Olá, colegas! As últimas duas semanas foram incríveis. As próximas duas tendem a ser mais incríveis ainda. Descobri um lugar completamente off the beaten track, e parece ser o lugar mais lindo que já vi na vida. Chama-se Yading Natural Reserve. Fica na província chinesa de Sichuan na região Tibetana conhecida como Cham. É simplesmente espetacular pelas fotos, nem quero ver mais fotos para não perder o encanto da surpresa. Pretendo fazer muito trekking por lá. Também gostaria de dizer que a internet na China é muito restrita. Não consigo acessar nada. Utilizando um VPN é possível acessar a internet simulando que o acesso está ocorrendo fora da China. Entretanto, é muito difícil o VPN funcionar, mas incrivelmente na cidade tibetana que estou chamada Shangri-la (que nome maneiro!) está funcionando que é uma beleza. Faz muito frio aqui e estou escrevendo esse texto do lado de um forno bem quentinho com dois pastores alemães do meu lado. Resolvi descansar, até porque nos dois últimos dias fiz uma das trilhas mais lindas da minha vida chamada Tiger Leaping Gorge e foram mais de 30km, e pesquisar mais sobre as pequenas cidades tibetanas que irei visitar nos próximos 10 dias. Aproveitei também para responder todos os comentários feitos pelos colegas leitores. A parte da China que estou é simplesmente maravilhosa, muito, mais muito acima das minhas expectativas. Só posso estar feliz e agradecido de ter a oportunidade em estar num lugar tão especial.
Yading Natural Reserve, um lugar simplesmente de uma beleza indescritível aparentemente
Nem acredito que irei visitar em poucos dias e vou poder caminhar horas e horas nesse lugar...
Feitos os esclarecimentos, dando continuidade ao meu artigo anterior Independência Financeira - Quanto Vale o seu Tempo?, vamos falar mais sobre independência financeira, bens materiais, tempo e qualidade de vida. O assunto de hoje é a paixão para muitos brasileiros do sexo masculino: CARROS. No último artigo, alguns leitores mostraram muita consciência sobre a relação tempo x dinheiro e deixaram a entender que sabiam do que estavam abrindo mão ao escolher certos hábitos de consumo. Um bom automóvel estava presente em quase todos esses comentários. Pensemos então quanto realmente custa um bom carro na vida de uma pessoa.
Antes de mais nada, tenho que confessar que não dou a mínima para carros. Uma vez estava indo de Santos para São Sebastião passar o carnaval e de repente ouvi um barulho muito alto de motor atrás de mim quando estava numa serra. Eu que estava ouvindo alguma bela música fiquei um pouco desconcertado com barulho tão irritante. Eram duas Ferraris acelerando e fazendo ultrapassagens perigosas na subida de um morro. Achei horrível aquilo tudo. Quando cheguei no destino e estava prestes a falar para os meus outros amigos que estavam em outros carros sobre o ocorrido, eles me responderam “pô você viu aquelas duas Ferraris, nossa o ronco do motor, que demais!”. Eu apenas fiquei quieto, não vale a pena discutir essas coisas. Uma outra vez estava com a minha mulher em Curitiba e de repente vi muita gente na calçada olhando para o carro que estava dirigindo e tirando fotos, pensei comigo mesmo “WTF?”, era um Porsche passando e as pessoas ensandecidas tirando foto do carro, o dono com cara de conquistador desfilava triunfante. A cena para mim foi patética e mostra como o nosso mundo está doente. Vemos beleza onde não há nenhuma e não percebemos a beleza onde ela é abundante. Portanto, eu não estou nem aí para carros e o status que ele proporciona, mas tentarei ser objetivo na minha escrita.
Há inúmeros artigos sobre os custos de se ter um carro. Nenhum que eu conheça aborda um dos maiores custos de se ter um automóvel que é o Custo de Oportunidade. Se você está lendo esse artigo é porque se interessa por finanças, e ao menos tem uma noção do que o custo de oportunidade represente em termos financeiros. Se quer uma reflexão mais aprofundada, leia custo de oportunidade - o conceito central.
Sem mais enrolações, vamos aos custos. Antes de detalhar, é preciso definir o que seja um bom carro. Bom carro no Brasil é sinônimo de muito dinheiro se comparado com o custo de aquisição em outros países. É incrível o quanto o Brasileiro gasta com carros. Vou partir do pressuposto que um bom carro novo custe R$100.000,00. Se você, querido leitor, achar pouco ou muito, basta mudar os números e fazer o seu próprio exercício.
Qual é o maior custo de se ter um carro? A Depreciação do mesmo. Esse é uma despesa líquida e certa que cada dono de carro irá incorrer. É por isso que carro, do ponto de vista de finanças pessoais de livros introdutórios, é mais tratado como um passivo, pois ele na verdade se deprecia ao longo do tempo, ao contrário da maioria dos ativos financeiros. Quanto um carro se deprecia varia de modelo e marca. Como no valor do preço de um bom carro, se alguém achar os meus pressupostos conservadores ou exagerados, basta mudar os números. Mas eu acho que eles são bem atuais. Eu, numa transação imobiliária, recebi duas BMW chiques como forma de pagamento parcial. Não imaginaria que seria tão difícil vender, mesmo já sabedor que iria receber uns 15% a menos do que consta na Tabela FIPE. Na verdade, há ainda uma a venda, mesmo passados alguns meses: uma X6. Não faço a mínima ideia de como seja o carro, e nem o verei pois quando voltar ao país já estará vendido, apenas sei que é bem caro. Portanto, carro usado é depreciação forte na certa. Os meus parâmetros serão depreciação de 20% no primeiro ano, 15% no segundo e 12% no terceiro ano.
A segunda maior despesa é o custo de oportunidade. Vou colocar esse custo em 13%aa, o que me parece algo razoável com a SELIC em 14.25%aa. Para o custo ficar mais palpável, e não na forma abstrata de quanto eu poderia ter ganho, vou colocar o custo de oportunidade como igual ao custo de financiamento do veículo. Ou seja, a pessoa financiou o veículo e vai pagar em 3 anos, com taxa de juros de 13%aa. Para fins de simplificação, pois não sei trabalhar com tabelas, vou colocar que o custo de financiamento será de 13%aa de forma simples sobre os 100 mil reais. Os demais custos são os normais que muitos artigos abordam: manutenção, gasolina, tributos, etc. Estimarei o seguro em 5% do valor do carro, a manutenção em 2% do valor do carro e a gasolina em torno de R$500,00 (algo que me parece e razoável). Eu não faço seguro de carros. Não há qualquer sentido em fazer seguro, se você pode absorver a perda do bem sem grandes impactos no seu orçamento e patrimônio. Logo, eu já devo ter economizado o valor de uns dois carros só de não ter pago seguro nos últimos 12-13 anos. De novo, sinta-se à vontade para pensar em outros números.
Vamos as costas então para um carro de 100 mil. No final do primeiro ano a conta será mais ou menos essa:
Depreciação de 20% = R$ 20.000,00
Custo de Oportunidade-Financiamento = R$13.000,00
Seguro de 5% do valor = R$5.000,00
Gasolina R$500,00 x 12 meses = R$ 6.000,00
Manutenção de 2% do valor = R$ 2.000,00
IPVA (varia de Estado para Estado) de 2,5% = R$2.500,00
Outros (lavagem, estacionamento, multas) = R$ 1.500,00
TOTAL = R$ 50.000,00
Custos no segundo ano:
Depreciação de 15% sobre R$80.000,00 = R$ 12.000,00
Custo de Oportunidade-Financiamento = R$13.000,00
Seguro de 5% do valor depreciado do primeiro ano = R$4.000,00
Gasolina R$500,00 x 12 meses = R$ 6.000,00
Manutenção de 2% do valor = R$ 1.6000,00
IPVA (varia de Estado para Estado) de 2,5% = R$2.000,00
Outros (lavagem, estacionamento, multas) = R$ 1.500,00
TOTAL = R$ 40.100,00
Custos no terceiro ano:
Depreciação de 12% sobre R$ 68.000,00 = R$ 8.100,00
Custo de Oportunidade-Financiamento = R$13.000,00
Seguro de 5% do valor depreciado do segundo ano = R$ 3.400,00
Gasolina R$500,00 x 12 meses = R$ 6.000,00
Manutenção de 2% do valor = R$ 1.360,00
IPVA (varia de Estado para Estado) de 2,5% = R$ 1.7000
Outros (lavagem, estacionamento, multas) = R$ 1.500,00
VALOR TOTAL = R$ 35.060,00
MÉDIA DE GASTOS ANUAL = R$ 41.720,00
É isso colegas, um bom carro de R$ 100.000,00 no Brasil custa a bagatela mais de R$40.000,00 por ano, ou seja, quase 42% do valor original do carro. Agora, passados os números, vamos associar com a forma de ver os seus gastos abordada no meu último artigo. Naquela ocasião, eu estimei uma renda líquida de R$10.000,00 ao mês. Muitas pessoas falaram que essa é uma renda irreal, pois quase ninguém no Brasil ganha isso. Colegas, tenho plena consciência disso, apenas coloquei essa renda (que equivale a um salário de uns R$ 13-14 mil brutos) para enfatizar mais a ideia de como trocamos o nosso tempo por coisas. Se o salário a ser considerado for menor, a quantidade de tempo será muito maior. Irei manter o salário líquido de R$ 10.000,00, se você ganha bem menos do que isso, apenas significa que irá gastar ainda mais tempo de sua vida se quiser ter um “bom" carro.
A pessoa com uma renda anual de R$ 120.000,00 (não estou contabilizando décimo terceiro ou eventuais outras vantagens) irá gastar aproximadamente 35% da sua renda com gastos do carro. Uau! O carro é dono de 35% do tempo dessa pessoa. E se a renda for de R$ 84.000,00 anuais (uma renda mensal líquida de algo em torno de R$ 7.000,00, algo muito superior a média salarial brasileira)? O carro será dono de 50% do tempo dessa pessoa.
Pensem um pouco colegas. Um objeto inanimado que não irá te consolar quando estiver triste, que não irá te fazer rir, e que não te trará nenhuma felicidade passadas as primeiras semanas da novidade (acreditem, há muitos estudos científicos demonstrando isso), será senhor de 50% do seu tempo produtivo. Uau, isso que é gostar de um carro. A pessoa poderia ler Kafka, surfar, estudar mercado financeiro, ter mais tempo com os filhos, com a esposa, com esportes, jogar videogame, ou qualquer coisa que faça alguém satisfeito, mas não, ela devotará 50% do seu tempo produtivo para pagar por um carro. Faz sentido para você? Se fizer, siga em frente. Meu único conselho é que seja muito satisfeito e contente no seu trabalho, porque senão, ficar 50% do seu tempo num trabalho que não gosta para pagar um carro um desperdício enorme de vida, energia e talento.
E se aplicarmos o mesmo exercício feito no artigo anterior Uma despesa média anual de R$ 40.000,00 (vou arredondar para simplificar) representa um capital acumulado de R$ 1.000.000,00, se levarmos em conta uma taxa segura de retirada de 4%aa. Colegas, eu irei escrever sobre TSR de uma forma que ainda não foi feita na blogosfera (li mais de 10 estudos acadêmicos diversos e inúmeros outros artigos), mas preciso de tempo para escrever sobre o tema. Logo, não irei abordar os motivos dos 4%. Serve apenas para se ter um ponto de partida.
Caramba, preciso acumular R$1.000.000,00 para ter um bom carro? E quanto tempo de vida para se juntar R$1.000.000,00? Tendo uma taxa de poupança alta de 40%, se partimos do pressuposto do artigo anterior de um retorno real de 6%aa (a maioria da blogosfera está se esforçando nos últimos anos para manter o patrimônio em termos reais) que é muito alto e um salário líquido anual de R$ 120.000,00 (que é muito maior do que quase a esmagadora maioria dos brasileiros ganha), o tempo para se chegar nessa quantia é de 13.5 anos
Sim, se uma pessoa quer IF e ainda ter um bom carro, terá que trabalhar 13.5 anos para atingir o capital necessário para bancar a despesa. Pense em tudo que se pode fazer em 13 anos de vida. Se tornar um Doutor numa especialidade, fazer diversos cursos superiores, participar mais diretamente da formação dos seus filhos, a lista é quase infinita.
Alguém pode objetar, com certa dose de razão, que uma pessoa que já é IF e tem capital não precisaria computar o custo de oportunidade, e obviamente ela não vai fazer nenhum financiamento. É verdade. Entretanto, não é porque o custo não é visível que ele não existe. Ele é bem real. Quem decide comprar um carro de R$100.000,00, com um retorno líquido com pouco risco no mercado financeiro de 13%aa , tem um custo de R$13.000,00 na escolha de comprar um carro. Isso é inescapável. É um dinheiro que poderia ser utilizado para outras finalidades: comer fora, viajar, etc, etc.
Como dito, nunca dei bola para carro, nem quando era mais jovem. O meu pai sempre me disse quando era criança que carro tem que ser um percentual bem pequeno do seu patrimônio. Quer um carro de R$100.000,00? Tenha bastante dinheiro antes. Não tente ter um passivo que se deprecia no tempo quando o patrimônio é diminuto. Hoje percebo a razão e ela é bem simples. A maioria dos brasileiros (esse fenômeno é mais forte aqui, pois os carros são mais caros aqui) trabalha para o seu carro. Quem está nessa situação é possuído pelo carro, não é a pessoa que possui o carro. O carro é o Sr. de boa parte do tempo produtivo dessas pessoas. É isso que você quer, colega leitor, trabalhar para o seu carro, e desperdiçar energia preciosa de sua vida finita, que poderia ser aplicada em inúmeras outras atividades mais gratificantes, num objeto inanimado?
Olhe ao seu redor. O que te faz mais feliz? O seu carro ou a sua família? O seu carro ou quando você tem bons momentos com seus amigos? No que você deveria gastar mais energia e esforço: sua família ou seu carro? Nos seus sonhos ou no seu carro? A reflexão é pessoal e cada um terá o seu limite para as coisas. Não importa qual seja para você, apenas reflita a respeito. Uma vida irrefletida é a pior forma de levarmos a nossa vida. Se eu fosse você, prezado leitor, eu despediria esse Patrão chamado Carro, ou ao menos exigiria um belo aumento para esse chefe tão sedutor para muitos.
Trekking no Tiger Leaping Gorge, primeiro dia.
Olha esse lugar. Dragon Snow Mountain ao fundo. Montanhas de nada mais nada menos do que 6 mil metros de altura. Almoçamos nessa aprazível vila.
Acordei muito cedo para ver o sunsire no local em que dormirmos com vista para essa montanha por apenas 12 dólares. Coloquei essas fotos como forma de inspiração para pessoas, para que elas vão atrás de coisas que as façam felizes. Para mim uma trilha como essa é uma experiência memorável para toda a vida. Para você, prezado leitor, pode ser outra coisa, mas com certeza não será bens materiais.
Grande abraço a todos!