terça-feira, 24 de julho de 2018

VIVER DE CONSTRUÇÃO


                Olá, prezados leitores. O tema como viver uma boa vida é uma constante neste espaço. É possível que haja dezenas e dezenas de artigos sobre temáticas que orbitam sobre esse tema central.    Já disse inúmeras vezes, e continuarei repetindo, um escritor como o americano Mister Money Mustache é ordens de magnitude mais importante, no quesito finanças pessoais e qualidade de vida, para investidores amadores do que saber analisar balanços a la W. Buffett. Muitas das reflexões do MMM sobre uma boa vida, e sua relação com equilíbrio financeiro, são incríveis.

                Yuval Harari, o jovem historiador que escreveu Sapiens e Homo Deus, diz nas suas palestras internacionais que num mundo cada vez mais em mudanças em ritmo frenético, a maior habilidade que nós adultos podemos ensinar às novas gerações é a resiliência mental e emocional.  Infelizmente, esse atributo parece estar em falta, quando ele será cada vez mais necessário. 

                Os meus dois parágrafos anteriores servem como uma reflexão de que temas muito mais importantes do que dinheiro, política, etc, são de conhecimento de todos, mas poucos realmente refletem profundamente sobre os mesmos, e menos pessoas ainda tomam passos práticos para uma melhora efetiva de suas próprias vidas.  Seria o popular “fácil falar, difícil fazer”.

                Foi com consternação, minha e de muitas outras pessoas, que soube do falecimento precoce do blogueiro Viver de Construção.  Muitos, inclusive outros blogueiros, já fizeram suas homenagens, e pretendo fazer aqui a minha, mas talvez abordando outros aspectos não tão evidentes.

                Primeiramente, nós não somos preparados para a morte.  Tanto que delegamos, ao menos os povos da sociedade ocidental, a morte para hospitais.  Crianças não são submetidas nem mesmo ao conceito de morte, “elas devem ser poupadas” boa parte das pessoas acredita.  O fato é que somos mortais. A morte faz parte da nossa jornada pela terra. A morte não só nossa, mas de todas as entidades biológicas que gostamos ou não.  Como lidamos, ou melhor não lidamos, com a morte é um indicativo de como temas importantes são ignorados. Sabemos mais sobre as estripulias de Trump, do que sobre como lidar, ou ao menos refletir, com a morte de algum parente.

                A morte de uma pessoa jovem como o Viver de Construção é algo que assusta. Como não ficar assustado e chocado? Não parece natural. Lembra-me de uma passagem do filme “O Curioso Caso de Benjamim Button”, quando Brad Pitt expressa o seu horror ao ver tantos corpos  depois de uma batalha naval na segunda guerra mundial, pois aquilo não era uma visão natural, mesmo ele tendo convivido diversas vezes com a morte já que ele tinha passado os seus anos iniciais de vida num asilo para pessoas de idade, onde a morte era uma constante e um fato natural da existência.  Então, em que pese a naturalidade da morte, em certas ocasiões ela não parece ser natural, parece ter algo de errado com a sua ocorrência.

                Porém, mesmo contra nossa vontade, ou contra uma “ordem natural”, guerras, genocídios, acidentes ocorrem, e pessoas jovens, que ainda teriam muitas décadas de vida pela frente, partem.  É difícil, é duro, mas acontece.

                Eu não conhecia pessoalmente o Viver de Construção. Eu nem mesmo lia freqüentemente os seus escritos, pois o estilo dele não era muito do meu agrado, porém era visível a existência de algumas qualidades dele enquanto ser humano.  Primeiramente, em épocas de tanta raiva aflorada, ele parecia carregar pouca raiva. Discutia com anônimos, outros blogueiros, mas isso é mais um problema dos "diálogos truncados" que a internet proporciona do que algum problema emocional de ser possuído por um sentimento negativo.

                Além do mais, ele era extremamente educado. Ao menos comigo, ele sempre foi de uma educação tremenda.  Ele também era muito verdadeiro, e realmente doava o seu tempo para contar e compartilhar a jornada financeira e de vida com os outros. Talvez seja esse o aspecto que muitos leitores gostavam, pois viam nele algo no que se espelhar, ou alguém que poderia servir como uma base do tipo “se ele está conseguindo, por que não eu também?”. Logo, é inegável que ele possa ter diretamente tocado a vida de algumas pessoas de forma positiva, e isso não deixa de ser um legado importante.

                Talvez por  pelo fato dele ainda ser jovem, eu sentia que muitas vezes seus escritos aparentavam uma grande gangorra emocional.  Mas, as últimas vezes que li o blog dele, eu tinha a sensação que aos poucos ele ia acalmando a mente, e realmente começava a construir uma vida prazerosa para ele e sua companheira.  Talvez a maior evolução dele não fosse o seu patrimônio, que a grosso modo no grande esquema das coisas e para as grandes questões não significa absolutamente nada, mas sim a forma como ele estava começando a enxergar a vida.

                Aliás, quão doente não estão nossos relacionamentos ou nossos pensamentos, quando a quantidade de dinheiro acumulado passa a ser uma métrica, e para alguns A métrica, sobre a vida que alguém levou.  É difícil de entender. “É, a vida é importante, precisamos vivê-la com intensidade” e “ele é um exemplo de uma boa vida, olhe o patrimônio que o suor do seu trabalho conquistou” são frases quase que antagônicas.

                Como não o conhecia a não ser por trocas de mensagens, espero que ele possa ter sido um bom marido, um bom filho e um bom amigo para as pessoas mais próximas. Espero que ele possa ter encontrado prazer nessa frágil vida.  Não apenas o prazer mais vulgar sensorial, que nada mais é do que o consumo em excesso traz, mas aquela sensação quase que mística de pertencer a algo maior ou sentir-se, nem que por curtos momentos, completo. Espero que ele possa ter tido uma boa infância, onde possa ter aproveitado essa fase tão magnífica que passa tão rápido. Ou que possa ter sentido aquele frio na barriga na adolescência quando a garota amada passava em sua frente.  Espero que ele possa ter sentido a brisa do mar, ou aquela sensação gostosa de frio quando estamos nas montanhas, e se sentido unido de uma forma especial com a realidade.  Espero que possa ter amado com intensidade a sua companheira, e espero que ele possa ter sorrido muito em sua vida. Essas, e várias outras, são as verdadeiras métricas de uma vida bem vivida.

                Espero de coração que ele tenha vivido uma bela vida.  Para a família que fica, especialmente a companheira, é duro.  Quando cair a ficha, quando aquela sensação de que ele não estará mais entre vocês ficar consolidada, é inevitável que surja um vazio, que não poderá ser preenchido. O luto é algo importante.  Uma das características dessa nossa sociedade atual é que a tristeza, a infelicidade e o luto devem ser evitados de todas as formas, quando esses são estados emocionais naturais e muitas vezes necessários.

                Porém, com o devido tempo, espero que esse sentimento difícil, esse vazio, possa ser aos poucos preenchido por um sentimento alegre de celebração da vida do Viver de Construção. 

                Para nós que ficamos, a vida continua.  Aliás, a vida sempre irá continuar, mesmo depois da nossa própria morte.  Foi isso, ou ao menos é a minha interpretação, que Steve Jobs  disse, naquele célebre discurso em Stanford,  ao dizer que o Rei estava Nu, quando nos damos conta da nossa própria mortalidade. Todos nós estamos nus. Do mais poderoso ao mais fraco, do mais rico ao mais pobre, todos nós pereceremos. Já que sabemos disso, exorta Jobs, por qual motivo não viver mais intensamente?

               É evidente que esse é um ensinamento antigo. A expressão Carpe Diem traduz bem esse sentimento. Não é se entregar aos "prazeres" sensoriais como se não houvesse qualquer tipo de consequência, como algumas pessoas tolamente conceituam essa expressão. Não, prezados leitores, é tentar extrair da vida o prazer de estar vivo, e isso só se pode ser feito no momento presente. Não no passado, não no futuro, mas no aqui e agora.



                À família do Viver de Construção eu ofereço os meus sinceros sentimentos.

domingo, 15 de julho de 2018

A FELICIDADE DA PATERNIDADE E OS R$ 50,00 MAIS LEGAIS DA VIDA


                Olá, prezados leitores. Como está a vida de vocês? A minha está muito boa em todos os aspectos.  Seja do lado financeiro, emocional, físico e, por que não dizer, espiritual, sinto-me muito forte e satisfeito.  Mesmo correndo o risco de soar superficial, o fato é que nós somos seres vivos complexos.  Eu, Soulsurfer, sou um ser humano com muitas facetas, necessidades, aspirações, medos, fraquezas, forças, assim como qualquer outro companheiro nessa jornada humana pelo que chamamos vida.

                Se assim o é, parece-me evidente que o estado de bem-estar e satisfação deriva de muitos aspectos da existência. Do que adianta ter dinheiro e sucesso profissional, se os próprios filhos possuem problemas sérios com drogas, por exemplo? Portanto, e muitas pessoas que procuram textos sobre finanças pessoais já devem ter percebido e espero que internalizado em suas vidas, a nossa satisfação com a vida depende de estarmos física e mentalmente sãos, sendo que o aspecto financeiro é algo importante, mas longe de ser o único requisito, e vou além, de ser o mais importante.

                Há mais ou menos três meses e meio recebi a notícia de que seria Pai. Foi uma total surpresa, e algo muito bacana, pois era algo que estava querendo bastante. Aliás, uma das razões, talvez a maior delas, de ter voltado ao Brasil foi exatamente para tentar ser Pai. Se não fosse isso, muito provavelmente, teria ido para o Havaí ficado uns quatro meses recuperando as energias depois de meu tour de dois anos que terminou no Irã, e provavelmente começaria outra grande e longa viagem por outros rincões desse nosso belo mundo.

                A notícia veio numa terça-feira à noite. Na quarta às seis da manhã ao acordar, vejo várias mensagens no meu celular que algo de grave tinha acontecido a minha mãe, e ela estaria internada na UTI. Às nove da manhã já estou embarcando num avião rumo a São Paulo, sem saber ao certo se iria encontrar a mulher que me trouxe à vida viva ou não. Foram três semanas acompanhando-a na unidade tratamento intensivo, na mesma época em que minha companheira mais precisava de mim, pois costuma ser o pior período da gravidez. Portanto, foram semanas de intensa carga emotiva.

                Tudo segue bem com a gravidez, será uma menina. E começo a me imaginar sendo Pai de alguém, sendo o modelo para uma nova vida.  Minha mãe está recuperando, mas ainda muito fragilizada do ponto de vista emocional por tudo o que ocorreu.  Esse ainda é um ponto negativo que impacta o meu bem-estar completo, mas tenho esperanças que o tempo irá se encarregar de melhorar esse aspecto e minha filha possa desfrutar de uma avó, algo que não tive o privilégio em minha vida (não conheci nenhum avô ou avó vivos).

                Logo, sinto-me muito satisfeito com a paternidade em potencial, e minha grande preocupação é que essa criança venha com saúde e que eu possa ser um bom Pai. Portanto, minha vida emocional posso dizer que está  boa. Do ponto de vista “espiritual” (entre aspas, pois independe de crenças religiosas ou no sobrenatural), sinto-me muito forte. Sou feliz com aquilo que me tornei e das escolhas que fiz. 

             Poderia ter feito melhores escolhas? Claro. Poderia ser faixa preta em alguma arte marcial. Poderia ter largado o cargo de Procurador antes. Poderia ter tentado trabalhar na “Nasa”, poderia ter cortejado aquela menina linda que não tive coragem de me declarar na adolescência, poderia ser mais generoso, poderia ser um melhor amigo. Muitas coisas, vendo em retrospecto, poderia eu ter feito de forma diversa e melhor. Entretanto, independente disso, sou muito satisfeito com quem me tornei e com a minha atual vida.

                Do ponto de vista físico, o meu bem-estar é altíssimo.  Há vários meses comecei uma jornada de autoconhecimento sobre saúde, nutrição, e vários outros tópicos.  Hoje em dia posso navegar tranquilamente, ao menos em algumas áreas, por paper científicos, melhorei absurdamente meu entendimento sobre alimentação, e compreendi o estado deplorável de saúde da maior parte dos brasileiros. 

                Eu gosto de dizer que  tomei as rédeas da minha saúde.  Não sou cientista, não sou médico, e nem tenho pretensão de sê-lo, mas o principal responsável pela minha vida sou eu mesmo, e não terceiros.  Confiar cegamente no que “autoridades” dizem, ou no que o seu médico  fala, sobre hábitos de vida, é sandice. É terceirizar algo que deveria ser a sua maior responsabilidade. 

          Como assim seu médico nunca passou um exame de insulina basal? Sendo que esse é o meio mais eficaz de detectar precocemente traços de resistência insulínica que é diretamente associada a : diabetes, piora significativa de risco cardíaco, demência, e diversos outros males que assolam as sociedades modernas. Quase nenhum médico passa esse simples exame. Curva insulinêmica então eu nunca vi nenhum médico receitar, mesmo aqueles que já possuem um visão mais integral. Irei fazer esse exame amanhã (cortesia do pedido médico assinado pelo meu amigo médico leitor que conheci semanas atrás). Descobri esse exame, e a razão de fazê-lo, numa entrevista do ano de 2016 de Charles Poliquin no podcast de Tim Ferris.


               Se precisamos ser responsáveis pelas nossas finanças, com maior razão ainda precisamos ser responsáveis pela nossa própria saúde.  

                Quando descobri que óleos vegetais industrializados são lixo (e é o que a população mais consome) , que suco de laranja natural feito na hora nada mais é do que uma coca-cola com algumas pouquíssimas vitaminas, que devemos fritar em banha de porco, que frutas tropicais devem ser algo ocasional na alimentação (e não, não precisamos de frutas, e encher um prato de frutas no café-da-manhã está longe de ser algo saudável e sensato para boa parte da população), que pão e farinhas são alimentos que devem ser consumidos muito ocasionalmente, entre tantas outras coisas, pude ver como está tudo errado com os hábitos de dezenas de milhões de brasileiros.

                É assustador. Ninguém poupa, e há problemas financeiros? Reflita sobre a saúde da população então. Vá a um supermercado, e repare no carrinho de compras das pessoas. Nas raras vezes que vou ao supermercado hoje em dia, meu maior passatempo é ficar olhando as compras alheias, não tem comida na maior parte dos carrinhos, são todos simulacros de alimentos que vem em caixas.

                O bacana é que o conhecimento adquirido impactou diretamente no meu corpo. Nunca tive um físico tão bom. Minha própria mulher fala como o meu corpo mudou, como estou forte e definido. Está ajudando o treinamento de crossfit. Vou treinar seis vezes por semana, amarradão. Tem dias que vou mais de uma vez, fazer treinos diferentes. Portanto, do ponto de vista físico minha vida está muito boa. É o que posso fazer para ajudar no inevitável processo de decadência do meu corpo, para que eu possa envelhecer com qualidade de vida, se o destino e a genética assim permitirem.

                Por fim, a parte financeira. Essa deslanchou, talvez seja a fase da curva quando o efeito composto começa acelerar o crescimento geométrico.  Semanas atrás comprei um percentual de faturamento de uma grande festa temática brasileira, espero ter um retorno de 40% em poucos meses sem fazer quase nenhum esforço. Comprei inúmeros imóveis com margens boas, tendo apenas dois sem uma definição jurídica. Nessa Sexta-feira, vendi um imóvel que previa vender só daqui um ano. Precisei aceitar como forma de pagamento um carrão desses de luxo, mas faz parte, já achei um comprador pagando 10-15 mil a menos pelo que peguei, e está tudo certo. Talvez vá vender outro imóvel a um grande amigo, vou ganhar uns 65% em menos de três meses de operação (e ainda estarei o ajudando, pois estarei vendendo por uns 40-50 mil a menos do que vale, e é o imóvel ideal para ele).

                A coisa foi se avolumando de tal maneira, que foi preciso refletir sobre um target financeiro, para ter algo contra o qual eu objetivamente possa mensurar quando a busca por mais dinheiro em si não vai me trazer qualquer retorno marginal ou utilidade. Coloquei um número bem alto. Para a minha surpresa, de forma orgânica e sem muito esforço, lá por meados de 2022-23 eu chegaria nesse número. Se os dois imóveis sem confirmação jurídica forem “estabilizados juridicamente”, isso seria ainda mais rápido. O mais incrível é que se o câmbio fosse onde ele mais ou menos deveria estar R$3,40-3,50 (minhas projeções do target é a R$ 4,00), eu estaria a mais umas duas operações bem-feitas de leilão do target, ou seja, questão de semanas ou meses.

                Portanto, do ponto de vista financeiro não há nada do que reclamar, e os acontecimentos estão sendo muito superiores às minhas expectativas desde que larguei o cargo de Procurador Federal.  Entretanto, e aqui finalizo, apesar dos grandes números, ontem recebi um dos pagamentos mais “gostosos” da minha vida.

                Toquei num clube de motoqueiros. Tinha uns 70-80 motoqueiros, mais acompanhantes. O pessoa vibrou um monte com o show. Quando cantei Anarchy in The Uk” uma galera foi ao delírio.  Um motoqueiro gigante no final do show veio e me falou “te vendo, assim careca, ninguém dá nada, mas você canta muito cara”, e eu respondi “rapaz, se você não fosse duas vezes o meu tamanho, eu não iria deixar barato esse ´careca e ninguém dá nada´” e o motoqueiro e a mulher dele caíram na risada. Para completar com chave de ouro, o dono do clube gostou tanto, que resolveu dar um “cachê” de R$ 50,00 para cada músico, e liberar bebida e comida para a gente.  Irado, foram os R$ 50,00 mais incríveis que já ganhei na minha vida.

                É isso, colegas, equilíbrio na vida é fundamental. Desejo o melhor a todos.

A Banda. Apenas um ensaio na terça, mas o show foi irado.


Soulsurfer soltando a voz em "Black Number One" do Type O Negative


Essa é a música ao Vivo. Eu adoro essa música, ela é bem diferente e tem um peso incrível. Tocamos uma versão bem mais curta de quatro minutos apenas.

Ah, e esse é o Charles Poliquin que comentei no texto. O cara tem quase 60 anos, já treinou dezenas de campeões mundiais e medalistas olímpicos em diversas modalidades. Para completar o cara manja muito de nutrição, endrocrinologia, treinamento de força, qualidade de vida, etc. Além de ser extremamente inteligente. A resposta dele ao Tim Ferris quando esse perguntou "como aumentar o desejo dexual?" "troque de parceiro(a) sexual" foi muito engraçada.

Um grande abraço a todos!

quinta-feira, 5 de julho de 2018

BEM DE FAMÍLIA NO LEILÃO EXTRAJUDICIAL (ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA) - PRÉVIA LIVRO


Olá, colegas. Eu já submeti o esboço dos meus escritos que podem vir a se tornar um livro sobre leilão a alguns advogados e professores de processo civil. O fiz principalmente na parte técnica. Quase todos disseram que achavam que seria cansativo para um público leigo a leitura de algumas partes. Eu procurei escrever da maneira mais clara e acessível possível, sem perder as nuances técnicas, numa forma de escrita que adoto aqui nos artigos do blog. Não tem como tratar esse tema de forma séria, sem as simplificações grosseiras de quase todo o material que existe, sem citar um monte de lei e de jurisprudência. Afinal, muitas pessoas leigas estão dispostas a colocar quantias razoáveis de seus patrimônios em imóveis de leilão, e não faz sentido fazer isso sem ter uma boa informação. Assim como não faria sentido operar 400 mil reais de derivativos cambiais sem ter qualquer conhecimento prévio sólido.

Portanto, vou disponibilizar uma pequena seção da parte técnica sobre leilões extrajudiciais. São 5 folhas num total escrito de 300 páginas sobre a parte jurídico-técnica de leilões judiciais e extrajudiciais. O esboço do livro ainda conteria mais 250 páginas sobre aspectos comportamentais, jurídicos mais gerais, práticos, financeiros e de imóveis propriamente dito. Gostaria de saber se o texto apresentado aqui está acessível e compreensível.

Por fim, o assunto tratado não é compreendido muito bem nem por advogados. Um bom amigo meu me ligou ontem pedindo meu posicionamento sobre o tema que trato abaixo, e principalmente o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (provavelmente ele tem algum caso que vai ser analisado por essa instância). Este amigo é sócio de um dos melhores escritórios de advocacia do Estado e tem um ex-ministro do STJ como sócio. Ou seja, a qualidade técnica ali é alta e não se compara com a média dos advogados. A qualidade técnica de defesas que já vi em casos de leilão de imóveis valendo centenas de milhares de reais às vezes pode ser muito deficiente, sendo generoso.

O tema é minucioso e possui enorme repercussão para quem quer comprar imóveis em leilão sem depender apenas da sorte. Para se ter ideia, há três semanas  participei de um leilão que começou em 450k, e quando chegou a 850k, eu parei de dar lance. Creio que o imóvel deveria valer entre 1,8 a 2m. A principal linha de defesa do devedor era um Recurso Especial interposto para o STJ alegando bem de família (havia outras teses, o caso era complexo até do ponto de vista processual). Eu achei que nesse caso a tese jurídica era fraca, e valia a pena participar do leilão.

No mesmo dia, mas de tarde,  deixei de dar lance num imóvel também inicial de 450k que deveria valer algo em torno de 1,2m. Não houve disputa, e apenas uma pessoa deu lance. No caso em concreto, depois de análise, eu tinha  convicção de que a alegação de bem de família no caso concreto poderia ser uma grande fragilidade se eu me colocasse na posição de arrematante. Não sei se os devedores vão contratar algum advogado que saiba explorar essa deficiência (pela minha experiência poucos advogados sabem ser cirúrgicos naquilo que pode ter chance e se perdem em outras defesas, ao menos na questão de anulação de leilões), mas preferi não me colocar numa posição vulnerável, mesmo com possibilidade de vultosos ganhos (depois desses dois leilões narrados, adquiri dois imóveis com valores e margens parecidas e riscos jurídicos muito diminuídos, paciência é uma virtude). Se fosse eu na defesa jurídica dos ocupantes do imóvel retratado, eu travaria esse imóvel por alguns anos e levaria a discussão para o STJ sem sombra de dúvidas.

Os dois últimos parágrafos foram apenas exemplos pessoais meus recentes com o tema abaixo. Essa é apenas uma defesa, das treze que listo em relação a leilões extrajudiciais. Ou seja, isso é apenas a ponta do iceberg. Feedback sobre a construção do texto e inteligibilidade são bem-vindos.





A Alegação De Bem de Família

Uma defesa usada com freqüência por devedores fiduciantes é alegação de bem de família.  A conceituação desse instituto jurídico, bem como os seus pormenores, já foi feita em capítulo anterior.  Apenas como rápida recapitulação, bem de família é o imóvel único que serve de morada de uma entidade familiar e que não é suscetível de ser penhorado por dívidas de qualquer natureza, salvo algumas exceções legais contidas na Lei n° 8009/90.  Essa é uma defesa que costuma ser rechaçada por decisões judiciais, sendo, portanto completamente ineficaz. A razão é simples. Quando o imóvel é fornecido como garantia real de uma dívida, o art.3º, V, da Lei n° 8009/90 expressamente aduz que o imóvel, mesmo que seja a única morada familiar, perde a condição de impenhorável:

“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;”

Como a Lei é de 1990, e alienação fiduciária de bens imóveis foi estabelecida no Brasil apenas com a Lei n° 9.514 de 1997, o artigo em questão não menciona alienação fiduciária, mas apenas hipoteca. Contudo, se um devedor que dá um imóvel em hipoteca como garantia real, onde não há a transferência de propriedade, perde a possibilidade de argüir bem de família se houver uma execução direta sobre o bem ofertado, com muito mais razão quem oferece um bem em alienação fiduciária, onde há a transferência da propriedade resolúvel para o credor fiduciário, não pode vir a alegar a impenhorabilidade do imóvel.

Aliás, a própria noção de impenhorabilidade a um bem dado em garantia fiduciária não é tecnicamente correta, pois um imóvel dado em alienação fiduciária não será penhorado se houver início o procedimento de execução extrajudicial. Na bem da verdade, a jurisprudência pátria é pacífica no sentido de impossibilidade de penhora de bem imóvel alienado fiduciariamente. É possível apenas a penhora dos direitos sobre o bem dado em garantia fiduciária seja na posição do devedor fiduciante (o direito de pagar a dívida e ter direito a ser de novo o proprietário) ou do credor fiduciário (o direito de receber o débito devido pelo fiduciante). O imóvel em si é impenhorável:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DÉBITOS CONDOMINIAIS. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. PENHORA DE IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE. IMPOSSIBILIDADE. MERO EXERCÍCIO DE POSSE DIRETA PELA EXECUTADA. BEM DE PROPRIEDADE DO CREDOR FIDUCIÁRIO QUE NÃO INTEGRARA A RELAÇÃO PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. (...)  . 2.Somente após a quitação de todas as parcelas do financiamento é que a propriedade do imóvel consolida-se em benefício do devedor fiduciante, conforme artigo 1.361 do Código Civil, razão pela qual, na oportunidade, não se admite a penhora do bem gravado com cláusula de alienação fiduciária, mas apenas a de eventuais direitos consecutivos do contrato de alienação fiduciária (...).  (07119267220178070000, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Relator Cesar Loyola, 2ª Turma Cível, julgado em 25/10/2017)” (destaque nosso)

Em termos mais concretos, isso significa que se, por exemplo, João é um devedor fiduciante de uma obrigação de R$ 200.000,00 em benefício de um credor fiduciário, sendo que o imóvel dado em garantia é avaliado em R$ 400.000,00, o que se pode penhorar são os direitos tanto de devedor como do credor. E quais seriam esses direitos? O devedor tem o direito de pagar R$ 200.000,00 para adquirir um imóvel que é avaliado em R$ 400.000,00, e o credor tem o direito de receber a dívida de R$ 200.000,00. Entretanto, o imóvel em si, avaliado em R$ 400.000,00, não pode ser penhorado.

Portanto, em que pese a completa imprecisão técnica de se opor impenhorabilidade do bem de família numa defesa judicial em relação à execução extrajudicial de um bem dado em garantia fiduciária, o simples fato é que o art. 3º ,V, da Lei n° 8009/90 expressamente diz que o devedor não pode alegar bem de família para evitar que bem imóvel dado em garantia não seja executado para o pagamento de dívida de credor com garantia real.  A razão de ser do dispositivo legal é que não seria compatível com a boa-fé oferecer um bem em garantia para o pagamento de uma dívida, e depois alegar que esse bem não poderia servir como garantia.  Seja como for, a alegação de bem de família para evitar que um imóvel seja vendido num leilão extrajudicial da Lei n° 9.514/97 não costuma prosperar em nossos Tribunais:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - PRELIMINAR - INÉPCIA RECURSAL - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - BEM DE FAMÍLIA - VENDA DO IMÓVEL - SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO - TUTELA PROVISÓRIA - AUSÊNCIA DE REQUISITOS. (...). Ao imóvel dado em garantia fiduciária à instituição financeira, não se aplica a regra da impenhorabilidade, por força do art. 3º, inciso V, da Lei 8.009/90.  (...)   Agravo de Instrumento-Cv  1.0000.16.076114-4/001, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator(a): Des.(a) Evangelina Castilho Duarte , 14ª Câmara Cível, julgado em 16/02/2017)” (destaque nosso)

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. IMÓVEL OFERTADO EM GARANTIA. BEM DE FAMÍLIA. MORA NÃO PURGADA. BOA-FÉ OBJETIVA. PROBABILIDADE DO DIREITO. AUSÊNCIA. I -  (...) - Ao imóvel livremente ofertado como garantia em alienação fiduciária, não se aplica a impenhorabilidade do bem de família. III - O princípio da boa-fé objetiva exige dos contratantes a adoção de postura ética e leal, devendo o julgador aplicar a Lei 8.009/1990 em consonância com tais princípios de forma a vedar a má-fé contratual e permitir que as obrigações sejam cumpridas em conformidade com o avençado.  (Agravo de Instrumento-Cv  1.0043.17.001585-3/001,  Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator(a): Des.(a) Vicente de Oliveira Silva , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 12/09/2017)” (destaque nosso)

“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. FALTA DA VEROSSIMILHANÇA. PROVA INEQUÍVOCA. INDEFERIMENTO. 1. (...). 2. A mera alegação de que se trata de bem de família não possui o condão de desconstituir obrigação contratual assumida de livre e espontânea vontade pela parte, sem a qual o negócio não teria se realizado. 3. (...) (20150020001185AGI, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Relator Maria de Lourdes Abreu, 5ª TURMA CÍVEL,  julgado em 15/04/2015)”

            Sendo assim, alegações de bem de família para desconstituir a garantia fiduciária fornecida pelo devedor fiduciante não são eficazes em juízo. Entretanto, há uma linha de defesa em relação à alegação de bem de família que pode ser extremamente eficaz, levando eventualmente a anulação da garantia fiduciária, bem como de eventuais arrematações extrajudiciais realizadas sobre o bem.

            A a Lei n° 10.931/04 previu em seu artigo 51 que todos os tipos de obrigação, inclusive prestadas para garantir dívidas de terceiro, poderiam ser garantidas por imóveis alienados fiduciariamente. Isso foi uma inovação na legislação pátria, já que anteriormente a esta mudaça legislativa o oferecimento de garantias fiduciárias era limitado a financiamentos imobiliários em nome próprio. Essa é a redação do artigo:

Art. 51. Sem prejuízo das disposições do Código Civil, as obrigações em geral também poderão ser garantidas, inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, por caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis e por alienação fiduciária de coisa imóvel.” (destaque nosso)


            Destarte, a partir dessa inovação legal uma gama enorme de empréstimos, inclusive prestados por terceiros, poderia ser garantido com alienação fiduciária, o que tornava a operação muito mais segura para o credor, e mais barata para o devedor em termos de juros pagos pela obrigação assumida.  Começou então a ser normal que pessoas jurídicas (empresas) tomassem empréstimos junto a instituições financeiras fazendo com que terceiros (pessoas físicas) fornecessem bens imóveis em alienação fiduciária para garantir a operação.

            Suponha-se a situação onde a empresa A toma um empréstimo de R$ 300.000,00 junto à instituição financeira X para obter capital de giro. Para garantir a obrigação Pedro aliena fiduciariamente imóvel de sua propriedade à instituição, bem este avaliado em R$ 350.000,00.  Sendo assim, a situação jurídica do exemplo hipotético é a seguinte: a empresa A é o devedor fiduciante, a instituição financeira X é o credor fiduciário e Pedro é um terceiro que forneceu um imóvel para garantir a operação.  Esse tipo de situação já ocorria com hipotecas.

            Para situações semelhantes envolvendo garantia hipotecária, muitos devedores que deram o bem em hipoteca para assegurar dívidas de terceiros começaram a alegar judicialmente que, em que pese o fornecimento do bem como garantia, o art. 3º, V, da Lei n° 8009/90 não poderia ser aplicado. Assim sendo, mesmo que o terceiro garantidor tenha se comprometido com o oferecimento do imóvel em hipoteca, o mesmo não poderia ser penhorado, caso ficasse provado que o imóvel era bem de família.  Na opinião do autor desse livro, isso viola claramente a lealdade contratual que deve se esperar de todos os intervenientes num contrato. Porém, apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça adotou o entendimento de que para essas situações, para a garantia hipotecária ser considera válida e eficaz, não sendo possível a alegação de impenhorabilidade do bem de família, seria necessária a comprovação de que de alguma maneira a entidade familiar se beneficiou do empréstimo garantido por hipoteca. Nesse sentido pode-se citar o seguinte julgado da corte superior:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC) - EMBARGOS À EXECUÇÃO - IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DA EMPRESA EMBARGADA. 
(...)  2. A exceção do art. 3º, V, da Lei 8.009/90 não se aplica às hipóteses em que a hipoteca é dada em garantia de mútuo contraído por sociedade empresária cujo sócio é titular do imóvel gravado ou quando o empréstimo foi adquirido em benefício de terceiro. A impenhorabilidade do bem de família só não será oponível nos casos em que o empréstimo contratado foi revertido em proveito da entidade familiar. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido, com aplicação de multa. (AgRg no AREsp 48.975/MG, Quarta Turma, Relator Ministro Marco Buzzi, DJe de 25/10/2013)”(destaquenosso)


Assim sendo, o Superior Tribunal de Justiça interpretou o art.3º, V, da Lei n° 8.009/90 que só faria sentido uma entidade familiar perder a proteção da impenhorabilidade do bem de família, caso houvesse um claro proveito econômico dessa mesma entidade familiar. No caso de oferecimento de um imóvel em garantia hipotecária para a dívida de um terceiro, esse proveito econômico não é uma certeza. Podem ter casos que o proveito exista, podem ter outros casos que isso não ocorra. Como saber?

Primeiramente, é de se reconhecer que o mesmo raciocínio aplicado a hipoteca, pode-se aplicar-se a alienação fiduciária de bens imóveis, apesar de, como já discorrido, tecnicamente não ter sentido falar em impenhorabilidade em relação a uma garantia fiduciária.  O Tribunal de Justiça de Pernambuco já decidiu nesse sentido:

“AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. HIPOTECA. PRELIMINAR. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. NULIDADE AFASTADA. MÉRITO. BEM DE FAMILIA DADO EM GARANTIA DE CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO.  INEXISTENCIA DE PROVA DE PROVEITO DA ENTIDADE FAMILIAR. IMPENHORABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. (...) . 3.. Mérito. Nos termos da Lei nº 8.009/90 e do Código Civil (arts. 1.711 e seguintes) o imóvel de residência do casal, ou da entidade familiar, é, regra geral, impenhorável. As exceções à proteção legal ao domicílio familiar acham-se expressamente arroladas no art. 3º da Lei nº 8.009/90, distribuídas dentre os seus incisos I a VII. 4.. "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que "a finalidade da Lei 8.009/90 não é proteger o devedor contra suas dívidas, mas visa à proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo, motivo pelo qual as hipóteses de exceção à impenhorabilidade do bem de família, em virtude do seu caráter excepcional, devem receber interpretação restritiva" (AgRg no AREsp 537.034/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA,DJe 1.10.2014).5.. Ao menos em sede de cognição sumária, própria do presente estágio processual, a inexistência de prova de que o crédito percebido pelos agravantes tenha sido revertido em prol da família. 6. (...)(Agravo 447190-70008778-52.2016.8.17.0000, Tribunal de Justiça de Pernambuco, Relator Jones Figueirêdo, 4ª Câmara Cível, julgado em 16/03/2017)” (destaque nosso)

Portanto, parece claro que os Tribunais Pátrios terão uma tendência forte de interpretar a validade da alienação fiduciária de maneira semelhante como o STJ fez com a hipoteca. No exemplo hipotético, se Pedro não tivesse qualquer relação com a empresa A, seria muito difícil dizer que o empréstimo contraído pela pessoa jurídica de alguma maneira aproveitou a entidade familiar da qual Pedro faz parte. Logo, haveria uma grande possibilidade da garantia fiduciária, acaso Pedro questionasse judicialmente, ser considerada inválida e impossível de ser executada extrajudicialmente.

Agora, se Pedro fosse sócio da empresa? Aqui a interpretação fica mais sutil e subjetiva.  Nos casos onde as pessoas físicas que deram o bem em garantia para assegurar dívida de uma empresa sejam as únicas sócias dessa mesma companhia, fica muito difícil argumentar que o empréstimo não aproveitou a entidade familiar. Ora, se Pedro é o único sócio da empresa A, parece claro que o empréstimo concedido beneficiou diretamente a Pedro, pois o sucesso da empresa reverterá em benefícios claros para a sua entidade familiar.  O bem dado em garantia fiduciária nesses casos muito provavelmente não será considerado bem de família para fins de proteção legal do devedor:

 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CONHECIMENTO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. INADIMPLEMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. BEM DE FAMÍLIA. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA EM FAVOR DO CREDOR. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC. DECISÃO MANTIDA.
1. (...) 2. No caso dos autos, não se encontram presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida emergencial, porquanto os agravantes assumiram a condição de avalistas, em cédula de crédito bancário, em que a devedora principal era sociedade empresária da qual eram os únicos sócios. 2.1. A exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, inc. V, da Lei 8.009/90, incide quando o imóvel é dado em garantia de dívida da própria entidade familiar, o que ocorre no presente caso, pois a obrigação garantida é de responsabilidade dos agravantes, únicos sócios da empresa devedora. 3. Precedente do STJ. 3.1 "1. É autorizada a penhora do bem de família quando dado em garantida hipotecária da dívida contraída em favor da sociedade empresária, da qual são únicos sócios marido e mulher. (REsp 1435071/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 06/06/2014). 4. Agravo desprovido.(, 20150020074899AGI, Tribunal de Justiça do Distrito Federal,  Relator João Egmont, 2ª Turma Cível, julgado em 27/05/2015)” (destaque nosso)

            Por outro lado, quando as pessoas físicas ofertantes da garantia fiduciária forem sócias da empresa, mas não as únicas sócias, a análise deverá ser feita no caso concreto para comprovar se o empréstimo à companhia beneficiou de fato a entidade familiar daqueles que deram o bem em garantia. Parece claro que há ao menos um forte indício de que um empréstimo feito a uma pessoa jurídica irá beneficiar o seu sócio, mesmo que ele não seja o único, e por via de conseqüência a sua entidade familiar. Entretanto, reconhece-se que há espaço para argumentação de caráter mais subjetivo nessa situação.

            Por fim, é preciso ressaltar que a impenhorabilidade do bem de família diz respeito a apenas um imóvel da entidade familiar. Logo, não necessariamente, mesmo que não tenha beneficiado a entidade familiar, um bem dado em garantia fiduciária para assegurar dívida de um terceiro será considerado bem de família. Portanto, essa defesa só poderá ser eficiente em relação ao devedor, caso realmente se comprove que o bem oferecido como garantia constituir-se-ia bem de família e que o empréstimo não beneficiou a entidade familiar.