quarta-feira, 13 de agosto de 2014

REFLEXÃO - SOBRE ALEGRIA, TRISTEZA E O IMPONDERÁVEL DA VIDA

                  Olá, colegas. Este meu artigo iria ser apenas sobre a alegria, porém depois do acontecimento de hoje, também tive que refletir sobre a tristeza e o imponderável. Comecemos pela alegria.

  Ontem, um Brasileiro ganhou a medalha Fields, conferir em http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/artur-avila-o-genio-brasileiro-cool-das-equacoes. Sou sincero ao dizer que não fazia ideia que esse prêmio existia. É conhecido como o “Nobel” da matemática. É um prêmio importante concedido a quatro matemáticos a cada quatro anos (outro fato interessante é que uma das ganhadoras foi uma matemática do Irã). Soul, por isso iria te trazer alegria?

                É claro que não dei pulos de alegria com a notícia, mas fiquei feliz ao saber que um brasileiro tão jovem tinha ganho um prêmio tão importante numa área que admiro tanto que é a matemática pura. Eu entendo pouco de matemática, mas tenho uma profunda admiração pela matemática e pela física.  Outra coisa muito bacana é que a área de estudo do Artur Ávila é matemática abstrata que pode vir ou não a ter aplicações práticas. Eu sempre achei esquisita a argumentação sobre  teoria e prática, e aqui não me refiro a ninguém em especial até porque isso é muito comum em nossa sociedade, colocando as duas em pontos antagônicos da existência humana, como se elas não fossem complementares e imprescindíveis uma para a outra, o que é um erro bem grave em minha opinião.  O conhecimento abstrato por si só já é engrandecedor, aliás como procurei ilustrar com a minha reflexão sobre as finalidades do dinheiro (http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/06/reflexao-as-tres-finalidades-do-dinheiro.html), porém nunca se sabe as conseqüências práticas da busca pelo conhecimento puro.

                Algumas pessoas que torcem o nariz para a busca do conhecimento por si só, talvez se surpreendessem ao saber que a internet, o celular, aliás, quase tudo que usamos como tecnologia, são frutos de pessoas que se dispuseram a pensar sobre o desconhecido às vezes sem qualquer finalidade prática em mente a curto prazo. É o que Artur Ávila faz. Ele trabalha com sistemas dinâmicos, ou seja, sistemas que evoluem com o tempo e que podem ser sensíveis a pequenas perturbações (está relacionado com a teoria do caos). Portanto, num país onde as boas práticas não existem e onde a teoria é mal-tratada, até por causa do nosso péssimo sistema educacional, para mim é uma grande alegria ver um brasileiro se destacando num ramo do conhecimento onde o pensamento abstrato é de suma importância.

                A toda evidência, eu não faço a mínima ideia dos pormenores matemáticos dessa teoria.  Entretanto,  ao reler “A Lógica do Cisne Negro” estou bem na parte onde o autor fala do matemático Poincaré e sua contribuição à ideia de sistemas dinâmicos e da limitação do conhecimento humano na possibilidade de prever eventos futuros,  da nossa cegueira epistêmica ao imponderável, e isso me leva ao motivo da tristeza.

Artur Ávila. Espero que a conquista desse rapaz sirva de inspiração para outros jovens brasileiros e que desperte um maior interesse pela ciência e pela busca do conhecimento em nossas crianças.

                No dia de hoje, um acidente aéreo ocorrido na minha querida cidade de Santos vitimou sete pessoas, uma delas o presidenciável Eduardo Campos. Em minha visão, a vida de qualquer ser humano é digna, e não creio que existam vidas mais importantes do que às outras. Por isso, a morte das outras seis pessoas, muitas delas jovens, de uma maneira tão inesperada é algo muito triste. Porém, é inegável que um  dos principais candidatos  à presidência possui uma posição mais proeminente e cause uma comoção nacional maior.

                Eu também não conhecia bem Eduardo Campos. Apenas sabia que tinha sido governador de Pernambuco, Estado onde tenho raízes familiares, com um altíssimo nível de aprovação e pelo que vi no jornal da cultura ele foi reeleito com uma das maiores quantidades de votos da história do Brasil. Ele era um político relativamente jovem e representava  talvez uma tentativa de fazer uma política diferente no país.  Poderia não ser ideal ou ter cometidos erros, mas com certeza ele era muito diferente dos Renans, Sarneys e tantos outros políticos profissionais que conhecemos e que o Brasil não suporta mais.

                O falecimento de um político como esse dessa forma inesperada  a dois meses das eleições é algo muito triste e ruim para o país. A política do Brasil, já extremamente enfraquecida, fica ainda mais frágil.  Isso, e provavelmente esqueceremos, pois nosso cérebro não é projetado para lidar com a extrema incerteza, apenas mostra como o imponderável é decisivo em grandes acontecimentos históricos. O que vai ocorrer agora? A Marina será candidata? Será que ela pode ter força para ganhar a eleição (algo que Campos dificilmente teria condições - talvez as maiores chances dele seriam para 2018 )? Difícil saber.  O que se pode dizer é que o imponderável, um Cisne Negro, ocorreu hoje no Brasil e as suas conseqüências são impossíveis de estimar. Não é demais lembrar que a morte de Tancredo Neves mudou completamente a história recente do nosso país, pois muito provavelmente o nosso país seria outro com ele no poder do que foi com José Sarney, principalmente num momento tão crítico como foi o período da transição de uma ditadura para um regime democrático. Cito uma bela frase do Eduardo Campos proferida em sua entrevista ao Jornal Nacional ontem: "Não vamos desistir do Brasil. É aqui onde vamos criar nossos filhos, é aqui onde temos que criar uma sociedade mais justa….”
               
Eduardo Campos. Podia ter os seus problemas e suas falhas (qual ser humano não as tem), mas ele sinalizava com a possibilidade de se pensar uma política mais alinhada com os anseios de boa parte da população.


                Alegre e triste com o Brasil em menos de 24 horas, como a vida é dinâmica.  Eu particularmente não sou muito fã de mídias sociais, mas observei que muitas brincadeiras de gosto duvidoso estão sendo feitas com o acontecimento.  Às vezes penso que o “pseudo” anonimato da internet traz à tona algumas características lamentáveis dos seres humanos, porém creio que temos que aprender a conviver com isso, pois não parece um fenômeno passageiro.  Ficam aqui os meus parabéns ao brasileiro Artur Ávila e os meus sentimentos às famílias de todos que pereceram no acidente de hoje.


Um abraço a todos.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

FII - ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE ASPECTOS FUNDAMENTAIS: PATRIMÔNIO X RENDA

        Olá, colegas! Hoje faço um artigo bem mais breve (para alegria de alguns:P), e volto um pouco às raízes de início desse blog que foi a análise de FII. Fiz uma breve atualização do estudo feito por mim no começo desse ano para dois fundos. Por que esses dois fundos? Como são fundos com distribuição não completamente linear, é sempre bom estar atualizado, pois a renda média não fixa tanto na cabeça como em fundos muito mais estáveis como um XPCM ou um BBPO. Além do mais, esses fundos não são tão novos, o que permite que se faça uma análise um pouco melhor sobre os dados e os resultados dos fundos. Coloco abaixo a análise e peço que prestem atenção principalmente às partes sublinhadas.


RBRD11 – Quatro imóveis voltados para logística  (10% do faturamento), varejo (60% do faturamento) e também escritórios (30% do faturamento), localizados no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Norte.  Fundo administrado pela Votorantim. Três locatários, sendo que um deles (Ampla) paga o aluguel anual em outubro, isso faz com que o rendimento tenha um comportamento parecido com o FIIP11B. Os contratos são de longa duração (2024/2025). O fundo está protegido contra eventuais rescisões pela existência de multas contratuais que prevêem o pagamento de aluguéis até o fim do contrato. O fundo tem uma participação pequena em logística com 10% e uma grande participação de lojas de varejo (retaliers) alugadas para a empresa  LAEDER.  Projetando-se um rendimento para 2014, tendo como base os aluguéis mensais e o aluguel anual da AMPLA, e um IGP-M e IPCA de 6% (o fundo possui contratos reajustados pelos dois índices) , pode-se esperar um rendimento de  R$ 7,4 anual  , algo em torno de R$0,62 por mês na média, por quota (em 2011 foi de R$ 6,00, em 2012 de R$ 6,4 e em 2013 de R$6,97, mostrando uma evolução interessante e uma proteção da renda) o que dá um yield de razoáveis 0,86 % am e 10,3% aa com quota a  preços atuais de R$72,00 (agosto de 2014) , o que é um patamar bem interessante pela segurança do fundo tendo em vista a boa diversificação geográfica, bem como a longevidade dos contratos, o que dá fôlego para o fundo agüentar uma eventual crise econômica e/ou imobiliária. Despesas na ordem de 4% do faturamento, o que é muito bom. Taxa de administração de 0,21% do PL do fundo.  O Valor Patrimonial da quota está em R$ 77,00, sendo assim a quota está sendo negociada com um leve deságio patrimonial. Volume não é grande, mas é razoável.  É interessante notar que a cota foi lançada em novembro de 2010 por R$74,12, portanto quase não houve valorização nominal da quota em quase quatro anos (é de se destacar que em 2011 houve uma amortização de R$4,00 por quota).

Avaliação: Ótimo. Contratos longuíssimos com bons locatários, rendimento atual bom.

 Risco: Baixo. Não vejo riscos significativos para esse fundo no curto/médio prazo.


FIIP11B – Fundo de logística e de locação para lojas de varejo. Particularidade de ter contratos corrigidos pelo IPCA (contratos longos com fim de prazo entre 2018-2024, a exceção do imóvel de Ilhéus que vence em dezembro de 2016 e representa 13% do faturamento do fundo). Razoavelmente diversificado com vários locatários e vários imóveis. Outra particularidade é uma certa diversificação geográfica, o que é sempre bem interessante para a carteira de FII (imóvel no Paraná, Bahia, Minas Gerais e São Paulo). As despesas de administração são relativamente baixas em relação a outros FII (algo em torno de 3% do faturamento). Há uma particularidade também que a AMBEV paga o aluguel anual em janeiro, o que faz que o rendimento mensal seja um pouco inferior nos outros 11 meses. Renda projetada para esse ano de R$ 15,8 anual, com uma média de R$1,31 mensal - com aluguel anual da AMBEV – (distribuição nos anos de 2010 - R$ 12,86, 2011- R$ 13,65, 2012- R$ 14,21 e 2013- R$ 14,97, o que mostra que a renda vem sendo protegida contra a inflação), o que dá um yield de razoáveis 0,87% am e 10,5% anuais com quota a R$ 150,00 (o que é muito parecido com o yield do RBRD) em agosto de 2014. Há uma particularidade de que o fundo possui apenas direito de superfície em relação ao imóvel localizado em Tatuapé e alugado a CA. O direito se extingue em 2047. Aparentemente não é um grande problema, pois representa 6% do faturamento do fundo. O valor patrimonial do fundo é de aproximadamente R$ 172,00, o que dá um deságio de aproximadamente 15%, o que é interessante e de certa forma mitiga o risco do imóvel com direito de superfície. Outro detalhe é que nos imóveis alugado para AMBEV e para a Magazine Luiza quase metade dos terrenos estão desocupados, o que com certeza pode ser usado para construção de outros galpões, o que pode trazer ganhos de valor no médio/longo prazo para o quotista.  É interessante notar que a cota foi lançada em dezembro de 2009 de 2009 por R$142,37, portanto houve uma valorização nominal da quota discreta de apenas 7%, muito abaixo da inflação do período. Sendo assim, os rendimentos foram protegidos da inflação, o valor da quota não, por isso é essencial reconhecer que a função precípua de um FII é gerar fluxos de caixa razoavelmente protegidos contra a inflação, o ativo subjacente pode sofrer desvalorização real como no presente caso.

Avaliação: Ótimo. Não há problemas aparentes. Os contratos são longos, há vários locatários e vários imóveis. O yield atual é bom. Foi um dos fundos onde a quota se manteve mais estável durante a baixa generalizada de 2013 e do começo desse ano.
Risco: Baixo. Os contratos possuem preço de locação competitivo, o que dá força para o fundo em um eventual cenário econômico adverso.


          O ponto principal que quero chamar atenção, e que sempre procurei colocar nesse blog, é como, pelo menos para nós pequenos investidores, é importante saber qual é a função de um ativo e o que esse ativo pode e não pode entregar. Sempre procurei ressaltar, e isso vem já do segundo post desse blog http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/01/fii-pessimo-negocio.html, que a função precípua da classe de ativo fundos imobiliários é gerar fluxos de caixa razoavelmente protegidos contra a inflação. Por que isso é importante? O colega Bob Lucas me indicou um texto (há dois artigos atrás) muito bom sobre a crise das aposentadorias escrito pelo economista e ganhador do prêmio nobel (sim, eu sei que não existe prêmio nobel de economia, mas é como se diz na prática) Robert C Merton que pode ser conferido em http://www.hbrbr.com.br/materia/crise-no-planejamento-da-aposentadoria 

            O ponto fundamental do texto é que a preocupação central da esmagadora maioria dos aposentados é a renda que um portfólio pode produzir, e não necessariamente o tamanho do portfólio. Sendo assim, os gestores dos grandes fundos de pensão pelo mundo deveriam mudar o foco de suas estratégias, pois o foco deve ser a geração de renda, ou seja fluxo de caixa, e não necessariamente de crescimento patrimonial ou estabilidade da mesma. Não irei analisar o artigo, pois os argumentos do Professor do MIT são fortes por si só e recomendo fortemente a leitura do artigo que é muito interessante.

           Soul, e qual é a relação disso com o seu artigo e principalmente com os FII? O motivo é simples. Ativos e configurações de patrimônio diversas podem produzir fluxos de caixa e expectativas de crescimento distintas. Um aposentado, ou uma pessoa com necessidade de fluxo de caixa porque quer viver de renda passiva (meu caso e o desejo de muitos blogueiros), talvez deva direcionar o seu portfólio para um configuração que privilegie mais a geração de renda. Se vocês prestarem atenção nas duas partes sublinhadas na análise dos dois fundos, perceberão que foi exatamente isso que quis salientar, a diferença entre o fluxo de caixa e a diferença da valorização patrimonial.

             Conforme consta na análise, tanto o fundo RBRD, como o FIIP, foram capazes desde o lançamento há alguns anos atrás, de produzir fluxos de renda estáveis e crescentes, o que demonstra que foram ativos apropriados para a geração de fluxo de caixa e para proteção inflacionária. Logo, se uma pessoa gastasse toda renda recebida no ano 2011, sem o reinvestimento, o mesmo teve o poder da sua renda mantido (claro que aqui vai depender da inflação pessoal de cada um, mas estou simplificando para ficar mais fácil a análise), logo essa espécie de ativo teria cumprido a função para uma espécie de investidor que está mais interessado na renda do seu patrimônio, os aposentados no artigo do Professor Merton, e os independentes financeiramente nos nossos objetivos pessoais enquanto investidores amadores.

                  Porém, se olharem a parte final da análise de cada fundo, perceberão que o patrimônio não cresceu, aliás teve desvalorização real, já que o valor nominal das quotas no mês de agosto de 2014 é quase igual ao valor nominal das quotas no lançamento nos anos de 2009 (FIIP) e 2010 (RBRD). Isso quer dizer que em termos patrimoniais, não estou considerando reinvestimento já que parto do pressuposto que a pessoa está consumindo o fluxo gerado, a pessoa ficou mais pobre em termos reais. Logo, uma pessoa que investiu nesses fundos manteve a mesma qualidade de vida já que o seu fluxo de caixa foi razoavelmente protegido da inflação, apesar de ter ficado em termos reais mais pobre. Se essa situação perdurasse por 10 anos, por exemplo, e os fluxos continuassem a ser protegidos, seria indiferente para um aposentado que o seu patrimônio diminuísse em termos reais. Porém, o fato é que no caso desses fundos houve prejuízo real.

              Soul, vou parar de investir em FII, pois não sou aposentado, minha IF está longe e não quero perder patrimônio. Calma, colega! Não estou dizendo que as quotas não irão se valorizar nem mesmo nominalmente no longo prazo, aliás isso é o mais provável que aconteça, como aconteceu com os REITs em períodos longos de tempo (quatro décadas). O nosso mercado ainda é muito novo e os dados são de períodos muito curtos e eu peguei apenas dois fundos. Além do mais, essa é uma das razões (respondendo a uma pergunta feita pelo colega Economicamente Incorreto no blog do Guardião do Mobral) dos qual  yields de alugueis residenciais estarem tão dissociados dos yields dos FII atualmente (sim, há outras elementos, esse é um deles), já que se a cota não se valorizou nem nominalmente em quatro anos, e a renda é cada vez mais crescente, isso quer dizer que o yield atual necessariamente tem que ser maior. Eu creio que o prêmio de fundos de tijolos em relação a alugueis residenciais para pessoas físicas está extremamente exagerado e creio que não se sustentará no longo prazo (mais de 10 anos), mas isso é apenas uma suposição.

              Portanto, os FII possuem algum risco se o seu foco é o aumento patrimonial e se o seu horizonte de prazo é relativamente curto como menos de cinco anos. É natural que pessoas jovens com patrimônios menores foquem no aumento patrimonial e pessoas com mais idade ou com um patrimônio maior foquem na geração de fluxo de caixa. Portanto, precisamos sempre ter em mente quando formos investir num ativo as suas qualidades mais evidentes, e ter em mente o que o ativo poderá produzir, e o que dificilmente ele poderá produzir. 

            Grande abraço a todos!






domingo, 10 de agosto de 2014

REFLEXÃO - A INFÂMIA, A MENTIRA, O MASSACRE E A CRIAÇÃO DE UM MONSTRO

"A verdade sai do poço, sem indagar quem se acha à borda" (Machado de Assis - 1865)

"A distinção entre ilusão e verdade está na diferença de suas funções vitais. A ilusão vive da verdade - a verdade tem sua vida em si" (Novalis - 1798)

                Olá, colegas! O artigo de hoje pode não ser do interesse de muita gente, mas é uma das áreas do conhecimento que mais gosto: geopolítica. Além do mais, creio que os assuntos tratados estão  de certa maneira ligados com o tema do meu último artigo http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/08/reflexao-incompreensao-sobre-os.html.
Não vou tratar com profundidade todos os assuntos abordados, pois isso redundaria em dezenas de páginas escritas e um trabalho muito grande, apenas lançarei alguns fatos e reflexões. Sobre o que é exatamente o artigo que com esse nome parece o filme de um faroeste italiano? É sobre uma história, na verdade várias histórias, e como ações impensadas, ou melhor dizendo ações que comprometem certos princípios, podem levar a resultados desastrosos.

                No dia 11 de setembro de 2001, o impensável iria ocorrer, um gigante cisne negro se abateu sobre os EUA e  viria a transformar o mundo de forma profunda.  A história todos sabem, mas quem poderia imaginar que um dos símbolos máximo do capitalismo mundial seria derrubado e a fortaleza do exército americano seria atacada? Os EUA foram atacados em próprio solo, algo extremamente raro na história de uma das nações mais poderosas de todos os tempos. Aliás, muitos pensadores e historiadores atribuem ao isolamento geográfico dos EUA uma das explicações para o seu desenvolvimento notável, já que é quase impossível atacar os EUA militarmente em seu território.Entretanto, o impensável ocorreu, e num ato de infâmia quase 3.000 pessoas foram assassinadas, fora os milhares de trabalhadores de resgate que iriam sofrer problemas de saúde principalmente de causa respiratória.

A potência econômica e militar do mundo foi atacada no seu coração financeiro. Um ato que pegaria a todos de surpresa, e uma prova cabal de que o mundo é muito mais imprevisível do que nossos modelos e analistas gostam de pensar.

                A resposta veio como se imaginava, os EUA iriam para guerra, pois um ataque desses não poderia sair impune. Poucas semanas depois os americanos bombardeavam o Afeganistão, pois este país, que era controlado por uma milícia fundamentalista religiosa chamada Talibã, permitia que campos de treinamento de grupos terroristas se desenvolvessem em seu território. O suspeito número um era um sujeito chamado Osama Bin Laden, supostamente líder uma organização chamada Al Quaeda.

                Para quem não sabe, Osama vinha de uma família extremamente rica da Arábia Saudita (o principal aliado dos EUA na região, um regime fundamentalista wahabista onde decapitações públicas ainda existem e onde mulheres possuem pouquíssimos direitos), e resolveu largar todas as riquezas e posses de uma vida nababesca (acreditem, os homens mais ricos da terra estão naquela região) para ir para o montanhoso Afeganistão se tornar um mujahideen (uma tradução literal seria “aqueles que estão em Jihad”) contra a invasão da Antiga União Soviética. Imperioso destacar que os EUA ajudaram os mujahideen. Portanto, num primeiro momento Osama foi aliado do governo norte-americano.

Filme "Jogos de Poder", é um filme bacana sobre a participação americana e seu apoio aos mujahideen no começo da década de 80
De aliado dos americanos a grande inimigo. Podem falar o que quiser, mas Osama podia estar num iate de algunas centenas de milhões de dólares com dezenas de mulheres estonteantes (talvez o sonho de boa parte da população masculina ocidental), mas trocou tudo isso para viver em cavernas por causa de um ideal. O ideal dele era grotesco e repugnante na minha opinião, mas mostra quão devotado à sua causa o mesmo era e que devoção a uma causa não necessariamente leva a grandes atos de desenvolvimento humano e espiritual

                A batalha contra o Talibã foi vencida rapidamente pela diferença de força dos exércitos, mas a guerra nunca seria vencida, pois os afegãos são conhecidos na história por  ser um país de guerreiros e os mesmos já enfrentaram em sua tumultuosa história várias outras potências estrangeiras, mas esse é um tópico para outro artigo. Com as principais batalhas encerradas no Afeganistão, a bateria de guerra americana virou-se contra um antigo amigo, que tinha se tornado inimigo nos anos mais recentes, o infame Saddam Hussein.

O alvo era agora outro antigo aliado que se tornou inimigo. Isso mostra que quando fazemos aliança apenas por conveniências, sem nos importamos com os aspectos morais e principiológicos, o resultado acaba sempre sendo desastroso (pode colocar nessa linha de raciocínio qualquer coisa: política partidária, se associar com alguém para empreender, etc, etc)

                A Comunidade Internacional se posicionou fortemente contra o ataque ao Iraque, ao contrário da primeira guerra do golfo no começo da década de 90 onde o apoio internacional foi maciço. Como se justificar uma guerra sem apoio? Aliás, como justificar qualquer coisa quando não se tem apoio? Muitos políticos apelam para uma antiga prática humana: a mentira.

                Os EUA estavam dispostos a atacar o Iraque, com anuência ou não da ONU, mas precisam de um motivo, independente se ele fosse verdadeiro ou não. O Iraque é de uma importância singular na questão energética mundial, um inimigo dos EUA estava no poder desse país e de brinde ainda poderiam isolar um dos maiores inimigos  dos EUA: a República Islâmica do Irã. Parecia um prato cheio para os EUA irem à guerra e gerar centenas de bilhões de dólares em contratos com empresas de segurança privada (apenas esse tema já merece um artigo), de armas e grandes empreiteiras para a  reconstrução do país que seria arrasado pela máquina de guerra. Antes de continuar com a nossa saga no Iraque, creio ser importante falar um pouco sobre a antiga Pérsia. Farei uma brevíssima digressão da história recente dos EUA e de sua relação com o Irã.

                O Irã sempre foi um dos países mais progressistas da região, e na década de 50 tinha elegido democraticamente Mohammed Mossadegh para primeiro-ministro.  Este senhor era nacionalista e possuía metas ousadas como nacionalização do petróleo iraniano e outras políticas não alinhadas com as principais potências ocidentais. Como talis políticas se opunham a interesses econômicos principalmente ingleses, Mossadegh viria a ser deposto num golpe com a ajuda da CIA, naquilo que seria a primeira participação americana num golpe de estado em outro país. Assumiu o poder no país, com apoio de EUA e Inglaterra, o Xá Mohhamad Reza Pahlavi. O governo do Xá foi transformando-se numa ditadura sanguinária, onde a família do xá e a elite iraniana viviam em extremo luxo e a população em situação cada vez mais miserável, fora os assassinatos e torturas políticas. O governo do xá foi tão brutal que grupos tão heterogêneos como comunistas, estudantes universitários e fundamentalistas islâmicos se uniram e em 1979 conseguiram derrubar o governo, no que ficaria conhecido como a revolução iraniana.

Um dos primeiros líderes populares que viriam a ser derrubados com ajuda dos EUA no século passado (Mossadegh)
Xá Reza Pahlavi com sua família
Um levante popular de proporções gigantescas viria a derrubar o regime sanguinário e ditatorial do Xá.

                Todos os demais espectros da política iraniana que não os de origem religiosa perceberam que não haveria espaço no novo Irã, e o país viu o retorno do exílio na França do líder supremo religioso o Ayatollah Ruhollah Khomeini que iria transformar o Irã num regime teocrático. As relações entre EUA e Irã deterioram-se de vez quando milhares de manifestantes exigindo que o Xá fosse extraditado de volta para o Irã(ele tinha fugido do país e se abrigado nos EUA) invadiram a embaixada americana em Teerã e fizeram dezenas de americanos reféns. Esse episódio é muito bem retratado no filme “Argo”. Pouco tempo depois o Irã entraria em guerra com o Iraque, país que era comandado por um jovem chamado Saddam Hussein, numa guerra extremamente mortífera que levaria a morte de mais de um milhão de pessoas segundo algumas estimativas. Adivinhem que armou o regime de Saddam?
O líder supremo da revolução iraniana: Ayatollah Ruhollah Khomeini. Este homem transformaria o Irã num regime teocrático. É necessário salientar que o Irã é a antiga Pérsia um dos reinos mais poderosos que existiram na antiguidade da humanidade.
A guerra Irã x Iraque, pouco conhecida por nós ocidentais, foi atroz. Guerra química, guerra de trincheiras (o que lembra um pouco a primeira guerra mundial, onde quase não se avançava territorialmente  e a mortalidade era muito grande) e um número muito grande de pessoas mortas.
Foto  reveladora: Donald Rumsfeld (que viria a ter um papel importante no governo Bush filho e na segunda guerra do golfo) confraternizando com o mas novo aliado americano o Sr. Sadam Hussein


                Sim, num primeiro momento Saddam virou aliado dos EUA, assim como Osama Bin Laden, seguindo a lógica magistralmente colocada no muito bom filme “O Senhor das Armas” de que o “inimigo do meu inimigo é meu aliado”.  O tempo passou, Saddam entrou em guerra com os EUA no começo da década de 90 e agora iria entrar em guerra de novo.  Toda essa digressão serviu para mostrar como os eventos podem tomar rumos inesperados no longo prazo, será que quando a CIA apoiou o golpe de estado contra Mossadegh na década de 50 tinha noção do que poderia ocorrer? Os EUA tentaram combater um suposto “mal” e criaram um “mal” muitas vezes pior.

                Os EUA precisavam de um motivo para atacar o Iraque. Associar Saddam Hussein a Osama Bin Laden como alguns tentaram fazer não seria crível, pois o Iraque nunca permitiu campos de terroristas em seu território, aliás Saddam era conhecido por não gostar de grupos como Al Quaeda. Qual foi a melhor estratégia então? Criar medo e assustar, pois as pessoas com medo e assustadas são dispostas a apoiar qualquer coisa que se destine a eliminar as causas que originam o medo.  Assim, os EUA inventaram a história de Armas de Destruição em Massa que o governo iraquiano possuía, sendo, portanto, uma grave ameaça  não só à região, mas como também à segurança interna americana.

                Ora, o Iraque estava quebrado depois de mais de uma década de pesadas sanções econômicas, e o seu exército estava enfraquecido.  Não havia nenhum relato confiável de inteligência de que o Iraque possuía armas de destruição em massa operacionais para colocar em risco a estabilidade da região, muito menos para ameaçar os EUA.  Portanto, um país usou de uma mentira para justificar moralmente uma guerra. Quando se mente para qualquer coisa, não se pode esperar que o resultado final seja bom. Porém, quando se mente para ir para uma guerra onde vai ocasionar a morte de dezenas de milhares de seres humanos é algo gravíssimo.

 Filme sensacional sobre a história de uma agente da CIA ameaçada pelo governo americano por revelar a mentira da existência da compra de urânio pelo Iraque de um país Africano (uma das principais "provas" dos EUA para a existência de armas de destruição em massa por parte do Iraque). Recomendo.
            
                       Em 20 de Março de 2003, os EUA iniciavam a segunda guerra do golfo. Uma guerra que dura até hoje, apesar da retirada das tropas americanas em 2011, que ceifou a vida até o ano de 2013 de aproximadamente 174 mil pessoas, sendo que entre 110/120 mil pessoas eram civis (http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-03-17/guerra-do-iraque-contabiliza-174-mil-mortes-em-dez-anos). Essa está sendo uma guerra horrorosa, com diversas violações de direitos humanos e massacres de civis. Os EUA que sempre foram conhecidos por um país que lutava pela liberdade e garantias fundamentais dos povos (pelo menos do ponto de vista teórico-moral, principalmente por causa da lembrança da segunda guerra mundial, onde os EUA tiveram um papel decisivo na derrota do Nazismo) chegaram ao fundo do poço do ponto de vista ético e de princípios com casos de abusos, torturas, assassinatos prisões arbitrárias e ilegais. Um grande massacre ocorre e continua ocorrendo no Iraque, um país que há uns 50 anos atrás era relativamente pacífico e próspero.

Uma das cenas infames da infame prisão de Abu Ghrabi. Não, a Tortura e a humilhação não levam a nenhum lugar, apenas a mais ódio. Alguns falam que o presidente Obama fez os EUA perderem destaque na agenda internacional geopolítica. A verdade, além de questões de surgimento de outros pólos de poder econômico e militar (no caso da Rússia de ressurgimento), é que os EUA perderam legitimidade depois de mentirem para invadir o Iraque e de abusarem de direitos humanos com tortura e prisões ilegais. Quando se perde a legitimidade, se perde a habilidade de se posicionar como uma parte legítima em conflitos próprios ou de terceiros.

                As ações sempre geram conseqüências, como procurei demonstrar com a minha brevíssima digressão sobre as relações entre EUA x Irã nos últimos 60 anos.  Qual é a conseqüência da guerra americana no Iraque baseada numa mentira, e com inúmeras violações de direitos humanos? Há várias conseqüências, mas uma é completamente aterradora e sinistra: criou-se um monstro.

                Com a desintegração do regime de Saddam e o vácuo de poder que ocorreu, houve um extenso rearranjo de forças no Iraque. Tensões religiosas que eram mantidas sobre controle no governo Hussein voltaram com toda força no Iraque. O país possui uma maioria xiita e uma minoria sunita e para agravar a situação ainda possuem uma minoria étnica ao norte; os curdos (a história dos curdos merece um artigo em específico). Saddam Hussein era sunita, e com a queda do seu regime os xiitas viram a chance de retomar o poder, em muito apoiado pelo Irã que é um país com a imensa maioria da sua população xiita, alijando e muitas vezes perseguindo os sunitas do Iraque. Onde há ressentimentos, onde há divisões, há o surgimento de lideranças mais propensas a violência e ao radicalismo. Foi o que ocorreu no Iraque.

                Um grupo chamado aqui no Brasil de ISIS pelas letras da abreviação em Inglês, Islamic State in Iraq and Syria (porém o mais correto seria ISIL - Islamic State in Iraq and the Levant, pois a região do levante é muito maior do que a região da Síria), é uma organização que surgiu em meados de 2005/2006. O seu objetivo principal é a criação de um califado (que abrangeria o território de muitos países, pare se ter ideia até com partes no continente africano) com a aplicação da Sharia, a lei estrita dos Muçulmanos.  O grupo é tão extremista que até mesmo a Al quaeda renega o grupo. O ISIS está simplesmente espalhando o terror e o horror no Iraque e na Síria, parecendo que estamos vendo alguma cena saída da idade média. Estupros coletivos, assassinatos coletivos, cabeças cortadas, conversões forçadas ao islamismo, perseguição cruel a outros grupos étnicos e religiosos, é simplesmente um horror.

                É um horror que está ficando cada vez mais poderoso. O grupo já controla boa parte do território Sírio e Iraquiano. O grupo vem tomando reservas de petróleo e nessa semana tomou a principal reserva de água do norte do Iraque. O grupo pode simplesmente deixar boa parte do Iraque sem eletricidade, pode inundar partes do país e pode trazer uma instabilidade para o lugar mais instável do planeta (sim, infelizmente é possível). A situação é tão grave que os EUA foram obrigados a reiniciar operações militares no Iraque esta semana, algo que não faziam desde 2011, para impedir o avanço do grupo na região do Curdistão, numa cidade onde há um consulado americano (já pensou cabeças de americanos cortadas e colocadas em varas de madeira, algo que o ISIS está fazendo, e transmitida a cena grotesca para todo o mundo?). Se alguém quer ver algumas cenas bem tristes e saber mais sobre o que está ocorrendo veja http://edition.cnn.com/2014/08/07/world/meast/stopping-isis/index.html?iid=article_sidebar.

                Sim, criou-se um monstro.  Como esse monstro vai ser contido, se é que vai ser, é algo que não se sabe.  Esse monstro foi criado, claro que o motivo não é apenas esse, mas ele tem grande explicação, por uma mentira e pelos abusos de direitos humanos. Talvez as raízes para criação desse monstro tenham sido plantadas quando a CIA ajudou o golpe de estado contra Mossadegh na já distante década de 50. É difícil saber. O que podemos ter certeza é que as ações têm conseqüências, violações graves de direitos humanos produzem conseqüências negativas e muitas vezes imprevisíveis e quando se usa a desinformação e a mentira o resultado nunca pode ser positivo.

                Portanto, colegas, talvez poucos tiveram a paciência de ler até o final, até porque esse tipo de assunto pode ser interessante para mim, mas não para outras pessoas. Porém, aos que chegaram até aqui fica a lição de que a violência arbitrária sem a preservação de garantias mínimas e sem uma justificativa moral forte, quase sempre produz apenas mais violência arbitrária e as vezes conseqüências muito piores do que o imaginado. Portanto, antes de apoiar um pai batendo ou tendo um comportamento agressivo, antes de regojizarmos ao ver um bandido sendo espancado por uma multidão enlouquecida, antes de apoiarmos medidas de força que podem estar baseadas em argumentos frágeis ou mentirosos, devemos lembrar que essas ações geram quase sempre efeitos negativos muito intensos.  O Brasil também possui o seu monstro criado, baseado num massacre e em pressupostos no mínimo contestáveis, e pretendo abordar esse tema qualquer dia desses.

                Abraço a todos!

                

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

REFLEXÃO - A INCOMPREENSÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

                "As ideias tomam conta, reagem, queimam gente na praça pública" Oswald de Andrade (1928)

                   Olá, colegas! Depois de dois artigos sobre finanças, hoje gostaria de falar sobre um tema mais geral, e aqui no Brasil de certa forma polêmico, apesar do motivo ser um enigma para mim. Afinal o grande pensador Paulo Maluf estava correto ao dizer: “Nossa Política é boa, o que atrapalha é essa política de direitos humanos para bandidos” (http://noticias.uol.com.br/album/2013/09/02/qual-e-a-frase-mais-polemica-dos-82-anos-de-maluf.htm#fotoNav=11)? Essa frase encontra ressonância em muitas pessoas no Brasil, inclusive em alguns da classe política, sob o pretexto de que direitos humanos servem apenas para proteger criminosos de alguma punição exemplar.  Será que isso é verdade? Ou melhor reformulando a questão, será que essa forma de ver o mundo nos leva a uma sociedade melhor?

                Primeiramente, o que são direitos humanos? Direitos humanos nada mais são do que direitos atribuídos a uma pessoa pelo simples fato dela ser humana. Logo, são direitos que todos possuem independente se nasceram mulher num campo de refugiados no Congo, ou filho de alguém da família real do Camboja ou na progressista Sidney na Austrália. Portanto, pelo simples fato de ser humano  é atribuído uma série de direitos e garantias de que estes mesmos direitos não sejam violados ou abusados.

                Onde surgiu essa noção? Parece claro que ela nasceu do conceito de igualdade fundamental entre os homens, pois só é possível reconhecermos que há direitos atribuíveis a todos os membros de uma sociedade, quando deixamos de lado conceitos como direitos divinos, divisão de direitos fundamentais baseados em castas, etc.  Não vou me alongar na formulação histórica do conceito de direitos humanos, até porque seria uma digressão longa e acima dos meus conhecimentos, mas posso dizer que a configuração atual dos direitos humanos, pelo menos para nós ocidentais, nasceu com a revolução francesa e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 (A Declaração de Independência dos EUA foi um marco também, e a criação do conceito de Habeas Corpus na Inglaterra no longínquo ano de 1215 é tido como o primeiro marco histórico).

                Revolução francesa, um monte de esquerdistas revolucionários (muitas pessoas não sabem mais o termo direita e esquerda foi cunhado nessa época, os esquerdistas eram considerados aqueles que eram mais inovadores e sentavam-se à esquerda da “mesa diretora” da Assembléia Nacional. Dá  para perceber que é um termo anacrônico para um mundo cada vez mais complexo como o nosso), o que será que essas pessoas conceberam como direitos humanos? Faço questão de citar a Declaração elaborada em 1789:
Art.1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.
Art. 2.º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
Art. 3.º O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.
Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.
Art. 5.º A lei proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.
Art. 6.º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.
Art. 7.º Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência.
Art. 8.º A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.
Art. 9.º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.
Art. 10.º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões , incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.
Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.
Art. 12.º A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada.
Art. 13.º Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades.
Art. 14.º Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a colecta, a cobrança e a duração.
Art. 15.º A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.
Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.
Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.

                Percebam, colegas, que o último artigo é o estabelecimento que a propriedade privada é um direito humano. Sim, os primeiros direitos humanos, conhecidos como direitos humanos de primeira geração, foram concebidos como uma maneira do indivíduo se proteger da ação arbitrária do Estado, que na época era Absolutista. Sendo assim, nenhum humano poderia ser mais torturado, preso sem que houvesse uma lei anterior que considerasse crime, impedido de exercer a sua liberdade de se expressar ou privado de maneira arbitrária de suas propriedades.

                A humanidade, e ainda muitos países infelizmente são assim, conviveu milênios sem que esses direitos que consideramos básicos fossem garantidos ou até mesmo existissem. Portanto, quando as pessoas hoje em dia no nosso país simpatizam com a tortura, a prisão sem um devido processo legal, a possibilidade de se cercear a liberdade de expressão, é preciso ter em mente que a humanidade já teve tudo isso e os resultados, se a pessoa não fosse do seleto grupo dominante, não eram agradáveis. Nós já vivenciamos a barbárie, e os direitos humanos são a evolução cultural humana, uma evolução moral da humanidade.

                Com o passar do tempo, o espectro de direitos humanos foi aumentado. Depois da revolução industrial e a condição precária de vida de muitas pessoas em quase todo século 19, surgiu o conceito de direitos humanos sociais nas Constituições Mexicana e Alemã do início do século passado. Logo, os humanos também viriam a ter direitos de acesso à educação, à saúde, a alguma espécie de proteção contra a invalidez (e daí que viria a surgir o conceito de previdência pública), etc. Diz-se que os países desenvolvidos da Europa conseguiram promover esses direitos para as suas populações principalmente na segunda metade do século passado. Atualmente, há uma grande discussão sobre a sustentabilidade desses sistemas europeus ou não, e não vou entrar nessa discussão que é interessantíssima, mas o fato é que o que se discute é a aplicação desses direitos humanos chamados de segunda geração.

                Por fim, nas últimas décadas se fala do surgimento de direitos humanos de terceira geração, que seriam o direito de ter acesso a um meio-ambiente saudável (inclusive os direitos humanos de gerações futuras de ter acesso a ecossistemas sustentáveis), o direito à informação, o direito à privacidade digital (e a polêmica do caso Snowden é sobre isso), etc. Portanto, a gama de direitos humanos hoje em dia é imensa, fruto da nossa evolução, bem como da complexidade das nossas relações e da nossa tecnologia.

                Portanto, limitar o alcance dos direitos humanos a uma discussão de política criminal é um erro histórico, conceitual e material. Negar direitos humanos é simplesmente negar o seu direito de ter acesso a um meio-ambiente saudável, ter direito à informação, direito à saúde, direito a não ser torturado, direito a um processo legal conduzido por uma autoridade imparcial, etc.

                Ok. Soulsurfer, até aqui nada a objetar, mas você considera certo que um "bandido" tenha direitos humanos, mesmo que ele tenha matado várias pessoas? Sim, eu considero certo.  Vejam, como dito no corpo desse artigo, os direitos humanos são “adquiridos” pela pessoa pelo simples fato de nascerem (e há direitos garantidos para aqueles que foram concebidos, mas ainda não nasceram) humanos.  A proibição da tortura e o direito de  qualquer um ter acesso a um devido processo legal são garantias que servem a toda coletividade, e não apenas a um indivíduo em especial. É porque ninguém pode ser torturado que posso ficar tranqüilo de nunca vir a ser torturado no futuro.

                Ok, então se um criminoso tortura uma família, está tudo certo, você vai defender o criminoso e deixar a família que sofreu a violência desassistida? Não, a toda evidência, e é esse tipo de argumento que costuma embasar a críticas a organizações de direitos humanos. É de se deixar claro se uma pessoa comete um crime definido em lei, a mesma deve ser punida conforme a legislação em vigência.  Se fôssemos combater todos os crimes cometidos no Brasil, quando alguém dolosamente sonega um imposto, quando alguém dirige embriagado, quando alguém agride o meio-ambiente, etc (a lista é bem longa, e aposto que a maioria da população já fez algum ato criminoso), o sistema simplesmente entraria em colapso. Assim, não vou me ater a todas as espécies de crimes, o que seria do ponto de vista racional e intelectual o mais correto, mas aos crimes que agridem diretamente a integridade física das pessoas. Porém, até aqui pode se falar que alguém que não paga o imposto devido, provavelmente está prejudicando a vida de outras pessoas ou alguém que polui um rio e leva pessoas a ficarem doentes anos depois, mas não vou me estender nesse tópico e irei me concentrar nos crimes onde há uma maior cobertura midiática.

                Quando alguém comete um homicídio, sequestra alguém, ou comete qualquer ato violento, essa pessoa deve ser punida, conforme a legislação.  A punição não deve ser aquém nem além do que prevê a lei, e esse é o fundamento básico do Estado de Direito.  Diz a legislação que pessoas que cometem crimes dessa gravidade devem ser segregadas do convívio social, ou seja irem para cadeia, e assim deve ser feito.  Porém, a pessoa deve ser punida dentro da lei e pelos procedimentos que a legislação permite. Uma pessoa que tortura não pode ser torturada pela polícia, pois há uma diferença abissal entre um ato ilícito cometido por um indivíduo dentro da coletividade de um ato ilícito cometido por um agente estatal no exercício do monopólio da força.

                Soul, o que é esse exercício estatal do monopólio da força? Colegas, eu teria que fazer uma digressão bem grande aqui e citar inúmeros filósofos políticos que pensaram sobre a formação e os pressupostos do Estado Moderno. Porém, simplificando, as pessoas para viver em coletividade aceitam abdicar do uso da força, a exceção de casos em legítima defesa, para o Estado, pois este deve ser imparcial nas resoluções dos conflitos e pode apenas usar a força nos limites estabelecidos pela lei, para que o uso da força não seja arbitrário. Portanto, o Estado possui o monopólio do uso da violência numa sociedade, mas essa violência deve ser feita de forma legal e organizada. A partir do momento que se permite que agentes estatais no uso do monopólio da violência, basicamente a força policial, transgrida os limites estabelecidos pela lei, estamos diante de um rompimento do pacto fundamental de qualquer sociedade moderna. Portanto, alguém que tortura uma família deve ser processo, julgado e ,se comprovada a sua culpa, preso. Porém, isso nunca pode ser uma desculpa para o órgão estatal torturar seja quem for.

                Certo, mas não parece utópico para você Soul? Do que adianta essas palavras “bonitas” num país que vive um estado de insegurança enorme? Amigos, o nosso estado de insegurança não vem do pretenso respeito aos direitos humanos dos “bandidos”, mas sim de erros gestados por muitos anos em nossa sociedade. É muito mais fácil falar “bandido bom é bandido morto” do que pensarmos numa forma das nossas polícias serem mais eficientes e mais transparentes. É fácil dizer que um suposto criminoso não  deve ter direito à defesa, do que melhorar nosso sistema jurídico, para fazer que o mesmo seja mais célere e eficiente, e assim sucessivamente.  É a mesma lógica que infelizmente ainda temos em nossa economia e em diversos outros assuntos sociais e políticos importantes. Por exemplo,  é mais fácil aumentar o IOF para viagens internacionais, já que muita gente viaja para fora do país para gastar, do que tornar a nossa economia mais produtiva e eficiente e os produtos mais baratos.  Nós, enquanto nação, precisamos começar a dar de ombros para essas soluções fáceis para problemas complexos, e começarmos a pensar que problemas difíceis envolvem soluções difíceis e quase todas de médio/longo prazo.


                O uso da violência e o desrespeito aos direitos humanos não produzem nada positivo, muito pelo contrário, eles acabam criando monstros. Vou falar sobre um monstro criado dentro do Brasil e outro extremamente assustador gestado no exterior em dois artigos específicos sobre isso. Portanto, quando um político ou alguém vier a dizer que o problema de segurança no Brasil é causado pelos direitos humanos, desconfie, pois essa pessoa talvez não saiba exatamente que são, como surgiram e evoluíram e para que servem os direitos humanos, e talvez esteja apenas tentando uma solução simples e falha para um problema que deve ser atacado em diversos fronts. Não é demais lembrar que inúmeras organizações de direitos humanos são aquelas que dizem que há violação de direitos humanos na Síria, na Venezuela, nas prisões clandestinas que eram mantidas pelos EUA no exterior, etc, etc. Geralmente são instituições sérias, quase sempre perseguidas pelos governos e muitas vezes a única voz de milhões de pessoas oprimidas em inúmeros lugares nesse planeta.

               Por fim, deixo dois vídeos curtos muito bem feitos de uma dureza e delicadeza ímpar produzido pela respeitada Anistia Internacional:




               Um grande e cordial abraço a todos!

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

FII - FUNDO DE PAPEL : O QUE REALMENTE ESTA ESPÉCIE DE ATIVO É?

            Olá, colegas. Tem um tempo que quero escrever sobre o mercado de Renda Fixa. Vejo que é um tópico onde há poucas postagens seja em blogs, seja na mídia especializada, que vão além de explicar qual é a diferença entre uma LCI e um CDB ou outras questões que não abrangem os pressupostos do mercado de dívida. Primeiramente, devo esclarecer que como os fluxos da renda desse mercado são fixos (daí vem o nome), há muita matemática na análise dessa espécie de ativo. Muitas vezes as análises estão em alguns graus, em alguns casos muitos graus, acima dos meus parcos conhecimentos seja de finanças, seja de tratamento matemático. Portanto, eu estou longe de conhecer profundamente esse tipo de ativo. Porém, creio que posso contribuir com alguma coisa.
            Em segundo lugar, não vai ser hoje que vou começar uma pequena série sobre Renda Fixa. Eu estava começando a estudar alguns fundos de papel, e ao ler uma carta de um administrador sobre os riscos do investimento no FII em questão, apenas ficou claro o que eu já falei algumas vezes: FII de papel é renda fixa, em nada se confunde com um FII que investe em imóveis para gerar receitas operacionais de aluguel. Além disso, FII de papel é muito mais complexo de se analisar do que uma NTNB do tesouro direto, por exemplo.
            Isso quer dizer que FII de papel é ruim? Não, claro que não, pode vir a ser um ótimo investimento, porém como acredito que cada ativo tem uma função numa carteira diversificada, é muito importante o investidor ter em mente no que investe para não exigir de um ativo algo que ele dificilmente vai fornecer. Portanto, a distinção de FII de papel x FII de “tijolo” é fundamental. Se um investidor possui 100% em FII, mas com 40% em FII de papel, ele para mim está posicionado em 60% FII e 40% Renda Fixa.
            Vou reproduzir a carta que eu li do gestor do fundo PLRI e vou tecer alguns comentários (http://www.polocapital.com.br/fundos/citibank/fundo.php?fundId=10, pesquisar relatório de junho):
“A dinâmica de oferta e demanda de capital no setor de high-yield (1) segue favorável, conforme delineado nas cartas anteriores. Contudo, houve incremento em certos fatores de risco de forma que cabe uma discussão mais detalhada
No âmbito macro, a atividade econômica mais fraca pode acarretar dinâmicas que culminem em maiores níveis de inadimplência em diversos segmentos de crédito. Além disso, dada a fragilidade do balanço fiscal brasileiro, há o risco de nova pernada de aperto monetário o que reduziria o valor dos ativos já em carteira E, finalmente, pode haver surpresa inflacionária. (2).
Quanto aos riscos macro, o Fundo tem proteções razoáveis. A totalidade da carteira de CRIs do Fundo é indexada à inflação, de forma que uma surpresa inflacionária não constitui necessariamente um risco para o posicionamento atual. (3)
Em relação a uma eventual alta de juros, há que se fazer uma distinção. Se o aperto monetário for motivado por alta das métricas de inflação, o Fundo beneficia-se da indexação mencionada acima. Se houver abertura de juros reais, os ativos em carteira teoricamente perdem valor, mas os fluxos de caixa serão reinvestidos a taxas mais elevadas. (4)
Em relação à inadimplência, a experiência da Polo Capital é de que a carteira do Fundo não segue necessariamente a trajetória de inadimplência observada nos bancos. Em 2012, por exemplo, houve aumento expressivo da inadimplência bancária no 2º trimestre, ao passo que no mesmo período as operações de crédito estruturadas pela Polo Capital registraram redução do nível de atrasos. A Polo Capital atribuiu este descolamento a (i) investimentos realizados em sistemas que possibilitam gestão ativa das operações em atraso, e (ii) curva de aprendizado na estruturação de créditos após vários anos de envolvimento no mercado de high-yield (5). Basicamente, as operações detidas pelo Fundo passam por rigoroso processo de estruturação, contam com um loan-to-value bastante baixo e cadente, e tipicamente têm uma garantia real associada. O resultado é um desincentivo ao tomador em atrasar os pagamentos ao Fundo. O controle viabilizado pelos sistemas internos garante uma vigilância que disciplina o devedor. (6)
No âmbito micro, observou-se uma piora no setor imobiliário, com queda de preços em algumas regiões e aumento de distratos. Como o Fundo tem exposição relevante ao setor de construção e, no rol de garantias, tem predileção por ativos imobiliários, essa deterioração setorial merece discussão.Para os recebíveis performados, a dinâmica de preços atualmente observada não deve afetar a propensão do devedor em se manter adimplente com a dívida. Ocorre que, como o loan-to-value das operações tipicamente situa-se abaixo (algumas bem abaixo) de 70%, há uma proteção relevante para queda de preço de ativos imobiliários. De forma estilizada, uma operação com loan-to-value de 70% pode tolerar uma queda de até 30% no valor da garantia até que inadimplir seja economicamente interessante para o devedor (7) (assume-se ausência de custos e indiferença ao risco de uma execução, premissas não-triviais) (8).
(1)  – o texto já deixa claro que é um fundo que investe no mercado de High-Yield. Geralmente, se divide a Renda Fixa em títulos governamentais e títulos privados, estes por sua vez são divididos em investment grade (grandes empresas-instituições com grau de classificação , feito por alguma agência de risco, baixa de risco) e High-Yield (empresas ou instituições com grau de classificação média ou alta de risco e por isso pagam um spread em seus títulos de dívida). Portanto, o texto já deixa claro que se investe em instrumentos com maior risco;
(2)  Indica que há forte exposição em títulos com alguma forma de pré-fixação. Logo, com uma alta do aperto monetário via aumento da SELIC, os títulos tendem a se desvalorizar. Percebam que esse parágrafo poderia ser substituído para uma análise sobre uma NTNB: inflação, problemas fiscais, etc, o que mostra que estamos falando aqui de títulos de renda fixa;
(3)  Parcialmente verdade. Sim, há proteção inflacionária, mas se a inflação fugir do controle os títulos podem sofrer grandes perdas, o motivo explico no próximo comentário;
(4)  Correto, porém quando há aumentos significativos da inflação, geralmente o movimento de aperto monetário quase sempre leva a aumentos nos juros reais.
(5)  Aqui o gestor aborda o maior risco no mercado de títulos High-Yield: o default. Basicamente, ele diz que o risco está amenizado pela curva de aprendizado da gestão na atuação do mercado de dívidas de alto rendimento. Ou seja, tem-se que confiar na expertise da gestora;
(6)  Outra forma de se prevenir do risco de default é que os FII de papel investem principalmente em CRIs que quase sempre possui algum colateral relacionado a um imóvel. Colateral é o termo financeiro para garantia (Sim, os famosos CDO da crise sub-prime americana nada mais eram do que dívidas colatelarizadas com algum bem imóvel – Collateralized Debt Obligation). Portanto, a métrica de Loan to Value (empréstimo para valor – no caso o valor do bem dado em garantia) é importante para se medir o risco de um default em determinado título. O fundo diz que possui métricas Loan To Value seguras, para se saber isso apenas olhando todos os CRIs adquiridos pelo fundo, bem como as garantias e as taxas de Loan to Value de cada CRI;
(7)  É correto o raciocínio. Quanto menor o Loan to Value, mais segura é a operação e mais seguro se torna o empréstimo no caso de uma crise imobiliária. Se ocorrer uma crise leve no setor e duração não maior do que 1/2 anos, é possível que esse LTV médio de 70% ofereça uma margem de segurança. O problema é se ocorrer uma crise aguda, como ocorreu nos EUA e em alguns países europeus, e houver uma desvalorização muito maior, esses títulos podem vir a sofrer muito, pois se as garantias começarem a ser executadas, muitos imóveis seriam jogados no mercado num momento de crise e baixa liquidez, e aí já dá para imaginar o que aconteceria nos spreads BID/ASK de negociação desses imóveis;
(8)  Aqui o gestor foi ao menos sincero ao dizer que o cenário traçado não levava em conta os custos de se executar uma garantia e que eles não são triviais, e não são mesmo. Adicione custos de advogados e de uma eventual judicialização da disputa, e estamos falando aqui de custos que podem chegar a 20% ou mais do valor da garantia;
             Portanto, colegas, vejam como pode ser complexa a análise de um FII de papel, e como as dinâmicas dessa espécie de ativo são bem diferentes de um FII de "tijolo".  Logo, com essa taxa de juros básica, com yields reais dos FII de "tijolo" numa média de 10% aa, o investidor precisa ser bem criterioso na hora de investir no mercado de High-Yield. O mínimo é exigir spreads que de alguma maneira compense os diversos riscos dessa espécie de ativo. 
            É isso colegas, grande abraço a todos!