terça-feira, 24 de julho de 2018

VIVER DE CONSTRUÇÃO


                Olá, prezados leitores. O tema como viver uma boa vida é uma constante neste espaço. É possível que haja dezenas e dezenas de artigos sobre temáticas que orbitam sobre esse tema central.    Já disse inúmeras vezes, e continuarei repetindo, um escritor como o americano Mister Money Mustache é ordens de magnitude mais importante, no quesito finanças pessoais e qualidade de vida, para investidores amadores do que saber analisar balanços a la W. Buffett. Muitas das reflexões do MMM sobre uma boa vida, e sua relação com equilíbrio financeiro, são incríveis.

                Yuval Harari, o jovem historiador que escreveu Sapiens e Homo Deus, diz nas suas palestras internacionais que num mundo cada vez mais em mudanças em ritmo frenético, a maior habilidade que nós adultos podemos ensinar às novas gerações é a resiliência mental e emocional.  Infelizmente, esse atributo parece estar em falta, quando ele será cada vez mais necessário. 

                Os meus dois parágrafos anteriores servem como uma reflexão de que temas muito mais importantes do que dinheiro, política, etc, são de conhecimento de todos, mas poucos realmente refletem profundamente sobre os mesmos, e menos pessoas ainda tomam passos práticos para uma melhora efetiva de suas próprias vidas.  Seria o popular “fácil falar, difícil fazer”.

                Foi com consternação, minha e de muitas outras pessoas, que soube do falecimento precoce do blogueiro Viver de Construção.  Muitos, inclusive outros blogueiros, já fizeram suas homenagens, e pretendo fazer aqui a minha, mas talvez abordando outros aspectos não tão evidentes.

                Primeiramente, nós não somos preparados para a morte.  Tanto que delegamos, ao menos os povos da sociedade ocidental, a morte para hospitais.  Crianças não são submetidas nem mesmo ao conceito de morte, “elas devem ser poupadas” boa parte das pessoas acredita.  O fato é que somos mortais. A morte faz parte da nossa jornada pela terra. A morte não só nossa, mas de todas as entidades biológicas que gostamos ou não.  Como lidamos, ou melhor não lidamos, com a morte é um indicativo de como temas importantes são ignorados. Sabemos mais sobre as estripulias de Trump, do que sobre como lidar, ou ao menos refletir, com a morte de algum parente.

                A morte de uma pessoa jovem como o Viver de Construção é algo que assusta. Como não ficar assustado e chocado? Não parece natural. Lembra-me de uma passagem do filme “O Curioso Caso de Benjamim Button”, quando Brad Pitt expressa o seu horror ao ver tantos corpos  depois de uma batalha naval na segunda guerra mundial, pois aquilo não era uma visão natural, mesmo ele tendo convivido diversas vezes com a morte já que ele tinha passado os seus anos iniciais de vida num asilo para pessoas de idade, onde a morte era uma constante e um fato natural da existência.  Então, em que pese a naturalidade da morte, em certas ocasiões ela não parece ser natural, parece ter algo de errado com a sua ocorrência.

                Porém, mesmo contra nossa vontade, ou contra uma “ordem natural”, guerras, genocídios, acidentes ocorrem, e pessoas jovens, que ainda teriam muitas décadas de vida pela frente, partem.  É difícil, é duro, mas acontece.

                Eu não conhecia pessoalmente o Viver de Construção. Eu nem mesmo lia freqüentemente os seus escritos, pois o estilo dele não era muito do meu agrado, porém era visível a existência de algumas qualidades dele enquanto ser humano.  Primeiramente, em épocas de tanta raiva aflorada, ele parecia carregar pouca raiva. Discutia com anônimos, outros blogueiros, mas isso é mais um problema dos "diálogos truncados" que a internet proporciona do que algum problema emocional de ser possuído por um sentimento negativo.

                Além do mais, ele era extremamente educado. Ao menos comigo, ele sempre foi de uma educação tremenda.  Ele também era muito verdadeiro, e realmente doava o seu tempo para contar e compartilhar a jornada financeira e de vida com os outros. Talvez seja esse o aspecto que muitos leitores gostavam, pois viam nele algo no que se espelhar, ou alguém que poderia servir como uma base do tipo “se ele está conseguindo, por que não eu também?”. Logo, é inegável que ele possa ter diretamente tocado a vida de algumas pessoas de forma positiva, e isso não deixa de ser um legado importante.

                Talvez por  pelo fato dele ainda ser jovem, eu sentia que muitas vezes seus escritos aparentavam uma grande gangorra emocional.  Mas, as últimas vezes que li o blog dele, eu tinha a sensação que aos poucos ele ia acalmando a mente, e realmente começava a construir uma vida prazerosa para ele e sua companheira.  Talvez a maior evolução dele não fosse o seu patrimônio, que a grosso modo no grande esquema das coisas e para as grandes questões não significa absolutamente nada, mas sim a forma como ele estava começando a enxergar a vida.

                Aliás, quão doente não estão nossos relacionamentos ou nossos pensamentos, quando a quantidade de dinheiro acumulado passa a ser uma métrica, e para alguns A métrica, sobre a vida que alguém levou.  É difícil de entender. “É, a vida é importante, precisamos vivê-la com intensidade” e “ele é um exemplo de uma boa vida, olhe o patrimônio que o suor do seu trabalho conquistou” são frases quase que antagônicas.

                Como não o conhecia a não ser por trocas de mensagens, espero que ele possa ter sido um bom marido, um bom filho e um bom amigo para as pessoas mais próximas. Espero que ele possa ter encontrado prazer nessa frágil vida.  Não apenas o prazer mais vulgar sensorial, que nada mais é do que o consumo em excesso traz, mas aquela sensação quase que mística de pertencer a algo maior ou sentir-se, nem que por curtos momentos, completo. Espero que ele possa ter tido uma boa infância, onde possa ter aproveitado essa fase tão magnífica que passa tão rápido. Ou que possa ter sentido aquele frio na barriga na adolescência quando a garota amada passava em sua frente.  Espero que ele possa ter sentido a brisa do mar, ou aquela sensação gostosa de frio quando estamos nas montanhas, e se sentido unido de uma forma especial com a realidade.  Espero que possa ter amado com intensidade a sua companheira, e espero que ele possa ter sorrido muito em sua vida. Essas, e várias outras, são as verdadeiras métricas de uma vida bem vivida.

                Espero de coração que ele tenha vivido uma bela vida.  Para a família que fica, especialmente a companheira, é duro.  Quando cair a ficha, quando aquela sensação de que ele não estará mais entre vocês ficar consolidada, é inevitável que surja um vazio, que não poderá ser preenchido. O luto é algo importante.  Uma das características dessa nossa sociedade atual é que a tristeza, a infelicidade e o luto devem ser evitados de todas as formas, quando esses são estados emocionais naturais e muitas vezes necessários.

                Porém, com o devido tempo, espero que esse sentimento difícil, esse vazio, possa ser aos poucos preenchido por um sentimento alegre de celebração da vida do Viver de Construção. 

                Para nós que ficamos, a vida continua.  Aliás, a vida sempre irá continuar, mesmo depois da nossa própria morte.  Foi isso, ou ao menos é a minha interpretação, que Steve Jobs  disse, naquele célebre discurso em Stanford,  ao dizer que o Rei estava Nu, quando nos damos conta da nossa própria mortalidade. Todos nós estamos nus. Do mais poderoso ao mais fraco, do mais rico ao mais pobre, todos nós pereceremos. Já que sabemos disso, exorta Jobs, por qual motivo não viver mais intensamente?

               É evidente que esse é um ensinamento antigo. A expressão Carpe Diem traduz bem esse sentimento. Não é se entregar aos "prazeres" sensoriais como se não houvesse qualquer tipo de consequência, como algumas pessoas tolamente conceituam essa expressão. Não, prezados leitores, é tentar extrair da vida o prazer de estar vivo, e isso só se pode ser feito no momento presente. Não no passado, não no futuro, mas no aqui e agora.



                À família do Viver de Construção eu ofereço os meus sinceros sentimentos.

13 comentários:

  1. Vamos sentir a falta do nossa amigo e colega VDC.

    Abraço.

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  2. Mais um texto maravilhoso, obrigado por nos brindar com suas sábias palavras!

    Augusto

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  3. Ótimo texto, como todos os outros aliás. Espero um dia chegar a esta compreensão que você tem das coisas, acho fantástico. Esta perda do VdC me fez refletir profundamente sobre as coisas, fiquei realmente abalado quando li a notícia e acho que ainda continuo abalado!

    Atingi este ano minha independência financeira definitivamente, com muita folga do que havia planejado e com uma quantia que beira os 8 dígitos atualmente, graças a muito estudo, escolhas acertadas, muito empenho e uma boa dose de sorte também. Mantenho uma vida relativamente simples e bastante aquém da que poderia ter com a renda passiva que atingi, não chego a gastar R$ 8.000,00 por mês, e minha renda passiva está na faixa dos R$ 50.000,00 por mês. Continuo trabalhando normalmente, pq realmente gosto do que faço e não me vejo parando de forma alguma, ao menos tenho a liberdade de trabalhar nos horários que quero.

    Tenho 27 anos, era para eu estar pulando de alegria, mas ironicamente está sendo uma das épocas mais difíceis e conturbadas da minha vida, pois estou enfrentando o dilema de ter chegado ao patrimônio que eu queria, mas não onde eu queria, parece que falta muita coisa. Por isso me identifico muito quando leio teus textos, quero ter essa sensação de pertencer a algo maior, de estar completo, e vejo que chegaste lá, e através dos teus textos percebo que estou compreendendo melhor o caminho a trilhar para encontrar a felicidade propriamente dita, pois de fato, ela não está tão atrelada ao dinheiro quanto imaginamos.


    Abraço!

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    1. Bom relato, anônimo!! Me identifiquei.

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    2. 50k de renda passiva aos 27 anos!!!

      Parabens

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    3. Recentemente tive um desencarne na família. um primo de 54 anos faleceu. ano passado um colega de 50 anos em férias na Europa com a familia também desencarnou. E agora uma pessoa que não conhecia mas que tb gostava de seus posts (VDC) vem a falecer.
      Como sou muito espiritualizado encaro de outra forma essas passagens que são feitas. Mas a dor da perda principalmente pra quem fica não é facil.

      De todos esses desencarnes uma coisa que sempre penso e reforço. Não deixe pra amanhã em falar pra alguem o quanto vc gosta dela, o quanto é importante na sua vida. Não deixe de falar para os seus pais, esposa, filhos o quanto os amam. Faça coisas que te faz bem e que faça bem a outras pessoas. Enfim, como diz o PF no seu texto. Viva intensamente,sempre fazendo o bem, e nunca deixar pra amanhã o que pode ser feito hoje.

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  4. Belíssima reflexão, Soul.

    Também não era leitor do blog do rapaz, mas pelas bonitas homenagens aqui e em vários outros blogs dá para facilmente perceber o quão admirado ele era.

    Não houve violência de terceiros (como infelizmente pode até ser esperado em um país como o nosso), não houve um momento de desatenção no trânsito, nada disso! Um mal súbito em alguém saudável, algo de certa forma inevitável e inesperado... Difícil acreditar.

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  5. Ótimo texto. Eu também não acompanhava com frequência o blog do VDC, pois não apreciava muito o conteúdo, estilo de escrita e a estratégia de investimento por ele aplicada. Independentemente disso, ele me parecia ser uma pessoa muito íntegra, educada, paciente, disposta a ajudar os outros.....por tudo isso, com certeza vai fazer muita falta. VDC, descanse em paz. Que Deus abençoe e conforte a sua família nesse momento difícil.

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  6. Soul Surfer,

    "O fato é que somos mortais."
    É um tema desagradável, ninguém gosta de pensar no assunto, pois vai contra a nossa própria essência que anseia pela vida - o instinto de sobrevivência está aí para demonstrar. Mas precisamos pensar no assunto, pois é através dessas reflexões que conseguiremos chegar a conclusão do que realmente é importante para nós, de modo a não nos perdermos na superficialidade e na futilidade tão intensas da atualidade.

    Uma pena o que ocorreu com o VDC, pegou todos da blogosfera de surpresa...

    Abraços,

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  7. Belo texto soulsurfer, foi um choque ao ler a notícia do falecimento do VDC, mas o que me deixa mais triste são algumas pessoas (anônimos e blogueiros), de má índole, questionando a veracidade da notícia, afirmando que a notícia é falsa e que o VDC está tentando lucrar com a morte e criar a viúva como uma personagem, sendo que o blogueiro Uó confirmou a morte, pois possuía o contato no facebook.
    Não consigo entender tamanha desconfiança e indiferença a dor alheia de alguns.

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  8. Mais um excelente texto, Soul. A morte do VDC me fez refletir sobre se o meu modo de vida é o modo certo de se viver. Creio que eu precise viver mais no "aqui e agora" e não no futuro, que é onde eu vivo! Um abraço!

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    1. verdade...acumular patrimonio e mais patrimonio só nos faz pensar no futuro.

      Como diz Osho, meditar é estar no presente, sem pensar no passado ou no futuro.

      Já tentei estar no presente e como é dificil. Ou estamos pensando em algo que já aconteceu, ou estamos fazendo algo hoje mas pensando no futuro.

      Talvez um 50%/50% seja o mais recomendável.
      abs

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  9. Bonita homenagem ao VDC .... pessoalmente acredito em algo após a morte. Creio que estamos aqui para melhorar em todos os sentidos buscando uma continua evolução.

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