segunda-feira, 4 de agosto de 2014

FII - FUNDO DE PAPEL : O QUE REALMENTE ESTA ESPÉCIE DE ATIVO É?

            Olá, colegas. Tem um tempo que quero escrever sobre o mercado de Renda Fixa. Vejo que é um tópico onde há poucas postagens seja em blogs, seja na mídia especializada, que vão além de explicar qual é a diferença entre uma LCI e um CDB ou outras questões que não abrangem os pressupostos do mercado de dívida. Primeiramente, devo esclarecer que como os fluxos da renda desse mercado são fixos (daí vem o nome), há muita matemática na análise dessa espécie de ativo. Muitas vezes as análises estão em alguns graus, em alguns casos muitos graus, acima dos meus parcos conhecimentos seja de finanças, seja de tratamento matemático. Portanto, eu estou longe de conhecer profundamente esse tipo de ativo. Porém, creio que posso contribuir com alguma coisa.
            Em segundo lugar, não vai ser hoje que vou começar uma pequena série sobre Renda Fixa. Eu estava começando a estudar alguns fundos de papel, e ao ler uma carta de um administrador sobre os riscos do investimento no FII em questão, apenas ficou claro o que eu já falei algumas vezes: FII de papel é renda fixa, em nada se confunde com um FII que investe em imóveis para gerar receitas operacionais de aluguel. Além disso, FII de papel é muito mais complexo de se analisar do que uma NTNB do tesouro direto, por exemplo.
            Isso quer dizer que FII de papel é ruim? Não, claro que não, pode vir a ser um ótimo investimento, porém como acredito que cada ativo tem uma função numa carteira diversificada, é muito importante o investidor ter em mente no que investe para não exigir de um ativo algo que ele dificilmente vai fornecer. Portanto, a distinção de FII de papel x FII de “tijolo” é fundamental. Se um investidor possui 100% em FII, mas com 40% em FII de papel, ele para mim está posicionado em 60% FII e 40% Renda Fixa.
            Vou reproduzir a carta que eu li do gestor do fundo PLRI e vou tecer alguns comentários (http://www.polocapital.com.br/fundos/citibank/fundo.php?fundId=10, pesquisar relatório de junho):
“A dinâmica de oferta e demanda de capital no setor de high-yield (1) segue favorável, conforme delineado nas cartas anteriores. Contudo, houve incremento em certos fatores de risco de forma que cabe uma discussão mais detalhada
No âmbito macro, a atividade econômica mais fraca pode acarretar dinâmicas que culminem em maiores níveis de inadimplência em diversos segmentos de crédito. Além disso, dada a fragilidade do balanço fiscal brasileiro, há o risco de nova pernada de aperto monetário o que reduziria o valor dos ativos já em carteira E, finalmente, pode haver surpresa inflacionária. (2).
Quanto aos riscos macro, o Fundo tem proteções razoáveis. A totalidade da carteira de CRIs do Fundo é indexada à inflação, de forma que uma surpresa inflacionária não constitui necessariamente um risco para o posicionamento atual. (3)
Em relação a uma eventual alta de juros, há que se fazer uma distinção. Se o aperto monetário for motivado por alta das métricas de inflação, o Fundo beneficia-se da indexação mencionada acima. Se houver abertura de juros reais, os ativos em carteira teoricamente perdem valor, mas os fluxos de caixa serão reinvestidos a taxas mais elevadas. (4)
Em relação à inadimplência, a experiência da Polo Capital é de que a carteira do Fundo não segue necessariamente a trajetória de inadimplência observada nos bancos. Em 2012, por exemplo, houve aumento expressivo da inadimplência bancária no 2º trimestre, ao passo que no mesmo período as operações de crédito estruturadas pela Polo Capital registraram redução do nível de atrasos. A Polo Capital atribuiu este descolamento a (i) investimentos realizados em sistemas que possibilitam gestão ativa das operações em atraso, e (ii) curva de aprendizado na estruturação de créditos após vários anos de envolvimento no mercado de high-yield (5). Basicamente, as operações detidas pelo Fundo passam por rigoroso processo de estruturação, contam com um loan-to-value bastante baixo e cadente, e tipicamente têm uma garantia real associada. O resultado é um desincentivo ao tomador em atrasar os pagamentos ao Fundo. O controle viabilizado pelos sistemas internos garante uma vigilância que disciplina o devedor. (6)
No âmbito micro, observou-se uma piora no setor imobiliário, com queda de preços em algumas regiões e aumento de distratos. Como o Fundo tem exposição relevante ao setor de construção e, no rol de garantias, tem predileção por ativos imobiliários, essa deterioração setorial merece discussão.Para os recebíveis performados, a dinâmica de preços atualmente observada não deve afetar a propensão do devedor em se manter adimplente com a dívida. Ocorre que, como o loan-to-value das operações tipicamente situa-se abaixo (algumas bem abaixo) de 70%, há uma proteção relevante para queda de preço de ativos imobiliários. De forma estilizada, uma operação com loan-to-value de 70% pode tolerar uma queda de até 30% no valor da garantia até que inadimplir seja economicamente interessante para o devedor (7) (assume-se ausência de custos e indiferença ao risco de uma execução, premissas não-triviais) (8).
(1)  – o texto já deixa claro que é um fundo que investe no mercado de High-Yield. Geralmente, se divide a Renda Fixa em títulos governamentais e títulos privados, estes por sua vez são divididos em investment grade (grandes empresas-instituições com grau de classificação , feito por alguma agência de risco, baixa de risco) e High-Yield (empresas ou instituições com grau de classificação média ou alta de risco e por isso pagam um spread em seus títulos de dívida). Portanto, o texto já deixa claro que se investe em instrumentos com maior risco;
(2)  Indica que há forte exposição em títulos com alguma forma de pré-fixação. Logo, com uma alta do aperto monetário via aumento da SELIC, os títulos tendem a se desvalorizar. Percebam que esse parágrafo poderia ser substituído para uma análise sobre uma NTNB: inflação, problemas fiscais, etc, o que mostra que estamos falando aqui de títulos de renda fixa;
(3)  Parcialmente verdade. Sim, há proteção inflacionária, mas se a inflação fugir do controle os títulos podem sofrer grandes perdas, o motivo explico no próximo comentário;
(4)  Correto, porém quando há aumentos significativos da inflação, geralmente o movimento de aperto monetário quase sempre leva a aumentos nos juros reais.
(5)  Aqui o gestor aborda o maior risco no mercado de títulos High-Yield: o default. Basicamente, ele diz que o risco está amenizado pela curva de aprendizado da gestão na atuação do mercado de dívidas de alto rendimento. Ou seja, tem-se que confiar na expertise da gestora;
(6)  Outra forma de se prevenir do risco de default é que os FII de papel investem principalmente em CRIs que quase sempre possui algum colateral relacionado a um imóvel. Colateral é o termo financeiro para garantia (Sim, os famosos CDO da crise sub-prime americana nada mais eram do que dívidas colatelarizadas com algum bem imóvel – Collateralized Debt Obligation). Portanto, a métrica de Loan to Value (empréstimo para valor – no caso o valor do bem dado em garantia) é importante para se medir o risco de um default em determinado título. O fundo diz que possui métricas Loan To Value seguras, para se saber isso apenas olhando todos os CRIs adquiridos pelo fundo, bem como as garantias e as taxas de Loan to Value de cada CRI;
(7)  É correto o raciocínio. Quanto menor o Loan to Value, mais segura é a operação e mais seguro se torna o empréstimo no caso de uma crise imobiliária. Se ocorrer uma crise leve no setor e duração não maior do que 1/2 anos, é possível que esse LTV médio de 70% ofereça uma margem de segurança. O problema é se ocorrer uma crise aguda, como ocorreu nos EUA e em alguns países europeus, e houver uma desvalorização muito maior, esses títulos podem vir a sofrer muito, pois se as garantias começarem a ser executadas, muitos imóveis seriam jogados no mercado num momento de crise e baixa liquidez, e aí já dá para imaginar o que aconteceria nos spreads BID/ASK de negociação desses imóveis;
(8)  Aqui o gestor foi ao menos sincero ao dizer que o cenário traçado não levava em conta os custos de se executar uma garantia e que eles não são triviais, e não são mesmo. Adicione custos de advogados e de uma eventual judicialização da disputa, e estamos falando aqui de custos que podem chegar a 20% ou mais do valor da garantia;
             Portanto, colegas, vejam como pode ser complexa a análise de um FII de papel, e como as dinâmicas dessa espécie de ativo são bem diferentes de um FII de "tijolo".  Logo, com essa taxa de juros básica, com yields reais dos FII de "tijolo" numa média de 10% aa, o investidor precisa ser bem criterioso na hora de investir no mercado de High-Yield. O mínimo é exigir spreads que de alguma maneira compense os diversos riscos dessa espécie de ativo. 
            É isso colegas, grande abraço a todos!

19 comentários:

  1. Grande post.

    Sem dúvida alguma FII de papel é uma RF mais complexa de se entender nos mínimos detalhes e que é negociada na bolsa.

    Importante colocar que em minha opinião que para os FIIs o preço pago deve ser interessante (P/VP proximo ou de preferencia abaixo de 1) e que no FII de papel isso é ainda mais relevante.

    Abraços!

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    1. Olá, Guardião!
      Sim, a questão do VP é bem importante.
      Porém, é de se consignar que há muitas outras questões a se considerar num fundo de Papel com dezenas de CRIs.

      Abração!

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  2. Olá Soulsurfer
    Muito bom seu texto. Parabéns por dividir as informações com os demais.
    Na minha opinião, FII de papel possuem realmente um risco maior do que os de Tijolo. Por isso, entendo, que para investirmos nesse tipo de ativo o prêmio pago deva ser maior, justamente para compensar.
    Abraço

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    1. Olá, Dividendos.
      Grato pelo comentário, colega.
      Concordo plenamente.
      Você não investiu em Debentures incentivadas pagando IPCA +7% (creio que você vendeu realizando ganho de capital)?

      Isso dá uns 13% líquido ao ano, e se duvidar não há nenhum FII de papel pagando isso.
      Ora, geralmente essas debentures possuem rating de crédito muito maior do que as dívidas imobiliárias que dão lastro aos CRIs. Sendo assim, isso é algo que mostra que talvez possa haver algum exagero na precificação desses FII.
      Talvez há a vantagem de liquidez que algumas debentures não possuem no secundário, mas não sei se só isso justificaria.

      Abraço!

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    2. VRTA é FII de papel e paga 15 a.a.

      Afonsinho!

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    3. Dá tudo isso? Hum.
      Preciso dar uma olhada mais detalhada em cada um desses fundos.
      Mas 15% aa, se for esse o retorno mesmo, talvez comece a recompensar o risco desses títulos.

      Abraço!

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  3. Soul, os que defendem FIIs de papel dizem que são até melhores que os de tijolo, pois não existem vacâncias, mas ninguém expõe a complexidade deles como voce fez, obrigado por mais uma aula.
    Abraço

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    1. Olá, Operador S.!
      Então, eu não acho que há melhor ou pior, nós temos que ter em mente que eles são muito diferentes.
      Veja, para mim, no meu atual plano de investimento, os FII de "tijolo" que possuem renda das operações imobiliárias e possuem certa proteção contra inflação possuem uma importância muito maior do que FII de papel.
      O que apenas temos que saber é que FII de papel pode ser bem complexo sim, e os rendimentos tem que valer bem a pena, principalmente com juros básicos tão altos.

      Vacância se resolve, default não.

      Abraço!

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  4. Fala, Soul,

    como já lhe disse uma vez, amigo meu trabalha em banco e eles classificam muito FII como renda fixa mesmo.

    Sobre os FII de papel, rapaz.... a precificação dos CDO's é compleeeeeeeexa.... rsrsrsrs

    []s!

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    1. Olá, Márcio!
      Então, eu acho que classificar um FII como o XPCM (que é o único que você possui) em renda fixa não é acertado, pois ele é bem diferente.
      É como possuir um imóvel de forma "indireta".
      Porém, os FII de papel que possuem CRIs, estes sim são pura renda fixa e a RF mais complexa.

      Sim, eu sei! Por isso, coloquei que tem muito tratamento matemático de renda fixa, principalmente nos países mais desenvolvidos, que estão completamente fora do meu alcance.

      Abraço!

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  5. É rapaz, rapadura é doce mas não é mole não...

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  6. Fala Soul, muito interessante o post! Um assunto pouco abordado na blogosfera. Por nunca ter parado para estudar mais a fundo essa natureza de fundos, não tenho nenhum.
    Recentemente tenho aumentado significativamente a posição no NSLU11B. Sei que é um fundo mono-mono (mas assim como o Guardião fico tranquilo com ele). Tenho me desfeito gradativamente da significativa posição que tinha em BB e alocando esses recursos em FIIs (tenho vendido sempre acima de 28, segurei mais que tu e o Guardião). Mas pretendo zerar a posição só quando chegar acima de 30.
    Estava sumido que estou retornando neste momento daquela viagem de 3 semanas para a Austrália, algumas coisas ficaram acima da minha expectativa e outras abaixo. Mas foi muito interessante a viagem e agregagou bastante. Viajei sozinho e fiz vários novos amigos de vários lugares do mundo. Nesse aspecto a viagem foi excelente!!
    Grande abraço meu amigo!! Uma hora temos que combinar outra maneira de comunicarmos para acertar a sua visita e da sua patroa para o litoral da Bahia. Estou na fase final de mobiliar a casa.
    Grande abraço
    Green Future

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    1. Grande, Green!
      Quanto tempo rapaz! É verdade, a viagem para Austrália!
      Ah, normal algumas coisas ficarem abaixo das expectativas. É por isso que não deixa de ser um dom controlar as expectativas, mas às vezes é muito difícil.
      Pois é, você tem um timing muito melhor do que eu! Antes de comprar ou vende certos ativos vou escrever para você! hehehe

      Fico feliz de ter voltado amigo, qual é o seu e-mail para eu poder manter contato?

      Abração amigo!

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    2. Olá Soul, eu só tenho meu e-mail pessoal e preferiria não postá-lo. Tu tem algum e-mail vinculado a esse blog que eu possa lhe mandar?
      Abraço
      Green Future

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    3. Eu não tenho Green (preciso fazer um). Eu vou pedir para algum colega blogeiro fornecer o e-mail, aí você escreve para ele e eles me passam.
      Abraço!

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    4. Manda para guardiaodomobral@gmail.com

      Abraço!

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  7. Olá Soul, a respeito desse post poderia comentar o desempenho do FEXC11B, queda expressiva na remuneração (ultimos tres meses caiu de 1,30 para 0,32) ? Representa uma oportunidade ou não é possive saber ?

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    1. Olá, colega. Eu ainda estou me adaptando com os fundos de Papel, então não saberia te dizer. Porém, provavelmente a queda se deve a deflação do IGP-M.
      Pode ser que os ativos de papel possam estar chegando a preços mais interessantes, mas como dito no artigo isso não vem sem assunção de maiores riscos.

      Abraço!

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