terça-feira, 23 de agosto de 2016

NÃO "SE VENDA", APAIXONE-SE. NÃO FAÇA NETWORKING, FAÇA AMIGOS

Olá, colegas. Depois de semanas intensas em partes remotas da Mongólia, estou na Rússia! Uau, é um privilégio poder visitar este país detentor de uma cultura e história tão diversa e rica.  Estou na capital da República de Burtyatia (Ulan Ude). Há uma grande presença de pessoas da etnia Mongol e budistas por aqui. Aliás, ontem foi bem interessante ver jovens bem loiros tipicamente russos interagindo com jovens com aparência tipicamente mongol. Na bem da verdade, há dezenas de Repúblicas, regiões com autonomia, na Rússia. Há até mesmo uma região autônoma Judia. Tudo muito interessante. Passadas as preliminares, vamos ao tema do presente artigo.

  Eu acredito que cultivamos no nosso dia a dia relações adoecidas. Isso era muito claro para mim há muito tempo, mas depois de quase 17 meses na estrada a sensação aumentou significativamente.  Há situações evidentes disso, e basta andar em alguma cidade brasileira, ou em certo grau em qualquer outra cidade do mundo, para presenciar isso. Se observarmos as diversas interações que ocorrem em mídias sociais como o Facebook, por exemplo, a situação fica ainda mais cristalina. Entretanto, aqui eu quero tratar de aspectos mais sutis que na minha opinião mostram a deterioração da nossa qualidade de vida sobre a perspectiva de interações humanas mais saudáveis.

  
  Como eu tratei num artigo há pouco tempo Newspeak, Neve e A Distorção da Realidade, as palavras, ou seja a forma que usamos para expressar verbalmente a realidade, são importantíssimas e dizem muita coisa sobre uma pessoa, uma sociedade e um tempo histórico.  É possível estabelecer significados para além da simples literalidade de uma palavra, a depender do seu uso e contexto.  É baseado nisso que se pode afirmar com uma dose de convicção bem grande que expressar o relacionamento com outros seres humanos pelo termo amizade ou networking diz muito a respeito de como interagimos uns com os outros.

  Hoje em dia, especialmente em blogs de empreendedores ou de finanças, usam-se diversas palavras para expressar como deveríamos nos portar em relação a nós mesmos e aos outros. Alguns espaços parecem que descobriram a pedra filosofal ao escreverem sobre certos temas, não se dando conta, como disse Eclesiastes na Bíblia,  "que não há nada que seja novo debaixo do sol”

  Portanto, que tipo de mensagem e atitude humana está por trás da ideia que devemos saber vender a nós mesmos? Quantas vezes não li que uma pessoa de sucesso é aquela que sabe se vender, ou seja, consegue fazer com que os outros observem o(s) valor(es) dessa mesma pessoa. Se eu “me vendo” corretamente, as pessoas “me comprarão”, e com isso poderei prosperar na vida, principalmente no sentido financeiro e profissional, pois o meu valor aos olhos dos outros será alto. Penso, reflito, penso novamente, e não consigo achar outra definição que não seja doentia para essa forma de expressar sucesso financeiro e profissional. 

  “Mas, Soul, não funciona? Pessoas que “se vendem” não alcançam sucesso financeiro?”. Talvez, é bem provável que muitas pessoas consigam. Mas a que preço? Talvez o preço seja muito alto. Talvez seja a decepção no final da vida, como é retratado no livro da  enfermeira australiana Bronnie Ware "The Top Five Regrets of the Dying - A Life Transformed by the Dearly Departing" sobre os arrependimentos das pessoas no final da vida. Tenho certeza que muitas dessas pessoas arrependidas no final da vida usaram a mentalidade do “vender-se” a si mesmo para o mundo. 

  E se ao invés de você tentar vender a si mesmo para o mundo em busca de prosperidade profissional, você se apaixonar pelo que faz?  Não há nada mais poderoso que a paixão. Pensamos muito na paixão do ponto de vista amoroso ou sexual, mas pouco do ponto de vista de como viver a vida. Eu, na minha viagem, já convenci muitas pessoas a mudarem roteiros para visitar determinados locais. Sabem porque isso aconteceu? Simplesmente, porque eu falei com paixão sobre esses lugares e as pessoas reconheceram a minha paixão. 


  No célebre discurso do Steve Jobs para graduados de uma universidade americana, o que nos chama tanta atenção? Por qual motivo é tão hipnótico? Por que ele tenta se vender? Não, porque ele fala com paixão sobre a vida e sobre o seu trabalho. Não há nada mais poderoso do que a paixão para chamar atenção e convencer outras pessoas. 

  Agora, para se falar com paixão, é preciso viver a vida apaixonado. Isso se refere a todas as esferas de nossas vidas, sendo o trabalho apenas mais uma delas. Seja apaixonado pelo que você faz, e muito provavelmente as pessoas perceberão e darão muito valor a isso, inclusive na forma de retornos financeiros. Quando alguém tenta se vender, sem paixão, os retornos financeiros podem vir, mas é quase certo que com arrependimentos no final da vida. Afinal, vale a pena viver uma vida sem ser apaixonado pela mesma? 

   O mesmo vale, talvez com mais força, para a expressão networking. Hoje, é utilizada por quase todos. “Vou fazer um curso X, porque meu networking pode aumentar”. "Vou agir dessa determinada maneira, porque daí posso conhecer mais pessoas e o meu networking aumentar e isso será melhor para mim”. De novo, penso, reflito, penso novamente, e não consigo achar outra definição que não seja relações adoecidas para essa forma de encarar o mundo e as relações humanas.

   Ao invés de fazer networking, que é uma definição que nada diz sobre a qualidade das relações entre as pessoas, por que não fazer amigos? Há algo melhor do que amizade? Não, não há. Amizade é a chave para entendermos e alcançarmos estágios felizes de existência. Muitas das minhas alegrias nessa viagem, e pensando em retrospectiva na minha vida como um todo, só foram possíveis por causa do meu envolvimento com outras pessoas de uma forma harmônica. Como é bom ter amigos, mesmo que sejam pessoas que você conhece há pouco tempo, e poder compartilhar momentos com estas pessoas.

  Portanto, ao invés de fazer um MBA para criar uma networking maior, porque não fazer um curso de MBA para adquirir mais conhecimentos e fazer amigos? Por que não ver os outros seres humanos como potenciais amigos e não apenas meios para que você consiga alguma coisa? Além de ser melhor para a forma como você interage com outras pessoas, e via de consequência para a sua qualidade de vida, é mais eficiente como forma de ganhar dinheiro. Quando fazemos amigos, ganhamos a sua confiança. É muito mais fácil fazer negócios ou criar relações com pessoas que confiamos e que confiam na gente. Para mim isso é apenas uma consequência, eu realmente não ligo muito para isso, o que realmente importa é um relacionamento saudável com outros seres humanos. Se o sucesso financeiro é tão importante para tantas pessoas, saibam que ele é muito facilitado quando se tem amigos.  Entretanto, quem apenas quer se “vender" sem possuir paixão pela vida ou pelo que faz, pensado apenas em criar relações com outros para sucesso financeiro, muito provavelmente não fará amizades. 


  Logo, meus colegas leitores, apaixonem-se mais pela vida e façam mais amigos. O seu “Eu" à beira da morte no futuro, irá agradecer muito. Quem sabe até mesmo o seu portfólio financeiro irá se beneficiar disso.

Apaixonando-me mais ainda pela Vida. Primeiro dia de hike no Tavan Bogd National Park, no remoto Far West da Mongólia. Literalmente, na fronteira entre Mongólia, Rússia e China

  Um grande abraço! 






terça-feira, 9 de agosto de 2016

A TOLICE DE SE TORCER PELO INSUCESSO DOS JOGOS OLÍMPICOS NO BRASIL

Olá, colegas! Como estão? Por aqui tudo ótimo. Depois de alguns dias estou dormindo numa cama, com chuveiro quente e banheiro. Estou na cidade de Olgii, extremo oeste da Mongólia. A jornada até aqui foi isso mesmo: uma verdadeira jornada. A quantidade de beleza que vi nessas duas últimas duas semanas é algo indescritível. Não há palavras, muito menos de um escritor mediano como eu, para transmitir o que está sendo essa viagem.

    Entretanto, antes de dormir, e antevendo que ficarei mais duas semanas sem internet até chegar à Rússia, resolvi escrever uma breve reflexão. Eu não vi a abertura dos jogos olímpicos, o que foi uma pena, pois realmente gostaria de assistir. Aliás, eu quase não sei o que está acontecendo com o país em termos de noticiário. Hoje, tentei ler algo, mas desisti, pois era muita coisa . Aliás, “muita coisa” é um exagero, talvez seja exatamente a “mesma coisa” apenas escondida numa cacofonia de informações que serve apenas para tornar as pessoas viciadas num estágio anti-reflexivo. Porém, isso é tema para um outro artigo.

  Fui surpreendido ao receber uma mensagem de um amigo espanhol dizendo que a abertura dos jogos tinha sido muito bonita. Receoso, como muitas outras pessoas, de que algo muito ruim pudesse acontecer, fiquei aliviado ao saber que ao menos a cerimônia de abertura transcorreu de forma tranquila. E por qual motivo se preocupar com isso? Qual é a importância disso para um desempregado ou alguém que não tem acesso a um tratamento médico decente quando se está doente? A resposta sincera, e ao meu ver correta, é Nenhuma. Para alguém que padece de algum mal significativo, os jogos olímpicos, mesmo que realizados no Brasil, talvez não signifiquem nada. 

  Se assim o é, por qual motivo  eu tinha algum receio? Há algumas pessoas, umas de boa-fé outras nem tanto, que acreditam que por meio da humilhação, da expiação pública, algo defeituoso possa ser consertado. Eu costumava pensar assim para alguns tópicos, principalmente quando tinha um pouco mais de rancor no coração. Querem um exemplo prático? Eu torço para o Santos. Quando era mais jovem me importava, hoje nem tanto. Quem se lembra um pouco, o torcedor santista com certeza recorda, sabe que o Santos foi diversas vezes prejudicado por causa da Seleção Brasileira de futebol. O motivo? O calendário do futebol brasileiro é tão mal feito, que jogos oficiais da seleção muitas vezes coincidem com jogos dos times nacionais. Isso faz com que times que possuem bons jogadores sejam prejudicados quando de convocações, numa lógica de incentivo reverso difícil de entender. Lembro-me de uma Libertadores de 2005 que os dois principais jogadores do Santos não puderam jogar uma partida decisiva pelas quartas-de-final. Isso acontece na Europa? Alguém imagina o Barcelona jogando um jogo decisivo na UEFA Champions League sem o Neymar e o Messi por causa de jogos de seleção? É simplesmente impensável. Mas no Brasil acontece. 

  O sistema que gerencia o futebol nacional é tão apodrecido que coisas como essa acontecem. Assim, pensava que a derrota da seleção do Brasil iria trazer mudanças para o futebol nacional. Logo, nunca fui muito fã da seleção de futebol nacional. Uma derrota acachapante de 7x1 para a Alemanha só poderia ser a coroação de um processo que levaria a mudança do futebol brasileiro para melhor. Ora, como as coisas poderiam ser as mesmas, depois de uma humilhação pública desse porte, ainda por cima em solo nacional? 

  Fazia alguns meses que não via nenhuma notícia do Santos. Soube que há uma nova geração de talentos, não há nenhum clube do Brasil que se aproxime do Santos no quesito revelação, e que desfalcariam o Santos por causa da Seleção. Algo mudou? Não, absolutamente nada. E dificilmente irá mudar.

  O Congresso Nacional é diariamente submetido ao escárnio público pelas mais variadas razões: corrupção, falta de inteligência dos seus membros, clientelismo da pior espécie, etc, etc. Ultimamente, o nível vem caindo a patamares impensáveis até pouco tempo atrás. Sempre nos iludimos enquanto nação que depois de um grande escândalo de corrupção, depois de um processo grande de humilhação, nosso sistema político tomará um jeito. E o que acontece? Sempre nos frustamos.

  A humilhação nem sempre é um caminho inteligente para melhorar o que quer que seja. Talvez em certos casos possa haver alguma utilidade prática interessante, como na história de uma motorista que foi obrigada por um juiz americano a usar uma placa na rua mais movimentada de uma cidade com os dizeres “Eu sou uma idiota” por ter feito uma ultrapassagem ilegal e ter colocado em risco a vida de crianças num ônibus escolar. 

  Mesmo feita a concessão do parágrafo anterior, é uma ilusão achar que alguma coisa no Brasil iria ou irá melhor com o fracasso total dos jogos olímpicos. Aliás, não há nem mesmo qualquer conexão lógica com o insucesso dos jogos e a melhora dos nossos inúmeros problemas enquanto nação. O que um fracasso provocaria é apenas mais pessimismo, desilusão e mais baixa-estima. É disso que precisamos? O que a derrota de uma judoca brasileira de origem humilde iria melhorar as nossas contas públicas? O que a eliminação precoce de nadadores brasileiros, muitos deles que provavelmente talvez não consigam viver do esporte, teria de efeito positivo num congresso nacional quase todo assolado por interesses mesquinhos? Talvez nos comentários alguém com um raciocínio sagaz possa bolar alguma hipótese factível nessa direção. 

  Quem não viaja para o exterior, ou viaja apenas para lugares extremamente turísticos como o eixo EUA-Europa, não faz a mínima ideia do que o futebol brasileiro representa. Seja na província muçulmana chinesa de Xinjiang, seja em alguma vila com 2000 habitantes no interior da Mongólia, o Brasil é associado ao futebol, e de certa maneira à alegria. Até mesmo guardas de fronteira, apesar de ser mais raro, fazem brincadeiras quando veem o passaporte brasileiro, que em algumas regiões do mundo é bem raro de se ver. Eu fui o primeiro brasileiro que centenas de pessoas conheceram. Constantemente, tive que responder que eu era ruim de futebol e que na verdade gostava de surfar. Aliás, ontem foi engraçado tentar explicar para uma família nômade de Mongóis, que provavelmente deve ter visto pouquíssimos estrangeiros em toda a sua vida, num dos lugares mais lindos e remotos do planeta terra, por meio de mímicas o que era Surfe. Foi difícil. Aliás, até mesmo a palavra Brasil é apenas uma abstração para eles, mas mesmo assim os mais velhos conseguiram associar com futebol. 

  Antigamente, isso me incomodava. “O Brasil é muito mais do que mulatas, samba e futebol!”, pensava comigo mesmo. Às vezes era até mesmo rude com pessoas que faziam essa associação. Lembro-me de uma vez na Turquia em 2006 quando um casal iraniano não acreditou que eu era brasileiro, pois eu não era negro. "Santa Ignorância deles! ". Mas, se eu perguntar para a esmagadora maioria dos brasileiros, inclusive muitos que se acham “esclarecidos”, o que sabem sobre o Irã e muito provavelmente o nível das respostas será o mesmo “Você não pode ser brasileiro, pois não é negro”. 

  Aos poucos fui percebendo que as pessoas não conhecem o Brasil. Assim como a maioria das pessoas não conhece o mundo. Um iraniano médio é tão ignorante em relação ao Brasil, assim como um brasileiro médio é em relação ao Irã. No desconhecimento que reina entre os povos, o Brasil é associado com futebol. É o nosso cartão de visita. Foi preciso tempo e amadurecimento, e muitos contatos com diversos povos, para perceber que isso não é necessariamente ruim. Sermos conhecidos pelo futebol, e indiretamente pela alegria, em nenhum momento é impeditivo de que possamos construir bons aviões e termos relações comerciais produtivas com muitos países, por exemplo.  Sermos conhecidos pelo futebol não quer dizer que a vida do Brasil deve orbitar apenas em torno desse esporte e que este tema deve sobrepujar temas mais importantes como saúde e segurança. Não, não há qualquer relação de causa e consequência. 

  Para quem viaja por certos lugares, o futebol é uma maneira de tirar sorrisos de crianças e se aproximar de pessoas. Sorte minha que posso fazer isso pelo simples fato de ser brasileiro. Entretanto, até isso aos poucos vai morrendo. Esse é um dos resultados do 7x1. Nada de grandiloquente como a melhora dos nossos dirigentes, a modernização do nosso calendário, etc. Não, apenas vamos nos tornando secundários em algo que já fomos referência. Se a tendência continuar, quando se falar Brasil na Mongólia, apenas provocará uma cara de paisagem, nada mais do que isso.

  Logo, um eventual insucesso do evento Rio 2016, apenas provocará mais imagem negativa do país no exterior, algo difícil de se recuperar, e uma sensação de que somos incapazes enquanto povo. Não irá tornar um presidente em exercício ilegítimo em legítimo, não tornará um déficit primário em superávit, não apagará as falcatruas e desmandos do partido que estava no poder há mais de 10 anos, não trará mais saneamento básico (um problema que vem de dezenas e dezenas de anos) para a população e não ajudará que boa parte dos congressistas consiga se expressar usando o idioma de forma coerente.  Estes são problemas que não guardam correlação com a organização de um evento esportivo e muito menos com a performance de atletas amadores em esportes pouco conhecidos e sem nenhum destaque em nossa sociedade. 

  Portanto, tenha a opinião que tiver sobre o Brasil e suas mazelas, não acredite que há qualquer causalidade entre fracasso e humilhação pública, principalmente no caso dos jogos, e melhora do nosso país. Não há , e é bem possível que o efeito seja contrário.  Quer a melhora do seu país? Pense criticamente sobre uma frase como “Somos todos Moro”, se você o fizer verá que é essa uma das muitas razões para o aumento, apesar da depressão econômica, para a elite do funcionalismo. O salário da minha carreira vai para mais de 30 mil. Não consegue ver a relação? Então está faltando reflexão e compreensão de como funciona o nosso país.

  Quer melhorar o seu país? Reflita se nas relações básicas do seu dia a dia você trata os outros com cordialidade e respeito, independente de sua posição e status financeiro. Há inúmeras reflexões, ações e ideias para serem feitas sobre o nosso país e seus problemas, torcer pela humilhação pública do Brasil não é a forma mais sensata e inteligente .

Paraíso? Difícil é explicar num lugar desses o que é surfe para uma família de Nômades.


  Grande abraço a todos!