sábado, 6 de fevereiro de 2016

CAMBOJA - UMA AVENTURA INESQUECÍVEL DE MOTO - PARTE INICIAL

Olá, colegas. Preciso escrever e por causa disso o presente artigo. Pode parecer repetitivo, mas quando falo que tenho inúmeras histórias para contar e, depois de algumas semanas, muitas mais histórias ocorreram, mas é a mais pura verdade. Desde o meu último artigo sobre viagem, o meu ano novo espetacular em Bangkok, a quantidade de experiências e pessoas bacanas que conheci apenas aumentaram. Entretanto, os últimos três dias conseguiram ser mais diferentes do que o normal. É preciso entender também que os meus últimos 300 dias foram tudo menos “normais”.

Meus amigos, como forma de tornar a leitura mais agradável, sugiro que ouçam o vídeo linkado. É o quarto movimento da Sinfonia número 4 de Tchaikovsky. A primeira vez que escutei foi há 12 anos vendo a Orquestra Sinfônica de Santa Catarina. O Maestro ao final se desculpou e disse que eles tentaram tocar essa sinfonia como forma de desafio, pois ela é uma das mais difíceis e até mesma as grandes orquestras internacionais a temem. Quando o último movimento terminou eu não sabia se chorava, se ria, se gritava, o que fazia. Fiquei sentado na cadeira apenas imaginando como alguém poderia ter produzido uma música tão fabulosa e com tanto sentimento.


  Estou novamente no Camboja. Sempre me perguntam qual país eu gostei mais de ter visitado. É uma pergunta normal vinda de pessoas que não estão acostumadas ao tipo de viagem que aprecio. É o mesmo tipo de pergunta que sempre escutei quando jogava xadrez de forma semi-profissional “Quantas jogadas você consegue “ver” mentalmente”. Quem joga xadrez num nível de competição internacional jamais faria uma pergunta como essa,  mas é uma curiosidade mais do que normal e saudável de quem não é habituado com o jogo. A minha resposta sempre foi “depende da posição”. É impossível dar uma única resposta a essa pergunta. É mais ou menos o mesmo tipo de explicação que dou em relação a países: não posso dizer qual é o melhor ou pior, pois todos são diferentes e cada um possui uma beleza particular. 

  Posso dizer que a Nova Zelândia é o país mais bonito do planeta, e é mesmo, mas isso não quer dizer que seja o lugar que eu mais tenha gostado.  Eu me apaixonei pela Nova Zelândia, há duas cidades chamadas Raglan e Wanaka que eu poderia morar meses e meses, pois elas são simplesmente sensacionais.  Entretanto, não poderia dizer que o país dos kiwis foi o que mais gostei. Agora, sempre existiu um país que, apesar de ser completamente diverso e eu não entender absolutamente nada da língua, me tocou profundamente: Camboja.  Já discorri brevemente sobre o mesmo no artigo Os Campos da Morte É difícil descrever o que sinto, mas a história desse incrível país é uma memória constante de que tudo é efêmero. Como um povo pode ter ido da glória ao horror absoluto? Gostaria de escrever muitos artigos sobre esse país, quem sabe o faça, mas viajando é difícil, até hoje não produzi nada sobre a Nova Zelândia, país que renderia muitos e muitos artigos.

Este país me marcou profundamente e sempre tive dificuldades de achar uma forma racional de explicar o motivo.


  Assim, foi uma sensação muito diferente retornar a este país 7-8 anos depois. Muitas coisas mudaram. Há muitos mais turistas, principalmente grupos de chineses. Na verdade, os chineses correspondem a uns 60-70% dos turistas, algo que não existia quando estive no Camboja pela primeira vez. Só esse fato já daria um artigo. Logo, os templos de Angkor (sobre isso com certeza escreverei mais detalhadamente) estão muito mais cheios, o que de certa maneira faz com que se perca um pouco a atmosfera. Como há dezenas e dezenas de templos, sempre é possível encontrar paz. Entretanto, nos templos mais famosos como Angkor Wat, Bayon ou Ta Prohm (onde foi filmado “Tomb Raider”) é difícil não esbarrar em muitos turistas, é preciso paciência e disposição para visitar esses templos ao meio dia (muito quente e chineses detestam sol forte) ou muito cedo como seis e meia da manhã para se ter uma experiência mais tranquila.

  Ao falar em Angelina Jolie (estrela do filme citado), é muito bacana também o envolvimento dela com o país. Eu admiro essa atriz, não pela beleza, algo que ela tem de sobra, mas por seu envolvimento em causas nobres. A ligação dela com o país é profunda. Podemos dizer que ela mostrou a glória do país no filme “Tomb Raider” ao mostrar os templos de uma das civilizações mais poderosas que o mundo já viu. Porém, o filme que a marcou foi quando ela experimentou os horrores que esse povo sofreu há menos de 40 anos. O filme chama-se “Amor sem fronteiras” e é lindo. Um dos filmes que mais gosto de assistir novamente. Ao conversar com um diretor de uma ONG que trabalha em projetos de retiradas de minas terrestres (um tema que merecia um artigo a parte), ele me disse que prestou algumas consultorias para a Angelina, pois ela estaria fazendo um terceiro filme sobre o Camboja. Aliás, ele é ex-militar americano, e tinha cada história para contar. Quando disse que era brasileiro, ele abriu um sorriso e falou que um dos melhores amigos dele era brasileiro. Contou-me que o mesmo era vendedor de armas, teve a empresa nacionalizada na década de 80 e era amigo pessoal de Kaddafi , sendo que ajudou no tratamento do filho do ex-ditador da Líbia trazendo o garoto para o Brasil, arrumando um passaporte francês falso para que o mesmo pudesse entrar nos EUA para tratamento de alta qualidade (aparentemente, os EUA não permitiriam a entrada de um filho de Kadaffi). Esse senhor deve ter história para contar.

Belíssimo filme sobre amor, sofrimento humano e redenção. Trata também sobre a omissão de nós humanos que temos uma boa vida e se isso é compatível com a auto-percepção de que somos bons enquanto seres humanos (tema tratado de forma indireta no meu artigo Cidadão de bem?


  Enfim, tenho uma ligação com esse país, mesmo conhecendo tão pouco, é algo que não sei explicar tão racionalmente. Ao visitar mais uma vez por 4 dias os templos famosos de Angkor, fiquei sabendo que existiam templos mais remotos, centenas de quilômetros distantes, em regiões extremamente empobrecidas e com quase nenhuma infra-estrutura. Nesses templos, haveria pouquíssimos turistas, tendo em vista a dificuldade e empenho para se atingi-los.

  Quando soube disso, coloquei-me a pesquisar uma rota. Não há transporte público para esses locais. Como recentemente as estradas foram sendo melhoradas, carros  convencionais já conseguem chegar até lá. Alugar um carro com motorista para fazer o trecho que tinha em mente, em dois dias, sairia algo em torno de uns 250 dólares americanos (a economia do Camboja é dolarizada).  Muito caro. Falei para a Sra. Soulsurfer: “Vamos alugar uma moto como a gente sempre faz”. Sempre alugamos motos, pois é muito barato na Ásia e prático. Entretanto, dessa vez seria diferente, não há quase estrangeiros dirigindo motos, como não há demanda há pouquíssima oferta. Além do mais, seriam mais de 500 km por lugares remotos e muito pobres com uma simples scooter, algo que ainda não tínhamos feito.

   Pensei comigo “só se vive uma vez, vamos fazer essa aventura”, jamais poderia pensar que seriam três dias inesquecíveis pelos mais variados motivos. Descobrimos uma única loja na cidade de Siem Reap (porta de entrada para os templos de Angkor) que alugava para estrangeiros. O cara pediu 15 dólares por dia. Argumentei que estava muito caro, em qualquer lugar na Ásia pago de 4-5 dólares por dia.  Foram muitos minutos negociando até que o cara aceitou reduzir para 13 dólares. Caro, mas acabei aceitando, já que o prospecto da aventura tinha crescido em mim. A moto não tinha compartimento interno e teríamos que nos virar para dirigir com uma mochila no meio das pernas do motorista.

  Ao fechar o aluguel, o dono da moto pediu um passaporte de depósito (normal na Ásia). Já estávamos preparados e entregamos um dos nossos passaportes cancelados, mas que possui o visto de 10 anos para os EUA. Todos, sem exceção, aceitam esse documento (talvez simplesmente porque não entendem a palavra cancelado bem grande na segunda página do documento). O Cambojano não. Ele foi meticuloso e viu que no passaporte não tinha o visto do Camboja. Começou mais uma rodada de negociação. Argumentei que não poderia deixar o passaporte com o visto, pois como iria fazer se a polícia (estava indo para uma área tensa entre o Camboja e a Tailândia, com muito exército estacionado em ambas as fronteiras) me parasse e visse que não tinha o visto? Ele falou ligue para mim, o meu irmão é policial (o Camboja é um dos países mais corruptos do mundo) e está tudo certo. Contra-argumentei "meu amigo se eu estiver a 250 km de distância não vai adiantar nada ligar para você". Por fim, aceitei deixar 400 dólares de depósito, e no final isso provou ser uma verdadeira burrice. 

Pelo menos tive a percepção na hora de tirar foto das fotos e da série das mesmas, o que provou ser uma boa estratégia. Vai que o cara me voltasse quatro notas falsas quando eu retornasse a moto.


  Moto alugada partirmos para a nossa aventura. A primeira parte foi tranquila. No primeiro templo mais afastado infelizmente muitos ônibus de turistas chineses ainda vão até ele, pois a estrada é muito boa, demos o azar de chegar no horário de pico e resolvemos esperar para entrar até que os ônibus fossem embora. Ficamos uma hora e meia numa sombra se alongando, olhando o movimento. Nesse tempo, um senhor japonês de mais idade se aproximou e encantado que estávamos de moto, apontou e disse “É uma Honda!”, “meu filho trabalha na Honda!”.  Soltei diversas frases em Japonês, e o tiozinho quase caiu para trás, abriu um enorme sorriso e desandou a falar japonês muito rápido comigo. Apenas sorri e disse “Nihon-Go Hanassemasen” (eu não falo japonês). Conversamos um pouco no Broken English dele e foi bacana. Ao final, ele pediu para tirar uma foto nossa com a moto. Alguns minutos depois, comecei a conversar com um guia cambojano sobre a estrada que iríamos pegar, se era fácil ou não. Ele estava como guia de um casal de americanos. Engatamos um diálogo, e o americano abriu um sorriso imenso quando disse que era de Florianópolis. Ele, então, começou a falar um português bem razoável sobre a experiência dele de ter morado na ilha da magia por quase um ano. Californiano, foi para o Brasil viver e estudar o Movimento Sem Terra, e as conclusões dele são bem parecidas com as que eu penso desse movimento específico. Uma pena que a conversa durou poucos minutos, pois os dois pareciam ser muito bacanas.

  Visitamos então o templo de Beng Maela. Muito bacana mesmo. Havia turistas, mas não tantos, e deu para brincar um pouco de Indiana Jones ao entrar em salas cheias de destroços sem ninguém. Após um almoço mais ou menos, a comida por aqui não é tão boa como na Tailândia e sempre tem que se barganhar o preço (comida era algo que nunca barganhei), seguimos viagem para a antiga cidade imperial de Koh Ker.

Sra. Soulsufer perambulando pelo templo de Beng Maela.

As Árvores tomaram conta de boa parte do templo, depois de centenas de anos de abandono.



  Tudo mudou. De repente, a estrada que tomamos nao tinha mais movimento. O povoamento tornou-se muito mais esparso e bem pobre. Gasolina era vendida em pequenas barracas no acostamento da pista e absolutamente ninguém, digo ninguém mesmo, entendia uma palavra em Inglês. Depois de quatro horas, e o traseiro já doendo um pouco de ficar tanto tempo sentado numa scooter, chegamos ao complexo de Koh Ker. 

Posto de Gasolina da estrada...

  Único e espetacular é o que posso dizer. Não havia absolutamente ninguém no primeiro templo que visitamos chamado  Wat Prasat Pram. Ficamos mais de uma hora lá e fomos os únicos. Foi mágico e especial. Além do mais, o lugar era muito fotogênico, devido ao fato das árvores terem se misturado aos templos que datam de mais de 1000 anos de idade. Foi muito legal mesmo. 

                   Momentos especiais nesse templo abandonado no meio da floresta e sem ninguém por perto
 Olha as raízes e como se misturaram com o templo num efeito magnífico
     Saudação ao sol!


Soulsurfer contemplando a beleza do templo e do momento único


  Seguimos então por estradas de terra, passando por inúmeros templos sem absolutamente uma viva alma no meio da floresta com muitas placas dizendo que o local tinha sido limpo de minas terrestres (a região que estávamos entrenado na província de Preah Vihear é um dos locais com mais minas terrestres do mundo). Passamos por um grupo de três garotas numa moto bem antiga. Fiz sinal para que parassem, elas abriram um enorme sorriso. Eram jovens e bonitas, apesar de um pouco castigadas pela vida provavelmente dura. Perguntei por meio de mímicas onde era a Pirâmide, elas não entenderam e apenas sorriram. Disse então aw-koon ch’ran (muito obrigado em cambojano) e fomos em frente cercado de floresta e templos até que chegamos no enigmático templo de Prasat Thom.

Sem brincadeira, passamos por mais de 10 templos "abandonados" no meio da floresta. A região de Koh Ker chegou a ser por 20 anos a capital do mais poderoso império que o sudeste asiático já conheceu: A Civilização Khmer

Placas como essa avisando que o terreno foi liberado de minas terrestres é comum quanto mais se afasta das zonas eminentemente turísticas.

  Depois refleti se as garotas sabiam escrever ou ler,  como era a vida delas e qual seria o futuro das mesmas, e automaticamente lembrei-me de como as pessoas se iludem e se enganam com histórias sobre mérito ou extremo sucesso pessoal sem levar em conta o fator acaso e aleatoriedade. A vida muitas vezes é uma loteria genética e muitas pessoas não percebem isso, abordei esse tema, um dos artigos meus que mais gosto, chamado A Herança e a Incongruência de Alguns Argumentos

   Enfim, tínhamos chegado a famosa pirâmide de Koh Ker. Como já tive o privilégio de viajar pelo México e América Central, vi muitas ruínas Maias (as mais fabulosas foram Palenque no conturbado, creio que hoje em dia não tanto, estado de Chiapas no México e Tical na Guatemala), estou acostumado com construções maias. É impressionante a semelhança dessa do Camboja com algumas que vi em minhas viagens anteriores pela América. Enorme, mais de 40 metros de altura, e sem ninguém a não ser um pequeníssimo número de uns seis turistas e mais dois sujeitos que tinham aparência de chineses. Encontrar um monumento desses no meio da floresta com quase ninguém é algo absolutamente raro no mundo, a não ser que você seja um arqueólogo mapeando cidades ainda desconhecidas, o que é cada vez mais raro de se encontrar.

Portal que leva a Pirâmide


Andando até chegar a monumental pirâmide sem ninguém no caminho, havia um templo antes da pirâmide que era consideravelmente grande

   Subimos então ao topo da pirâmide, e todos os turistas já tinham ido embora, apenas os dois homens que não. Resolvemos então ficar para ver o por-do-sol, mesmo sabedor que ainda não tínhamos lugar para dormir e estávamos no meio do nada. Engatei uma conversação com os rapazes, e eles eram muito simpáticos. Oriundos de Hong Kong. Um deles falava um ótimo inglês, algo difícil de encontrar em chineses e trabalhava como corretor de venda de obras de arte em leilões (emprego chique hein).

  A conversa foi boa, muito bacana. O sol se pondo, no alto de uma pirâmide de mais de 1000 anos de idade, sem mais ninguém, no meio da floresta, o que esperar mais de um fim de dia? Falei então que estávamos viajando há 10 meses, ele disse que tinha uma “inveja boa”. Comentei então sobre neurociência, memória de longo e curto prazo e como experiências como aquela ficam em nossa memória de longo prazo e disse brincando que em algum canto da memória deles a experiência de encontrar dois brasileiros numa pirâmide no meio da floresta iria permanecer por muitos anos, muito mais do que eventual compra de um telefone ou qualquer bem material. O Chinês mais fluente em inglês concordou assentindo com a cabeça.

   Hora de descer a pirâmide e procurar algum lugar para ficar (o Lonely Planet dizia que havia uma única pousada na estrada de volta, não tínhamos visto no caminho de ida, mas resolvemos confiar que a acharíamos). Pedi mais uma foto para a Sra. Soulsurfer. Ora, por que não mais uma foto, não é mesmo? Subi então numa laje. Não sei o que ocorreu, mas o meu óculos caiu. Num impulso tentei pegá-lo no ar com a mão direita, mas isso fez com que o óculos voasse longe para a outra direção. Tentei pegá-lo com a mão esquerda e me desequilibrei quase caindo para o lado.

  Quando me dei conta apenas pensei “Ah, Merda!!”. O topo da pirâmide tinha um buraco escuro sem fundo visível no meio, algo que não havia notado. Os meus óculos simplesmente tinha caído nesse poço, eu inadvertidamente quase tinha caído no poço ao me desequilibrar para pegar o óculos. Eu não dou bola para marca de produtos, procuro ter um consumo consciente daquilo que me é necessário e realmente importante para a minha satisfação. Entretanto, como tenho os olhos muito claros, como sempre estou na praia, faço questão de ter bons óculos escuros. Ultimamente, venho comprando apenas Per Sol. Já tinha quebrado um óculos na Austrália e agora tinha perdido outro. Caraca! Os óculos são carro para burro, 270 dólares americanos. Mierda. Se tivesse apenas quebrado, poderia trocar o óculos quebrado por um novo pela metade do preço. É isso, mil reais caindo no fundo do poço, porém pensei que não tinha sido nada, pois poderia ter sido eu a cair, aí creio que a chance de escapar com vida seria muito pequena.

  Um pouco atordoado, ainda tentei em vão ver se o poço era muito fundo mesmo, quando um dos Chineses me disse “Deixe isso para lá, não vale a pena se arriscar por um óculos. Ele pertence ao templo agora”. É, claro que não vale. Os óculos agora pertencem ao templo, apenas aceite e foi o que fiz.

No crepúsculo da Pirâmide. É, meus (que não são mais meus) óculos agora pertecem ao templo.

Aqui está o buraco que "engoliu" a minha proteção ocular. Quase fui eu que despenquei lá para baixo.


  Cabisbaixo descendo a pirâmide, lembrei que tinha que me preocupar em achar uma acomodação. Saímos então com a nossa scooter no meio da floresta e caminhos de terra até voltar a estrada. Por sorte achamos a pousada. Tomei um banho gelado, não tinha água quente, e fomos jantar. Mais uma vez tivemos que negociar o preço da comida. A dona da pousada queria 10 dólares, mas a Sra. Soulsurfer ficou cinco minutos conversando com a mesma até ela aceitar fazer por 7 dólares. Fazer o que, no meio do nada era pegar ou pegar.

  Éramos apenas nós na pousada e mais um grupo de quatro italianos acompanhados de um guia local. Eles não fizeram questão de conversar, então fiquei na minha comendo. Foi quando surgiu uma senhora com aparência chinesa de já certa idade falando um ótimo inglês. Ela chegou na mesa dos Italianos e eles, a exceção de um, nem deram bola para a senhora e continuaram a falar em italiano. Aquilo me incomodou bastante. Perguntei então para a senhora se ela não queria se sentar conosco. Ela abriu um sorriso e disse “Claro que sim!”.

  Meus amigos, foi uma das conversas mais gostosas e felizes que tive em vários e vários meses. Eu e minha companheira sentimos-nos conectados com a Senhora. Ela era nascida em Hong Kong (coincidência, pois os dois rapazes da pirâmide também o eram), mas morava há 42 anos no Canadá em Toronto. Falamos sobre tantas coisas. Filosofia, política chinesa, a bobagem que é achar que a visão ocidental sobre a China é o único retrato da realidade que existe, sobre a vida, filhos, desejos, bens materiais, foi sinceramente demais.

  Quando ela nos disse o que estava fazendo, apenas respondi "what?" Ela estava simplesmente pedalando. Sim, uma senhora de 62 anos resolveu comprar um ticket aéreo Canadá-Bkk, trazer a sua bicicleta e estava pedalando há 10 dias. O objetivo dela era chegar na China em um mês. Fantástico, extraordinário, é o que posso dizer.  O nome da senhora Elley Ho (provavelmente o nome ocidental dela).  Foram duas horas conversando que pareceram alguns minutos apenas.

  Frases e pensamentos lindos que ela ia dizendo como “coisas que aquecem o coração”, “vida que vale a pena ser vivida”, “a beleza de ajudar os outros e compartilhar momentos” apareciam enquanto a conversa transcorria. Como dois brasileiros na faixa de 30 e poucos anos podem se sentir tão conectados com uma Senhora na sétima década de vida de uma origem cultural tão diferente? Há algo que nos une enquanto seres humanos, prezados amigos leitores, algo difícil de se explicar (apesar de eu tentar fazer isso nesse espaço em alguns artigos), mas muito fácil de se sentir quando se passa por uma situação dessas. Foi maravilhoso.

  Disse para ela “esse é o jeito brasileiro de se despedir” e nós três demos um grande abraço longo e apertado. Ela então falou “venham me visitar em Toronto”, e se um dia passar por lá, como pretendo fazer numa próxima viagem de carro longa pelas Américas, com certeza será um prazer imenso reeencontrá-la. 

  Colegas, o relato ficou razoavelmente grande e a parte da aventura nem começou ainda (deixei muitas coisas de fora). Vou fazer uma segunda parte para que a escrita não se torne tão cansativa para aqueles leitores que se interessam pelo texto, mas tem apenas alguns minutos para se dedicar ao mesmo. O que terá na segunda parte? Bom, minha ida ao “banheiro" num lugar com suspeita de ser um campo com minas terrestres, a visita a um templo no alto da montanha onde há menos de cinco anos foi palco de um conflito armado entre Tailândia e Camboja com vários mortos, a quebra da moto no meio do nada, a ajuda espontânea das pessoas e a quebra novamente da moto num lugar que foi a última cidade sobre controle da organização genocida Khmer Vermelho até o final da década de 90 (lugar onde o infame Pol Pot foi mantido prisioneiro e cremado após a sua morte) , o desespero de ninguém falando inglês, a moto não ligando e meu passaporte com o visto americano com mais 400 dólares na mão de um Cambojano furioso com toda a situação a mais de 140 km de distância.


  Espero que tenham gostado, um grande abraço a todos!

20 comentários:

  1. Acho que não tenho nem metade dessa sua disposição !

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    1. Olá meu caro!
      E eu não consigo ter a disposição de fazer um detalhamento tão bem feito como você faz no seu blog:)
      E qua máscara é aquela no vídeo que você fez hein? "Hey Soulsurfer, I wanna play a game" hehe

      Abraço!

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  2. Bom dia, Soulsurf

    Vc fica escrevendo sobre direitos humanos, ONGs,altruísmo, bondade, caridade, generosidade, desambição, desprendimento..... , porém fica mendigando descontos de $2 ou 3$ dólares que para uma família pobre Cambojana certamente faria diferença, mas que para você significa muito pouco.

    Pergunto.
    Qual o sentido de fazer um discurso pró-altruísmo se no dia-a-dia você não o pratica?
    Por que vc não aproveita para ajudar essas pobres famílias? Não digo nem em dar uma gorjetinha a mais,coisa que pelo jeito vc não o faz, mas ao menos pagar o miserê que os pobres coitados pedem por um serviço?

    No demais, desejo que você continue fazendo uma boa viagem.

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    1. Boa noite, colega.
      Os diversos conceitos falados por você é algo que realmente tenho muita estima, e tento, na medida das minhas limitações e fraquezas, implantá-los em minha vida. Porém, creio que fez uma grande confusão. Colocou ONG, direitos humanos, despreendimento, generosidade tudo num bolo só. São coisas completamente distintas uma das outras.

      Você está confundindo também alguns conceitos, talvez por não conhecer a realidade desses locais. O mesmo tipo de almoço, por exemplo, que comemos regularmente (fried rice, alguma carne com arroz, etc), um local num restaurante local paga menos de U$1,00. Quando saímos das zonas turísticas comemos nesses locais, e sempre cobram o preço correto. Nunca, quando os lugares não são visitados por turistas, eu falo nunca, cobram um valor exagerado. Pode ser na Tailândia (que tem um per capta maior do que o Brasil), na Malásia (que tem um per capta maior do que o Brasil), na Indonésia, ou em qualquer outro lugar. No Japão, então, não tem diferença alguma em nenhum lugar. Inclusive no aeroporto o preço das coisas é o mesmo. Porém, Japão é Japão, um ponto fora da curva em muitos sentidos.

      Quando se cobra U$5,00 dólares por um prato de fried rice, isso é apenas aproveitar-se do turista. Se a pessoa quer pagar por desconhecimento, por comodidade, porque não gosta de restaurantes locais, etc, é um direito dela. Afinal, são transações livres. Eu já estou tão calejado desse tipo de coisa, um preço muitas vezes maior do que o correto, que não me importo, em algumas situações, em pagar um pouco mais do que locais em corridas de Tuk-Tuk, por exemplo, mas eu nunca pago o dobro, e muito menos 4,5 algumas vezes 6 vezes mais como alguns turistas. Quando é um pouco a mais, tudo bem. Agora, isso é muito diferente de cobrar um preço sem o menor parâmetro com a realidade. Além do mais, eu prezo o meu dinheiro, já que com o real valendo pouco, cinco dólares é mais de 20 reais, e 10 dólares mais de 40,00. Com esse dinheiro no Brasil, minha companheira cozinha um verdadeiro banquete como um peixe fresco ao molho branco e catupiry com direito a ostras frescas ao bafo (quer dizer cozinhava, vai saber quanto estão custando as coisas com essa grande inflação).

      Sobre o altruísmo, eu realmente não entendi. O fato de eu estar trazendo dólares para uma região pouco visitada não contribui com essas famílias? Isso não é capitalismo? Não são relações voluntárias. O seu discurso só faria sentido se fosse assim: eu não consumo nenhum produto produzido em países com pib per capta baixo, pois as empresas pagam uma miséria para padrões de países desenvolvidos. Você faz isso? Já parou para pensar quantos trabalhadores escravos são necessários para o nosso nível de consumo de classe média? Há ferramentas na internet que nos ajudam, se realmente pensamos seriamente sobre esse tema específico. Se sim, talvez poderia manter a coerência, apesar de eu achar que está equivocado no seu posicionamento.



      No mais, agradeço o comentário e o desejo que eu realize uma boa viagem.


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    2. Sobre conceitos: sim, são coisas distintas, mas que se relacionam entre si, então não há confusão alguma nisso.

      Sobre o prato de comida: Se me cobrassem 1 dólar, certamente me sentiria envergonhado de pagar tão pouco e daria mais 2 ou 3 dólares de gorjeta.
      Por outro lado, se cobrassem 2 ou 3 dólares a mais do que o mercado cobra ou acha "justo", não me importaria, pois consideraria isso como sendo uma boa ação para ajudar uma pessoa muito mais carente do que eu, mas que ao menos está trabalhando e fornecendo um serviço/produto em contra-partida.
      Muito diferente do que ocorre com o bolsa-família no Brasil.
      Veja bem, estamos falando de valores irrisórios comparados com os nossos patrimônios.

      Sobre prezar dinheiro: certamente que você preza o seu dinheiro, a maioria das pessoas com discurso social prezam o seu dinheiro, só não o dos outros.

      O fato de trazer dólares para uma região pouco visitada não é altruísmo, pois vc também está tendo retorno desses dólares para com você mesmo (comida/moradia etc).
      Isso é capitalismo e sim, isso são relações voluntárias.
      Altruísmo seria se você não se importasse em pagar 2 ou 3 dólares a mais pois visse isso como uma maneira de ajudar aquele pobre cidadão que certamente passa por muito mais dificuldades que vc.
      Por fim, sobre trabalho escravo, por acaso apontaram uma arma na cabeça desses trabalhadores? Eles estão acorrentados nos seus locais de trabalho? Ou eles trabalham por livre e espontânea vontade?

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    3. Colega, reflita um pouco. Num artigo sobre uma viagem ao Camboja e num assunto sobre se é correto pagar 5 vezes mais num prato simples de comida simplesmente porque você é turista, você trouxe o assunto "Bolsa-Família" e o discurso batido, sem qualquer relação com o tema, "a maioria das pessoas com discurso social prezam o seu dinheiro, só não o dos outros."
      Sério mesmo, colega? Só faltou falar de dominância fiscal e a Lava-Jato.
      Algumas sugestões:
      a) Venha para um lugar como esse e tire as suas próprias conclusões. Parece-me que você desconhece por completo como as coisas funcionam por aqui e faz afirmações sem conhecer a situação. Se não quiser se aventurar tanto, vá para Istambul , uma das cidades mais bonitas do mundo e bem acessível, vá ao Grand Bazaar e aceite o primeiro preço que eles oferecem a você qualquer coisa. Depois conte-me a sua experiência;
      b) Quem falou em altruísmo foi você, não eu. Eu disse que não via sentido no uso da palavra na situação narrada;
      c) Colega, sabemos que os regimes análogos a escravidão geralmente se baseiam em esquemas de dívidas. Em muitos lugares, por completo desespero das pessoas. Mas faça uma pesquisa nos seus bens. Veja se possui roupas produzidas em Blangadesh, Vietnã, Camboja, Índia ou China , a chance de ter vindo de empresas com condições de trabalho muito duras (muito mais do que servir um fried rice num local turístico no Camboja). Olhe os seus eletrônicos. A chance de ter algum material extraído numa mina em algum país esquecido da África com trabalhadores em quase escravidão é muito grande.
      O seu raciocínio seria o mesmo aqui. Ou você paga mais por esses produtos, ou demanda para as empresas que produzem por melhores condições de trabalho ou que as mesmas reduzam suas margens de lucro. Seja uma inspiração para as pessoas, ressentimentos não fazem bem ao coração.
      Se isso for muito trabalhoso, quando for pegar um transporte público, não esqueça de dar uma nota de 10 reais para o cobrador e dizer que o troco é dele. Há uma probabilidade bem grande de que um cobrador de ônibus no Brasil tenha uma renda per capta pelo PPP (poder de paridade de compra) inferior ao dono de um restaurante numa região turística. Se você vai se sentir bem com esse gesto, mais leve e feliz, faça isso inúmeras vezes no seu quotidiano.

      Abraço

      Excluir
    4. "
      Se isso for muito trabalhoso, quando for pegar um transporte público, não esqueça de dar uma nota de 10 reais para o cobrador e dizer que o troco é dele. Há uma probabilidade bem grande de que um cobrador de ônibus no Brasil tenha uma renda per capta pelo PPP (poder de paridade de compra) inferior ao dono de um restaurante numa região turística. Se você vai se sentir bem com esse gesto, mais leve e feliz, faça isso inúmeras vezes no seu quotidiano.
      "

      Você pode provar a sua afirmação? Ou é só um sofisma? Eu posso argumentar que o cidadão trabalha de cobrador pra passar o tempo e bater papo, e aí?

      Esse seu exemplo irônico de pegar em dinheiro e distrubuir no meio da rua é totalmente sem nexo e típico de gente que não conhece a dureza da vida e o sofrimento das pessoas necessitadas.

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    5. Colega, sem sair pela tangente e não admitir a incoerência do seu discurso. Ou serve para mim e não serve para você?
      Você disse lá em cima, de maneira nem um pouco cortês, apontou uma suposta incongruência por eu não querer pagar 5 vezes mais do que o preço correto. Isso é distribuir dinheiro no meio da rua, no pior local possível que é justamente em empreendimentos turísticos que em países mais pobres já estão numa posição muito melhor.
      Essa é fácil. Pegue o salário médio de um cobrador, divida por 4 e alguma coisa. Isso dará talvez menos de 400 dólares mês. A probabilidade de um dono de restaurante em Siem Reap ganhar mais de 400 dólares por mês é imensa.
      Conserte as contradições do seu discurso primeiro, colega. Quando eu escrever sobre temas mais espinhosos, fique à vontade para fazer as considerações que achar pertinentes. Fazer isso num tópico de viagens é simplesmente "sequestrar" o tema, isso sim algo sem nexo.
      Abs

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  3. Fantástico, continue nos brindando com suas experiências!

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  4. Parabéns por mais um belo post como sempre.
    Na descrição do seu perfil consta a Busca por um sentido...
    Na sua opinião, qual o sentido da vida?


    nos traz a tona uma boa reflexão. Na sua opinião, qual o sentido da vida?

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    1. Evelyn, grato pelo comentário.
      Essa é a pergunta, não? É uma busca constante. Creio que o sentido da vida vai mudando, pois nós sempre estamos mudando.
      Escrevi uma breve reflexão sobre esse tema num artigo chamado "O Sentido da Vida". Apenas não me lembro quando escrevi, mas está no blog, preciso organizar os artigos.

      Um abraço!

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  5. Valeu Soul! Cara vc é um dos melhores blogueiros que já li por aqui. Essas suas viagens me inspiram muito. Vc já foi nas ilhas Fiji? Acho que voce está bem perto, pelas fotos é um lugar sensacional. Estou num momento da vida que quero aumentar meu patrimonio e aportar muito esse ano. A partir do ano que vem eu vou trabalhar menos e viajar mais, quem sabe ir para Ásia. Boa viagem aí e escreve mais sobre o Camboja. Meu blog completou 2 meses e te coloquei nos meu blogroll. Abraço

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    1. Olá, amigo.
      Fiji é sensacional. Passei um mês lá. Tenho belas memórias. Muitos amigos feitos, visual alucinante e claro surfe em Cloudbreak.
      Dá uma olhada nesse artigo que conto um pouco da minha experiência lá: http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com/2015/06/fijicloudbreakwctslater-eu-sick.html

      Abraço!

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  6. Fala soul


    Fantástico post duplo. Esse ano mesmo com crise eu estou querendo viajar. Provavelmente lá pela metade ou ultimo quarto do ano.

    Abs

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    1. Grande Rover!
      Valeu, amigo. O seu último artigo foi bem bacana também.
      Creio que você deve, Rover, ainda mais em sua situação. Compreendo o fato de sua empresa não poder ficar "desatendida" por um período longo de tempo, mas creio que umas 2-3 semanas dá para ser, não é mesmo?
      Por que você não tenta Peru? Um baita país para se viajar algumas semanas e não é caro.

      Abraço!

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  7. Eu tinha uma vontade bem grande de conhecer o Camboja, até começar a pesquisar todos os relatos dessa coisa deles "tentarem se aproveitar" do turista (o que acontece muito aqui no Rio, por sinal). Muitos gringos até chamam o país de Scambodia ...

    Não sei ... odeio essa sensação de estar constantemente sendo passado a perna, de ter q pechinchar ferozmente (pechinchar um pouco faz parte ...). Desde então minha vontade diminuiu um pouco de conhecer tal país ...

    Mas continue o relato!! vai que o cambodia sobe algumas posições na minha lista!! haha
    Abraço
    Victor

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    1. Olá, Victor!
      Andou lendo bem, pois realmente há essa expressão "Scambodia". Olha, ter que barganhar é normal em qualquer lugar turístico da Ásia. A Índia então é um completo inferno em relação a isso.
      Como o Brasil não temos esse hábito é algo que não praticamos. Eu nem esquento com isso (algumas vezes quando estou cansado, realmente pode ser chato). Além do mais, creio que melhorei bastante minha habilidade em negociar, mesmo que seja imóveis por exemplo, pois me tornou muito mais flexível e disposto a ouvir o que o outro proponente tem a dizer.

      O Camboja é um país sensacional com um povo extraordinário. Se tiver a oportunidade de visitar, venha. Os aborrecimentos são pequenos perto do que você pode vivenciar por aqui.

      Abraço!

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  8. Boa noite, Soulsurfer,
    Comecei a acompanhar há pouco tempo os blogs de finanças daqui, muito bacana o seu. Bem legal esses relatos de viagens.

    p.s.: costumo ler os comentários dos posts também e em outros blogs sempre falavam da agressividade de alguns trolls, mas nunca tinha visto como esse aí de cima. Sugiro que você nem dê atenção a um sujeito desse, que invade o blog alheio para aborrecer e criticar por criticar.

    Boa viagem
    Um abraço,
    Eduardo

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    1. Olá, Eduardo.
      Grato, há muita coisa interessante na blogosfera para todos os gostos.
      É, alguns personagens gostam bastante de aparecer por aqui. Você tem razão, mas é que eu sempre gosto de dar uma resposta para quem faz um comentário, uma questão de educação. Porém, em certos casos não vale a pena mesmo.

      Abraço!

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