Olá,
colegas! O tema de hoje não tem absolutamente nenhuma relação com
investimentos. Para mim as idéias contidas no artigo de hoje são sensacionais,
são algumas ordens de grandeza mais interessantes do que mercados financeiros,
rentabilidades, partidos políticos, e quaisquer outros assuntos mais comuns do
nosso dia a dia. O assunto de hoje é sobre uma das descobertas mais incríveis
da humanidade: a radiação cósmica de fundo.
Alguém
pode estar pensando: “O que eu lá quero saber sobre radiação cósmica de fundo,
qual é a importância disso para mim? Aliás, what fuck is cosmic background
radiation?” Calma para as duas perguntas colegas. Talvez esse assunto que me
fascina não encante boa parte das pessoas, então você talvez possa parar a
leitura aqui. Porém, eu creio que mesmo que o assunto talvez não interesse num
primeiro momento o leitor mais avesso a temas científicos, a história sobre
esse assunto é tão interessante que vale ao menos saber algumas coisas a
respeito.
Quando comecei a escrever
sobre finanças, já disse num dos primeiros artigos que eu não era profissional
do assunto e não tinha formação formal, e que poderia cometer alguns equívocos.
Sou apenas uma pessoa esforçada nesse assunto. Agora, com certeza eu não sei
quase nada de Astrofísica, sou absolutamente leigo no assunto. Ora, se você não
sabe nada por qual motivo está escrevendo então? Em primeiro lugar, porque esse
aqui é o meu blog e posso basicamente escrever sobre o que bem quiser. Em
segundo lugar, eu creio que talvez eu possa passar alguns conceitos, mesmo que
de forma simples e leiga, para pessoas que ainda não tiveram nenhum contato com
certas ideias científicas. Portanto, se houver algum físico entre os leitores,
peço a gentileza que seja indulgente ao analisar esse texto.
“Ok,
Soul, desembucha logo aí o que é essa tal de radiação cósmica de fundo”, alguém
pode estar pensando. Não dá para dizer
de antemão o que é sem ficar abstrato demais, então vamos começar literalmente
pelo início: O BIG BANG. Porém, antes de falarmos um pouco sobre o início, é
necessário esclarecer primeiramente alguns fenômenos físicos e um fato
histórico. A luz possui uma natureza ondulatória e corpuscular, ou seja, a luz
se comporta como se fosse ora uma partícula ora uma onda. Isso é um fenômeno complexo e está relacionado com física quântica, assunto que não irei
abordar no artigo de hoje. Estou mais
interessado, por enquanto, em falar na natureza ondulatória da luz, ou mais precisamente nas frequências
da radiação eletromagnética.
Como
assim? A luz que nós vemos nada mais é do que um faixa do espectro da radiação
eletromagnética. É mais fácil detalhar
isso com um gráfico:
Todo fóton (partícula que transmite a força eletromagnética) emite radiação. O espectro da radiaçao eletromagnética é amplo e varia de ondas de intensa energia (raios gama) a ondas de energia muito baixa (ondas de rádio). A luz visível aos olhos humanos é uma parcela muito pequena do espectro.
A
imagem acima é auto-explicativa. A radiação eletromagnética pode existir em
várias frequências ou seja, em vários comprimentos de onda. Quanto maior o
comprimento de onda, menos energética (podemos dizer menos temperatura também
para simplificar) fica a radiação, quanto menor o comprimento de onda, muito
mais energética fica a radiação. A maior fonte energética que existe no
Universo, pelo menos que se tem conhecimento, são raios gama. Raios
gama extremamente energéticos são produzidos quando uma estrela com mais massa do que o nosso sol
(é conhecido como limite de Chandrasekhar, não irei falar sobre isso hoje, mas
posso fazer um artigo sobre o ciclo de vida de estrelas, inclusive possuo uma
imagem gigantesca de uma nebulosa – berçário de estrelas – em minha sala) chega
ao seu fim e explode em uma supernova liberando uma quantidade de energia muito grande incinerando tudo ao redor. Se alguma estrela próxima da terra explodir em supernova, a terra seria incinerada.
Outra aspecto interessantíssimo, e com implicações filosóficas profundas em minha
opinião, é que o olho humano apenas consegue captar uma faixa muito estreita da
radiação eletromagnética, a chamada faixa visível de luz. Vejam na imagem que
o limite é muito pequeno comparado com todo o espectro da radiação. Nós não
conseguimos ver um raio-x ou um infravermelho, por exemplo. Assim, a nossa compreensão, a
nossa capacidade de observar o universo e a realidade sempre será limitada.
Isso deveria nos trazer mais humildade em muitas coisas na vida, pois não há
ser humano que não seja limitado na sua percepção da realidade.
Outro
fenômeno que precisa ser esclarecido é o chamado efeito Doppler. Para de uma maneira simples explicar esse
fenômeno também recorro a uma imagem:
Segundo
o efeito Doppler, toda vez que uma fonte que produz alguma onda (no caso da
imagem é uma onda sonora produzida por um avião) se movimenta em direção a um
observador (na imagem o homem em destaque), o observador tem a impressão de que
a freqüência das ondas aumenta (diminuindo o seu comprimento), tornando o som
mais agudo. Quando a fonte sonora está se distanciando de um observador (no
caso da imagem o homem mais ao fundo), este mesmo observador tem a impressão de
que a freqüência das ondas diminuiu (aumento o comprimento de onda), tornando o
som mais grave. Quando ouvimos uma sirene com um som mais grave se afastando e
um som mais agudo ao se aproximar, isso nada mais é do que o efeito Doppler.
O
efeito Doppler não é limitado apenas a ondas sonoras, ele se aplica a quaisquer
tipos de ondas (não saberia dizer se a ondas gravitacionais também, mas isso já
é um tema para lá de complexo), e a radiação eletromagnética também sofre
efeito Doppler. O que acontece quando é uma fonte de radiação eletromagnética?
Acontece exatamente o que a imagem mostra, se a fonte de luz se afasta o
comprimento de onda aumenta e a radiação se torna menos energética e isso
significa que ela se desvia para o espectro vermelho da radiação (radiações
menos energéticas). Se a fonte de luz estiver se aproximando, o comprimento de
onda diminui e a radiação sofre um desvio para o espectro azul da radiação
eletromagnética (radiações mais enérgicas). Assim, fontes de luz que estão se
distanciando apresentam um “desvio para o vermelho”, fontes de luz que estão se
aproximando apresentam um “desvio para o azul”. Essa informação é essencial
para entender a descoberta fabulosa de um dos maiores cientistas do século
passado, o Sr. Edward Hubble.
Hubble,
sim o nome do famoso telescópio foi uma homenagem a esse brilhante homem, fez
uma descoberta extraordinária no final da década de 20, aliás, foram duas
descobertas. A primeira e impressionante contribuição desse homem foi descobrir
que havia muitas outras galáxias no universo, a nossa galáxia não era a única.
Por milênios o homem pensou que vivêssemos num universo-ilha, sendo que a nossa
galáxia era a única. Homens geniais como Galileu, Newton, Kepler, morreram tendo
essa ideia na cabeça. A descoberta de que a nossa galáxia era apenas uma entre
várias outras já seria assombrosa. Porém, o Sr. Hubble descobriu algo ainda
mais extraordinário: o universo estava se expandindo e isso caiu como uma
bomba, pois até mesmo Einstein apreciava a ideia de um universo estacionário.
Como
Hubble chegou a esta conclusão? Ao fazer inúmeras observações das diversas
galáxias que ele conseguiu catalogar, ele observou que todas possuíam desvio
para o vermelho, quer dizer todas as galáxias que ele observou (em relação a
nossa galáxia creio apenas que a galáxia vizinha de Andrômeda há desvio
para o azul, ou seja a galáxia vizinha está se aproximando não se distanciando, devido à força gravitacional entre as duas galáxias, mas isso é uma
exceção devido à proximidade de ambas) estavam se afastando da nossa
galáxia. Outro fenômeno interessante foi que ele percebeu que quanto mais
distante a galáxia, mais acentuando era o desvio para o vermelho, ou seja, a
galáxia se afastava da nossa galáxia com uma velocidade de recessão maior.
O famoso quadro de Hubble que deu origem a lei de Hubble. Quanto mais distante está a galáxia (eixo X), mais veloz é a velocidade de recessão (eixo Y).
Imagens de galáxias muito distantes e o desvio para o vermelho.
Isso
deu origem a famosa lei de Hubble que diz que a velocidade de recessão de uma
galáxia é igual ao produto da distância e de uma constante que se chama de constante de
Hubble: V elocidade = Constante de Hubble x
distância. Essa descoberta extraordinária chacoalhou com o mundo da física,
a ideia milenar de um universo estático, atemporal e infinito estava próxima de
sofrer um profundo abalo.
O grande astrônomo Hubble. Suas descobertas na década de 20 modificaram por completo o entendimento sobre o universo.
Não
demorou para alguém raciocinar que se as galáxias estavam se afastando uma das
outras, isso queria necessariamente dizer que em períodos pretéritos de tempo
as galáxias deveriam estar mais próximas. Se rebobinássemos o filme da história do
universo por um período suficiente de tempo, era lógico e intuitivo pensar que
todas as galáxias em um determinado período estivessem todas juntas adensadas num único ponto de densidade infinita e temperaturas que vão alem da nossa imaginação. "Soul como pode existir algo com densidade infinita", alguém pode pensar? Eu não faço a mínima ideia. Na verdade, nem os cientistas sabem, é a chamada singularidade, um fenômeno onde as leis da física parecem não fazer sentido. Outra singularidade no universo é os chamados buracos negros, o tema é tão interessante que merece um artigo próprio. Os cientistas atualmente conseguem modelar períodos cada vez mais próximos do instante original, mas quanto mais próximo se chega do instante original mais as equações vão perdendo o sentido. A teoria M (relacionada a teoria das supercordas), também conhecida como Teoria do Tudo, tenta lidar com essas singularidades. O problema de uma singularidade é que é uma região, ou fenômeno, onde grande quantidade de energia está restrita num espaço muito pequeno. Espaços pequenos são diretamente afetados por fenômenos quânticos, algo muito bem explicado pela física quântica. Grandes energias (ou objetos massivos) são bem explicados pela teoria da relatividade geral de Einstein. Quando se coloca grande energia num espaço reduzido (imagine num lugar com densidade infinita) as equações tanto da mecânica quântica, como da relatividade geral perdem o sentido. A Teoria M é um esforço para tentar unificar esses dois campos e fazer uma teoria que possa explicar o funcionamento do universo. Porém, estou me afastando do tema do artigo.
Representação do BIG BANG. Da singularidade, ao resfriamento, formação dos primeiros núcleos atômicos, depois dos primeiros átomos, depois das proto-galáxias e por final das galáxias.
A teoria fazia sentido, mas havia
alguma prova de que ela era verdadeira além da observação do astrônomo Hubble? Sim,
havia uma prova teórica, e finalmente chegamos a radiação cósmica de
fundo. Para entender o que seria essa
radiação, é preciso falar um pouco sobre temperatura e densidade. Quando
estamos com frio e temos uma companheira para poder abraçar, não nos sentimos
mais quentes quando nos abraçamos e ficamos mais próximos? Não sei se alguém já
viu um filme muito bonito chamado “A Marcha dos Pingüins” . A forma da espécie
de pingüim retratada no filme sobreviver aos invernos rigorosos de seu habitat
é ficando amontoado com outros pingüins para de alguma forma manter a
temperatura. Isso é um fenômeno físico. Quanto mais denso vai ficando um
ambiente, ou seja mais matéria concentrada num ponto, maior é a temperatura.
Como toda energia estava concentrada num ponto de densidade infinita pela teoria
do BIG BANG, a temperatura era infinita. A partir do momento que houve a “explosão”
inicial (eu coloco entre aspas, pois o termo explosão não é cientificamente
correto, é uma aproximação para nós leigos podermos entender) e o espaço começou a se expandir, a
temperatura começou a cair, pois a densidade começou a diminuir também, menos
matéria/energia concentrada, mais volume de espaço, menor temperatura.
Essa
relação entre expansão do espaço, matéria e temperatura é fundamental e envolve
muitos pontos de interesse como: a formação das forças fundamentais, o processo
de nucleossíntese fundamental (que ocorreu nos três primeiros minutos, há um
livro bem conhecido mais técnico chamado “Os três primeiros minutos”) e depois
de 380.000 anos a formação dos primeiros átomos. Todos esses temas são
interessantíssimos e todos eles poderiam facilmente ser abordados num artigo
específico. Entretanto, o que quero retratar é a relação entre a expansão do
universo e a diminuição da temperatura.
Um
físico ucraniano chamado George Gamow junto com o americano Ralph Alpher no
final da década de 40 por meio de demonstrações matemáticas chegaram à
conclusão de que quando houve o início do universo pelo BIG BANG (os detalhes
são mais complexos do que isso, simplifico aqui) havia fótons (fótons é a parte
corpuscular da luz, lembre-se que a luz pode ser tanto onda como matéria, é
conhecido como o princípio da dualidade da luz, e é difícil de entender como
algo pode ser onda e matéria ao mesmo tempo, mas depois de ler a respeito vai
ficando um pouco mais claro) que a partir de certo momento (mais precisamente
depois de 380 mil anos quando o universo se esfriou até uma temperatura onde
foi possível que elétrons e bárions se combinassem para formar átomos) deixaram
de interagir com o plasma extremamente quente de bárions e elétrons e passaram
a viajar livremente pelo espaço em expansão (se essa parte foi um pouco mais
confusa, peço escusas).
Gamow
e Alpher concluíram que esses fótons deveriam ainda existir no universo,
deveriam emitir radiação eletromagnética em comprimentos longos de onda (ou
seja, deveriam ter uma temperatura muito baixa, já que poucos energéticos) e
deveriam estar em todos os lugares do universo. Esse último detalhe é
importantíssimo. Se toda a energia estava concentrada num único ponto e o universo expandiu-se,
pressupõe-se que o universo é homogêneo, ou seja, idêntico em todos os lugares.
George Gamow, um grande físico que deu uma contribuição imensa para o aprofundamento da nossa compreensão sobre o universo.
Apesar
da sagacidade da teoria dos dois físicos, não houve nenhum empenho da
comunidade científica em tentar descobrir essa radiação eletromagnética
residual do BIG BANG. Por quase duas décadas, essa ideia foi simplesmente
esquecida. Então, o inesperado aconteceu, o cisne negro da física moderna se
materializou, numa das maiores descobertas ao acaso feitas pela humanidade.
Dois
radio-astrônomos chamados Arno Penzias e
Robert Wilson estavam trabalhando para a Bell Telephone Company numa antena de
rádio construída pela empresa. O objetivo deles era estudar sinais de rádio
vindo de galáxias. Ao prosseguir com as medições, os dois cientistas notaram
que havia a persistência de um ruído. Para qualquer lugar que eles apontassem a
antena o ruído continuava. Eles tentaram de tudo, inclusive reza a lenda que
eles pensavam que o ruído era fruto de bosta de pombos nas antenas, mas o ruído
persistia (não adiantou limpar os dejetos das aves da antena). O ruído que eles encontraram era a radiação
cósmica de fundo, era um fóssil do início do universo e a prova mais
contundente até então da existência do BIG BANG.
Se vocês voltarem na primeira
imagem que coloquei nesse artigo, irão perceber que há um comprimento de onda
associado à emissão energética de microondas. Há também uma temperatura
associada. Qualquer fóton emite radiação
eletromagnética. Dependendo do nível de energia do fóton ele emite radiação
eletromagnética de uma determinada freqüência. Como dito, Gamow e Ralph previram
que deveria haver fótons espalhados por todo o universo emitindo uma radiação
residual (residual ao Big Bang) em microondas. Eles erraram apenas por poucos
graus a temperatura da emissão, a temperatura da radiação cósmica de fundo é de
3K (0K é conhecido como zero absoluto) ou -270 ºC. Portanto, Penzias e Wilson
tinham encontrado uma radiação em microondas existente em qualquer lugar que eles
apontassem a antena, a conclusão era apenas uma: tinha-se encontrado o fóssil
do BIG BANG previsto há mais de 20 anos.
Penzias e Wilson. A descoberta acidental mais profunda da história da humanidade.
Recentemente, telescópios cada vez mais sensíveis tem captados cada vez mais imagens espetaculares do nosso universo. A imagem abaixo é do telescópio Planck, uma imagem vale mais do que milhões de palavras:
Radiação cósmica de fundo. As diferenças de cor são variações minúsculas de temperatura (eu creio que é uma parte por mil), provando que a radiação é homogênea em todo o universo.
Dizem
que os dois não sabiam o que encontraram, e só foram avisados depois por
físicos que eram familiarizados com os trabalhos de Gamow e Ralph. Porém, o fato objetivo é que essa descoberta inesperada mudou os rumos da ciência e valeu a Penzias e a Wilson o nobel de Física no ano de 1978. Gamow já era morto e não podia receber o Nobel, mas Ralph ainda era vivo e simplesmente foi esquecido pelo prêmio nobel, num dos atos que viria a ser considerado uma das maiores injustiças na história da premiação. Essa história também não deixa de ser humana com contornos de tragédia. Mostra que nem sempre aquela pessoa que teve uma ideia original é reconhecida ou premiada e que outros às vezes podem levar os louros da vitória, nem sempre havendo justiça nos resultados. O vídeo abaixo da muito boa (principalmente para leigos) série "Poeira das Estrelas" que o físico brasileiro Marcelo Gleiser (recomendo muito os livros dele, eu já li uns 3 ou 4 acho), mostra em mais detalhes essa história. Inclusive uma entrevista do Gleiser com o grande físico Ralph Alpher num retiro para idosos antes do mesmo falecer. Vale muito mesmo assistir o vídeo.
Vídeo de um episódio do seriado "Poeira das Estrelas". Ralph Alpher, um dos físicos que contribuiu para a humanidade ter um conhecimento mais profundo sobre o universo, esquecido nos últimos anos de vida num retiro para idosos. A vida pode ser injusta às vezes.
É isso amigos. O artigo foi longo, talvez poucos cheguem até o final, mas aqueles que o fizeram creio que não se arrependeram, pois a história da radiação cósmica de fundo, do nosso universo e em última instância de nós mesmos é algo surpreendente e belo. Você mesmo pode "ver" a radiação cósmica de fundo. Sabe aquele chiado que fica nas televisões, ou pelo menos ficava, quando a transmissão terminava? Pois é, esse chiado nada mais é do que a radiação cósmica de fundo.
Você já tinha imaginado que ao ver essa imagem estava na verdade olhando para uma das provas do início do Universo?
Grande abraço a todos!