segunda-feira, 27 de maio de 2019

DINHEIRO (INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA) E O SENTIDO DA VIDA


Olá, colegas. Independência Financeira e sentido da vida. Os leitores desse espaço, até pelos temas que tratei nos primeiros anos de blog, em sua predominância possuem interesse no que se convencionou chamar de independência financeira.  Já sentido para a vida é algo que diz respeito a todos os seres humanos, por mais que uma parcela da população esteja inconsciente desse fato.

                Confesso que não li o livro, mas há uma obra que é muita citada por muitas pessoas interessantes e influentes que se chama “Man´s searching for meaning”. É um livro escrito por um judeu chamado Viktor Frankl sobrevivente de um campo de concentração nazista. A busca de um homem por sentido, mesmo dentro de um campo de concentração onde o próprio sentido das coisas parece ser o absurdo, é algo essencial na vida. Parece ser essa a mensagem principal do livro escrito por aquele que viria a ser o criador da logoterapia.



                Eu sei que as pessoas preferem textos mais pessoais, pois isso é uma característica humana: histórias fazem sentido para o nosso cérebro, nos ajudam a elaborar e a criar conceitos. Se eu mostrar a foto de uma menina síria de três anos desnutrida num campo de refugiados e contar a história de vida dela, é muito provável que essa seja uma estratégia mais eficiente para arrecadar fundos para os refugiados do que dizer que há centenas de milhares de crianças sírias na mesma situação do que a nossa adorável garotinha. De um ponto de vista estritamente racional, não faz sentido ficar mais tocado com a história de sofrimento individual quando comparado com o sofrimento coletivo de dezenas de milhares de pessoas, mas é exatamente assim que nosso cérebro funciona e se conecta com as pessoas e situações.  Durante muitos anos eu apenas apontava isso como uma “falha” de raciocínio.

                Entretanto, talvez pelo acúmulo de leituras e de experiências de vida, hoje apenas aceito esse fato como algo inerente do ser humano, já que nós evoluímos por dezenas de milhares de anos para ser assim. Nós gostamos de histórias, e a pessoalidade delas é o que atrai nossa atenção.  Portanto, talvez hoje adicione um toque mais pessoal ao texto.

                O sentido é aquilo que nos traz o maior bem-estar. Isso é uma lição que sempre esteve presente comigo e ela apenas foi se solidificando mais e mais.  Quanto eu tinha 18/19 anos, recém entrado numa das melhores faculdades de direito do país, me perguntaram o que eu queria ser da vida.  Sinceramente, não sei se alguém perguntou, ou se foi uma auto-reflexão minha mesmo. Porém, eu me lembro da resposta: tornar-me um ser humano melhor.

                Não, eu não sou Buda e nem uma espécie de santo. Pelo contrário, sou uma pessoa absolutamente normal. Não, nem sangue eu ainda doei, e se comparado com muitas pessoas é bem provável que o que eu faço pelos outros ou pelo universo seja algo absolutamente diminuto. Mas, mesmo jovem e entrando numa faculdade de ponta, eu não via sentido como objetivo de vida ter muito dinheiro dinheiro, cargos importante,  exercer poder, etc.

                Quando me tornei Procurador Federal isso mudou um pouco. Pessoas te chamam de Dr., você ganha uma identificação pessoal personalizada, as pessoas o respeitam mais por você ter esse cargo. Assim, dos 24 aos 26 anos eu me seduzi um pouco com essa perspectiva que sempre foi estranha a mim. E o que é mais patético é que um cargo de Procurador Federal não quer dizer absolutamente nada, não é nem mesmo algo com prestígio e poder como um Senador ou um Cantor de Rock de uma banda super famosa.

                Por experiências próprias, ainda bem, eu acordei desse torpor muito cedo, mas cai em outro que foi o da acomodação. Jovem, salário extremamente alto, imóvel bom próprio quitado, horário livre, isso tudo me fez acomodar, no que muitos chamam “algemas de ouro”. O trabalho, além de me agregar pouco além do dinheiro, não me trazia qualquer sentido. Sim, a crise de sentido estava latente, eu de certa maneira sabia disso, mas procurava afastar essa ferida clara com racionalizações sobre o bem-estar financeiro e a sorte de ter um determinado cargo. Apesar de sempre raciocinar algo como, “eu trocaria esse cargo por um trabalho que pagasse apenas minhas despesas se eu fosse feliz nessa nova empreitada”, o fato era que a paralisia tomava conta.

                Algumas questões ruins no trabalho ficaram piores, o que me levou a procurar o tema “viver de renda”, o que me levou a um blog chamado “viver de renda”, e a partir daí eu comecei a devorar material sobre finanças. Chegou uma época que metade de uma mala que eu trouxe dos EUA, quando morei na Califórnia por alguns meses, foi de livros sobre finanças em Inglês (devem ter sido uns 20-25 livros).  Era isso, precisava viver de renda, não trabalhar, ser independente financeiramente, e se para isso eu precisasse ler um calhamaço (e na época ler em inglês assuntos técnicos não era tão fácil para mim como hoje) de 700 páginas com letras pequenas, eu o faria.

                Acumulei patrimônio, ganhei uma quantidade razoável de dinheiro comprando e vendendo imóveis em leilão, tive a sorte de estar numa família estruturada, e quando me dei conta o meu patrimônio acumulado era mais do que suficiente para viver bem. Aliás, era muito maior. Então daí, por ser conservador em relação a finanças (na verdade por ser medroso mesmo, quantas vezes eu não calculei e recalculei a probabilidade de não ter dinheiro nem para  as necessidades básicas, o que, tirando uma guerra civil é uma possibilidade remotíssima) , eu tirei da cartola a ideia de ter duas independências financeiras: uma em ativos no Brasil e outra em ativos no exterior, como se fossem dois patrimônios separados. Precisava ter feito isso? Definitivamente, não. Porém, foi a forma de me "convencer" de que eu estaria completamente seguro financeiramente.

                Larguei o cargo de Procurador Federal, continuei comprando e vendendo imóveis, e hoje em dia posso dizer que tenho essas duas IF(s), apesar de para concretizá-la eu ter que vender muitos imóveis que estão no meu Patrimônio Líquido, já que decidi não comprar mais imóveis e há seis meses não olho mais “oportunidades” em leilão. Sim, eu descobri que estava "viciado" em procurar oportunidades de comprar por algo por 0,5 e vender por 1. Sim, quem não quer ganhar retornos altos, mas eu percebi que por mais que não fosse um trabalho enorme, e não o é principalmente em alguns casos que se resolvem rápido, isso estava e ainda está drenando um pouco da minha energia vital. E os 40 anos chegando daqui um ano e pouco, eu preciso fazer escolhas mais inteligentes sobre como alocar o meu tempo e minha energia finita.

                Portanto, hoje sou independente financeiramente duas vezes. E isso me trouxe satisfação? Sim, trouxe, no sentido de ter largado um trabalho que não gostava. Porém, para ter largado esse trabalho, e para ter a vida que gosto de ter, eu precisava de muito, mais muito menos, e isso resultou em anos a mais travalhando em algo que não me trazia sentido. São anos que não voltam. São anos como jovem com disposição que se foram. Não me entendam mal, eu vivi bem esses anos. Diverti-me, viajei pelo mundo nas minhas férias, amadureci, mas o fato é que uma parcela importante da minha vida devotei a algo que não me trouxe muito sentido, apesar de ser grato por ter aprendido muitas coisas sobre mim mesmo, as pessoas e a vida no cargo de Procurador.

                O que eu faço atualmente? Eu sou pai. Eu me exercito. Eu leio muito. Nas últimas semanas, por exemplo, venho vendo vídeos e mais vídeos sobre bioquímica, e tenho me apaixonado pela matéria. Saber como o nosso corpo produz energia por meio da Cadeia de Transporte de Elétrons, por exemplo, e ver isso em detalhes, ver que é um processo que envolve dezenas de enzimas, reações, etc, é muito interessante.

                Eu gosto de aprender sobre as coisas.  Isso preenche minha vida de sentido? Não. Melhor dizendo, sim isso dá sentido a minha vida, mas apenas isso não é suficiente. Essa é uma das constantes batalhas mentais travadas no interior do meu cérebro, o sentido da vida, o sentido da minha existência, e sim eu sempre penso que devo achar algo para que eu possa de alguma maneira impactar o mundo de forma positiva.

                Porém, mesmo sem estar realizando uma atividade que esteja “impactando o mundo de forma positiva”, consigo observar claramente aspectos da existência que tornam nossas vidas mais felizes, mais significativas e mais coloridas. Interação humana é um desses aspectos.

                Seja com vizinhos, com colegas de trabalho, com membros familiares, com desconhecidos de uma comunidade, a interação que você tem com todas essas pessoas, especialmente a qualidade da mesma, impacta necessariamente a sua qualidade de vida para melhor ou pior, e ouso dizer por via de conseqüência o próprio sentido que atribuímos à vida.

                Esse é um dos grandes motivos de eu ter reflexões às vezes políticas ou ideológicas sobre alguns temas tendo como pano de fundo esse aspecto primordial: a interação humana. Lembro-me de um texto escrito por um blogueiro bem divertido e com textos inteligentes chamado “Sr. Madruga”, onde ele contava o episódio de uma mulher, muito provavelmente viciada em alguma droga pesada como crack, revirando o lixo e sendo agredida verbal e fisicamente por um policial, sob o riso de algumas pessoas do condomínio do Sr. Madruga (se não me engano eram lixeiras do prédio onde ele morava).            

                Não, é evidente que eu não gostaria de uma viciada revirando os lixos do meu condomínio, mas quão doente não está uma sociedade quando interações entre seres humanos acontecem da forma narrada pelo blogueiro, e quando algumas pessoas acham isso até mesmo engraçado ou divertido. Na minha visão, alguma coisa se rompeu. Porém, além disso, eu acho que até mesmo a busca de um sentido mais profundo e significativo para a vida fica mais difícil quando a qualidade de algumas interações que temos com outros seres humanos se dá nesses termos.

                Não se trata de ser de esquerda ou direta, de policiais, bandidos, assistência social, etc, a meu ver ao menos, mas de algo mais profundo: o reconhecimento de que as nossas próprias vidas são impactadas positiva ou negativamente a depender de como uma gama de relações nossas se desenrolam.

                Portanto, parece-me evidente que a esmagadora dos seres humanos achará mais bem-estar em ter relações humanas fortalecidas, do que possuir um automóvel mais potente ou uma casa de luxo num condomínio. Boa parte das pessoas, estimuladas por um sistema produtivo e de marketing, às vezes é cega a essa realidade óbvia. Muitas vezes é preciso uma doença, um trauma, o passar dos anos, a saída de casa dos filhos, para que o vazio se materialize quando percebemos que o que traz bem-estar não necessariamente necessita de uma soma grande de dinheiro.

                Eu sinto-me satisfeito com a vida. Eu sou bem resolvido comigo mesmo. Ter dinheiro o suficiente para não me preocupar com horários, trabalhos que não gosto, e poder ler, surfar, treinar crossfit, e principalmente ser um pai presente, é algo muito positivo que advém do que se pode chamar independência financeira. Negar isso seria tolice, sou muito agradecido por ter a oportunidade de ter a vida que levo. Porém, a independência financeira por si só não vai fazer com que sua vida ganhe mais sentido, ou suas relações humanas melhorem, talvez a independência financeira seja um facilitador para pessoas medrosas como eu. 

     Tenho absoluta certeza, eu já encontrei diversas pessoas assim no Brasil e pelo mundo, que o sentido da vida era algo tão claro e cristalino para elas, que independente da quantia de patrimônio acumulado que elas possuíam, o caminho delas pela vida era pautado pelo sentido e satisfação pessoal, sem a necessidade  de grandes cálculos para saber se um patrimônio aguenta retiradas até os 95 anos, por exemplo. Talvez, apenas talvez , mais dinheiro torne as pessoas cada vez mais cautelosas e receosas de ir atrás de destinos mais luminosos para a sua existência. Não caia nessa armadilha, dê ao dinheiro o devido valor que ele tem, mas não mais do que isso.


                É isso, colegas, tentei fazer um texto mais “pessoalizado”, mas creio que falhei no intento. Porém, mesmo assim, espero que algumas pessoas tenham proveito da leitura.
               
Um abraço!

quinta-feira, 23 de maio de 2019

O BEBÊ QUE TODOS NÓS JÁ FOMOS UM DIA


                Você consegue se imaginar como um bebê, prezado leitor? Melhor ainda, será que você acha possível imaginar aquela pessoa mal-humorada numa fila de supermercado como um bebezinho de quatro meses descobrindo que é possível fazer sons com a boca? Não consegue pensar? Consegue? Nunca pensou nisso? Essa reflexão é uma perda de tempo?

                Quem se torna Pai, ou Mãe, e tem a possibilidade de passar bastante tempo com o bebê é transportado para “outra realidade” de vida.  Há uma expressão em língua inglesa que se chama “take for granted”. A tradução é alguma coisa como achar que  algo existe ou deve existir sem se refletir que esse algo poderia não existir.  Eletricidade, por exemplo. Qual leitor do meu blog não acredita que Eletricidade é algo que existe, algo que deve existir, e a própria inexistência de eletricidade é um cenário inimaginável?  Porém, para cerca de um bilhão (com B de bola) de seres humanos como eu, ou você prezado leitor, o acesso à eletricidade é algo inexistente ou escasso.  Logo, a eletricidade que nós “take for granted” é algo que inexiste na vida de uma infinidade de pessoas.

                A lista é grande de coisas que não percebemos quão valiosas são por acreditarmos que elas existem como o ar: saúde, relações familiares saudáveis, relações comunitárias coesas, ar limpo, ausência de guerra e destruição do tecido social, fome, etc, etc. Quanto mais evoluímos na satisfação de necessidades básicas materiais, e quanto mais deixamos os piores aspectos da natureza humana controlados em sociedades com marcos institucionais mais estáveis, temos a tendência de esquecer a beleza de certos fatos e a fragilidade de certos arranjos e estados de coisas.

                Em minha experiência pessoal, e na minha jornada nesse planeta, eu cada vez  mais percebo que um dos caminhos para um maior bem-estar, e por via de conseqüência uma maior empatia para com outros seres humanos e até outros seres vivos, é a reflexão , e a gratidão que advém desse ato, de ser feliz e agradecido simplesmente por ter saúde, não viver num campo de refugiados, ter tido uma infância feliz, possuir alguns bons amigos, morar num bairro onde as pessoas se cumprimentam na rua, etc, etc. Ou seja, é ser conscientemente agradecido por uma série de coisas que no dia a dia nós "take for granted".

                Essa reflexão, com o nascimento da minha filha, foi levada a um passo ainda maior. Um bebê de seis meses, a idade da minha filha, mal consegue ficar sentado, não engatinha, tem como única forma de comunicação choro e alguns gritos e precisa de vigilância quase que 24 horas por dia.  Talvez não seja estranho para outros pais de recém-nascidos, mas quando eu toco no corpo da minha companheira me vem uma sensação de “nossa, como o seu corpo e rosto são enormes”.  Eu muitas vezes me pego olhando para pessoas na rua andando, falando, olhando um celular, discutindo, trabalhando e penso que todos esses seres humanos já foram obrigatoriamente bebezinhos como a minha filha que não eram capaz de realizar nenhum dos atos que consideramos triviais como andar e falar.

                Todos, sem exceção. O Bolsonaro já foi um dia um bebê. Lula também por mais difícil que se possa imaginá-lo como um bebê. Um estuprador também um dia já foi uma criança, assim como o Bill Gates ou o Warren Buffett. Todos já foram um bebê indefeso e completamente dependente de um adulto. Todos tiveram que aprender a comer uma fruta, a andar, a se comunicar com outra pessoa, a amar, a detestar, ou seja, a se tornar um ser humano funcional.

                Esse tipo de pensamento me torna uma pessoa ainda mais tolerante. Quando alguma situação me estressa, agora me pego pensando que aquela pessoa que na minha visão está interferindo negativamente na minha experiência presente já foi um adorável bebê. É impressionante. Quando isso ocorre, qualquer sensação de raiva ou ira se esvai quase que instantaneamente.  Às vezes o efeito é tão forte que eu até me solidarizo com a pessoa, e tento, nem que de uma maneira interna, me conectar de forma empática.  Afinal, o que será que aquela criança não passou? Será que ela teve a oportunidade de ser amada com tanta intensidade como a minha filha o é? Quantas sombras será que não foram criadas nesse agora adulto por causa de hábitos ou atos de seus cuidadores?

                Eu não tenho a menor dúvida (aliás, dúvidas sempre devemos ter, melhor dizendo acredito ser uma boa explicação) de que as frustrações, ansiedades, neuroses, animosidades, que vemos no nosso dia a dia e em nós mesmos nada mais são do que sombras gestadas em nossos primeiros anos de vida.  Há uma autora que se especializou apenas nesse tema e chama-se Laura Gutman. Qualquer mulher grávida (e alguns pais, mas poucos) mais atenta e curiosa já ouviu falar do livro “A Maternidade e o encontro com a Própria Sombra”.


                Qual não foi a minha surpresa ao escutar um dos últimos podcasts do Joe Rogan ao ouvir dele que a sua maturidade e transformação num ser humano mais tolerante com os outros, ao menos uma parte significativa dela, veio de fazer o exercício de imaginar as pessoas como crianças pequenas (algo que ele começou a fazer depois de ser Pai). Talvez poucos conheçam o Joe Rogan aqui no Brasil, mas o podcast dele talvez seja o maior do mundo. A audiência dele muitas vezes equivale a programas de televisão das maiores emissoras americanas.

                Joe Rogan é um comediante e comentador de lutas marciais que iniciou um podcast há alguns anos. Hoje em dia, ele é uma referência. Suas entrevistas duram algo em torno de 2 a 4 horas. É um cenário simples, uma mesa e ele fazendo perguntas. É um bate papo. Você não leu errado, muitos podcasts tem três horas e meia até quatro horas de duração. Ele entrevista todos os tipos de pessoas, de todos os vieses políticos e ideológicos, neurocientistas, filósofos, etc. O que tem de fantástico nesse formato é que ele realmente é curioso em saber o que a pessoa pensa independente do seu próprio posicionamento sobre um determinado assunto. Ele gosta de caçar, por exemplo, mas se ele entrevistar alguém que abomina a caça de animais ele com certeza tentará da melhor maneira possível representar com fidelidade o pensamento do entrevistado. E isso é uma maravilha. 

                No Podcast número 1295 ele entrevistou a candidata à indicação democrata para a Presidência dos EUA Tulsi Gabbard. A entrevista foi ótima, e a candidata ,que eu não conhecia, foi uma grata surpresa positiva.  Mais ou menos com uma hora e dez minutos de entrevista, o Joe Rogan fala sobre essa questão de imaginar as pessoas como bebês ao contar o que ele sentiu ao observar uma senhora absorta nessas máquinas de roleta num cassino nos EUA. Eu já vi essa cena algumas vezes quando estive em cassinos, e ela realmente é deprimente.  Porém, ao reformular a imagem, e imaginar aquela senhora como um bebê, o pensamento que veio a cabeça dele foi algo como “o que será que aconteceu na vida dela para ir de um bebê cheio de potencialidades para uma senhora solitária jogando um jogo sem sentido de maneira irrefletida?”.

                Isso não é pouca coisa, isso é muita coisa.  Os pais possuem uma responsabilidade enorme, não em fazer com que os seus filhos consigam estudar em faculdades de prestígio ou estejam preparados para ganhar dinheiro, mas em proporcioná-los uma primeira infância repleta de amor, carinho e empatia, para que possam se transformar em adultos sem sombras tão profundas.  A nós adultos machucados em maior ou menor grau talvez caiba olharmos uns aos outros com mais empatia, reconhecendo a criança inocente e curiosa que algum dia habitou o corpo agora adulto.

                Isso quer dizer que estupradores não devem ser punidos ou ter os seus atos reprovados? Não, evidentemente que não. Isso significa que não podemos ficar genuinamente insatisfeitos com o comportamento agressivo ou inconveniente de outros seres humanos? Não, evidentemente que não. Apenas significa que cada um de nós pode, e o mais importante tem a possibilidade de controle, olhar para as imperfeições alheias de forma muito mais suave e empática, e isso, prezados leitores, é um alívio tremendo em nossas vidas.

Quem tiver interesse e compreende razoavelmente bem o inglês falado esse é o pedcast mencionado.

                Um grande abraço a todos!

sexta-feira, 10 de maio de 2019

A DEPUTADA TABATA AMARAL E O HOTEL DE UM MILHÃO DE DÓLARES


-“Where are you goin?”
-“Hotel xxxxxx“
-“Conheço um bom hotel, quanto você quer pagar pelo hotel?”
-“Queremos pagar U$ 1 milhão”.
-“Como?”
- “Sim, queremos pagar U$ 1 milhão”
Silêncio

                Isso aconteceu em Delhi quando eu e minha companheira pela enésima vez pegávamos um tuk-tuk para ir ao hotel que tínhamos decidido ficar. Poucas pessoas viajam a Índia. Raríssimos brasileiros viajam a Índia. Dos Brasileiros que viajam a este incrível, difícil, complexo e milenar país, quase todos ou vão a trabalho ou vão para alguma viagem temática de meditação, yoga, etc. Fazer “mochilão” pela Índia, ainda mais viajando de trens populares (terceira categoria), se hospedando em lugares simples e indo para diversas cidades, é uma raridade extrema entre brasileiros. Até mesmo estrangeiros. A Índia, ao menos quando fomos em 2010, não é um país turístico, apesar de ser um Universo, assim como a China, em si próprio.

                Não é fácil viajar de mochileiro pela Índia. Viajar como mochileiro junto com a namorada é ainda mais difícil. Nossa, por quantas situações ela passou, e eu tive que começar a pensar mais seriamente sobre as dificuldades que as mulheres passam simplesmente por serem mulheres, dificuldades estas que a maioria dos homens, ao menos brasileiros, podem tranquilamente ignorar pela conveniência dos costumes arraigados.

                Porém, entrar num tuk-tuk e o motorista querer desviar a rota para levar a outra destinação era quase que um ritual. Estávamos acostumados, e isso nos incomodava bastante no começo, até que minha companheira teve a brilhante ideia de inventar respostas absurdas como essa de querer pagar um milhão de dólares por um quarto. Indianos obviamente não estavam acostumados com respostas como essas, e ficavam quase sempre desconcertados, resultando numa resposta efetiva e engraçada.  

        Existiram muitas outras. Uma vez andando na rua pela milésima vez um comerciante perguntou se éramos amigos, namorados ou casados (a esmagadora maioria o fazia por curiosidade e ingenuidade, uma minoria por maldade, neste caso o cara estava de sacanagem), ela se virou e perguntou ao homem se ele era casado ou não, ele respondeu que sim e perguntou por qual motivo ela queria saber, e ela respondeu que eu estaria procurando uma segunda esposa, auch, o cara ficou incrédulo, sem palavras e nervoso ao mesmo tempo. E essa era a nossa primeira viagem depois de apenas um ano de namoro.

                Eu lembrei da história do Tuk-Tuk e do um milhão, ao ver mais uma entrevista da jovem e cativante Tabata Amaral.  Ao ser perguntada sobre o ambiente no Congresso Nacional, se seria fácil para uma mulher jovem como ela, a mesma disse que era um dos ambientes mais tóxicos e difíceis que ela já tinha enfrentado (e olha que ela deve ter enfrentado muita coisa para chegar onde está). 

      Ela então contou que tinha sido barrada diversas vezes, inclusive recentemente, na Câmara Federal onde é deputada. Quem conhece Brasília sabe que lá é a cidade dos broches. Se a pessoa não conhece Brasília, e o serviço público, talvez não faça a mínima ideia do que se está falando. É comum as pessoas usarem broches identificando o cargo que ocupam (procuradores, juízes, deputados, ministros, etc). Em minha opinião, a maioria o faz para impressionar, mas o broche também serve para evitar burocracias de entrar em prédios públicos. Um dos seguranças da Câmara perguntou a Tabata onde ela havia achado o broche, e ela respondeu “no chão”.  Ai ai, que resposta brilhante, assim como a resposta de um milhão de dólares. O que a pergunta do segurança não diz sobre nossa política, nossa sociedade, nossos padrões de costumes, e ao invés de ódio, rancor, gerou apenas uma forma inteligente, lúdica e divertida de resposta da deputada. Essas mulheres e suas respostas maravilhosas.

                Já vi algumas entrevistas da Tabata, ao todo devo ter escutado umas quatro horas. Que jovem impressionante. Dá orgulho de ter mulheres jovens assim assumindo cargos importantes. Eu, papai de uma menina incrível de quase seis meses, só posso ficar feliz com isso, e torcer para que mais “Tabatas” surjam nesse país, que ela seja o farol para muitas crianças, jovens, e por que não mulheres mais maduras? Com certeza, se isso acontecer, ela, minha doce filha, talvez possa crescer num país muito mais cordial e equilibrado em relação às mulheres, e isso é algo que desejo muito para ela.

                Na supracitada entrevista, a deputada fala sobre como as pessoas não suportam e ficam extremamente incomodadas com aquilo que não é facilmente “rotulável” ou que é incognoscível.  Ela foi ao ponto. Nesse blog em alguns artigos já tratei de vieses cognitivos. Tudo o que nosso cérebro deseja, ainda mais se não treinado a reconhecer vieses, é usar o sistema 1, o modo automático de reflexão. Nesse sentido, para um auto-declarado direitista é muito mais cômodo ler um texto de um esquerdista, e vice-versa, as reações de repulsa serão automáticas, do que ler um texto que provoque reflexão. O difícil é quando algo diferente surge, pois aí é necessário recrutar o sistema 2, o sistema ligado a reflexão que demanda energia cerebral. Assim como a tendência é o sedentarismo físico, a tendência natural, ainda mais se não praticado, é o “sedentarismo de pensamento”. Portanto, indivíduos, textos e ideias que desafiam o sistema 1 costumam ser muito mais “desconfortáveis” às pessoas.

                 Num ambiente mais sério, aberto e inteligente, o desafio às crenças arraigadas no sistema 1 costuma levar ao progresso das próprias idéias, pessoas e agrupamentos sociais, pois recruta o sistema 2 e faz com que os costumes, ideologias, teorias estejam rotineiramente sendo (re)testadas, provadas e, se for o caso, refutadas. Não é à toa que esse é o cerne do pensamento científico moderno.

                Em ambientes mais fechados, menos inteligentes e mais brutalizados, o desafio ao sistema 1 costuma ser acompanhado por um fechamento total do sistema 2 e um enraizamento ainda mais forte das idéias, costumes, valores, pré-concebidos que vem à mente de forma automática. Isso quase sempre se faz tentando rotular, ou encaixar, a ideia aparentemente conflitante em algum sistema prévio de mundo gerado pelo sistema 1, o que geralmente causa monstrengos argumentativos e ideológicos.

                Infelizmente, o Brasil caminha a passos largos para a segunda situação. Estamos adentrando numa era das trevas, onde a idiotia e maluquice se transformaram em atributos venerados, sendo a inteligência e o bom senso zombados. Resta apenas torcer para que essa era desmiolada não dure tanto e os estragos não sejam tão profundos, mas eu tenho sérias dúvidas que essa visão mais otimista seja a mais provável.

                Porém, ao invés de ser um texto lamurioso, deixei apenas um parágrafo (o anterior) seguir essa toada.  Após alguns meses sem escrever, e algumas mensagens perguntando sobre o meu sumiço (o que agradeço de coração), pensei em escrever mais um texto sobre como compreender artigos científicos. Pensei em falar sobre a maluquice que atualmente vivemos, que chegou a níveis que eu imaginei ser impensáveis. Porém, achei melhorar focar em coisas positivas que vem ocorrendo.

                Saída de uma comunidade periférica, prosperando em olimpíadas do conhecimento, conseguindo estudar com bolsa de estudo numa das maiores, senão a maior, universidade do mundo, engajando-se na área mais importante para que nosso país possa ter um futuro melhor, a jovem, a mulher, a deputada, Tabata Amaral é um belíssimo exemplo de um Brasil que pode sim dar certo. Pode dar certo do seu jeito. 

       Imagino que seja difícil mesmo ver uma mulher jovem vindo da periferia, mas com formação em Harvard, que se expressa bem, mas não frequentou escolas caríssimas quando criança, que defende os seus pontos de vistas com firmeza (como deve ser), mas que , ao menos eu nunca vi, não levanta o tom de voz ou é desnecessariamente agressiva, é muito diferente da imagem usual de uma mulher jovem de uma comunidade periférica. Ora, na verdade é uma raridade em tempos de "filosofia por meio de memes".  Deve ser muito difícil para algumas pessoas encaixarem tudo isso no sistema 1, e como o sistema 2 pode estar um pouco enferrujado, a dissonância é grande, assim como a reação emotiva. Porém, em muitos, com certeza a deputada causa uma esperança de que coisas boas podem acontecer nos lugares mais improváveis.

A Deputada Federal Tabata Amaral

                Ao chegar ao fim desse texto, me dei conta que domingo é dia das mães. Desde já fica uma homenagem às mães. Não uma homenagem vazia, mas uma cheia de admiração e respeito. Carregar por nove meses uma criança, amamentar, se preocupar 24 horas com um bebê, e ter um amor incondicional por outro ser humano é algo que eu só posso classificar como sagrado. Não desmerecendo religiões organizadas, mas se quer ver o sagrado acontecendo, talvez não procure numa missa ou num culto, mas olhe uma mãe cuidando do seu filho.  À minha mãe fica a admiração e respeito por ter me criado. À minha companheira, agora mãe, fica a minha admiração e respeito por estar criando minha filha da melhor maneira possível. E à minha filha, bem, fica o meu amor e agradecimento por entrar em minha vida.
               
Ah, quem não sabe ou nunca viu, isso é um Tuk-Tuk

        Um abraço a todos!