500 mil pagando pouquíssimo em taxas, enquanto numa
negociação imobiliária se for na ponta compradora, pode-se falar de incríveis
50 mil reais em taxas, corretagens, impostos, apenas para realizar a compra de
um imóvel. Se isso não bastasse, os rendimentos ainda são isentos de imposto de
renda (até quando não se sabe, mas eu não creio que essa isenção caia tão cedo,
creio que ela irá deixar de existir, mas ainda deve demorar), enquanto um
aluguel recebido por uma pessoa física paga a módica quantia de 27,5% de IR (se
a pessoa estiver nessa faixa de rendimentos).
Por todas
essas características, seria de se presumir que os FII pagassem rendimentos
inferiores aos rendimentos proporcionados por alugueis residenciais, mas
surpreendentemente os yields líquidos
dos FII são mais do que o dobro, às vezes chegando ao triplo, dos
yields brutos dos alugueis residenciais.
Logo, há algo errado na precificação, em minha opinião. Alguns dizem
que é porque os FII envolveriam maiores riscos, mas ainda não consegui ler nada
que oferecesse dados objetivos ou argumentos racionais para corroborar essa
ideia, muito menos com diferenças tão gritantes entre rendimentos.
Porém, todas
essas características já foram tratadas aqui nesse blog (há um compêndio dos
artigos no final desse artigo http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/06/bibliografia-indicacoes-de-livros-sobre_17.html).
Então, Soul, não há nenhuma desvantagem em possuir FII em relação a imóveis
próprios para fins de renda? Eu creio que pode haver duas, e uma talvez nem
seja uma desvantagem. Neste artigo http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/05/investimentos-imoveis-proprios-fii-cap.html,
eu abordei que o fato de se não se ter controle sobre a administração dos
imóveis de um FII pode ser encarado como uma desvantagem ou uma vantagem. Para
o meu caso pessoal, eu encaro como uma vantagem. Porém, há uma desvantagem
nítida dos FII em relação aos imóveis, e se trata do imposto inflacionário. E o
que seria esse imposto?
Algumas
pessoas ficam surpreendidas ao saber que o Imposto de Renda de um título
público atrelado à inflação como uma NTN-B incide sobre o total do rendimento,
e não apenas sobre os juros acordados. Logo, a rentabilidade real de um
título público é menor, já que o Imposto também incide sobre a parcela da
inflação, ou seja, se paga imposto de renda pela simples atualização monetária do título,
o que na verdade não significa aumento real do poder de compra. Muitos acham
injusto, alguns acham um roubo, mas é assim que o imposto é cobrado e não se pode fazer nada a respeito.
E no que esse
exemplo da NTN-B se relaciona com os FII? Bom, já escrevi sobre uma perspectiva
realista de retorno dos imóveis no longo prazo http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/06/imoveis-expectativa-realista-de-retorno.html.
Como os FII de tijolo nada mais são do que imóveis, é crível pensar, como
aconteceu nos EUA no caso dos REITs, que as cotas dos FII tendem ao menos a
seguir a inflação em períodos mais longo de tempo. Isso é provável que
aconteça, principalmente se os dividendos distribuídos pelos FII aumentarem no
mínimo pela inflação, o que é algo natural já que os contratos são reajustados
por algum índice inflacionário como o IGP-M ou o IPCA. Logo, se a cota não acompanhar a inflação,
teríamos yields muito dissonantes, e é fácil entender o motivo, já que é a
mesma razão da cotação seguir os fundamentos de uma empresa no longo prazo.
Se
considerarmos uma inflação de 7% (torcemos para que seja bem menos do que
isso), um FII que pague 10% de yield com cota sendo negociada a R$ 100,00 e um
valor de aluguel de R$ 40,00 o m2, estaria sendo negociado daqui a 10 anos com
um yield de 20% se a cota permanecesse no mesmo valor de R$100,00, já que o
aluguel por m2, por simples reajustamento da inflação, estaria valendo R$ 80,00
o m2. Portanto, a cota teria que subir para R$200,00 (o que significa apenas
crescimento pela inflação, nenhum crescimento real) para que o FII pagasse o
mesmo yield de 10% daqui 10 anos. Portanto, é plausível que no médio prazo as
cotas sigam pelo menos a inflação, eu acho que as cotas provavelmente terão
valorização real, pois não vejo como esses yields de 10% existam por muito
tempo, principalmente se o país convergir para taxa de juros menores, o que
parece ser o caso do nosso país.
Portanto, nos
atendo no exemplo do parágrafo anterior, em 2024 se a cota seguir apenas a
inflação ela estará valendo R$200,00. Se o investidor resolver vender essa quota,
permanecendo a alíquota atual, ele receberá R$ 180,00, já que terá que pagar
20% sobre o ganho de capital. Porém, o ganho de capital aqui nessa situação é
uma ilusão, já que esse aumento no valor da cota foi apenas uma reposição
inflacionária. Logo, o investidor na verdade terá um valor real em 2024 menor
do que o valor real em 2014. Infelizmente, não há como escapar dessa situação, e
essa é uma desvantagem em relação a imóveis próprios.
Quem já vendeu
um imóvel próprio sabe que no próprio programa da receita para apuração de
ganho de capital há um índice que vai descontando a inflação do imposto a ser
recolhido a depender do ano de aquisição. Logo, a pessoa vai pagando cada vez
menos imposto pela quantidade de tempo que é dona do imóvel, isso tem o condão
de atenuar ou até mesmo eliminar a existência do imposto inflacionário, e é por
esse motivo que não há problema em não atualizar os valores declarados dos imóveis ao fisco
na declaração anual. (Errata: Eu escrevi no piloto automático, e não fui conferir a base legal da redução. No próprio programa da receita federal para ganhos de capital, os redutores são calculados automaticamente. Os fatores de redução estão previstos no art.40 da Lei 11.196/05. A lei não diz inflação, e o fator de redução está relacionado com o tempo de propriedade do imóvel. Quanto mais tempo, menos se paga de imposto. Sendo assim, esses fatores de redução fazem às vezes de mitigar o imposto inflacionário, mas na verdade não estão associados diretamente à inflação).
Portanto, a
legislação prevê uma forma de atenuar o problema do imposto inflacionário para
a venda de imóveis físicos, mas não para a venda de quotas de um FII, e como
não há isenção para nenhum limite de venda, como existe para as ações, o
imposto inflacionário pode “comer” uma parte do patrimônio de um investidor.
Esse é um problema de se investir em FII, e é atenuado se o foco principal,
como deve ser, do investidor é a geração de fluxo de caixa por meio desse
instrumento, e se não há a perspectiva de venda das quotas.
Eu não creio
que seja um problema que deva desanimar investidores nessa classe de ativo,
pois os FII possuem muitas vantagens e com certeza tem o seu espaço num
portfólio bem diversificado. Porém, creio ser sempre salutar que saibamos os
prós e contras de qualquer classe de investimentos, pois só assim podemos fazer
escolhas cada vez melhores e condizentes com nossos objetivos financeiros.
Metallica! Uma das músicas que gosto de cantar na banda, um verdadeiro petardo e uma grande forma de relaxamento mental!