quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

FII - FUNDO DE PAPEL: BREVE ANÁLISE SOBRE O RELATÓRIO DO FEXC

        Olá, colegas. O FEXC lançou um relatório trimestral (para quem não sabe é o FEXC é um FII de papel, ou seja um fundo que compra dívidas imobiliárias) que foi muito diferente do padrão. O documento pode ser acessado nesse endereço https://www.mzweb.com.br/btgpactualfundos/web/download_arquivos.asp?id_arquivo=F6D494C5-BDE7-49A5-957E-EC46B58834FB . Talvez por eu ter escrito alguns artigos sobre FII de papel, alguns colegas pediram para  eu falar o que achava do relatório trimestral do FEXC. Olhei agora, bem rápido mesmo (o que pode ter feito passar detalhes importantes), e vamos por partes:
a) Primeiramente, não sou especialista, então é apenas opinião de um investidor amador como a esmagadora aqui;
b) Parabéns a feitura do relatório para o Administrador. Não veio com todas as informações, mas já é um começo. Aliás, é o mínimo eles informarem métricas básicas como LTV, saldo devedor, fluxo de amortização, etc. Porém, é inegável o avanço, parabéns a todos os quotistas e o pessoal do Blog do Tetzner, pois com certeza algum impacto as reclamações,comentários, análises, feitas no espaço tiveram sobre o Administrador;
c) Quando escrevi sobre FII de papel, disse que havia duas métricas importantes: LTV (loan to value) e DTI (debt to income). Para uma visão bem geral sobre FII de papel com CRIs pulverizadas sugiro a leitura do meu artigo http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/11/fundos-imobiliarios-de-papel-abrindo.html. O LTV é muito importante. Bom saber que o LTV médio das CRIs residenciais do fundo é algo em torno de 45%. 
O que isso significa exatamente? 
Se o fundo tem a receber R$45, há um imóvel avaliado em R$ 100,00 garantido esse pagamento. 
c.1) Está na memória as recentes reavaliações do CEOC, THRA, BMLC, etc? Se sim, saibam que esses imóveis dados em AF residencial não são reavaliados. Então, é possivel que o LTV real seja maior que 45%, pois os imóveis talvez não representem o valor quando da avaliação pela primeira vez (estou assumindo que há um risco não desprezível dos imóveis desvalorizaram no tempo devido a situação econômica e o ciclo imobiliário, assim como está acontecendo com os imóveis de vários FII);
c.2) Se chegarmos à uma situação extrema de perda e leilão, posso garantir por experiência própria que nenhum imóvel sai por 100% da avaliação. Se fosse assim não teria sentido comprar em leilão. Quando muito, vai sair por algo em torno de 70%. Isso faria também a garantia perder força. Não podemos esquecer que há custos de advogado, leiloeiro, etc. Estimam-se esse custos entre 15-20% (eu deveria virar advogado desses fundos, pois como dizem os japonês takai desu “tá caro hein” esses advogados). O que diminui ainda mais a garantia.  Sendo assim, 45/50% de LTV estamos num limite prudencial. Eu creio que é bem importante ser exigente com esse critério, se a pessoa realmente quer se expor ao mercado de dívida imobiliária com Alienação Fiduciária em garantia.
c.3) No relatório, não há nada sobre DTI (debt to income), métrica que mostra o quanto de renda está comprometida com o pagamento da dívida. A métrica é importante para antever pioras no fluxo de pagamento. Funciona assim: se o pagamento mensal é de 5.000,00 e a pessoa ganha 20.000,00 o DTI é de 25%, o que é razoável. Porém, se o rendimento cai para 10.000,00 o DTI sobe para 50% o que já é bem perigoso. O problema com contratos de financiamento imobiliário com AF é que se o desemprego aumenta o DTI pode ir para zero, o que ocasiona com toda certeza o Default na CCI específica. É diferente de uma Debênture da Vale, por exemplo, o desemprego pode subir e isso não ter qualquer impacto na VALE, a empresa não sofre desse risco direcional. Mesmo com o minério de ferro caindo e as margens caindo da VALE, é difícil imaginar que ela não honrará os compromissos e entrará em default. Esse não é o caso para empréstimos residenciais, qualquer soluço financeiro na vida das pessoas, e é default na certa;
Continuando então com a leitura do Relatório:
d) A Duration das séries é bem divida, mas há duration bem altas, o que não seria diferente em dívida residencial. Precisamos sempre ter em mente que duration é risco (há até um termo na doutrina mais técnica: BOND RISK PREMIUM), então instrumentos de dívida com duration maior devem ganhar mais para compensar o risco;
e) Um dado importante é que o fluxo de amortização está sendo mais intenso do que projetado. 
O que isso significa? 
Imagina que você deve 500 mil para um banco que te emprestou dinheiro para comprar uma casa. Porém, você recebe uma herança de 300 mil; assim, se o custo do financiamento for maior do que você pode receber sem risco numa aplicação financeira, faz sentido amortizar a dívida antecipadamente. 
Isso faz com que o empréstimo fique mais seguro, pois diminui o LTV, já que a dívida será menor, mas a garantia do bem continua a mesma. Logo, em todas as séries que vi o fluxo de amortização está maior do que o projetado, o que é bom e torna o FEXC mais seguro.
f) 11% do PL do FEXC está em empréstimos para a PDG. 
As métricas dessa empresa: P/L negativo, DÍVIDA BRUTA/PL de 1,22 (quando o ideal e conservador é até 0,5). Logo, é uma empresa que passa por dificuldades. Risco de crédito aqui. A doutrina tem nome para isso (CREDIT RISK PREMIUM)
g) Por falar em risco de crédito, fique claro mais uma vez, que o FEXC possui risco de crédito muito maior do que o ativo livre de risco.  Ele possui também muito risco específico, conforme delineado no item "c.3". Ou seja, se houver piora no desemprego e via de consequência nos financiamentos imobiliários formados, o risco de crédito da operação aumenta e muito, pois a carteira tende a sofrer como um todo e andar na mesma direção.
h) Eles poderiam incluir também qual é a ponderação das taxas na carteira, como o RBVO faz.  Assim, ficaria mais fácil vermos o spread (em relação ao custo de dinheiro) que está oferecendo. Eu creio que o a carteira oferece algo em torno de IGP-M + 8% (estou aproximando e chutando aqui, mas não creio que seja tão longe da realidade). 
Com a alta recente, o valor de mercado está quase idêntico ao Valor Patrimonial, então quem compra agora está comprando uma carteira com risco de crédito direcional acentuado para receber IGP-M + 8%.  Com NTN-B pagando IPCA + 6/6,5% ( as taxas de administração do FEXC equivaleriam aos 15% de IR), eu não creio que o risco está sendo bem remunerado. Isso significa que não há margem de segurança a preços atuais. Um maior deságio em relação ao Valor Patrimonial faria com que o spread pudesse chegar a níveis mais satisfatórios como 4/5% aa (sugiro a leitura desse artigo http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2015/01/renda-fixa-mercado-high-yield-spreads-e.html). Minha opinião apenas.
Recomendo a todos que se interessam por essa espécie de investimento, ou que até mesmo tenha FEXC a leitura do relatório disponibilizado. É sempre bom saber exatamente o que estamos comprando quando investimentos.


Mentawai (Indonésia - Sumatra) segura esses Barrels porque daqui a pouco estou por aí...

Abraço a todos!

18 comentários:

  1. Obrigado por compartilhar, com certeza vou olhar com outros olhos esses dados, é sempre bom uma ajuda para descobrir alguns pontos que não estavam claros...acho que os fiis que dão retorno de 0,9% a.m. para cima já merecem uma atenção especial, porque geralmente eles vêm carregados com o risco que citou, comparando com os títulos do tesouro.

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    1. Olá, colega.
      0,9% am hoje em dia não é difícil encontrar no mercado de dívida.
      Se estiver referindo a fundo de tijolo, aí sim é um belo retorno, principalmente se o fluxo tiver uma probabilidade razoável de ser mantido nos próximos anos.

      Abraço.

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  2. Sô,
    Já saiu a primeira parcial da pesquisa "Melhores Investimentos em Ações, FIIs e Renda Fixa para os Próximos 4 Anos"
    Se você já está participando favor conferir os dados. Se não ainda pode participar, só deixar lá sua opinião.
    Muito obrigado e um ótimo feriado!
    http://blogdouo.blogspot.com.br/2015/02/melhores-investimentos-em-acoes-fiis-e.html

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  3. Soul: poderia me dar uma opinião sobre o AEFI11? Estou pensando em aplicar uma parcela razoável do meu portfolio nele.
    Rende 11,32% a.a, o reajuste é pelo IPCA, o contrato é atípico e longuíssimo...
    Qual seria o risco?
    Ao que me parece, nem mesmo se a Kroton falir, pois o fundo continuaria com os terrenos, sendo que o VM é Menor que o VP, a situação ficaria ruim.
    Além disto, são terrenos em cidades grandes que, naturalmente, se valorizam.
    Grato,
    Jeca

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    1. Olá, colega.
      Depende de quanto você entende como parcela razoável do seu portfólio. Se você tiver uma exposição razoavelmente grande do seu patrimônio em FII, digamos 50%, e tiver uns 20 FII com equal weighted, o AEFI iria representar 2,5% do seu patrimônio. Se você tivesse 10%, representaria uns 5%, não vejo isso como parcela razoável do patrimônio num único ativo, mas acho a forma mais adequada de se investir em renda variável.

      Você já respondeu as dúvidas. O risco é de construção dos CAMPI, mas esse risco não é do FII, mas sim da Kroton. O contrato é longuíssimo e é reajustado pelo IPCA. Pense nele, enquanto não estiver operacional, como um debênture com a vantagem do terreno ser do fundo.
      O risco seria o VP não corresponder ao VM se os CAMPI não forem construídos. Porém, terrenos são mais difíceis de perder valor.

      Abraço!

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    2. Grato pela atenção.
      Só não entendi o sentido de sua frase "Se você tivesse 10%, representaria uns 5%, não vejo isso como parcela razoável do patrimônio num único ativo". Não vê isso como parcela razoável, porque acha muito concentrado em único ativo, ou porque a quantidade é bem pequena?
      De qualquer forma, estava pensando em aplicar uns 7,5 a 5% do meu patrimônio no AEFI11, sendo isso o que chamei de razoável. Estou considerando o AEFI, sabendo que de forma imprecisa, como sendo RF, pois para mim se trata de uma debênture incentivada "disfarçada", com garantia real dos terrenos.

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    3. Olá, colega,
      Uma exposição de 2.5 a 5% não acho uma exposição tão substancial num ativo, e eu acho que é assim que deve ser.
      Se gosta do ativo uns 5% está de bom tamanho.

      Abraço.

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  4. Caro soul,
    relendo alguns de seus artigos, percebi que voce fala de debentures. vc investe em algum título deste tipo?
    no momento, estou pensando em entrar na debenture da Salus. pelo que entendi ela oferece 1,8%aa a mais que a ntbn e tem isenção do IR. vc concorda que, considerando o risco maior, ainda vale a pena aplicar uma pequena parte do meu capital?
    abração

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    1. Muito bem colocado. Também quero saber a opinião do egrégio colega soulsurfer.

      Já o que eu me informei é que a taxa remuneração é a média aritmética das taxas das Notas do Tesouro Nacional – Série B (NTN-B), com vencimento em 2022 acrescida exponencialmente 1,8%, expressa ao ano base 252 dias úteis. O egrégio colega soulsurfer poderia nos explicar num exemplo prático como é que essa metodologia do cálculo tendo em vista estar sempre tão bem informado além de bom conhecimento em títulos corporativos? Acrescentando: o vencimento é para 15 de outubro de 2024 (10 anos).

      Agradecido

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    2. Olá, colega. Eu não invisto em Debêntures por enquanto.
      Eu não conhecia essa Salus. Olhei rapidamente e vi que é uma empesa que mexe com infraestrutura portuária.
      Um ponto positivo é a isenção de IR, e isso faz uma boa diferença.
      Então, o prêmio seria 1,8% + a a isenção de IR, o que com uma inflação de 5/6%, daria um spread de uns 3,5% aa.
      Eu não sei se compraria um título desses, ainda mais com uma taxa de juros básica tão alta. Se a taxa fosse menor, talvez um spread de 3,5%aa chamasse mais a minha atenção.
      Atente-se apenas sobre a liquidez, pois provavelmente esse título será bem mais ilíquido que o mercado de dívida soberana.
      Sobre o risco de crédito, eu não teria condições de avaliar a situação financeira da empresa, nem mesmo os pormenores do projeto, isso demandaria muito tempo. Porém, se você se interessou, creio que cabe o esforço. Depois de um tempo volte aqui e conte o que achou.

      Abraço.

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    3. SoulSurfer: acho que vale a pena você dar uma boa olhada nas debêntures incentivadas.
      Acompanho suas postagens há mais de um ano e, pelo que me parece, você tem um perfil bem parecido com o meu: conservador-moderado.
      Ano retrasado enchi o carrinho (mais de 20% do patrimônio) em incentivadas da Vale, pagando NTNB+6,7X%. Negócio da China. Lembre-se que o título, ao contrário das NTNB, em razão da inexistência do IR, protege-lhe verdadeiramente contra a inflação. Sem falar que não tem cobrança do 0,3% da CBLC, nem os 0,1%-0,25% da maioria das corretoras...

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    4. É verdade, além de não ter IR, não tem esse 0,3% de custódia do tesouro. Porém, alguma coisa de custódia as corretoras devem cobrar não?
      Mas mesmo assim, se as empresas forem aparentemente sólidas pode ser um bom investimento.
      Abraço.

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  5. Esse foi o melhor relatório de fundos de papel já publicado.

    Esperamos que continuem assim nos próximos.

    Infelizmente os FIIs não possuem as mesmas exigências em seus relatórios como as empresas de capital aberto.

    Abçs!


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    1. O relatório foi bom mesmo, trouxe mais transparência.
      Mudando de assunto, parabéns pelo blog, vi que adicionou inúmeros vídeos, uma sessão sobre metais (fiquei quase 1 hora lendo as características dos diversos ETFs). O seu blog está muito bom!

      Abraço!

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    2. Obrigado!

      Quanto mais informações estiverem disponíveis para o investidor brasileiro, melhor!

      Abçs!

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  6. Grande Soul! parabéns pelo excelente artigo! É a 1ª vez que tive a oportunidade de me defrontar com excelente material de esclarecimento e tive a oportunidade de acessar o site indicado e pude confrontar a veracidade de sua indicação. E eu sempre imaginei que esses FII fossem seguros por serem quase RF e por essa razão, balanceava a minha carteira em FFIs em 20% com esses papéis.
    Mais uma vez, parabéns pela excelente matéria!

    Grande abraço!

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