sexta-feira, 25 de agosto de 2017

VIVEMOS NUMA "BOLHA"?

Olá, colegas. Tenho escrito pouco. Não, escrever não deixou de ser prazeroso, apenas alguns outros pontos da minha vida estão pedindo mais atenção. Desde o meu retorno à minha casa da viagem (uns oito meses), muita coisa interessante aconteceu na minha vida. 

Sinto-me muito forte, aliás, foi essa a resposta que dei a minha professora de Yoga quando ela me perguntou como eu me sentia. Consigo enxergar com muito mais clareza vários aspectos da vida, se comparado com alguns anos atrás. A parte financeira da minha existência nesses breves oito meses anda bem agitada, com resultados presentes e potencias muito superiores ao que imaginava ao voltar ao Brasil. Foi tão surpreendente, que em poucos meses pretendo me ver livre das minhas “algemas de ouro”.

Apesar de não estar escrevendo muito, sempre olho as postagens dos blogs de finanças do Brasil. O interessante é o fato de que é  quase a minha única leitura em português, pois quase tudo que leio atualmente é em Inglês. A diferença de material de qualidade que existe na língua de Shakespeare comparada com a nossa é assombrosa.

Há muitos blogs novos, ou não tão novos, fazendo um trabalho de muita qualidade. Blogs como Aportador Financeiro, Busca do Primeiro Milhão, Investidor Inglês, Termos Reais (muito interessante o último artigo sobre Dopamina), entre outros, estão dando uma contribuição muito bacana, ainda mais num país com tão pouca difusão de idéias de boa qualidade. 

Há , porém, os blogs mais antigos, entre eles um dos mais conhecidos é o Blog do Corey. E pretendo hoje aqui abordar o último artigo dele sobre A Bolha da Classe Média, mas o farei é claro com a forma “soulsurferiana” de falar sobre alguns aspectos de nossa vida. Antes de mais nada, congratulo o Corey por trazer à baila um tema tão importante.


É POSSÍVEL VIVER “FORA DE UMA BOLHA”?


Conforme o autor do artigo supracitado, a “classe média” brasileira tem uma tendência de se fechar em seu mundo limitado, quase sempre com um foco mais forte no consumo, não percebendo que existem dezenas de milhões de pessoas que sobrevivem e vivem, algumas aparentemente com elevados graus de satisfação, com um padrão de consumo muito menor. Logo, o que boa parte da “classe média” pensa ser uma necessidade para se ter uma boa vida, talvez não seja tão necessário assim. Coloquei classe média entre aspas para evitar quaisquer discussões, que fogem do foco do texto, sobre o que seria a classe média.

O ponto é interessante e válido. Porém, podemos viver fora de uma “bolha”? Para responder a esta questão, precisaríamos definir o que entendemos como “bolha” nesse contexto.  Definirei como bolha a limitação que a realidade que nos cerca nos impõe e a nossa capacidade de entender essa mesma realidade. Parece-me uma definição razoável.

Sobre esse ponto de vista, nós seres humanos sempre viveremos numa eterna bolha. Nós só temos a habilidade de viver no tempo presente, não temos ainda a capacidade de fazer jornadas ao passado ou ao futuro (ao futuro é bem mais fácil, quem entende o básico da teoria da relatividade geral do Einstein sabe o motivo).  Logo, as instituições culturais, econômicas, sociais, científicas que dominam certo tempo histórico farão que a nossa compreensão da realidade seja condicionada. Em minha opinião, é impossível realmente saber o que um fenício há 2.500 anos pensava sobre sexualidade, por exemplo.

Além do mais, estamos presos num determinado lugar.  Não podemos, como na belíssima música Space Odyssey, sair flutuando pelo espaço. Portanto, ao menos por enquanto, nós humanos enquanto espécie estamos restringidos ao nosso planeta. Nós humanos  enquanto indivíduos  estamos restringidos a uma determinada localidade geográfica desse mesmo planeta. Por mais que nos esforcemos, a vida aos olhos de uma senhora nômade de 50 anos  no interior da Mongólia apresentará diferenças signiticativas aos olhos de uma senhora de 50 anos que sempre morou em Londres.

Se usarmos um pouco de Ciência, perceberemos ainda que a nossa própria capacidade de entender a realidade é limitada. O espectro da radiação eletromagnética que podemos observar sem a ajuda de aparelhos é limitadíssimo. Há sons que são imperceptíveis para nosso aparelho auditivo. Nós também não podemos observar eventos rápidos demais, ou lentos demais, ou pequenos demais como a fusão de dois átomos de hidrogênio num de Hélio (sim, é isso que nos mantém vivos). Mesmo reações tão fundamentais à própria realidade são e serão sempre, muito provavelmente, fora do alcance da nossa percepção concreta do mundo.


Uma imagem clara da nossa "bolha perceptiva". O especto de radiação que o ser humano consegue observar diretamente é minúsculo. Há mundos invisíveis às nossas próprias condições biológicas de percepção.


Portanto, “viver dentro de uma Bolha” é a condição humana. É algo inescapável. O que pode ser possível, entretanto, é expandir a nossa percepção, e por via de conseqüência o espaço da nossa própria “Bolha”. Como?


MEIOS DE EXPANSÃO DA “BOLHA” NOSSA DE TODO O DIA


1)      Não se imponha limitações desnecessárias por algum sentimento negativo


Uma vez escrevi um artigo sobre “Globalismo”. Algumas pessoas não gostaram, mas um rapaz em especial ficou extremamente irritado.  A irritação foi tão grande que ele escreveu, em outros textos, alguns comentários negativos não sobre os meus textos,  o que seria compreensível e legítimo, mas sobre mim.  Houve um fato, porém, que foi interessantíssimo, o supracitado rapaz disse que a vida era muito mais do que “tomar chá com índios tibetanos”.  Talvez ele pensasse que um comentário como esse, para além do erro factual claro na frase, fosse uma maneira de ser agressivo e sarcárstico ao mesmo tempo.

Colegas, isso é apenas se auto-impor limites, encolher a sua “bolha” e ter uma visão muito menor de mundo. Se há algo extraordinário é tomar chá com pessoas em outros países. Tomar um Chá de Maça ao entrar numa loja de tapetes na Turquia ou no Irã, tomar chá ao com um russo completamente desconhecido ao acordar num trem passando no meio da Sibéria, tomar um chá com uma senhora de meia idade tipicamente britânica, pedir um chá  por R$0,10 para algum homem gritando "chai, chai, chai" no meio de uma rua lotada em alguma cidade da Índia, ou, sim, tomar um chá de leite de Yak com tibetanos.

O chá é algo muito arraigado na cultura de muitos povos. Sendo assim, se a pessoa pode ter acesso, nem que por um breve momento, a este ritual de forma espontânea, uma nova janela sobre uma diferente cultura pode se descortinar. Talvez o rapaz que escreveu não faça ideia disso, ele se auto-impôs uma limitação porque as suas emoções o fizeram ficar irritado.

E qual é a importância de “descortinar uma janela para outra cultura”? Enorme, se você quer expandir a sua “bolha”, ou melhor dizendo,  aumentar a sua compreensão sobre o planeta em que você vive, e sobre a espécie da qual você faz parte. Como dito anteriormente, dificilmente um brasileiro conseguiria entender o mundo na forma como um religioso hindu o compreende, por exemplo, mas é indubitável que se pode ao menos fazer um esforço legítimo para tentar chegar próximo.

Logo, se quer expandir a sua compreensão do mundo (a sua “bolha”), não se imponha auto-barreiras, principalmente se as mesmas são frutos de emoções negativas. Isso vale para inúmeros aspectos de nossa vida.


2)      Exercite Empatia


              A empatia talvez seja uma das forças mais poderosas para a transformação da vida de uma pessoa para melhor.  Pouco estimulada, a empatia às vezes é simplesmente eliminada em alguns contextos. Fale sobre algum tópico político no Brasil mais sensível, como , por exemplo,  porte de armas, ou aborto, ou legalização de drogas, e é possível, principalmente em mídias sociais, que a empatia de uma pessoa por outra com uma opinião diferente desapareça por completo.

                Quando a empatia por outro indivíduo desaparece por completo, fica evidente que comportamentos dos mais agressivos podem aflorar de maneira intensa. Para além de comportamentos agressivos ativos, talvez o resultado mais comum da falta de empatia é a indiferença aos outros.

             Mas o que é a empatia?  Há uma expressão inglesa que diz mais ou menos o seguinte: “put oneself in someone´s shoes”. Literalmente, significa “vestir o sapato de outra pessoa”, metaforicamente o sentido é “tentar se colocar na posição de alguma pessoa, para perceber as emoções, sentimentos, angústias, sofrimentos, etc , dessa mesma pessoa

           A expressão é perfeita. Isso é empatia. Nunca conseguiremos saber o que se passa realmente na vida de outra pessoa. Essa é uma limitação biológica. Talvez a Inteligência Artificial venha a mudar isso no futuro, mas não adentrarei nesse tópico. Porém, é possível se fazer um esforço genuíno para tentar ao menos compreender como é estar na situação de algum outro ser humano.

        Quando há um exercício legítimo de se colocar no lugar do outro, o que acontece? A nossa compreensão do mundo, e de nós mesmos se expande, a nossa “bolha” se torna maior. Se  procuro entender por qual motivo, mesmo que eu hipoteticamente seja totalmente contra o aborto, uma pessoa seja favorável ao aborto, ao invés de apenas ter a postura preguiçosa e cômoda de taxá-la de “monstro” ou coisas do gênero, se exercito a empatia, a minha compreensão de mundo e dos outros naturalmente aumenta.

         Se procuro entender, se hipoteticamente vivo num bairro de classe média, como é a vida de uma pessoa que mora no complexo do Alemão no Rio de Janeiro, e como essa pessoa pode se sentir em relação à vida, a minha compreensão do mundo aumenta. Ao aumentar a compreensão, pode ser que isso até tenha efeitos em como alguém leva a própria vida. A pessoa pode, por exemplo, achar que pode viver uma boa vida com R$ 3.000,00 por mês ao invés dos R$ 30.000,00 que anteriormente achava necessários. 


        A empatia nos faz seres humanos melhores. Aumenta a nossa compreensão do mundo, e pode ter efeitos práticos positivos extremamente significativos em nossa vida. Com certeza faz com que a “bolha” em que obrigatoriamente vivemos se expanda, e se torne muito mais complexa, colorida e divertida de se viver.


 É isso, colegas, o texto já está um pouco grande. Abordaria outras formas de expansão da nossa compreensão, e por via de conseqüência da nossa “bolha”, mas ficarei por aqui.


Um grande abraço a todos!

28 comentários:

  1. Olá Soul,

    Tomar chá com índio tibetano não fere o princípio de não agressão.

    Não sei porque se estressam com isso. :)

    Qualquer dia escreverei sobre o Matrix da vida real, mas não será sobre consumo.

    Abçs!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, I.I.!
      É verdade, amigo.
      Cara, você tem que fazer parte do grupo meu, do Frugal e do VR. O VR adora colocar o princípio da não-agressão, qualquer discussão mais "apimentada", e lá vem ele com o princípio (que aliás é um baita de um princípio fundante) vocês iriam se dar bem.
      Um abs

      Excluir
    2. Que grupo?

      Se quiser, responda por email.

      Abçs!

      Excluir
  2. Que são as algemas de ouro e qual o valor soulsurferiano para delas se libertar?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Opa, colega.
      O valor já foi ultrapassado há muito tempo, mas por razões de conservadorismo extremo, por não ter refletido anteriormente com mais vagar e profundidade sobre o tema, eu fui seguindo.
      Quais são as algemas? Um cargo que paga mais de 30 mil, e que possuo autonomia de chefia, horário, etc.
      Abs

      obs: a expressão nem é minha, foi o Viver de Renda que falou para mim numa conversa com ele.

      Excluir
    2. Olá Soul,

      Obrigado pela referência no início da postagem, pois saiba que eu tenho aprendido muito mais depois que comecei a manter o blog.
      Eu reflito bastante sobre o limite da "bolha" que eu vivo. Busco ter experiências diferentes e exercitar a gratidão ao próximo para ampliar os limites da minha "bolha".
      Sobre essa "algema de ouro", eu percebo que também possuo uma.

      Grande Abraço

      Excluir
    3. Deduzo, pois, que retomaste o múnus público, pós viagem de oito meses.

      Há razões para publicação das conversas que entabulou com o honorável VR, no que couber, preservando-se o anonimato nas peças que merecerem essas brumas. Ser-nos-ia de inestimável valor obter fragmentos do exercicicongecinento

      Excluir
    4. Olá, Aportador.
      Grato pelo comentário. Escreva sobre isso qualquer dia no seu blog, gostaria de ler a respeito.

      Anônimo,
      Sim, mas não era nenhum segredo aqui no Blog. Quem sabe, pretendo fazer um podcast com o Viver de Renda qualquer dia desses.

      Um abs

      Excluir
  3. Muito bom. Sugiro assistir a Battlestar Galactica (a versão dos anos 2000). É uma série que, embora de ficção científica, tem uma temática de questionamento de valores que julgamos pétreos.

    Se nunca viu, com certeza se surpreenderá.

    ResponderExcluir
  4. Grande Soul!

    Obrigado por me citar. É engraçado como somos tão diferentes, vivemos vidas tão diferentes e mesmo assim conseguimos nos expressar de maneira semelhante. Seus textos são profundos e complexos, os meus são mais simples e despretensiosos mas no fim conseguimos passar nossa mensagem mesmo que muita gente não compreenda sobre o que estamos falando.

    Seu texto veio em boa hora, vou cita-lo lá no blog, é uma maneira de esclarecer alguns pontos que podem ter ficados obscuros no meu.

    O que vc disse sobre empatia é a mais pura realidade, é algo em extinção e pouco valorizado, tanto que a palavra é quase desconhecida por grande parte das pessoas. Acho sim que a falta de empatia é uma das grandes causas do apodrecimento de algumas sociedades.

    Abraço!

    Corey

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Corey. Grato pela visita e comentário. Será que somos tão diferentes? Você vive com uns 4-5 mil por mês com a sua mulher não? É exatamente a quantia que eu gasto para ter uma vida confortável com a minha mulher, apesar de eu em teoria poder gastar umas 9-10 vezes mais do que isso.
      Você procurou focar a sua vida em simplicidade, não por avareza, mas porque essa simplicidade traz para você mais bem-estar e menos preocupação do que uma vida muito voltada ao consumo de mais e mais coisas, é exatamente o que faço também.
      As eventuais diferenças são normais, pois temos formações, famílias, experiências distintas, cada um tem a sua "própria bolha". Porém, é possível que em muitas coisas mais essenciais sejamos parecidos, apesar de num primeiro olhar exterior um observador achar que somos completamente diferentes.
      O seu estilo de escrita também é muito válido, cria uma conexão com o leitor, uma proximidade, que talvez a minha forma de escrever não crie de maneira tão fácil. Prossiga com o que você faz, pois muitas pessoas gostam.

      Com certeza, a empatia é fundamental para termos vidas e comunidades mais bem equilibradas e mais satisfeitas.

      Um grande abraço Corey!

      Excluir
    2. Quase chorei aqui !

      Excluir
  5. Bela reflexão Soul!

    É fundamental que continuemos a sempre expandir a nossa bolha, seja pelos métodos que temos a disposição.

    Considero a blogosfera como um destes métodos pois ela nos permite acesso aos pensamentos de vários colegas assim como você e que agrega valor e saber as nossas vidas.

    Abraço

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Mestre dos Centavos.
      Claro, essa rede de blogs e personalidade distintas não deixa de ser uma forma da gente (re)aprender muitas coisas. Porém, as pessoas que escrevem sobre finanças tendem a ter determinados tipos de comportamentos idênticos, ou ideias muito semelhantes. Se por um lado pode ser interessante, por outro pode ser um pouco limitador se a pessoa ficar adstrita apenas a isso.

      Um abs

      Excluir
  6. Excelente Texto Soul, muito elucidativo.

    Vale frisar que essa "ampliação da nossa bolha" torna mais fácil (ou menos difícil, hehehe), exercitarmos a tolerância, tão deixada de lado nesses tempos.

    Abc

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, colega.
      É verdade, você tem toda razão.
      Um grande abraço!

      Excluir
  7. Olá Soul!

    Muito obrigado pela citação ao meu blog!

    Quanto a "bolha", gosto de como a tecnologia pode expandi-la. Ha contras, sim. Mas, fico com seus pontos positivos.

    Já quanto a empatia, essa sua definição é muito boa

    " A empatia nos faz seres humanos melhores. Aumenta a nossa compreensão do mundo, e pode ter efeitos práticos positivos extremamente significativos em nossa vida. Com certeza faz com que a “bolha” em que obrigatoriamente vivemos se expanda, e se torne muito mais complexa, colorida e divertida de se viver."

    Infelizmente, poucos a usam...

    Abraços!

    ResponderExcluir
  8. Senhores, primeiramente peço desculpas por utilizar esse canal para explicar que tive imprevistos quanto ao blog, haja vista que este foi suspenso temporariamente em decorrência de comentários ofensivos de anônimos que estão buscando desativar nosso reduto.

    Segundo, agradeço a colaboração e a presença de todos vocês e solicito encarecidamente que divulguem essa notícia.

    Estou buscando solucionar esse imprevisto. Desculpe o transtorno.

    ResponderExcluir
  9. (Parte I)
    Houve uma vez, em um curso de espanhol que eu frequentava, o professor solicitou que cada aluno da turma refletisse e escolhesse um lugar onde gostaria de ter nascido/vivido, sem restrição de época. A escolha deveria ser justificada.
    Lembro-me de ter escolhido viver no momento que o tango estava tomando forma na zona portuária de Buenos Aires (San Telmo ou La Boca, não lembro exatamente). Quando ele me perguntou o porquê da minha escolha, eu disse que gostava da ideia de viver em um momento histórico de ruptura, que não me interessava viver nos anos dourados como foram os anos 20 em Berlim, ou nos anos 50 na América porque o que eu gostava era da gente que vivia "revoloteándose como chanchos en el barro", ou seja, a mim me interessava às épocas nas quais as pessoas chegavam ao fundo do poço, dilacerando-se/amalgamando-se, criando/refundando-se porque me parecia que era durante essas épocas que os saltos de desenvolvimento da humanidade ocorriam e coisas geniais eram produzidas, como o tango. A minha escolha se baseava na maior distância que eu poderia pôr entre mim e uma existência pacata, de pequeno-burguesa com uma casa, um carro e um cachorro.
    Como os portenhos dizem, eu era uma tremenda "boluda".
    Hoje, eu sei que esses períodos, que eu ingenuamente achava como os mais interessantes, são construídos sobre muito tormento, sobre muita injustiça e sofrimento. O período que eu escolhi viver naquela aula de espanhol encontra-se o início do extermínio da população negra que existia na Argentina na época colonial; nessa época, a população negra na Argentina era 30% do total. Quem aqui, hoje, conhece alguma pessoa negra nascida na Argentina?
    A minha predileção foi justamente por um período que Bauman caracteriza como interregno - esse período que estamos vivendo neste século no qual não somos mais o que éramos, mas ainda não chegamos ao próximo nível. Nas palavras dele numa entrevista para um programa de televisão: "no estado de interregno, as formas como aprendemos a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais. As instituições de ação coletiva, nosso sistema político, nosso sistema partidário, a forma de organizar a própria vida, as relações com as outras pessoas, todas essas formas aprendidas de sobrevivência no mundo não funcionam direito mais. Mas as novas formas, que substituiriam as antigas, ainda estão engatinhando. Não temos ainda uma visão de longo prazo, e nossas ações consistem principalmente em reagir às crises mais recentes, mas as crises também estão mudando. Elas também são líquidas, vêm e vão, uma é substituída por outra, as manchetes de hoje amanhã já caducam, e as próximas manchetes apagam as antigas da memória, portanto, desordem, desordem.”.

    (continua...)

    ResponderExcluir
  10. Parte II (...continuação)

    Mas o que isso tem a ver com o tema do post? Porque eu entendo que é nestes períodos de interregno que a qualidade mais necessária é a empatia, aliás, mais do que empatia, eu vejo como um trinômio (empatia + compaixão + altruísmo). Acho que a empatia dispara a compaixão e leva-nos a atitudes altruístas. Porém, diferentemente do Bauman que se via como um pessimista em curto prazo e um otimista em longo prazo, pois "quando analisamos a história a humanidade, apesar da nossa tendência de esquecer a História, da crise da memória histórica, apesar disso, a história da humanidade é animadora. Ela era muito mais cruel e sórdida antes. É muito menos cruel e sórdida agora, apesar de tudo de terrível e ultrajante que acontece. E houve muitas crises na história da humanidade, muitos períodos de interregno, nos quais as pessoas não sabiam o que fazer, mas elas sempre acharam um caminho" eu sou pessimista no curto e no longo prazo.
    Sou pessimista no longo prazo, não porque não acredito que não acharemos um caminho. Sim, encontraremos um meio de atravessar essa crise, eu não tenho dúvida disso. Minhas dúvidas são acerca da natureza da solução que daremos. No 1º episódio da 3ª temporada do Black Mirror, a protagonista dependia da pontuação que tinha nas redes sociais para ser elegível para comprar uma casa no condomínio dos sonhos dela. Os cenários desse episódio eram em cores pastéis e as pessoas conviviam em harmonia (supostamente) trocando boas notas entre si, todos com comportamento afável?
    Acho que a solução que virá é por aí... Vejam os resultados de um estudo conduzido por alemães e norte-americanos sobre a possibilidade de induzir determinados tipos de comportamento em humanos - neste caso, atitudes altruístas - após inalar hormônio do amor:

    Como o hormônio do amor diminui o ódio ao estrangeiro:
    https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/18/ciencia/1503070780_902215.html
    Paper original, na íntegra:
    http://www.pnas.org/content/early/2017/08/08/1705853114.full.pdf

    Existe um filme inglês que antecipa o resultado dessa pesquisa dos alemães em muitos anos - Código 46 do Michael Winterbotton - onde um auditor, para descobrir uma fraude em um sistema de passes que permitem às pessoas se deslocarem de uma região para outra - faz uso de um vírus da empatia. Uma vez que o auditor esteja usando esse vírus, ninguém conseguirá ocultar nada dele.
    Como Eduardo Galeano escreveu em um de seus livros, já sinto falta da época que o único passaporte exigido era onde meus pés poderiam me levar.
    Um abraço,
    Anna Kellner

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Anna. Muito bacana o seu comentário, com diferentes partes interessantes.
      Realmente, se olharmos para a nossa história, somos menos cruéis do que costumávamos ser, se olharmos a crueldade com olhos do século 21.
      O episódio que você narrou do Black Mirror é um dos que mais causaram uma forte impressão em mim, pois ele já acontece atualmente (claro que numa proporção algumas ordens de grandeza menor). O interessante desse episódio é quando ela encontra uma pessoa que realmente oferece Empatia-Compaixão-Altruísmo para ela. Qual era o Score dessa pessoa, e como a sociedade a via, você se lembra?

      Grato pela sugestão de filme, vou procurar.

      Um abs

      Excluir
    2. Lembro Soul. E costumo comentar com amigos que, se a coisa atingir a proporção que o episódio retrata, eu pressinto que me tornarei parecida com essa personagem, pois já hoje, não tenho rede social alguma e as pessoas têm as reações mais diversas possíveis, e a maioria das reações, não são bonitas de se ver!
      Abraço,
      Anna Kellner.

      Excluir
  11. Soul: você disse: "O interessante é o fato de que é quase a minha única leitura em português, pois quase tudo que leio atualmente é em Inglês."

    Poderia compartilhar alguns links (além daqueles que já constam de seu blogroll) do que anda lendo em inglês, principalmente de finanças?

    Forte abraço,
    Jeca

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Jeca. Posso escrever sobre isso sim. Irei fazer um post mais detalhado.
      Um abs

      Excluir