terça-feira, 20 de janeiro de 2015

AÇÕES - EQUITY RISK PREMIUM (ERP)/PRÊMIO ACIONÁRIO

Olá, colegas.  Hoje escrevo sobre conceito abordado em artigo recente no blog do Além da Poupança: o conceito de prêmio acionário, também conhecido como Equity Premium.

Há alguns meses abordei de uma maneira  um pouco mais específica os fatores de risco delineados pelo seminal artigo de 1992 dos economistas Eugene Fama e Kenneth French http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/05/acoes-os-tres-fatores-de-risco-de-fama.html. Naquele momento,  abordei  pouco o conceito de Equity Premium e falei mais sobre as especificidades dos prêmios de valor e tamanho. Entretanto, em artigos nos quais abordei o conceito do custo de oportunidade e a incerteza dos fluxos de dinheiro (com o impacto sobre a precificação de artigos) de certa maneira o conceito de prêmio sobre o ativo “livre” de risco foi delineado.

Primeiramente, é de se dizer que o prêmio acionário é uma construção abstrata teórica, nada mais do que isso. “O que quer dizer com isso Soul?” alguém pode pensar. É simples: nada garante que esse prêmio acionário irá existir nem mesmo em grandes períodos de tempo como 20/30 anos.  Quando se fala em prêmio em finanças, geralmente se associa uma compensação financeira a um determinado risco de investimento. O Iliquidity Premium , ou prêmio de iliquidez, por exemplo, é uma expectativa de retorno maior que um  determinado investidor possui por estar posicionado em ativos ilíquidos ao invés de ativos líquidos. Sendo assim, o prêmio por iliquidez pode existir no mercado de dívidas (renda fixa), imóveis (algo que costumo explorar), renda variável, etc. Há uma série de prêmios abordados pela doutrina mais técnica em finanças. O prêmio acionário nada mais é do que a compensação financeira que um investidor teoricamente deveria receber por possuir ativos mais arriscados, no caso ações.

Logo, respondendo a pergunta retórica feita pelo colega Além da Poupança, sim o mercado acionário tem uma expectativa de retorno maior do que o mercado de dívida.  Quanto é esse Prêmio Acionário? Bom, aqui se divide entre a teoria mais simples, abordada, por exemplo, por um livro mais introdutório como “Stocks For The Long Run” do Jeremy Siegel onde o prêmio acionário é fixo no tempo, e a doutrina mais atual de um prêmio acionário variável no tempo a depender da precificação do mercado e da taxa do ativo livre de risco. Uma taxa fixa é basicamente o prêmio acionário histórico. Assim, muitos autores pegam o retorno do mercado de títulos governamental comparam com o retorno do mercado acionário como um todo por um período longo de tempo e daí tiram um Equity Premium histórico que nos EUA é na faixa de 4% aa nos últimos 85 anos (1929 a 2013, dados retirados do Blog do Damodaran).


Média histórica e diferentes ERP no mercado acionário americano nos últimos 80 anos.


O que isso quer dizer especificamente? Significa que nos últimos 85 anos em média o mercado acionário como um todo teve um retorno de 4% aa superior ao mercado de dívida governamental. Sendo assim, um investidor bem diversificado no mercado americano poderia ter essa perspectiva de retorno para o longo prazo. Entretanto, como dito anteriormente, a doutrina mais atual trabalha com o conceito de um Equity Premium variável no tempo e dependente da precificação do mercado. Logo, a depender do momento em que um investidor entra no mercado, ele terá retornos esperados maiores ou menos, resultado em prêmios acionários maiores ou menores. Não é o escopo deste artigo discutir esse detalhe específico.

Por qual motivo existe o prêmio acionário? A razão de existir o prêmio é simples. Os fluxos de dinheiro de um empreendimento capitalista são mais voláteis do que os fluxos oriundos do pagamento de uma dívida, por exemplo. Como são mais incertos, não faria sentido o mercado acionário ter uma expectativa de retorno idêntica ao mercado de dívida governamental.  Pergunta mais difícil é sobre o tamanho do prêmio acionário. Como vimos, nos EUA o prêmio histórico orbita em torno de 4% aa. Esse é um prêmio alto, tanto que há discussões sobre a razão desse prêmio ser tão alto, o que gerou a expressão Equity Premium Puzzle. Talvez a explicação esteja no fato de que os retornos do mercado acionário americano foram muitos altos, destoando dos modelos de precificação, pois o século passado foi indubitavelmente um século de muito crescimento econômico e desenvolvimento humano.   Tais retornos podem estar superestimado a capacidade de retorno do mercado acionário para o futuro, e isso pode ter conseqüências muito diretas em vários tópicos como precificação de ativos, ou até mesmo taxa de retiradas de um portfólio previdenciário.

A seguir coleciono dois gráficos retirados do Credit Suisse yearbook do ano de 2011 e 2013 respectivamente (recomendo a leitura desses artigos, verdadeiras aulas sobre mercados):

Fica claro como o ERP foi alto no mundo desde a década de 1950, e como ele foi muito baixo, ou até mesmo bem negativo no caso do Japão, a partir de 1980.


A média histórica do século passado foi muito positiva para o mercado acionário desde 1900, e extremamente negativa na década perdida de 2000 a 2010


Assim, fica patente que o prêmio acionário é variável no tempo, sendo negativo em alguns períodos. Parece evidente também que boa parte do prêmio acionário histórico vem de décadas do pós-guerra, o que jogou o prêmio histórico para cima, tendo em vista o ótimo retorno do mercado acionário sobre o mercado de dívidas em inúmeros países.

Soul, você falou em prêmio acionário negativo, faz sentido isso?” alguém poderia perguntar. Essa é uma boa pergunta para abordar o prêmio acionário no Brasil. Lembre-se que o prêmio acionário é apenas uma construção teórica, nada garante que ele venha a existir, como não existiu na média do mundo desenvolvido entre 1980 a 2011. O prêmio é negativo quando o ativo “livre” de risco tem um retorno maior do que o mercado acionário. Sendo assim, no período supracitado, um investidor poderia ter tido um retorno maior e com menos riscos se tivesse pouca exposição acionária, nesse caso o risco de se expor ao mercado acionário não foi recompensado.  Foi exatamente o que ocorreu no Brasil desde a estabilização monetária com o plano real. O Equity Premium brasileiro foi extremamente negativo no período de 1994 a 2014, ou seja 20 anos. Tal fato pode ser corroborado por esses dois gráficos feitos pelo site Minhas Economias:

             
Este gráfico trara de um investimento único de R$ 100,00 em variadas datas. O resultado final é amplamente favorável  ao ativo "livre" de risco. Entretanto, observem que dependendo do momento do aporte único o resultado final para o Ibovespa é superior. Se observarem mais atentamente verão que essas datas coincidem com momentos de baixa do índice como a data marcada no gráfico de 30/10/2002. Na verdade a correlação negativa entre precificação do índice e retorno superior ao ativo "livre" de risco é evidente. Logo, para aportes únicos fica claro que preço importa e muito no resultado final.



 Já nesse outro gráfico com aportes regulares durante 20 anos desde a estabilização mostra que o investimento em ações foi perdedor, por larga margem, para o ativo "livre" de risco, ou seja o ERP foi bem negativo no período para quem fez aportes regulares. Isso parece ser um sinal de cuidado para as pessoas que acreditam que aportes regulares sejam a salvação para não se preocupar com precificação.

Essa distorção aconteceu por causa da altíssima taxa de juros que o Brasil teve no decorrer dos últimos 20 anos. É bom lembrar que em 1998, depois da crise da Rússia, chegamos a inacreditáveis juros básicos de 45% aa. Com juros assim, nenhum ativo, nem mesmo W.Buffett pode competir (partindo da premissa que a inflação não fugiu do controle, e os juros nominais altos se confundem com juros reais altos). Juros altos distorcem sobremaneira a precificação dos demais ativos. O motivo foi extensamente abordado no meu artigo sobre custo de oportunidade http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/09/financas-custo-de-oportunidade-o.html. É bom salientar que o premio acionário foi negativo nos últimos 20 anos mesmo o mercado acionário brasileiro tendo retornos expressivos no período de 2002 a 2010 em relação ao resto do mundo. Não é demais citar que o crédito aumentou exponencialmente, a renda per capta subiu, o Brasil diminuiu juros, etc, o que culminou com retornos fantásticos do nosso mercado. Gráfico retirado do site HC Investimentos do ano de 2010 mostra como as ações brasileiras dispararam:


 Retornos anualizados de 20% aa por 10 anos, nosso índice acionário no período de 2000 a 2010 teve momentos de Berkeshire Hathaway em seus gloriosos tempos, sendo o mercado que melhor perfomou no mundo em toda década passada (será que o mercado andando de lado há cinco anos nada mais é do que regressão à média?). Pasmem, boa parte desse retorno se deve as agora desprezadas VALE e PETRO. Sim, não é fácil fazer gestão ativa e acetar o futuro do preço dos ativos.  Olhar retrospectivamente hoje em dia e pensar que não compraria PETRO há alguns anos  é sempre mais fácil.


Eu não acredito que nos próximos 20 anos teremos um prêmio acionário negativo, o que é uma ótima notícia para os pequenos investidores em ação. Não creio que teremos juros tão altos distorcendo tudo. Entretanto, a persistência de juros altos em mais de dois dígitos, sendo que o Brasil é o país que mais paga juros reais no mundo, por um período longo de tempo pode sim pressionar e muito o mercado acionário, fazendo com que o ERP no Brasil se mostre modesto nos próximos 10/15 anos. É bom salientar que o ERP é calculado tendo em vista uma carteira diversificada que elimine o risco não-sistêmico. Tal definição nada mais é do que a definição da carteira do mercado, ou índice. Por isso, qualquer estudo sobre ERP levará em conta o retorno de um índice como o IBOVESPA no caso do Brasil, ou outros índices acionários no caso de outros países. A questão sobre se investir em índices é bom ou não é algo relacionado à gestão ativa x passiva, o que não é muito o tópico do ERP. Pretendo abordar esse tema em outra postagem.

Um abraço a todos!

sábado, 10 de janeiro de 2015

RENDA FIXA - MERCADO HIGH YIELD, SPREADs e FII DE PAPEL


        Olá, colegas. Hoje falo um pouco sobre Renda Fixa. Eu ia escrever sobre os dois grandes prêmios que existe no mercado de dívida : Bond Risk Premium e Credit Risk Premium. Entretanto, resolvi escrever sobre o mercado de High Yield, que está de certa maneira no conceito de Credit Risk Premium, e sua relação com o mercado imobiliário de dívida.

            Primeiramente, a maior divisão que existe no mercado de dívida, seja soberana ou corporativa, é aquela que diferencia instrumento de dívida com investment grade e sem investment grade.  Empresas e países que possuem grau de investimento são considerados sólidos e merecedores da confiança do mercado, ao contrário de países ou empresas que não possuem grau de investimento. O que acontece quando alguém precisa se endividar e não possui muito crédito no mercado? Provavelmente, a pessoa só conseguirá empréstimo com juros muito maiores. A mesma lógica se aplica ao mercado de dívida soberana e corporativa. Uma nação sem grau de investimento terá mais dificuldade de captar dinheiro no mercado externo, e terá que pagar uma taxa maior de juros do que outro país com grau de investimento que queira tomar dinheiro emprestado. Essa diferença da taxa de juros, ou spread, entre quem possui ou não possui grau de investimento pode ser considerado um prêmio que os credores exigem para emprestar dinheiro para alguma instituição não tão confiável, e é daí que vem o conceito de Credit Risk Premium.

                “Ok, Soul, entendido, mas essa divisão é aleatória?” alguém poderia perguntar. Não. Talvez quase todos já tenham ouvido falar das agências de classificação de risco. Há várias delas no mundo, sendo algumas mais conhecidas como a Fitch, Mood´s e a Standard and Poor´s. Cada empresa de classificação possui os seus próprios critérios, mas basicamente há alguns filtros de análise para saber a condição de solvência de um país ou de uma empresa. Métricas como a relação da dívida estatal em comparação com riqueza produzida(dívida bruta/PIB), a relação do lucro operacional com o montante pago a título de juros (conhecido também como interest coverage), a relação do valor devido com o valor de mercado de um bem dado em garantia  (Loan To Value), entre outras métricas, servem para que se tenham dados objetivos para que essas agências possam classificar os diferentes tipos de dívida. Quem se lembra do meu artigo sobre FII de Papel http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/11/fundos-imobiliarios-de-papel-abrindo.html, lembrará que foram abordados duas métricas de classificação: Loan To Value – LTV e Debt to Income – DTI.

                Assim, uma empresa que possui um interest coverage de oito, ou seja, o seu lucro operacional é superior 8 vezes ao pagamento de juros devidos é muito mais sólida e confiável do que uma empresa possuidora de um lucro operacional duas vezes maior do que o valor devido de juros. A razão é simples: basta uma pequena turbulência nos lucros operacionais da última empresa para que a mesma comece a encontrar dificuldades de honrar os seus compromissos financeiros.

                Não cabe aqui, e nem é o escopo desse breve artigo, entrar em minúcias e detalhamento das diversas classificações das diversas agências. Entretanto, a partir de certa classificação, que vai variar de acordo com cada agência, é considerado que um país ou uma empresa não é um investimento seguro, não é um investimento que possui grau de investimento. A questão não é apenas semântica.  Quando empresas ou países não possuem grau de investimento muitos investidores institucionais como fundos de pensão, seguradoras, etc, são proibidos de investir em dívidas dessas instituições. Logo, o mercado de captação de dinheiro fica muito mais restrito para instituições sem grau de investimento. Quando o universo de dinheiro disponível para captação fica escasso, isso quer dizer que essas empresas ou países terão que pagar mais dinheiro para se endividar, terão que pagar um spread.

                Como títulos de empresas ou governos que não possuem grau de investimento geralmente pagam muito mais juros nos empréstimo, estes papéis de dívida são conhecidos como High Yield. Há muitos fatores interessantes sobre o mercado de High Yield. Primeiramente, ele costuma ser um bom termômetro sobre como anda a liquidez e confiança/receio do mercado. Por qual motivo? Em momentos de muito dinheiro abundante e grande confiança, o spread entre o mercado de High Yield e o ativo "livre" de risco (aqui considerado como um título  do governo americano) costuma ser pequeno, representando que os investidores estão dispostos a se arriscarem mais, mesmo não ganhando tanto a mais.  Por seu turno, quando a liquidez do mercado aperta e o receio toma conta dos investidores, o spread do mercado de High Yield costuma ficar muito alto. Na crise de 2008, o Spread chegou a quase 20% (o que é algo muito alto), sendo que em meados de 2014 esse spread estava em menos de 3%, bem abaixo da média histórica. Sobre o poder preditivo do mercado de High Yield sobre a precificação de outros ativos ler essa interessante reportagem do NY Times http://dealbook.nytimes.com/2014/08/14/the-signals-from-the-high-yield-bond-market/?_r=0.

                E qual é a relação disso tudo com o mercado de FII de Papel? Peço vênia para colar um comentário meu feito no Blog do Tetzner sobre o FII JRSE11:

Colegas, quando escrevi sobre FII de papel pulverizado, muitas pessoas ficaram intrigadas, pois não imaginavam a complexidade que poderia existir nesses instrumentos.
Entretanto, muitos fundos de papel possuem CRIs cujo devedor principal é uma empresa. Nisso,estes instrumentos se assemelham muito a uma Debênture. Se fosse para escolher agora, uma pessoa compraria uma debênture incentivada (isenta de IR) de uma empresa de primeira linha ou compraria debêntures de empresas de construção com graves problemas financeiros ou ,pior, envolvidas no escândalo de corrupção da Petrobrás, com o risco de serem declaradas inidôneas e sofrer grave revés financeiro?
O que é mais arriscado? Qual é o spread que remuneraria adequadamente esse risco caso a pessoa queira se expor? Olha, eu chutaria pelo menos uns 4 a 5% aa.
Soul, isso tudo parece intuitivo, qual é o ponto? Ao analisar o FII JRSE11, eu encontrei essa configuração de CRI:
Suzano IPCA dezembro-24 R$ 16.730.258 2,44%
Brookfield * IPCA março-24 R$ 8.799.755 1,28%
Flamboyant IGPM maio-18 R$ 23.733.957 3,46%
Even CDI julho-16 R$ 66.154.418 9,63%
Even CDI agosto-23 R$ 8.156.100 1,19%
MRV CDI março-15 R$ 9.225.917 1,34%
MRV CDI março-16 R$ 5.624.682 0,82%
Odebrecht CDI outubro-16 R$ 5.478.126 0,80%
Yuny CDI junho-16 R$ 8.989.789 1,31%
Rodobens CDI setembro-16 R$ 57.289.377 8,34%
CCP CDI agosto-19 R$ 70.360.729 10,25% Código Saldo s/
Queiroz Galvão CDI setembro-15 R$ 24.779.810 3,61%
Odebrecht e Queiroz Galvão estão no epicentro do furacão (bom alertar que a OAS já deixou de pagar uma dívida de 100 milhões essa semana). Brookfield tem dados fundamentalistas horrorosos. Even possui dados mehores, assim como MRV e Rodobens. Portanto, o JRSE possui títulos de qualidade bem duvidosa, apesar da esmagadora maioria deles serem de empresas com dados financeiros mais sólidos (pelo menos atualmente) e outras que não possuem capital aberto. Entretanto, o risco de concentração no mercado imobiliário (não na forma de proprietário como quando se tem quotas de FII de tijolo) é enorme. Eu ,particularmente, prefiro me expor ao mercado imobiliário na qualidade de proprietário, não de credor, a não ser que as recompensas financeiras sejam muito atrativas. Portanto, esses títulos de CRI quando não pulverizados se assemelham muito a Debêntures. Há várias opções no mercado (é verdade com liquidez menor provavelmente) com títulos de instituições mais sólidas pagando algo em torno de 12 a 13% aa sem IR. A relação risco x retorno nesses investimentos de FII de papel tem que ser bem atrativa para compensar o investimento em minha opinião.”

                No final do comentário, eu deixo a minha visão de que os títulos de dívida da carteira da esmagadora maioria dos Fundos Imobiliários de Papel possuem menos qualidade do que um título do Tesouro Direto ou uma Debênture incentivada do BNDES, por exemplo, e digo que deve haver uma remuneração adequada para compensar o risco. E qual poderia ser essa remuneração adequada? Para chegar a essa resposta, eu vou considerar que os FII de Papel possuem papeis de qualidade duvidosa ou de devedores arriscado, e portanto irei equipará-los a títulos High Yield. É preciso esclarecer que muitos dos títulos possuem classificação de grau de investimento, mas você se fosse fazer um empréstimo aceitaria receber o mesmo yield em juros do Tesouro Direito para emprestar para Queiroz Galvão? Eu acredito que não. Assim, eu creio que esses títulos podem sim ser equiparados ao mercado de High Yield. Novamente, aqui vou me socorrer de dados do mercado americano, tendo em vista a falta de dados (eu pelo menos não tenho acesso) sobre o mercado brasileiro, para que assim possamos ter um Proxy sobre o que seria ou não conveniente a título de spread.

                Começo com um gráfico sobre o spread de um Index da Merrill Lynch de mercado High Yield em relação  ao Treasury dos EUA:
   


                Percebam como antes da crise de 2008 o spread chegou a níveis baixíssimos, e o salto do spread no final de 2008, significando que muitos dos papéis estavam sendo negociados com deságios enormes. O spread então foi caindo, muito por causa do excesso de liquidez fornecido pelo FED e outros Bancos Centrais, chegando novamente em mínimas muito longe da média histórica.  Esse gráfico nos diz duas coisas interessantes: a) o mercado de High Yield é brutamente abalado em caso de uma grave crise financeira, relevando que o valor a mais que paga de juros vem junto com um grande risco, principalmente em períodos de crise e enxugamento da liquidez;  e b) sempre houve um spread, por mais que ultimamente ele tenha diminuído, entre o mercado de High Yield e o ativo livre de risco.

             A seguir coloco vários gráficos sobre juros, spread e High Yield. As imagens foram retiradas de um relatório do "Guide to Markets - Brasil" da JP Morgan referente ao segundo trimestre de 2014.

 No primeiro gráfico tem-se o pequeno spread atual entre títulos americanos com investment grade e títulos do tesouro americano. O gráfico mais esticado da direita mostra que mesmo os títulos High Yield americanos tem um yield menor do que os títulos de mercados emergentes.

 Estes dois gráficos mostram a composição e o spread entre mercados emergentes e títulos do tesouro americano. Percebam como em 2008 houve o fenômeno de "fly to quality",  mesmo que o epicentro da crise financeira tenha sido os EUA, os spreads entre títulos emergentes e governamentais americanos aumentaram substancialmente, ao invés de se manterem estáveis ou até mesmo diminuírem.
Esse último gráfico trata do spread entre títulos High Yield e o ativo "livre" de risco. Notem que a média história do spread não é pequena.

            Portanto, os gráficos corroboram as duas afirmações sobre a existência de um spread razoável, pelo menos a média histórica, e o fato de que o mercado de dívida High Yield sofre demasiadamente em períodos de crise.  Eu acredito que os FII de papel possuem características de mercado High Yield. Vários fundos possuem Certificados de Recebíveis Imobiliários pulverizados, muitos sem qualquer classificação de risco. Além do mais, há CRIs de empresas com filtros financeiros não muito sólidos, algumas envolvidas em casos de corrupção e outras sem dados abertos ao público já que não são companhias abertas. Percebe-se também uma alta concentração em papéis de construtoras, o que acrescenta um risco específico muito grande a esses papéis, já que é sabido que boa parte das construtoras, mesmo as com capital aberto, estão passando por dificuldades financeiras.  Por esses fatores, como nunca vi nada escrito a respeito sobre o assunto, para responder a pergunta de qual seria uma taxa adequada para remunerar o risco, eu assemelho esses fundos de papel ao mercado de dívida High Yield. Para saber, ou pelo menos ter uma ideia aproximada, de  qual seria um spread adequado sobre o ativo “livre” de risco brasileiro, eu me valho dos dados do mercado americano, numa postura talvez conservadora, pois empresas pequenas e não tão confiáveis americanas possuem muito mais acesso ao mercado de dívida e de capitais do que empresas brasileiras, o que pressuporia um spread maior para o caso brasileiro.

                Uma característica importante dos FII de papel brasileiros é que ao menos eles possuem muitos títulos em carteira, dessa forma mitigando o risco não-sistêmico dos papeis.  Possuem alguma semelhança com um ETF, não são idênticos, mas não deixam de ter certos traços em comum. Aliás, uma vez um anônimo falou surpreendido que não sabia que existia ETF para renda fixa e nem sabia a utilidade que poderia ter. O ETF de mercado de dívida serve principalmente para se expor a mercado de dívida High Yield , de mercados emergentes ou até mesmo de novíssimos mercados como Mongólia, Angola, etc. Para entender o motivo, imagine que você tenha 20 milhões de reais. Com essa quantia, você compraria uma LCI no valor de R$ 4 milhões de um banco com dados financeiros não tão sólidos para ganhar um retorno de 120% do CDI? Muito provavelmente não. Agora, se fosse possível investir em LCI de 20 bancos menores ao mesmo tempo por meio de um ETF com o retorno esperado de 117% do CDI, talvez algum investidor se interessasse pela dispersão de risco, já que um banco pode quebrar, mas é difícil todos eles quebrarem fora de uma grave crise financeira. O mesmo raciocínio se aplica ao mercado de dívida soberana ou de High Yield. A forma mais indicada para se expor a esses mercados é por meio de ETFs ou de índices.  Logo, os FII de papel ao menos possuem certa diversidade, o que em certa medida dilui o risco de grandes perdas.

                Feito esse aparte, cito alguns FII de papel mais conhecidos e estimo, e aqui é bem aproximado, as taxas que os papéis remuneram:
a)       O FEXC é lacônico sobre a ponderação, porém é algo que pode ser feito utilizando os dados fornecidos, a mesma coisa com o XPGA. Nota-se que as taxas contratadas pelo XPGA são maiores do que no FEXC (algo em torno de índice + 8/9%), sendo que há papel pagando IPCA + 12%, o que é alto. Isso releva que o fundo deve carregar papéis mais arriscados. Novas compras foram negociadas com Spread de 1,4 a 3% sobre o CDI. Os dois fundos com despesas em torno de 15% do resultado;
b)       VTRA tem papéis pulverizados e de empresas de médio e grande porte. Taxas variando de indexador + 6 a 8%. Despesas em torno de 10% do resultado.
c)       RBVO mostra a ponderação que é igual a índice + 8,11% (conforme relatório  do segundo trimestre de 2014). Há papéis pulverizados , de shoppings e de algumas empresas  de capital fechado(tirando um das Lojas Americanas).  Taxas menores do que em outros fundos girando em torno de 5% das receitas.


        Eu não fiz a ponderação nos fundos FEXC, XPGA e VTRA, pois não consta no relatório e eu não sei operar adequadamente uma planilha de Excel. Porém, as minhas estimativas não estão muito longes. O que exatamente isso quer dizer? Vamos pegar o caso do RBVO que possui  uma carteira rendendo índice + 8,11%. Isso quer dizer que quem comprar pelo valor patrimonial das quotas irá receber essa remuneração. É a mesma coisa que comprar NTN-B no tesouro direito numa determinada data a taxa de IPCA + 6,5%, por exemplo. Pensando dessa maneira, fica mais fácil comparar os títulos e de alguma maneira tentar analisar se os spreads são adequados ou não.  Muitas pessoas dizem: “Ah, mas os FII não pagam IR na distribuição, assim o resultado é líquido, não podendo se comparar com o tesouro direto”, porém isso é apenas uma parte da equação. Se como nos FII FEXC e XPGA as taxas administrativa, de custódia e performance comem 15% dos rendimentos, isso equivale a um IR de um título do tesouro direto com mais de dois anos na carteira. Portanto, as altas taxas administrativas de alguns FII de papel se assemelham ao IR de uma NTN-B, por exemplo. A comparação seria ainda pior se pegássemos debêntures incentivadas onde não há qualquer Imposto de Renda.

       Imperioso ressaltar também que essa comparação deve ser feita sobre o valor patrimonial de cada FII, pois é assim que os administradores relatam. Portanto, se o RBVO é negociado com deságio no mercado secundário sobre o seu VP, isso quer dizer que o investidor no secundário está comprando uma carteira que irá render mais do que índice + 8,11% a depender do deságio. Por seu turno, aquele que porventura compra acima do  VP irá receber menos.  Logo, compras com deságio no mercado secundário aumentam o spread em relação ao ativo livre de risco, fazendo com que a margem de segurança aumente. Compras acima do VP fazem com que o spread diminuía, tornando quase inexistente qualquer margem de segurança.

      Pelos dados históricos americanos, eu creio que um spread de 4 a 5% é algo razoável para remunerar o risco do mercado de High Yield. Sendo assim, tesouro direto pagando IPCA + 6%, não me parece que RBVO pagando índice + 8,11% seja adequado. Agora, como o RBVO está com 15% de deságio, o spread se aproxima de 4%, ainda mais que as taxas são baixas nesse FII, o que talvez possa começar a remunerar o risco mais adequadamente.

      Sendo assim, colegas, receber mais em FII de papel do que uma LCI de um banco de primeira linha ou no tesouro direito não é nada demais, e dependo do spread não é nem mesmo uma remuneração adequada do risco. Com o derretimento de alguns fundos de papel nos últimos meses, talvez a relação risco x retorno, medida na diferença de spread, possa começar a ficar interessante. Cabe ao investidor refletir se quer ficar exposto a esse tipo de risco para receber mais remuneração. Não há qualquer mal nisso, desde que o investidor tenha claro que pode estar comprando papeis de complexa precificação como os pulverizados ou dívidas de empresas em estado financeiro não muito saudável. Há pessoas que pela remuneração a mais tem vontade de se expor a esses papéis, há pessoas que não, o que torna a decisão de investir ou não nesses papéis algo muito pessoal. Apenas recomendo que o investimento nesses papeis de alguma maneira esteja alinhado com a estratégia do investidor.

Espero que tenham gostado. Grande abraço a todos!

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

INVESTIMENTOS - ENVELHECIMENTO E PRECIFICAÇÃO DE ATIVOS IMOBILIÁRIOS

           
         Olá, amigos! Hoje farei um breve artigo sobre um assunto interessante, pelo menos para mim, sobre muitos aspectos: envelhecimento e conseqüências financeiras.  Abordarei apenas alguns conceitos desenvolvidos no artigo “Ageing and Asset Prices” de Elod Takáts do BIS (Bank For International Settlements), deixando de fora eventuais outras questões interessantes sobre o tema.

           A tese principal do artigo é de que o envelhecimento das populações dos países desenvolvidos, e em menor intensidade nos países emergentes, trará conseqüências negativas para as próximas décadas, principalmente em relação ao mercado imobiliário residencial.  Qual é a premissa principal do texto? Conforme o autor, e ele cita diversos outros artigos que tratam sobre o tema de diversas perspectivas, quando a razão de dependência aumenta é lógico pensar que o preço dos ativos irá diminuir.  Primeiramente, necessário esclarecer que a razão de dependência mede a quantidade de idosos em relação à quantidade de pessoas economicamente ativas. Essa métrica é fundamental para analisar sistemas previdenciários, e ela é geralmente um dos indicadores mais importantes para se analisar a saúde financeira ou não de algum determinado sistema previdenciário nacional.  Se o índice de dependência de um país é de 20%, isso quer dizer que para cada pessoa idosa há cinco pessoas em idade economicamente ativa (1/5). Fica claro que quanto maior esse índice, maior é a pressão na geração jovem para a manutenção da geração mais velha em questões previdenciárias, assistenciais e de saúde.

                Sobre a ótica financeira, é aceita por muitos economistas a ideia de que a geração mais jovem é compradora de ativos para acumular reservas para a aposentadoria, enquanto a geração mais velha é vendedora de ativos para financiar a sua aposentadoria.  Se essa forma de pensar é correta, e ela parece ser, então temos três situações:

a)       Situação de crescimento populacional com muitos jovens- Há mais jovens compradores de ativos e menos idosos vendedores de ativo, isso faz com que o preço dos ativos se valorize. É o que comumente se aceita como ocorrido nos EUA no pós-guerra com a geração de Baby Boomers. Esta geração seria responsável pelo aumento muito grande nos preços dos ativos, e pelos grandes retornos nos ativos financeiros daquele país. Talvez por isso o retorno espetacular dos ativos financeiros nos EUA se comparados com outros países desenvolvidos.
b)       Situação neutra do ponto de vista demográfico - Aqui, não haveria mudanças na precificação dos ativos por questões demográficas.
c)       Situação de envelhecimento com diminuição do número de jovens – Aqui, a situação é inversa do item “a”. Haverá muito mais idosos vendendo os seus ativos para financiar suas aposentadorias e menos jovens para comprar esses ativos, o que provavelmente leva a diminuição do preço dos ativos. O artigo em tela trata dessa hipótese.


          O item “a” parece ter evidência nos dados, conforme se pode ver nos seguintes dados onde claramente o preço dos ativos vem aumentando desde a década de 70 (período onde os Baby Boomers estavam começando a vida adulta).

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Essa série de gráficos mostra valorização em todas as classes de ativos: BOND (RF), Ações e mercado imobiliário.


                    O artigo sobre análise tenta capturar a influência positiva da demografia no mercado imobiliário residencial de 22 países desenvolvidos entre 1970 e 2009 e baseado nesses dados tenta estabelecer algumas relações estatísticas para fazer previsões sobre o efeito  da demografia nesses países nos próximos 40 anos.  O autor diz que a escolha por analisar o mercado imobiliário residencial de cada país foi feita para afastar o efeito de eventuais influxos de capital numa economia cada vez mais globalizada. Apesar de não serem imunes a fluxos estrangeiros, realmente o mercado residencial é algo mais restrito a investidores nacionais e a fluxos internos de dinheiro. Com isso, o artigo tenta de certa maneira “isolar” os países de possíveis contatos com outros países. O autor também deixa claro que utiliza as projeções feitas por demógrafos da ONU para os próximos 40 anos. Reconhece que essas previsões podem não se concretizar, mas que de certa maneira servem como um norte de como estará a demografia humana em 2050.


           Ao analisar os dados desses 22 países e ao aplicar diversos testes estatísticos técnicos, confesso que estão além da minha compreensão nessa matéria, o autor chegou as seguintes conclusões:

a)  1% de aumento na renda real per capta corresponde a 1% de aumento real do preço dos imóveis;
b) 1% aumento de população corresponde a 1% de aumento real dos imóveis;
c) 1% de aumento na métrica de razão de dependência corresponde a 0.65/0.7% de  desvalorização real dos imóveis.


                Coleciono três  gráficos interessantes do estudo sobre o preço real dos imóveis em 22 países e o efeito demográfico no crescimento/desvalorização real dos imóveis:
              

Gráfico do retorno real dos imóveis nos últimos 40 anos. Chama atenção que o efeito demográfico negativo foi bem visível na Alemanha e Japão (dois países onde a razão de dependência aumentou consideravelmente).

Entretanto tal efeito não foi visto com clareza em países onde a razão de dependência aumentou significativamente também como Itália e Coréia do Sul, o que apenas salienta que os efeitos demográficos na valorização real dos imóveis é uma variável, não é a única variável.
  
                  
 Dado consolidado de todos os países e o efeito positivo ou negativo da demografia no preço real dos imóveis.


               Tendo em vista os dados coletados e algumas análises estatísticas de regressão, o autor então estima o impacto que o aumento da razão de dependência, ou seja, envelhecimento, poderá ter no preço real dos imóveis nos próximos 40 anos nos 22 países estudados:



O retorno real negativo que o efeito da demografia deve exercer sobre países de língua inglesa nos próximos 40 anos. Observem que o efeito esperado não é tão grande em países como a Inglaterra e a Austrália e relativamente grande na Irlanda.


Na Europa, tendo em vista o maior envelhecimento os efeitos podem ser bem pesados, como se pode ver para os países Ibérios, Grécia e Itália e Dinamarca.



          É importante ressaltar que o autor não está dizendo que o preço real dos imóveis irá diminuir nos próximos 40 anos, pois o preço real dos imóveis também é influenciado por outras variáveis, como crescimento real per capta. O que os dados parecem sugerir, bem como a previsão baseada nesses dados, é que os preços de imóveis em economias mais desenvolvidas nos próximos 40 anos irão enfrentar muito mais dificuldades do que nos 40 anos precedentes, tendo em vista a pressão negativa do envelhecimento sobre o valor dos imóveis. Cito palavras do próprio autor: "In sum, the estimates suggest that real house prices will face substantial headwinds over the next forty years due to ageing. Though the results do not imply absolute real price declines, they   suggest   that   in   the   next   forty   years  house   prices   in   advanced   economies   will   face   a more difficult environment than in the past forty years."( Tradução Livre - "Em suma, as estimativas sugerem que o preço real de residências irá  enfrentar fortes dificuldades nos próximos 40 anos devido ao envelhecimento. Embora os resultados não impliquem declínios reais de preços, eles sugerem que nos próximos 40 anos preços de residências em economias desenvolvidas irão enfrentar um ambiente mais difícil do que os 40 anos passados".


          E o Brasil? Bom, aqui pode-se apenas imaginar alguns cenários. A nossa população é relativamente jovem com razão de dependência bem menor do que países desenvolvidos. Tal situação deverá se inverter a partir de 2035/2040, quando o Brasil começará a encerrar o período de transição demográfica. Logo, ao contrário de economias avançadas, o Brasil terá impactos positivos da demografia nas próximas décadas. Além do mais, o nosso pib per capta é ainda muito baixo, o que abre um caminho grande para valorizações reais por meio do crescimento da renda real per capta. Por isso, as perspectivas para os próximos 40 anos para os imóveis brasileiros parecem ser de razoáveis a boas.


          Ressalte-se novamente também que o estudo é feito com base em dados passados e análises estatísticas, e não pode ser considerado um previsor para o comportamento absoluto do preço real dos imóveis. Entretanto, em que pese as limitações e eventuais deficiências, o artigo traz à tona aspectos muito interessantes sobre demografia, envelhecimento e precificação de ativos que podem jogar um pouco de luz sobre o que talvez aguarde o Brasil nos próximos 40 anos. 

         Espero que tenham gostado. Um abraço a todos!