Olá, colegas. Esse modesto blog
possui algumas ideias centrais, uma das principais é o conceito de se desafiar
intelectualmente sempre que possível. Não é à toa que esse espaço às vezes
atraia críticas ferozes, pois desafiar conceitos arraigados não é fácil, mas é
essencial. Diversos artigos nesse sentido já foram produzidos, e ficaria
difícil citar todos eles.
Há uma estratégia que recentemente
ouvi num podcast do Tim Ferris: red team ou time vermelho. Primeiramente, o
vermelho vem da alusão a União Soviética nos tempos de guerra fria. O que um “time
vermelho” deve fazer? Basicamente, tentar de qualquer maneira provar que há
falhas em algum sistema, forma de pensar, etc. Se uma organização possui um
sistema de segurança na internet, um red team pode ser formado dentro da
própria organização para demonstrar justamente o contrário.
Bom, isso para mim é basicamente o
melhor, mais inteligente, e científico processo para evoluir qualquer coisa: ideias,
produtos, pensamentos, relacionamentos, etc. Isso é a completa antítese do que
ocorre em mídias sociais hoje em dia, ou em comentários como “Nossa, que texto
bom, disse exatamente o que penso”. Essa forma de raciocinar é tão não-intuitiva que não é nenhuma surpresa dela ser aplicada apenas em
organizações de ponta pelo mundo, e não pela população em geral.
Sem saber sobre o conceito de “time
vermelho”, percebi que sempre tive a tendência, aumentada nos últimos anos, de
ter a forma de raciocínio condicionada à forma de agir de um red team. Quero me
exonerar do cargo de Procurador? Exercícios e mais exercícios mentais a la red
team, para de alguma maneira procurar falhas, inconsistências, riscos, em todas
as premissas que me inclinavam a deixar o cargo. Por isso sempre tenho um sorriso interno, quando alguém me pergunta se refleti a respeito da decisão que tomei. É claro que sempre dou a resposta padrão.
Vou comprar um imóvel em
leilão? Exercícios mentais sobre o que pode dar errado. Não estou preocupado sobre
o que pode dar certo, se resolvi comprar um imóvel em leilão é porque já
vislumbrei tal cenário, é muito mais importante saber o que pode dar errado para que efetivamente possa decidir se vale ou não a pena.
Ao aplicar tal forma de pensar , é
natural que o processo decisório e as decisões derivadas dele se tornem muito mais
robustas e eficientes. Se isso é imprescindível para o indivíduo, imagine para
o setor de inteligência militar de um país importante? Numa simples pesquisa na
Wikipédia em Inglês sobre Red Team, vi que o Exército Americano possui uma
Universidade em Assuntos Internacionais militares e culturais. Um dos cursos
que essa Instituição ensina é sobre como ser um líder de um Time Vermelho. Dá
para imaginar quão bom uma pessoa não deve ser para ser líder de um time
vermelho no exército dos Estados Unidos.
Vou copiar e traduzir alguns itens
do texto da Wikipedia - lembrando que não sou tradutor e posso ter comedido algum(ns) erro(s):
"The UFMCS Red Team Leader’s
Course (RTLC) is a graduate-level education of 732 academic hours (18 weeks).
The course scope includes the four UFMCS pillars: Introspection and
Self-Reflection; Groupthink Mitigation (GTM); Fostering Cultural Empathy, and
Applied Critical Thinking (ACT)."
O curso de líder do time
vermelho da Universidade de Assuntos Militares e Culturais Internacionais é uma
graducação de 732 horas (18 semanas). O objetivo do curso inclui os quatro
pilares da UFMCS: Introspecção e Auto-Reflexão; Mitigação de Pensamento de
Grupo; Promovendo Empatia Cultural e
Pensamento Crítico Aplicado.
"Introspection and self-reflection includes: Personality Dimensions, Introspective Life-Changing Event presentation and daily journaling."
Introspecção e reflexão pessoa inclui: Dimensões da Personalidade, Apresentação de eventos introspectivos de mudanças de vida e journaling diário.
"Groupthink mitigation (GTM) includes: Understanding Groupthink causes and techniques to mitigate."
Mitigação de Pensamento de
Grupo inclui: Entender as causas de pensamento de grupo e as formas de
mitigação
"Fostering cultural empathy
includes: Understanding culture from the perspective of an anthropologist, to
include cultural meaning, economics, social structure, religion, politics and
globalization."
Promoção de Empatia Cultural
inclui: Entendendo cultura pela perspectiva de um antropologista, para incluir
significado cultura, econômico, estruturas sociais, religião, política e
globalização.
Pensamento Crítico Aplicado inclui: Como nós pensamos, vieses cognitivos, intuição, complexidade e sistemas de pensamento, e desconstrução de argumentos.
"UFMCS curriculum is designed to improve critical thinking
by teaching them how to ask better questions and challenge their assumptions
they hold sacrosanct.
Red Team Leaders are expert in:
- Analyzing complex systems and problems from different perspectives to aid in decision making, using models of theory.
- Employing concepts, theories, insights, tools and methodologies of cultural and military anthropology to predict other’s perceptions of our strengths and vulnerabilities."
O currículo da UFMSC é designado para melhor pensamento
crítico ensinando os alunos a fazer melhores questões e desafiar as suas
convicções mais profundas.
Líderes de
times vermelhos são peritos em:
- Analisar
sistemas complexos e problemas de diferentes perspectivas to ajudar no processo
decisório, usando modelos teóricos
- Empregar
conceitos, teorias, idéias, ferramentas e metodologias de antropologia cultural
e militar para prever a percepção dos outros de nossas forças e
vulnerabilidades.
Bom, se um curso como esse fosse aberto para civis de
outras nacionalidades, o que obviamente não é, eu embarcaria nos próximos meses
para fazer um curso com essa proposta. Aliás, se eu tivesse um filho, esse seria o curso
que gostaria que ele fizesse. “Tentar prever a percepção dos outros sobre
nossas forças e vulnerabilidades”? Olhe ao seu redor, para si mesmo, quem faz isso? Qual mídia faz isso? Não é à toa que o exército americano é a
força mais poderosa do mundo.
Não tenho como expressar a minha satisfação de como esse
espaço em muitos artigos de maneira inconsciente nada mais estava reproduzindo
a filosofia desse curso de formação de líderes. Não se trata de ter uma queda
pelo Islamismo ou defender terroristas, por exemplo, mas entender as estruturas
sociais, econômicas, legais e acima de tudo a diversidade de cores e formatos
em que a religião muçulmana se manifesta. Isso nada mais é do que promover a
Empatia Cultural. Como
já viajei por lugares que a esmagadora maioria das pessoas não faz nem
noção de que existam, e encontrei comunidade muçulmanas em variados
formados, etnias, graus de (in)tolerância, posso entender muito melhor o conceito de empatia cultural na análise desse caso específico. Apenas assim conseguimos ter uma noção mais acurada de como a
realidade se apresenta, não repetindo clichês sobre o assunto. Tendo esse
entendimento, provavelmente a luta contra o terrorismo, bem como contra a intolerância, pode ser feita de maneira muito mais
inteligente e eficaz.
Tenho certeza absoluta que Trump não seria nem mesmo
aceito como aluno para um curso como este. É engraçado, e ao mesmo tempo
fascinante, refletir como o chefe de
uma nação pode ser a antítese do que os sistemas mais sofisticados de decisões
das organizações dessa mesma Nação operam. Essa é a força dos EUA, sem sombra
de dúvidas.
Depois de sair da Procuradoria, a quantidade de ideias que
tenho tendo é impressionante. Imagine estruturar um curso desses no Brasil?
Está aí uma ideia que vale a pena ser mais refletida. Em tempos onde uma pessoa
como Olavo de Carvalho é tida como o maior filósofo de um país, Lula a salvação
para o desmonte dos direitos, Bolsonaro apto a ser chefe de um país continental
diverso de mais de 200 milhões de pessoas, e onde boa parte dos diálogos são
apenas frutos de pensamento de grupo (ou de manada), falta de pensamento
crítico ou a falta de qualquer empatia cultural, imagine o bem que não faria ao
país se cursos como estes fossem ministrados pelo país? Com certeza, eu
matricularia o meu filho num curso desses, e talvez fosse o melhor curso que
ele faria na vida inteira.
Um abraço a todos!