quarta-feira, 24 de setembro de 2014

UNIVERSO - A INCRÍVEL HISTÓRIA DA RADIAÇÃO CÓSMICA DE FUNDO

                Olá, colegas! O tema de hoje não tem absolutamente nenhuma relação com investimentos. Para mim as idéias contidas no artigo de hoje são sensacionais, são algumas ordens de grandeza mais interessantes do que mercados financeiros, rentabilidades, partidos políticos, e quaisquer outros assuntos mais comuns do nosso dia a dia. O assunto de hoje é sobre uma das descobertas mais incríveis da humanidade: a radiação cósmica de fundo.

                Alguém pode estar pensando: “O que eu lá quero saber sobre radiação cósmica de fundo, qual é a importância disso para mim? Aliás, what fuck is cosmic background radiation?” Calma para as duas perguntas colegas. Talvez esse assunto que me fascina não encante boa parte das pessoas, então você talvez possa parar a leitura aqui. Porém, eu creio que mesmo que o assunto talvez não interesse num primeiro momento o leitor mais avesso a temas científicos, a história sobre esse assunto é tão interessante que vale ao menos saber algumas coisas a respeito.  

               Quando comecei a escrever sobre finanças, já disse num dos primeiros artigos que eu não era profissional do assunto e não tinha formação formal, e que poderia cometer alguns equívocos. Sou apenas uma pessoa esforçada nesse assunto. Agora, com certeza eu não sei quase nada de Astrofísica, sou absolutamente leigo no assunto. Ora, se você não sabe nada por qual motivo está escrevendo então? Em primeiro lugar, porque esse aqui é o meu blog e posso basicamente escrever sobre o que bem quiser. Em segundo lugar, eu creio que talvez eu possa passar alguns conceitos, mesmo que de forma simples e leiga, para pessoas que ainda não tiveram nenhum contato com certas ideias científicas. Portanto, se houver algum físico entre os leitores, peço a gentileza que seja indulgente ao analisar esse texto.

                “Ok, Soul, desembucha logo aí o que é essa tal de radiação cósmica de fundo”, alguém pode estar pensando.  Não dá para dizer de antemão o que é sem ficar abstrato demais, então vamos começar literalmente pelo início: O BIG BANG. Porém, antes de falarmos um pouco sobre o início, é necessário esclarecer primeiramente alguns fenômenos físicos e um fato histórico. A luz possui uma natureza ondulatória e corpuscular, ou seja, a luz se comporta como se  fosse  ora uma partícula ora uma onda. Isso é um fenômeno complexo e está relacionado com física quântica, assunto que não irei abordar no artigo de hoje.  Estou mais interessado, por enquanto, em falar na natureza ondulatória da luz, ou mais precisamente nas frequências da radiação eletromagnética.

                Como assim? A luz que nós vemos nada mais é do que um faixa do espectro da radiação eletromagnética.  É mais fácil detalhar isso com um gráfico:


Todo fóton (partícula que transmite a força eletromagnética) emite radiação. O espectro da radiaçao eletromagnética é amplo e varia de ondas de intensa energia (raios gama) a ondas de energia muito baixa (ondas de rádio). A luz visível aos olhos humanos é uma parcela muito pequena do espectro.
              
               A imagem acima é auto-explicativa. A radiação eletromagnética pode existir em várias frequências ou seja, em vários comprimentos de onda. Quanto maior o comprimento de onda, menos energética (podemos dizer menos temperatura também para simplificar) fica a radiação, quanto menor o comprimento de onda, muito mais energética fica a radiação. A maior fonte energética que existe no Universo, pelo menos que se tem conhecimento, são raios gama. Raios gama extremamente energéticos são produzidos quando uma estrela com mais massa do que o nosso sol (é conhecido como limite de Chandrasekhar, não irei falar sobre isso hoje, mas posso fazer um artigo sobre o ciclo de vida de estrelas, inclusive possuo uma imagem gigantesca de uma nebulosa – berçário de estrelas – em minha sala) chega ao seu fim e explode em uma supernova liberando uma quantidade de energia muito grande incinerando tudo ao redor. Se alguma estrela próxima da terra explodir em supernova, a terra seria incinerada.

                Outra aspecto interessantíssimo, e com implicações filosóficas profundas em minha opinião, é que o olho humano apenas consegue captar uma faixa muito estreita da radiação eletromagnética, a chamada faixa visível de luz. Vejam na imagem que o limite é muito pequeno comparado com todo o espectro da radiação. Nós não conseguimos ver um raio-x ou um infravermelho, por exemplo. Assim, a nossa compreensão, a nossa capacidade de observar o universo e a realidade sempre será limitada. Isso deveria nos trazer mais humildade em muitas coisas na vida, pois não há ser humano que não seja limitado na sua percepção da realidade.

                Outro fenômeno que precisa ser esclarecido é o chamado efeito Doppler.  Para de uma maneira simples explicar esse fenômeno também recorro a uma imagem:

                               

                Segundo o efeito Doppler, toda vez que uma fonte que produz alguma onda (no caso da imagem é uma onda sonora produzida por um avião) se movimenta em direção a um observador (na imagem o homem em destaque), o observador tem a impressão de que a freqüência das ondas aumenta (diminuindo o seu comprimento), tornando o som mais agudo. Quando a fonte sonora está se distanciando de um observador (no caso da imagem o homem mais ao fundo), este mesmo observador tem a impressão de que a freqüência das ondas diminuiu (aumento o comprimento de onda), tornando o som mais grave. Quando ouvimos uma sirene com um som mais grave se afastando e um som mais agudo ao se aproximar, isso nada mais é do que o efeito Doppler.

                                    
                O efeito Doppler não é limitado apenas a ondas sonoras, ele se aplica a quaisquer tipos de ondas (não saberia dizer se a ondas gravitacionais também, mas isso já é um tema para lá de complexo), e a radiação eletromagnética também sofre efeito Doppler. O que acontece quando é uma fonte de radiação eletromagnética? Acontece exatamente o que a imagem mostra, se a fonte de luz se afasta o comprimento de onda aumenta e a radiação se torna menos energética e isso significa que ela se desvia para o espectro vermelho da radiação (radiações menos energéticas). Se a fonte de luz estiver se aproximando, o comprimento de onda diminui e a radiação sofre um desvio para o espectro azul da radiação eletromagnética (radiações mais enérgicas). Assim, fontes de luz que estão se distanciando apresentam um “desvio para o vermelho”, fontes de luz que estão se aproximando apresentam um “desvio para o azul”. Essa informação é essencial para entender a descoberta fabulosa de um dos maiores cientistas do século passado, o Sr. Edward Hubble.

                                       

                Hubble, sim o nome do famoso telescópio foi uma homenagem a esse brilhante homem, fez uma descoberta extraordinária no final da década de 20, aliás, foram duas descobertas. A primeira e impressionante contribuição desse homem foi descobrir que havia muitas outras galáxias no universo, a nossa galáxia não era a única. Por milênios o homem pensou que vivêssemos num universo-ilha, sendo que a nossa galáxia era a única. Homens geniais como Galileu, Newton, Kepler, morreram tendo essa ideia na cabeça. A descoberta de que a nossa galáxia era apenas uma entre várias outras já seria assombrosa. Porém, o Sr. Hubble descobriu algo ainda mais extraordinário: o universo estava se expandindo e isso caiu como uma bomba, pois até mesmo Einstein apreciava a ideia de um universo estacionário.

                Como Hubble chegou a esta conclusão? Ao fazer inúmeras observações das diversas galáxias que ele conseguiu catalogar, ele observou que todas possuíam desvio para o vermelho, quer dizer todas as galáxias que ele observou (em relação a nossa galáxia creio apenas que a galáxia vizinha de Andrômeda há desvio para o azul, ou seja a galáxia vizinha está se aproximando não se distanciando, devido à força gravitacional entre as duas galáxias, mas isso é uma exceção devido à proximidade de ambas) estavam se afastando da nossa galáxia. Outro fenômeno interessante foi que ele percebeu que quanto mais distante a galáxia, mais acentuando era o desvio para o vermelho, ou seja, a galáxia se afastava da nossa galáxia com uma velocidade de recessão maior.

                                   
O famoso quadro de Hubble que deu origem a lei de Hubble. Quanto mais distante está a galáxia (eixo X), mais veloz é a velocidade de recessão (eixo Y).
                                   
Imagens de galáxias muito distantes e o desvio para o vermelho.

                Isso deu origem a famosa lei de Hubble que diz que a velocidade de recessão de uma galáxia  é igual ao produto da distância e de uma constante que se chama de constante de Hubble: V elocidade = Constante de Hubble x distância. Essa descoberta extraordinária chacoalhou com o mundo da física, a ideia milenar de um universo estático, atemporal e infinito estava próxima de sofrer um profundo abalo.


                                             
O grande astrônomo Hubble. Suas descobertas na década de 20 modificaram por completo o entendimento sobre o universo.

               
              Não demorou para alguém raciocinar que se as galáxias estavam se afastando uma das outras, isso queria necessariamente dizer que em períodos pretéritos de tempo as galáxias deveriam estar mais próximas. Se rebobinássemos o filme da história do universo por um período suficiente de tempo, era lógico e intuitivo pensar que todas as galáxias em um determinado período estivessem todas juntas adensadas num único ponto de densidade infinita e temperaturas que vão alem da nossa imaginação. "Soul como pode existir algo com densidade infinita", alguém pode pensar? Eu não faço a mínima ideia. Na verdade, nem os cientistas sabem, é a chamada singularidade, um fenômeno onde as leis da física parecem não fazer sentido. Outra singularidade no universo é os chamados buracos negros, o tema é tão interessante que merece um artigo próprio. Os cientistas atualmente conseguem modelar períodos cada vez mais próximos do instante original, mas quanto mais próximo se chega do instante original mais as equações vão perdendo o sentido. A teoria M (relacionada a teoria das supercordas), também conhecida como Teoria do Tudo, tenta lidar com essas singularidades. O problema de uma singularidade é que é uma região, ou fenômeno, onde grande quantidade de energia está restrita num espaço muito pequeno. Espaços pequenos são diretamente afetados por fenômenos quânticos, algo muito bem explicado pela física quântica. Grandes energias (ou objetos massivos) são bem explicados pela teoria da relatividade geral de Einstein. Quando se coloca grande energia num espaço reduzido (imagine num lugar com densidade infinita) as equações tanto da mecânica quântica, como da relatividade geral perdem o sentido. A Teoria M é um esforço para tentar unificar esses dois campos e fazer uma teoria que possa explicar o funcionamento do universo. Porém, estou me afastando do tema do artigo.

Representação do BIG BANG. Da singularidade, ao resfriamento, formação dos primeiros núcleos atômicos, depois dos primeiros átomos, depois das proto-galáxias e por final das galáxias.

           A teoria fazia sentido, mas havia alguma prova de que ela era verdadeira além da observação do astrônomo Hubble? Sim, havia uma prova teórica, e finalmente chegamos a radiação cósmica de fundo.  Para entender o que seria essa radiação, é preciso falar um pouco sobre temperatura e densidade. Quando estamos com frio e temos uma companheira para poder abraçar, não nos sentimos mais quentes quando nos abraçamos e ficamos mais próximos? Não sei se alguém já viu um filme muito bonito chamado “A Marcha dos Pingüins” . A forma da espécie de pingüim retratada no filme sobreviver aos invernos rigorosos de seu habitat é ficando amontoado com outros pingüins para de alguma forma manter a temperatura. Isso é um fenômeno físico. Quanto mais denso vai ficando um ambiente, ou seja mais matéria concentrada num ponto, maior é a temperatura. Como toda energia estava concentrada num ponto de densidade infinita pela teoria do BIG BANG, a temperatura era infinita. A partir do momento que houve a “explosão” inicial (eu coloco entre aspas, pois o termo explosão não é cientificamente correto,  é uma  aproximação para nós leigos podermos entender) e o espaço começou a se expandir, a temperatura começou a cair, pois a densidade começou a diminuir também, menos matéria/energia concentrada, mais volume de espaço, menor temperatura.


                Essa relação entre expansão do espaço, matéria e temperatura é fundamental e envolve muitos pontos de interesse como: a formação das forças fundamentais, o processo de nucleossíntese fundamental (que ocorreu nos três primeiros minutos, há um livro bem conhecido mais técnico chamado “Os três primeiros minutos”) e depois de 380.000 anos a formação dos primeiros átomos. Todos esses temas são interessantíssimos e todos eles poderiam facilmente ser abordados num artigo específico. Entretanto, o que quero retratar é a relação entre a expansão do universo e a diminuição da temperatura.

                Um físico ucraniano chamado George Gamow junto com o americano Ralph Alpher no final da década de 40 por meio de demonstrações matemáticas chegaram à conclusão de que quando houve o início do universo pelo BIG BANG (os detalhes são mais complexos do que isso, simplifico aqui) havia fótons (fótons é a parte corpuscular da luz, lembre-se que a luz pode ser tanto onda como matéria, é conhecido como o princípio da dualidade da luz, e é difícil de entender como algo pode ser onda e matéria ao mesmo tempo, mas depois de ler a respeito vai ficando um pouco mais claro) que a partir de certo momento (mais precisamente depois de 380 mil anos quando o universo se esfriou até uma temperatura onde foi possível que elétrons e bárions se combinassem para formar átomos) deixaram de interagir com o plasma extremamente quente de bárions e elétrons e passaram a viajar livremente pelo espaço em expansão (se essa parte foi um pouco mais confusa, peço escusas).

                Gamow e Alpher concluíram que esses fótons deveriam ainda existir no universo, deveriam emitir radiação eletromagnética em comprimentos longos de onda (ou seja, deveriam ter uma temperatura muito baixa, já que poucos energéticos) e deveriam estar em todos os lugares do universo. Esse último detalhe é importantíssimo. Se toda a energia estava concentrada num único ponto e o universo expandiu-se, pressupõe-se que o universo é homogêneo, ou seja, idêntico em todos os lugares.

George Gamow, um grande físico que deu uma contribuição imensa para o aprofundamento da nossa compreensão sobre o universo.

                Apesar da sagacidade da teoria dos dois físicos, não houve nenhum empenho da comunidade científica em tentar descobrir essa radiação eletromagnética residual do BIG BANG. Por quase duas décadas, essa ideia foi simplesmente esquecida. Então, o inesperado aconteceu, o cisne negro da física moderna se materializou, numa das maiores descobertas ao acaso feitas pela humanidade.

                Dois radio-astrônomos  chamados Arno Penzias e Robert Wilson estavam trabalhando para a Bell Telephone Company numa antena de rádio construída pela empresa. O objetivo deles era estudar sinais de rádio vindo de galáxias. Ao prosseguir com as medições, os dois cientistas notaram que havia a persistência de um ruído. Para qualquer lugar que eles apontassem a antena o ruído continuava. Eles tentaram de tudo, inclusive reza a lenda que eles pensavam que o ruído era fruto de bosta de pombos nas antenas, mas o ruído persistia (não adiantou limpar os dejetos das aves da antena).  O ruído que eles encontraram era a radiação cósmica de fundo, era um fóssil do início do universo e a prova mais contundente até então da existência do BIG BANG.

               Se vocês voltarem na primeira imagem que coloquei nesse artigo, irão perceber que há um comprimento de onda associado à emissão energética de microondas. Há também uma temperatura associada.  Qualquer fóton emite radiação eletromagnética. Dependendo do nível de energia do fóton ele emite radiação eletromagnética de uma determinada freqüência. Como dito, Gamow e Ralph previram que deveria haver fótons espalhados por todo o universo emitindo uma radiação residual (residual ao Big Bang) em microondas. Eles erraram apenas por poucos graus a temperatura da emissão, a temperatura da radiação cósmica de fundo é de 3K (0K é conhecido como zero absoluto) ou -270 ºC. Portanto, Penzias e Wilson tinham encontrado uma radiação em microondas existente em qualquer lugar que eles apontassem a antena, a conclusão era apenas uma: tinha-se encontrado o fóssil do BIG BANG previsto há mais de 20 anos.

Penzias e Wilson. A descoberta acidental mais profunda da história da humanidade.

                Recentemente, telescópios cada vez mais sensíveis tem captados cada vez mais imagens espetaculares do nosso universo. A imagem abaixo é do telescópio Planck, uma imagem vale mais do que milhões de palavras:

Radiação cósmica de fundo. As diferenças de cor são variações minúsculas de temperatura (eu creio que é uma parte por mil), provando que a radiação é homogênea em todo o universo.

                Dizem que os dois não sabiam o que encontraram, e só foram avisados depois por físicos que eram familiarizados com os trabalhos de Gamow e Ralph.  Porém, o fato objetivo é que essa descoberta inesperada mudou os rumos da ciência e  valeu a Penzias e a Wilson o nobel de Física no ano de 1978. Gamow já era morto e não podia receber o Nobel, mas Ralph ainda era vivo e simplesmente foi esquecido pelo prêmio nobel, num dos atos que viria a ser considerado uma das maiores injustiças na história da premiação. Essa história também não deixa de ser humana com contornos de tragédia. Mostra que nem sempre aquela pessoa que teve uma ideia original é reconhecida ou premiada e que outros às vezes podem levar os louros da vitória, nem sempre havendo justiça nos resultados. O vídeo abaixo da muito boa (principalmente para leigos) série "Poeira das Estrelas" que o físico brasileiro Marcelo Gleiser (recomendo muito os livros dele, eu já li uns 3 ou 4 acho), mostra em mais detalhes essa história. Inclusive uma entrevista do Gleiser com o grande físico Ralph Alpher num retiro para idosos antes do mesmo falecer. Vale muito mesmo assistir o vídeo.

Vídeo de um episódio do seriado "Poeira das Estrelas". Ralph Alpher, um dos físicos que contribuiu para a humanidade ter um conhecimento mais profundo sobre o universo, esquecido nos últimos anos de vida num retiro para idosos. A vida pode ser injusta às vezes.

              É isso amigos. O artigo foi longo, talvez poucos cheguem até o final, mas aqueles que o fizeram creio que não se arrependeram, pois a história da radiação cósmica de fundo, do nosso universo e em última instância de nós mesmos é algo surpreendente e belo. Você mesmo pode "ver" a radiação cósmica de fundo. Sabe aquele chiado que fica nas televisões, ou pelo menos ficava, quando a transmissão terminava? Pois é, esse chiado nada mais é do que a radiação cósmica de fundo. 

Você já tinha imaginado que ao ver essa imagem estava na verdade olhando para uma das provas do início do Universo?

                 Grande abraço a todos!

terça-feira, 23 de setembro de 2014

MENSAGEM CURTA - PERGUNTAS AO SOULSURFER

                  Olá, colegas! Não sei se alguém já tentou mandar e-mail para mim e não conseguiu para perguntar sobre alguma coisa. Por isso, criei um e-mail pensamentosfinanceiros@gmail.com para receber mensagens de eventuais leitores desse espaço.
                 
                 Eu acho interessante postagens que respondem a determinadas perguntas, pois além de tentar ajudar alguém como alguma dúvida, obriga a pessoa que vai responder a pensar sobre a questão, a pesquisar alguma coisa e a aprender mais sobre determinando assunto. Por isso, se alguns leitores tiverem algumas dúvidas, e se eu puder ajudar, ficarei grato em fazê-lo.

                É isso colegas, abraço a todos!

sábado, 20 de setembro de 2014

BRASIL - AINDA EXISTEM JUÍZES EM BERLIM?

"Não existe absurdo que não encontre o seu porta-voz" (F.W.J. Schelling - 1809)


Olá, colegas! No último artigo falei sobre uma ótima notícia que aconteceu no nosso país. Hoje, trato de uma péssima notícia: o corporativismo extremo que existe em alguns setores do serviço público.

Ser juiz não é uma atividade fácil se exercida de maneira ética e compromissada. Definir quem deve ser preso ou não, se a criança deve ficar com o pai ou a mãe numa separação conflituosa ou até mesmo decidir se uma obra de dezenas de bilhões de reais deve ser suspensa ou não por causa de motivos ambientais com certeza não é uma atividade  simples. Não, julgar conflitos humanos não é fácil. É necessário conhecimento técnico apurado e bastante compromisso. Para mim é evidente que um Juiz deve ser bem remunerado e respeitado.

Meu pai sempre me disse que cargos públicos importantes deveriam ser bem pagos, uma remuneração para proporcionar uma vida digna e confortável. Porém, ele sempre me disse também que cargo público não era lugar para se enriquecer, para ter uma vida nababesca. Se alguém quer isso, o caminho tem que ser a iniciativa privada e a assunção de riscos.

Sendo assim, sou favorável que juízes ganhem bem, mas isso não significa que sou favorável a salários distorcidos da realidade brasileira. Soul, por que você está falando tudo isso? Nessa semana, o STF por meio de uma decisão liminar decidiu que a União deveria pagar a todos os juízes federais auxílio-moradia (http://www.conjur.com.br/2014-set-15/fux-manda-uniao-pagar-auxilio-juizes-federais-moram-aluguel).

Se você leu o link disponibilizado acima, ou mesmo se não teve paciência, vou adentrar em alguns conceitos jurídicos que talvez não sejam do domínio de muitos leitores. Os salários de servidores públicos consistiam numa miríade de gratificações, abonos, etc. O que isso significava? Significava que havia um salário base, mas sobre esse salário havia um sem número de penduricalhos. Isso além de não fazer sentido apenas criava uma grande fonte de debates jurídicos sobre o que era ou não devido, acreditem há ainda inúmeros processos judiciais  em andamento discutindo questões relacionadas a essa forma confusa de remuneração.

A nossa Constituição então estabeleceu, por meio de uma reforma realizada no ano de 1998, que algumas carreiras centrais (Juízes, Procuradores, Membros do MP, entre outros) deveriam receber por subsídio. O que consiste o subsídio? É apenas outro nome para dizer salário. Assim, se um cargo de juiz substituo tem um salário de R$ 18.000,00 bruto, esse é o subsídio do cargo. Não deveria haver mais gratificações, abonos, etc. O processo de fixação de subsídio para as diversas carreiras não foi fácil, mas ao final acabou prevalecendo a forma de subsídio de remuneração. Assim, juízes, delegados, auditores, procuradores, etc recebem suas remunerações por meio de subsídio.

Há um conceito em direito que diferencia verbas remuneratórias de verbas indenizatórias. Basicamente, verbas indenizatórias servem para indenizar alguém, nesse caso um servidor, por algum custo incorrido e verbas remuneratórias servem para remunerar o trabalho do servidor. Como aqui não é um site sobre filigranas jurídicas, resumidamente a diferença jurídica entre uma verba remuneratória e uma indenizatória no caso dos servidores são dois aspectos: a) não há incidência de Imposto de Renda sobre a verba indenizatória e b) a verba indenizatória, como é uma indenização por um custo indevido ocorrido pelo servidor, não está sujeita aos limites do subsídio. O que isso quer dizer especificamente, Soul? Isso representa que o juiz do nosso exemplo pode ganhar R$ 18.000,00 pelo seu subsídio e mais alguma outra verba que tenha caráter indenizatório.

Um leitor mais atento poderia perguntar “Ué, mas isso não é voltar ao sistema antigo de vários penduricalhos?” Bingo! Sim, é.  Por isso, deve-se ter muita cautela em definir o que seja uma verba indenizatória. Além do mais, quando houve a criação do subsídio, pelo princípio da irredutibilidade de vencimentos, quase todos os “penduricalhos” de remuneração foram incorporados ao salário base e tudo transformado em subsídio, logo criar mais “penduricalhos” seria exatamente obter um ganho duplo.

Apenas mais um detalhe jurídico para que a questão seja bem compreendida. Cabe ao Supremo Tribunal Federal, como corte constitucional, definir em última instância o que está de acordo com a Constituição ou não. Quando uma questão é pacificada no STF sobre algum tema, ela pode ser sumulada, que quer dizer que é um entendimento forte do STF sobre um determinado assunto. Sendo assim, se uma pessoa entra na Justiça com um entendimento diverso de um contido numa súmula do STF, muito provavelmente o processo vai ser extinto rapidinho, pois o juiz de primeiro grau vai apenas dizer que há uma Súmula do STF em sentido contrário. É uma forma de dar segurança jurídica ao sistema e agilidade as decisões, é perda de tempo discutir uma súmula do STF (há exceções, como tudo na vida, mas repito que o artigo aqui não é sobre minúcias jurídicas).

Na época dos penduricalhos, era muito comum servidores sob o pretexto da igualdade (em direito é mais comum dizer isonomia) pedir equiparação de alguma gratificação ou abono na via judicial. Assim, um servidor de um cargo X entrava na justiça dizendo que suas atividades eram muito semelhantes a um cargo Y pedindo que o Judiciário equiparasse os salários.  Sabe o que o STF dizia a respeito?  Súmula n°339 do STF de 1963 (não, você não leu errado, há 50 anos esse é o entendimento consolidado do STF): Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.” (destaques meus)

Depois dessa breve explicação sobre alguns conceitos, podemos voltar a decisão do ministro Fux do Supremo Tribunal Federal que mandou pagar auxílio-moradia para os juízes federais.  A argumentação (e ela é defendida por associações de Juízes e membros do MP) basicamente é que: a) o auxílio-moradia é uma verba indenizatória, e b) os juízes federais possuem isonomia com os juízes estaduais e também com membros do Ministério Público, sendo assim não é correto pagar uma verba para uma carreira e não para outra. Com a palavra o Ministro: Em razão da simetria entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público, que são estruturadas com um eminente caráter nacional, defiro a tutela antecipada requerida, a fim de que todos os juízes federais brasileiros tenham o direito de receber a parcela de caráter indenizatórioO valor do singelo auxílio-moradia fixado liminarmente pelo douto Ministro do STF foi a módica quantia de R$ 4.377,33 por mês para todos os juízes federais ( http://oglobo.globo.com/brasil/stf-manda-pagar-auxilio-moradia-juizes-federais-sem-residencia-oficial-13952465#ixzz3DtNwmgvw).

Segundo o ministro do STF, pelo menos em decisão liminar, deve se pagar auxílio-moradia aos juízes federais. Por quê? Porque alguns estados pagam auxílio-moradia para juízes estaduais, bem como os membros do MP também recebem a benesse. Isso não viola a sistemática de Subsídio? Não, pois é uma verba indenizatória. Um leitor atento perguntaria: “Mas que raio de verba indenizatória é essa para bancar moradia?” Pois é. O salário não serve para pagar pela nossa alimentação e moradia? Por qual motivo a moradia de juízes e promotores seria diferente? Já não existe subsídio para isso? E a Súmula n°339 como é que fica? Não fica, aliás, fica apenas se outras carreiras tentarem ganhar auxílio-moradia, pois com certeza aí vai se criar alguma argumentação jurídica para dizer por qual motivo a súmula n°339 se aplica para quase todos, mas não se aplica para algumas pouquíssimas carreiras.

Pô, Soul, você só pode estar de brincadeira que isso está acontecendo. Antes fosse, colega. Há inúmeras outras propostas para aumentar os “penduricalhos” de juízes e promotores. Vou citar algumas: reviver o adicional por tempo de serviço (a cada ano trabalhado se ganha 1% a mais de remuneração, isso foi extinto com o FHC e agora os juízes e promotores, e só eles, devem voltar a ganhar, verba por substituição, etc). No Rio de Janeiro, os juízes estaduais estão querendo ganhar R$ 7.250,00 como uma forma de “indenização” para bancar o estudo dos filhos  (http://oglobo.globo.com/rio/juizes-desembargadores-querem-auxilio-educacao-de-ate-725-mil-para-dependentes-13906100)Errata - ( Um colega nos comentários disse que a informação não era correta e me forneceu um link (http://www.amaerj.org.br/noticias/o-dia-publica-entrevista-com-presidente-do-tj-rj-sobre-auxilio-educacao). O amigo tinha razão, apesar da proposta poder ensejar a interpretação do auxílio de R$ 7.250,00. O valor solicitado é de R$ 3.030,00, sendo que é R$ 1.010,00 para cada dependente limitado a três, porém isso apenas torna o pedido menos afrontoso, não empresta legitimidade ao pleito).

Isso é apenas a parte mais nefasta do corporativismo:  a busca de realizar interesses da corporação a qualquer custo, independente do interesse de outros extratos do corpo social. A péssima notícia é quando isso acontece com Juízes, pois esta é a “corporação” encarregada de aplicar o direito e julgar as controvérsias de forma imparcial. Quando os juízes começam a dar interpretações para lá de elásticas para a lei em benefício próprio, a coisa pode desandar, pois ninguém  e nenhum outro poder pode rever decisões do Poder Judiciário. O Judiciário  é o “fiscal final”, nada, nem ninguém, em tese pode interferir , num sistema democrático,  em decisões judiciais definitivas.

Isso passa uma mensagem muito ruim. Primeiramente para outras carreiras que obviamente vão querer aumentos e vão pressionar o governo de todas as formas para mais aumentos. Se já estamos com problemas fiscais, imagina num próximo governo o que não pode acontecer se o  grosso do funcionalismo  tentar obter ganhos expressivos na remuneração? Além do mais, isso passa uma mensagem muito ruim para o resto da sociedade, pois parece que somos formados por castas, onde há privilegiados que podem ter mais direitos do que outros. Como dizer para população que se precisa apertar o cinto, fazer alguns ajustes, se algumas classes do extrato social parecem ser imunes a isso?

Não podemos negligenciar o efeito disso no médio prazo. Eu creio que plantamos sementes muito ruins em algumas coisas no Brasil nos últimos anos. É por isso que há uma desmoralização da autoridade, índices de violência ainda muito altos e uma falta de coesão social no nosso país. Se continuarmos plantando sementes ruins: não priorizar a educação, não retomar o respeito a autoridade (seja do pai, de um professor, de um policial) e continuarmos na ótica da “salvação individual e dane-se  o resto“, fica difícil imaginar um Brasil substancialmente diferente daqui 20 anos.

Há uma história de que o grande rei da Prússia Frederico II   queria derrubar um moinho de vento num terreno particular, pois essa construção aparentemente estava atrapalhando os planos de expandir o seu castelo. O Kaiser então ofereceu  para o dono do terreno a compra do imóvel. O dono disse que não poderia vender a terra onde o seu pai tinha falecido e onde os seus filhos nasceriam. O Rei ofendido com a resposta do sujeito teria dito que se ele quisesse poderia simplesmente tomar a propriedade a força.  O proprietário então teria retrucado para o dignitário : “Como se não houvesse juízes em Berlim!”. A frase significa que não importa se você é a maior autoridade de uma região, mesmo assim você deve se submeter as regras, e o poder judiciário independente serve para garantir que até mesmo um rei seja submetido as regras.  É daí que aparentemente vem a expressão “Ainda existem juízes em Berlim”.

Portanto, precisamos de um Judiciário forte, ele é essencial num regime democrático e para que os mais poderosos não possam fazer o que bem quiserem com os mais fracos. Esperemos que essa decisão liminar possa ser cassada quando o plenário do STF julgar a ação, mesmo que isso signifique que os juízes julguem contra os seus interesses corporativos. Uma bela dose de pressão popular também não é nada mal nesses casos.

Torcemos para que o Supremo Tribunal Federal possa ser realmente o "guardião" máximo da nossa Constituição e comprovar o velho ditado de que ainda existem juízes em Berlim.

Grande abraço a todos!


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

BRASIL - COMBATE AO FLAGELO DA FOME: UMA ÓTIMA NOTÍCIA

Olá colegas! Uma grande notícia para o Brasil e para nós brasileiros a ONU divulgou na data de ontem. Em meio a tantas notícias ruins, induzidas ou não, é sempre bom ver algo extremamente positivo acontecendo. O país diminuiu pela metade o número de pessoas com fome, ou mais tecnicamente em situação de insegurança alimentar. O mundo também melhorou nos últimos 10 anos, mas infelizmente ainda há mais de 800 milhões de pessoas que passam fome no mundo.

A fome é o maior flagelo social. Para mim é uma aberração num mundo tão desenvolvido intelectual e tecnologicamente haver centenas de milhões de pessoas passando fome. Eu gosto muito de física. Um dos grandes feitos na história da humanidade, em minha opinião, foi a construção do Grande Colisor de Hadróns na Suíça. Ainda voltarei a essa máquina fenomenal, mas basicamente esse acelerador de partículas recria condições de alta energia, colindindo as partículas (Hadrons) para poder analisar uma variada gama de conseqüências. Dizem que o Bosón de Higgs foi achado, o que é um passo absurdamente fenomenal para a compreensão do universo. Porém, o meu ponto aqui não é falar sobre Física, mas sim destacar que a mesma humanidade que constrói uma máquina de 27km  de extensão capaz de recriar de alguma forma as condições iniciais de alta energia na formação do universo, é a mesma humanidade que não consegue erradicar a fome na família humana, mesmo havendo comida e recursos mais do que suficientes para alimentar a todos.

Um dos detectores do LHC (Large Hadron Collider). Se fomos capazes de criar uma máquina tão fantástica para fazer elucubrações tão abstratas e profundas sobre o universo, e em última instância sobre nós mesmos, eu recuso a aceitar a ideia que o problema da miséria extrema , particularmente a fome,  não pode ser extinta do planeta terra nos próximos 10/15 anos. Basta apenas vontade política dos Estados, bem como de nós humanos mais afortunados.

Eu nunca passei fome. Porém, algumas vezes, quem já não passou por essa situação, fiquei muitas horas sem me alimentar e a sensação é horrível (a não ser que a pessoa esteja conscientemente jejuando). Eu não consigo imaginar o que é passar a vida constantemente com fome. Alguém com fome não irá conseguir estudar, trabalhar adequadamente e muito menos refletir sobre os problemas “filosóficos” da vida, até porque a máxima “só é possível filosofar de barriga cheia” parece aplicar a esmagadora maioria dos seres humanos. A fome destrói a dignidade das pessoas e envergonha as demais pessoas que não são afligidas por esse mal.

Portanto, a erradicação da fome deveria ser a prioridade número um da comunidade internacional se vivêssemos num mundo onde as vidas de todos tivessem a mesma dignidade e importância. Porém, sabemos que isso não é verdade. A vida de um recém formado brasileiro ( alguns muitos críticos em relação à sua própria condição de vida), por exemplo,  não vale a mesma coisa do que uma criança subnutrida em um campo de refugiados no Chade.

Assim, a notícia de que o Brasil diminuiu sensivelmente o número de pessoas que passam fome, e além disso é um exemplo para o mundo de formas positivas e eficientes de combate à fome , me enche de alegria (ver a notícia em http://www.onu.org.br/brasil-reduz-em-50-o-numero-de-pessoas-que-passam-fome-diz-onu/). Há pessoas que associaram isso ao governo atual e tecerão louros aos mandatários e ataques a oposicionistas. Há pessoas que farão pouco caso dessa conquista fenomenal, e talvez soltem alguns impropérios contra o governo atual. É uma pena. Essa é uma conquista apartidária. Essa é uma conquista do Brasil, é algo que coloca o Brasil mais perto de países menos injustos. É um marco civilizatório.

Segundo a ONU, 1.7% da população brasileira ainda passam por insegurança alimentar. São muitas pessoas, mas o número é muito menor do que há 20/25 anos. Alguns podem dizer que não passar fome não é uma conquista para se gabar, pois isso é o mínimo. Concordo que é um mínimo existencial para uma pessoa ter alguma dignidade, mas se há duas décadas uma parcela significativa não tinha nem mesmo esse nível básico garantido, podemos imaginar quão injusto e desigual nosso país não era.

Os erros são inúmeros, os nossos desafios imensos, mas uma notícia como essa deveria ser comemorada por todos os brasileiros, pois além de nos tornamos mais humanos, podemos praticar a compaixão e alegria pelos outros, duas atitudes nobres que apenas nos colocam mais próximos do bem-estar subjetivo e da felicidade.

Infelizmente, ainda há mais de 800 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar. Que o ato de se alimentar seja considerado um direito inalienável de qualquer ser humano. Que a família humana ser envergonhe de ter tantas pessoas passando fome, para que um dia possa contemplar um mundo onde esse flagelo seja relegado aos livros de história.


Um grande abraço a todos!

terça-feira, 9 de setembro de 2014

FINANÇAS - CUSTO DE OPORTUNIDADE: O CONCEITO CENTRAL


Olá, colegas! Hoje escrevo sobre um tema que é central para as finanças, mas também o é para a vida humana. Falo do custo de oportunidade. Este é um conceito tão essencial que deveria ser ensinado desde cedo para as crianças. Ele é central em finanças, mas às vezes percebo como ele pode ser ignorado ou mal compreendido. Afinal o que é custo de oportunidade?

Imaginemos você leitor neste exato momento em que lê essa oração.  Sua atenção e o seu tempo estão dedicados para a leitura e compreensão do que estou escrevendo. Porém, se você não estivesse lendo esse artigo, talvez você pudesse estar lendo outra coisa, ou vendo um filme ou conversando com um amigo. A leitura deste presente artigo possui um custo de oportunidade, pois ao ler as palavras aqui escritas o leitor está abrindo mão de fazer alguma outra coisa. Absolutamente tudo em que fazemos na vida possui embutido algum custo de oportunidade. Se uma pessoa vai para a faculdade, há um custo de oportunidade nesse ato, seja de aspectos financeiros (valor de uma eventual mensalidade, gastos com transporte, material, etc) ou aspectos não-financeiros (como o tempo gasto assistindo as aulas em detrimento de outras atividades, apesar daqui também ter certo aspecto financeiro).

Esse conceito de custo de oportunidade nas nossas escolhas foi o que tentei trazer com o primeiro artigo sobre taxa segura de retirada de um portfólio para fins de independência financeira. Um maior conservadorismo possui um custo de oportunidade de mais anos trabalhando. Por isso, talvez seja bacana conhecer dados para saber se esse conservadorismo é necessário ou não. Veja, não há nenhum mal na escolha em si, desde que a pessoa saiba exatamente os custos envolvidos em ter uma postura mais conservadora ou mais agressiva, pois aí a pessoa pode realmente fazer escolhas conscientes sobre os rumos que gostaria de dar a sua vida.

O conceito de custo de oportunidade é vital em economia. Talvez seja o primeiro princípio a ser ensinado nos livros de introdução à economia.  Para nós investidores amadores, o conceito de custo de oportunidade também deveria ser de primeira grandeza. O que é custo de oportunidade para os investimentos? Entender o conceito e sua aplicação em finanças exige que se saiba sobre o valor do dinheiro no tempo. Como assim, Soul? Bom, o dinheiro possui valor no tempo, geralmente o dinheiro vale mais hoje do que valerá amanhã, e há dois motivos para esse fenômeno.

O primeiro é que as economias pós-fim padrão ouro (antes desse evento, a inflação era muito baixa), tirando algumas exceções, possuem um caráter inflacionário. Isso quer dizer que R$ 100,00 hoje valem mais do que R$ 100,00 daqui um ano, tendo em vista que o poder de compra será diminuído com o passar do tempo.  O outro motivo, e esse é aplicável desde sempre, é que o ser humano tende a dar mais prevalência ao consumo presente do que ao consumo futuro, mantidos todos os pressupostos inalterados. Isso é facilmente entendido pelo teste do Marshmallow aplicado em crianças e que já foi objeto de alguns artigos aqui na blogosfera (o último creio ser do colega U.B). O teste é colocar um Marshmallow na frente de uma criança e dizer a mesma que ela poderá ter mais um Marshmallow se conseguir segurar o impulso e não comer o quitute por um determinado período de tempo. O teste geralmente é mostrado para dizer que as crianças que conseguiram adiar o consumo presente tornaram se adultos mais confiantes, mais bem sucedidos, etc. Sim, esse é o resultado, e já foi repetido em diversos tipos outros de testes. Porém, o que esse resultado mostra com uma clareza ímpar (basta ver a cara das crianças que não comeram se retorcendo de vontade) é que nós damos muito mais valor ao consumo imediato. Precisamos ter algum incentivo para adiar o nosso consumo imediato, no caso das crianças foi um Marshmallow a mais (ou seja 100% de retorno), para os investidores o incentivo se dá o nome de remuneração do capital, é a promessa de que se não houver o consumo imediato dos R$100,00, a pessoa poderá ter mais dinheiro para consumir no futuro, por exemplo R$ 110,00. Estes R$10,00 são o Marshmallow a mais dos investidores, mas conhecemos mais comumente como juros.

Nós humanos temos uma tendência de querer sempre antecipar o consumo. Esse tema foi tratado magistralmente pelo livro "O Valor do Amanhã" do Eduardo Gianetti. Esse teste é apenas uma corroboração desse fato.

Logo, o dinheiro tem valor no tempo. O Marshmallow, ou juros, comumente aceito como remuneração mínima fundamental de um ambiente financeiro é a remuneração do ativo “livre” de risco.  Soul, por qual motivo as aspas no adjetivo livre (colocarei as aspas uma única vez no texto)? Colegas, não há nada livre de risco no mercado financeiro. Estados podem quebrar, empresas centenárias podem falir e imóveis podem simplesmente perder valor por uma grave depressão econômica (não acredita? Leia sobre o que está acontecendo com os imóveis na cidade de Detroit – primeira grande cidade americana a falir). Entretanto, no mercado financeiro há o conceito de ativo livre de risco, sendo considerado aquele ativo com menor possibilidade de não entregar o que foi prometido.

Geralmente, eu diria quase sempre, o ativo livre de risco é conceituado como um título governamental. O grande balizador dos mercados internacionais são os títulos de dívida do tesouro americano. O Marshmallow mínimo dos mercados internacionais é a remuneração oferecida pelos títulos do tesouro americano. É por causa disso que há um grande frenesi há mais de um ano sobre se e quando o FED (o Banco Central Americano) irá aumentar as FFR (federal fund rates – taxas de curto prazo).  Mesmo aqui é difícil dizer qual é o ativo livre de risco, pois os títulos de curto prazo do governo americano pagam rendimentos nominais perto de zero, enquanto títulos de maturação alta (superior a 10 anos) estão pagando juros de 2,5% aa. Geralmente, os entendidos usam as taxas dos títulos de maior duração como a taxa do ativo livre de risco, porém não seria errado considerar as taxas de curto prazo.

Se formos para a escala que mais nos interessa, qual seja o nosso país, o ativo livre de risco é tido como os títulos de dívida do governo brasileiro. Há diversos tipos de título, com diferentes maturações e formas de remuneração, porém o que é aceito por aqui é que o CDI (Certificado de Depósito Interbancário) seria o melhor proxy para representar a remuneração do ativo livre de risco. Também não há problemas em considerar a SELIC, até porque se pode investir diretamente nela por um título como a LTF. Porém, SELIC e CDI apresentam remunerações muito semelhantes, e não é um grande problema escolher uma ou outra.

Ok, Soul, pode pensar algum amigo, entendo o conceito, mas estou começando a achar que o custo de oportunidade de estar lendo este seu artigo está ficando alto demais, qual é a relação dessa explicação toda com o começo do texto? Bom, recapitulemos. Tudo o que fazemos na vida apresenta um custo de oportunidade e em finanças não seria diferente, muito pelo contrário. O dinheiro, na maioria das vezes, tem decréscimo de valor no tempo. Tendo em vista este fato e a nossa tendência natural de queremos comer o Marshmallow imediatamente, é necessário ter um incentivo para que haja o adiamento do consumo e isso é chamado de juros. Em finanças, há o conceito de ativo livre de risco, a remuneração mínima que se pode obter no mercado, já que como teoricamente o risco é mínimo a remuneração também será mínima, dificilmente se consegue fugir da relação risco x retorno. No contexto internacional, essa remuneração mínima é a oferecida pelos títulos americanos, no caso brasileiro é a oferecida pelos títulos do governo brasileiro que pode ser concebida como o CDI ou a SELIC (no restante do texto usarei apenas o CDI para fins de clareza e simplificação).

Assim, para o caso brasileiro, a remuneração mínima que um investidor minimamente racional deve esperar receber por adiar o seu consumo é o valor do CDI. Qualquer outro investimento que um investidor for fazer em outro ativo que não seja de alguma maneira atrelado a um título público possuirá um custo de oportunidade representado pela remuneração do CDI. Lembre-se que o custo de oportunidade nada mais é do que uma troca que se faz por alguma coisa, o custo de não estar fazendo X, quando se está fazendo Y.

Como a remuneração do CDI é a remuneração existente para o menor risco possível assumido, só faz sentido em pensar no investimento em outros ativos quando o rendimento esperado seja superior ao CDI, o famoso expected returns, a área mais nebulosa das finanças. Reparem que falo em retornos esperados, não retornos certos. Um ativo pode ter um expected return maior do que  o ativo livre de risco, mas não entregar esse rendimento em determinado horizonte temporal. Por que isso ocorre? Porque o ativo é mais arriscado do que o ativo livre de risco, se não fosse mais arriscado, não teria sentido ele ter um retorno esperado maior, pois se estaria sendo mais remunerado por assumir um risco idêntico. O ponto não é que os outros ativos entreguem uma remuneração superior ao ativo livre de risco, mas sim que eles possuam retornos esperados que sejam superiores ao ativo livre de risco. Investir num ativo com um expected return abaixo do ativo livre de risco não faz sentido do ponto de vista financeiro . A Poupança se encaixa com perfeição nesse caso. A Poupança pode ter funções psicológicas ou fazer às vezes de uma reserva de emergência, mas analisando sobre a perspectiva risco x retorno, o investimento em poupança não possui muito fundamento.

Logo, o retorno potencial de um ativo deve ser necessariamente o seguinte: remuneração do ativo livre de risco + expectativa extra de retorno da classe de ativo escolhida. Não há como fugir dessa “fórmula”. Eu abordei alguns insights dessa “equação” quando escrevi sobre os três fatores de risco de Fama e French http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/05/acoes-os-tres-fatores-de-risco-de-fama.html. Não vou abordar a questão da “expectativa extra de remuneração da classe de ativo escolhida”, pois isso é assunto para muitos e muitos artigos, onde eu quero chegar é na relação entre o custo de oportunidade (remuneração do CDI no caso brasileiro) e a precificação dos ativos.

Muitas pessoas, e são muitas mesmo, costumam dizer que não há relação entre o Marshmallow mínimo de uma economia (a remuneração do ativo livre de risco) e a precificação dos ativos. Alguns dizem que é coisa de “sardinha” pensar assim, outros não conseguem observar a relação entre CDI e precificação de Fundos Imobiliários ou outros títulos mobiliários cotados em bolsa, por exemplo.  Com a devida vênia, eu creio que quem pensa assim está completamente equivocado.

Negar a influência da remuneração do ativo livre de risco na precificação dos ativos é simplesmente negar a existência de um conceito central para economia e finanças, e para vários outros aspectos da nossa vida, que é o custo de oportunidade.  Quando a remuneração do ativo livre de risco sobe, isso significa que o custo de oportunidade de se investir em outros ativos ficou maior. Se o CDI de 10,8% aa atuais passasse para 15% aa no começo de 2015, por exemplo, o custo de oportunidade de investir em outras classes de ativo aumentaria significativamente.  O que isso significa em termos práticos? As outras espécies de ativos devem se desvalorizar para compensar esse aumento no custo de oportunidade. O inverso também é verdadeiro, quando o custo de oportunidade diminui, os outros ativos podem valorizar de preço. Esta relação é apenas uma conseqüência lógica do conceito muito mais fundamental que é o custo de oportunidade. Não é por outro motivo que a década de 90 apenas um ativo reinou soberano no imaginário popular: a renda fixa com seus juros altíssimos. Talvez seja daí que veio toda a retórica ideológica contra o "rentismo". Com taxas de juros de 20% aa, o custo de oportunidade de se investir em outros ativos fica proibitivo. Minha família aprendeu a duras penas (nem foi tão duro assim, foi apenas um resultado financeiro não-ótimo) ao investir em imóveis com taxas de juros tão altas. Não quer dizer que outros ativos não possam valer a pena, apenas que o custo de se investir neles fica muito alto, fazendo com que apenas investimentos com resultados excepcionalmente bons compensem um custo tão alto.

Muitas pessoas que investem em um espécie de ativo como FII estão dispostas a aceitar que a não oscilação do valor de seu imóvel residencial é devido à falta de liquidez. O famoso livro “O Investidor Inteligente” inclusive tem uma passagem específica com esse exemplo. Sendo assim, a estabilidade de preço de um imóvel residencial é ilusória, e isso serve como um “consolo” para as variações às vezes abruptas de preços das quotas de fundos que na bem da verdade representam imóveis físicos. As pessoas costumam aceitar isso como um fato do mercado. Porém, algumas pessoas não conseguem ir para a conclusão lógica posterior de que todos os ativos variam de preço de acordo com a magnitude da mudança do custo de oportunidade no mercado financeiro.  Longe de ser um “movimento de manada”, “irracionalidade” do mercado, isso é apenas um fato da vida nos mercados financeiros.

Observem, colegas, que isso não quer dizer vender ou comprar um determinado ativo querendo fazer alguma espécie de timing. São dois assuntos diversos. Eu posso ter um apartamento, ser feliz nele, e mesmo que ele suba ou caia de preço por circunstâncias alheias a minha vontade, não ter motivos para querer me desfazer do imóvel. O mesmo acontece com Fundos Imobiliários, ações, títulos pré-fixados, negócios próprios, e qualquer outra espécie de ativo que alguém possa imaginar. Momentos de compra e venda de um determinado ativo estão relacionados com estratégia de alocação, objetivos financeiros de curto, médio e longo prazo, ou timing para as pessoas que acham ser possível conseguir retornos em excesso. Porém, um fato é certo, há determinadas taxas de juro que a própria atividade produtiva vai ficando inviável pelo alto custo de oportunidade. O nosso país ainda possui taxas altíssimas, e é por causa disso que temos empresas com dividendos de 7/8% ou FII com yields de 10/11%, isso é impensável em mercados mais desenvolvidos onde o custo de oportunidade é muito menor.

Entretanto, isso não muda o simples fato de que quando o custo de oportunidade aumenta todos os ativos se desvalorizam e quando o custo de oportunidade baixa todos os ativos se valorizam. Sendo assim, o custo de oportunidade é um conceito central em nossa vida. Continuo trabalhando num emprego chato porque me remunera bem? Sigo aquele sonho mesmo sabedor das chances de fracasso? Faço aquele mestrado? Como aquele hambúrguer com fritas e coca-cola? Todas essas questões podem ser pensadas pelo conceito de custo de oportunidade. Em finanças, o conceito é mais fundamental ainda. Entender corretamente o conceito com certeza ajuda a ter mais clareza do funcionamento do mercado, bem como de definir metas factíveis para alcançarmos nossos objetivos financeiros.

Um grande abraço a todos!



segunda-feira, 8 de setembro de 2014

FII - UMA DESVANTAGEM: O IMPOSTO INFLACIONÁRIO

Olá, colegas. Neste artigo trato de uma desvantagem dos FII em relação a imóveis próprios que não é muito abordada na internet, trata-se do imposto inflacionário.

Após me dedicar um tempo ao estudo dos FII, cometer algumas bobagens, e com o conhecimento que tenho de imóveis próprios, ficou claro para mim que os FII são uma forma superior de investimento em relação a imóveis diretos se o foco for a geração de fluxo de renda proveniente de aluguéis. Com uma carteira de uns 15/20 FII, se pode diversificar entre centenas de imóveis, centenas de contratos de locação, diferentes regiões geográficas e  diferentes segmentos imobiliários.  Além de todas essas características favoráveis, os Fundos Imobiliários possuem uma liquidez muito superior ao mercado imobiliário direto, spreads BID/ASK muito menores e taxas de negociação incomensuravelmente menores.  Um investidor pode movimentar 500 mil pagando pouquíssimo em taxas, enquanto numa negociação imobiliária se for na ponta compradora, pode-se falar de incríveis 50 mil reais em taxas, corretagens, impostos, apenas para realizar a compra de um imóvel. Se isso não bastasse, os rendimentos ainda são isentos de imposto de renda (até quando não se sabe, mas eu não creio que essa isenção caia tão cedo, creio que ela irá deixar de existir, mas ainda deve demorar), enquanto um aluguel recebido por uma pessoa física paga a módica quantia de 27,5% de IR (se a pessoa estiver nessa faixa de rendimentos).

Por todas essas características, seria de se presumir que os FII pagassem rendimentos inferiores aos rendimentos proporcionados por alugueis residenciais, mas surpreendentemente os yields líquidos dos FII são mais do que o dobro, às vezes chegando ao triplo, dos yields brutos dos alugueis residenciais. Logo, há algo errado na precificação, em minha opinião. Alguns dizem que é porque os FII envolveriam maiores riscos, mas ainda não consegui ler nada que oferecesse dados objetivos ou argumentos racionais para corroborar essa ideia, muito menos com diferenças tão gritantes entre rendimentos.

Porém, todas essas características já foram tratadas aqui nesse blog (há um compêndio dos artigos no final desse artigo http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/06/bibliografia-indicacoes-de-livros-sobre_17.html). Então, Soul, não há nenhuma desvantagem em possuir FII em relação a imóveis próprios para fins de renda? Eu creio que pode haver duas, e uma talvez nem seja uma desvantagem. Neste artigo  http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/05/investimentos-imoveis-proprios-fii-cap.html, eu abordei que o fato de se não se ter controle sobre a administração dos imóveis de um FII pode ser encarado como uma desvantagem ou uma vantagem. Para o meu caso pessoal, eu encaro como uma vantagem. Porém, há uma desvantagem nítida dos FII em relação aos imóveis, e se trata do imposto inflacionário. E o que seria esse imposto?

Algumas pessoas ficam surpreendidas ao saber que o Imposto de Renda de um título público atrelado à inflação como uma NTN-B incide sobre o total do rendimento, e não apenas sobre os juros acordados. Logo, a rentabilidade real de um título público é menor, já que o Imposto também incide sobre a parcela da inflação, ou seja, se paga imposto de renda pela simples atualização monetária do título, o que na verdade não significa aumento real do poder de compra. Muitos acham injusto, alguns acham um roubo, mas é assim que o imposto é cobrado e não se pode fazer nada a respeito.

E no que esse exemplo da NTN-B se relaciona com os FII? Bom, já escrevi sobre uma perspectiva realista de retorno dos imóveis no longo prazo http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/06/imoveis-expectativa-realista-de-retorno.html. Como os FII de tijolo nada mais são do que imóveis, é crível pensar, como aconteceu nos EUA no caso dos REITs, que as cotas dos FII tendem ao menos a seguir a inflação em períodos mais longo de tempo. Isso é provável que aconteça, principalmente se os dividendos distribuídos pelos FII aumentarem no mínimo pela inflação, o que é algo natural já que os contratos são reajustados por algum índice inflacionário como o IGP-M ou o  IPCA. Logo, se a cota não acompanhar a inflação, teríamos yields muito dissonantes, e é fácil entender o motivo, já que é a mesma razão da cotação seguir os fundamentos de uma empresa no longo prazo.

Se considerarmos uma inflação de 7% (torcemos para que seja bem menos do que isso), um FII que pague 10% de yield com cota sendo negociada a R$ 100,00 e um valor de aluguel de R$ 40,00 o m2, estaria sendo negociado daqui a 10 anos com um yield de 20% se a cota permanecesse no mesmo valor de R$100,00, já que o aluguel por m2, por simples reajustamento da inflação, estaria valendo R$ 80,00 o m2. Portanto, a cota teria que subir para R$200,00 (o que significa apenas crescimento pela inflação, nenhum crescimento real) para que o FII pagasse o mesmo yield de 10% daqui 10 anos. Portanto, é plausível que no médio prazo as cotas sigam pelo menos a inflação, eu acho que as cotas provavelmente terão valorização real, pois não vejo como esses yields de 10% existam por muito tempo, principalmente se o país convergir para taxa de juros menores, o que parece ser o caso do nosso país.

Portanto, nos atendo no exemplo do parágrafo anterior, em 2024 se a cota seguir apenas a inflação ela estará valendo R$200,00. Se o investidor resolver vender essa quota, permanecendo a alíquota atual, ele receberá R$ 180,00, já que terá que pagar 20% sobre o ganho de capital. Porém, o ganho de capital aqui nessa situação é uma ilusão, já que esse aumento no valor da cota foi apenas uma reposição inflacionária. Logo, o investidor na verdade terá um valor real em 2024 menor do que o valor real em 2014. Infelizmente, não há como escapar dessa situação, e essa é uma desvantagem em relação a imóveis próprios.

Quem já vendeu um imóvel próprio sabe que no próprio programa da receita para apuração de ganho de capital há um índice que vai descontando a inflação do imposto a ser recolhido a depender do ano de aquisição. Logo, a pessoa vai pagando cada vez menos imposto pela quantidade de tempo que é dona do imóvel, isso tem o condão de atenuar ou até mesmo eliminar a existência do imposto inflacionário, e é por esse motivo que não há problema em não atualizar os valores declarados dos imóveis ao fisco na declaração anual. (Errata: Eu escrevi no piloto automático, e não fui conferir a base legal da redução. No próprio programa da receita federal para ganhos de capital, os redutores são calculados automaticamente. Os fatores de redução estão previstos no art.40 da Lei 11.196/05. A lei não diz inflação, e o fator de redução está relacionado com o tempo de propriedade do imóvel. Quanto mais tempo, menos se paga de imposto. Sendo assim, esses fatores de redução fazem às vezes de mitigar o imposto inflacionário, mas na verdade não estão associados diretamente à inflação).

Portanto, a legislação prevê uma forma de atenuar o problema do imposto inflacionário para a venda de imóveis físicos, mas não para a venda de quotas de um FII, e como não há isenção para nenhum limite de venda, como existe para as ações, o imposto inflacionário pode “comer” uma parte do patrimônio de um investidor. Esse é um problema de se investir em FII, e é atenuado se o foco principal, como deve ser, do investidor é a geração de fluxo de caixa por meio desse instrumento, e se não há a perspectiva de venda das quotas.


Eu não creio que seja um problema que deva desanimar investidores nessa classe de ativo, pois os FII possuem muitas vantagens e com certeza tem o seu espaço num portfólio bem diversificado. Porém, creio ser sempre salutar que saibamos os prós e contras de qualquer classe de investimentos, pois só assim podemos fazer escolhas cada vez melhores e condizentes com nossos objetivos financeiros.

Metallica! Uma das músicas que gosto de cantar na banda, um verdadeiro petardo e uma grande forma de relaxamento mental!

Abraço a todos!

sábado, 6 de setembro de 2014

INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA - TAXA SEGURA DE RETIRADA - PRIMEIRA PARTE


Olá, colegas! Hoje pretendo falar um pouco sobre Independência Financeira, sim o tema favorito de quase todos que se interessam mais por finanças pessoais. O objetivo é viver de renda, mas a pergunta que muitos fazem é quanto de patrimônio é necessário para se poder ter rendimentos passivos suficientes para se manter certo padrão de vida. Eu iria abordar alguns estudos técnicos feitos sobre qual seria uma taxa segura de retirada, mas eu preferi fazer um primeiro post explicativo.

Primeiramente, no que consistem esses estudos? Basicamente, são estudos que pegam os dados passados de rentabilidade das classes de ativos, simulam determinadas alocações para portfólios (as alocações representadas por fundos que de alguma maneira seguem algum índice), baseado nessas alocações e no ano da aposentadoria simulam diversas taxas de retirada do patrimônio e observam a taxa de sobrevivência do portfólio para variados horizontes de tempo, geralmente de 10 a 40 anos. Soul, ficou um pouco confuso, dê um exemplo. Imagine que um americano resolveu aposentar em 1973, tinha um portfólio de 50% Bonds (renda fixa) e 50% em ações (representado por algum índice) quais taxas de retirada anuais teriam sido seguras para não extinguir o portfólio no horizonte testado? Assim, os estudos testam diversas taxas, diversas configurações de portfólios, diversos horizontes e diversos anos de aposentadoria e tentam tirar alguma conclusão desses dados.

Os primeiros estudos americanos chegaram a uma taxa segura de retirada de 4% e é daí que vem a famosa “4% rule”. Há muitas críticas atualmente sobre essa “regra”, eu cito algumas: as taxas de retirada não consideram os custos de investimento, os estudos foram feitos única e exclusivamente com dados do mercado americano (o que poderia ocasionar o que se chama tecnicamente de survivorship bias, já que o mercado americano foi um ponto fora da curva no século XX) e os estudos não poderiam ser automaticamente aplicados em ambientes de baixos yields que vivemos atualmente. Todas essas críticas são interessantes e pretendo abordá-las no momento oportuno. Entretanto, eu gostaria desse primeiro artigo de discutir algumas questões prévias à análise dos estudos propriamente ditos, e alguns argumentos utilizados quando essa questão vem à tona.


ALGUMAS PREMISSAS BÁSICAS


Colegas, o que vou falar agora é óbvio e lógico, mas às vezes escapa a percepção de algumas pessoas.  Em um artigo há uns meses atrás na parte dos comentários, eu disse para um Anônimo que a maior segurança que se pode ter é um alto patrimônio sendo remunerado a uma taxa “r” e uma taxa de retirada desse patrimônio pequena.  O anônimo talvez não tenha entendido e fez pouco caso, porém em patrimônios de retirada nós temos quatro variáveis, duas correlacionadas positivamente e duas correlacionadas negativamente, importantes que vão ditar o sucesso ou não da sobrevivência do portfólio: tamanho do patrimônio, retirada do patrimônio, rentabilidade desse patrimônio e horizonte de tempo.

Quanto maior o seu patrimônio, maior é a chance de sobrevivência do mesmo no decorrer dos anos. Quanto maior a sua rentabilidade maior a chance de não extinguir o portfólio. Quanto maior o horizonte de tempo que a pessoa quer fazer retiradas menores é a chance de sucesso e quanto maior a taxa de retirada desse patrimônio menor é a chance do mesmo  não ser exaurido.

Dessas quatro variáveis nós temos duas sobre relativo controle, uma que o nosso controle é parcial e uma sem qualquer tipo de controle.  Nós podemos definir qual é o patrimônio que julgamos suficiente para fazer a transição para uma vida de renda passiva e qual é o montante que desejamos retirar todo o ano. Nós podemos fazer uma projeção de quantos anos esse patrimônio terá que durar, mas sem termos uma precisão absoluta. Porém, nós não temos controle sobre a rentabilidade do nosso patrimônio, o máximo que se pode fazer é esperar um determinado nível de rentabilidade para um determinado nível de exposição de risco e de alocação de ativos.

Portanto, o fator patrimônio é fundamental quando se pensa em viver de renda. Eu ainda diria que o fator taxa de retirada é tão ou mais essencial. Uma pessoa que possui 3M e quer viver confortavelmente com 25k por mês, o que ocasionaria uma taxa de retirada de 10% aa, possui uma estratégia muito mais arriscada do que uma pessoa que possui 2M e quer viver com 10k por mês, o que redunda em uma taxa de retirada de 6% (ambas as taxas de retirada são arriscadas para horizontes maiores de tempo). Portanto, a mensagem que com uma vida mais simples e frugal o objetivo da independência financeira é bem mais fácil é absolutamente correta. Da mesma forma que se a pessoa for feliz no trabalho e quiser adiar o momento da passagem para uma vida aonde os rendimentos vêm de forma passiva a chance de sucesso de sobrevivência do patrimônio é muito maior.

Sim, é tudo muito intuitivo e lógico, mas é sempre bom termos as premissas bem claras para que possamos entender os estudos estatísticos, bem como para que possamos nos planejar corretamente.


ALGUMAS OBJEÇÕES PRÉVIAS


Sabedor de algumas indagações que comumente são feitas quando esse tema é explorado em algum lugar, resolvi adiantar e falar o que penso sobre elas.


A)     ESSES ESTUDOS SÃO PERDA DE TEMPO, NÃO ACREDITO NELES


Colegas, aqui eu acho que há um grande mal-entendido. Estudos de qualquer coisa com resultados imprevisíveis, como é o caso de uma taxa de retirada de um patrimônio que está sujeito a inúmeras flutuações e acontecimentos incertos, nunca vão proporcionar uma “verdade” como um teorema matemático ou alguma demonstração de um evento físico. Isso é patente. Logo, não se pode pegar nenhum estudo feito no campo das finanças e aplicá-lo ou segui-lo cegamente, sem qualquer juízo crítico. Os estudos servem apenas como guias, como um ponto de partida de um planejamento, como uma forma a mais de se tentar se posicionar.

Sob essa perspectiva para mim eles são muito bons. Simplesmente ignorá-los, sem ao menos conhecê-los, é uma atitude não muito sábia em minha opinião. Criticá-los sem tê-los lido, aí realmente já é um erro, pois na minha concepção de ver o mundo só podemos nos posicionar de maneira crítica de forma séria quando conhecemos aquilo que estamos criticando.

Portanto, os estudos não são para ser levados como guia definitivo para a questão, nem mesmo eles representam a miríade de situações possíveis que cada pessoa pode ter, até porque eles são estudos estatísticos, mas eles são sim importantes para que possamos ter algumas idéias mais claras sobre um tema que é importantíssimo, pois ele ultrapassa a simples independência financeira, ele é vital para os sistemas de previdência do mundo inteiro.


B) EU SIGO A FÓRMULA “POPULARIZADA” DE QUE EM FASE PREVIDENCIÁRIA MEU PORTFÓLIO TEM QUE RENDER DUAS VEZES OS MEUS GASTOS OU A ÚNICA TAXA SEGURA É AQUELA EM QUE A TAXA DE RETIRADA EQUIVALE AO FLUXO REAL PRODUZIDO PELO PATRIMÔNIO


Colegas, já vi em vários lugares se popularizar a ideia de que a pessoa só pode retirar metade do fluxo gerado pelo seu patrimônio.  Vejo muitas pessoas abraçando essa ideia e ao mesmo tempo ignorando os estudos estatísticos. O que não se percebe é que ao se dizer que só se pode gastar metade do seu fluxo, na verdade está se criando uma mesma regra como o “4% rule”, mas sem qualquer base empírica para pronunciar a dita “regra”. Ora, isso é apenas um método ruim, nada mais do que isso.  E se eu achar que essa “regra” é muito arriscada e colocar que apenas quando o meu patrimônio produzir três vezes os meus gastos eu posso viver de renda  passiva, o que acontece? Se a rentabilidade nominal de um portfólio no ano for de 10%, e a pessoa tiver uma despesa anual de 100k, o patrimônio teria que ser de 2M (5% de taxa de retirada) ou de 3M (3,3% de taxa de retirada). Percebe-se que o patrimônio final pode ser de 1M a mais ou a menos a depender da regra de cabeça adotada. Uma irá produzir uma taxa de retirada um pouco agressiva de 5% e a outra uma taxa de retirada conservadora de 3.3%.

Porém, se em um determinado ano a rentabilidade anual nominal for de 5%? Dobram-se os números de taxa de retirada ou dobram-se os patrimônios para 4M e 6M respectivamente? Dobrar os patrimônios é impossível para quem já está prestes a parar de trabalhar ou simplesmente vai necessitar muitos mais anos de acumulação para as pessoas que ainda estão na fase de acumulação.  Portanto, fique claro que “regras” de que quando os fluxos são o dobro dos gastos ou o triplo dos gastos nada mais são do que variações do “4% rule”, porém sem passar pelo crivo da análise empírica.

A segunda variação de apenas retirar os fluxos reais de um portfólio é evidentemente segura, pois não parte de números jogados ao leu como gastar a metade dos seus rendimentos. Se uma pessoa calcular a sua inflação pessoal e gastar apenas os fluxos que ultrapassarem a sua inflação pessoal, o poder de compra será mantido e se a pessoa mantiver o mesmo nível de gasto o portfólio pode teoricamente durar para sempre. Reconheço que essa é uma forma muito segura de se pensar no problema.

Porém, há alguns problemas de se contar apenas com fluxos reais. Uma pessoa talvez não queira deixar patrimônio para herdeiros ou talvez nem mesmo possua herdeiros. Logo, uma estratégia que as despesas irão ser bancadas apenas com fluxos reais vai levar a pessoa necessariamente a obrigatoriedade de possuir patrimônio muito maior do que o necessário. Logo, a pessoa estará trocando anos de vida trabalhando a mais por segurança. Tudo na vida é um eterno trade-off, mas no caso específico de uma pessoa que não pretende deixar nada a herdeiros essa troca é negativa, pois vai levar que ela tenha um patrimônio muito maior do que o necessário.  Se algum engenheiro civil ler esse artigo algum dia, pense na seguinte analogia (e desculpe ao público técnico se cometo algum erro primário):  para manter um prédio de quatro andares seguro você precisa, digamos, de 8 colunas de sustentação, sendo assim não há qualquer motivo para se erguer 16 colunas de sustentação a não ser que se queira gastar tempo e recursos de forma desnecessária. É claro que a analogia não é perfeita, pois o exemplo das colunas é algo quase exato, enquanto a sobrevivência de um patrimônio é muito mais inexata. Porém, apesar das eventuais falhas, eu acho a comparação razoável para termos em mente que conservadorismo demais pode nos levar a desperdício do que temos de mais precioso: tempo com saúde.

O outro problema com apenas retirar os fluxos reais, é que se num determinado ano o fluxo real for zero ou negativo, como se faz? Suponhamos que uma pessoa tenha um patrimônio de 3M, tenha um gasto anual de 100k, e o fluxo real de um ano  negativo, a pessoa deve cair em demasia o seu nível de gasto? Volta a trabalhar? E se houver uma crise de três anos seguidos com fluxos reais negativos, o que se faz?  É evidente que se os fluxos reais forem negativos por muitos anos seguidos o portfólio será extinto. Porém, as classes de ativos e os mercados costumam passar por ciclos, e uma queda acentuada em alguns anos pode seguir uma alta muito acentuada em outros anos, é esse fenômeno que os estudos estatísticos tentam capturar. Será que um fluxo real negativo de um ano não vai ser compensado por um grande fluxo real positivo num ano posterior? O que os dados podem dizer a respeito? Portanto, se uma pessoa se prender apenas na noção de retirada de fluxos reais positivos, pode levar a uma troca de mais anos de trabalho por mais segurança no fluxo, que em alguns casos pode ser desnecessária, bem como deixar a pessoa despreparada para alguns anos onde o mercado como um todo pode apresentar retornos reais negativos.

O tema é de grande importância e pouco tratado de forma mais sistemática aqui no Brasil.  Não há respostas simples nem objetivas sobre a pergunta “qual é uma taxa segura de retirada?”. Porém, há sim formas de se pensar mais objetivamente a questão. Em outro artigo, pretendo abordar alguns estudos e suas conclusões e raciocinar se estes estudos podem ter alguma valia para o mercado brasileiro.

Grande abraço a todos!