domingo, 20 de setembro de 2015

TASMÂNIA - OESTE SELVAGEM

  Olá, colegas. Aproveitando o embalo,  as vivas lembranças, e o fato que consegui acesso a internet na inusitada e desértica cidade de Coober Pedy - sim a aventura pelo outback começou - continuo a escrever sobre a incrível Tasmânia. Depois de deixarmos o maravilhoso Cradle Mountain - Lake Saint Clair National Park (escreverei um artigo específico sobre este lugar), fomos dormir na cidade de Burnie. Lá, eu encontrei o xará do Corey (ver artigo a respeito) e fiquei hospedado num albergue dormindo no estacionamento do mesmo, pagando uma pequena taxa para usar as facilidades (é bem confortável dormir no carro).  Escolhi o albergue, pois precisava ficar acordado de noite e ter acesso a internet. O fuso horário em relação ao Brasil é de 13 horas. De madrugada, ou seja de manhã no Brasil, iria ocorrer um leilão. Era um leilão de um prédio comercial. A operação seria complexa. O imóvel era central da cidade onde eu moro. A operação iria envolver problemas jurídicos, depois uma bela reforma e esperar o bear market passar. Para mim era uma grande oportunidade. Porém, faltando duas horas para o leilão fui avisado por Whatsapp que um dos parceiros não estava tão convencido. O prédio era num terreno retangular, o padrão construtivo não era bom, havia sinais de deterioração no prédio, assim não valeria a pena. Eu apenas argumentei se o prédio fosse muito bem construído, com um terreno quadrado de boa testada e sem quaisquer problemas, estaríamos falando de uma quantia de oito dígitos e não o preço que poderia sair no certame.   Havia, em minha opinião,  a possibilidade real de depois de resolvidos os problemas jurídicos e gastos uns 500k em reformas, chegar num aluguel de 1.5% am pelo preço mínimo do leilão (se saísse por esse valor). Assim, isso daria uma possibilidade de ganho de capital na ordem de 100%, se vendêssemos o imóvel por um yield de 0,7% am (o que é algo bem razoável) lá por 2018 - sendo bem conservador. Porém, fui voto vencido e ao invés de ficar antenado e “pilhado" na internet, aceitei a decisão.  Aliás, foi uma noite bem interessante, pois o albergue estava vazio e era muito bacana com um ar de casa. Havia um australiano de 2,15  metros de altura (o cara era grande) e outro de Melbourne que por coincidência também trabalhava com imóveis. Os dois eram bem simpáticos. Depois de um belo vinho australiano, fui pego nas garras de morpheu.

Vista do Albergue onde dormi na cidade Burnie. Foi uma noite diferente.

  No próximo dia, fomos margeando inúmeras cidades pequenas no litoral norte da Tasmânia. Como estava ensolarado, o oceano estava muito azul, numa cor que raramente se vê em praias  brasileiras. Após algumas horas, chegamos na cidadezinha de Stanley. O objetivo principal era conhecer a linda e interessante formação rochosa chamada “The Nut”. Que espetáculo! A trilha é bem tranquila, apesar de forçar um pouco o aeróbico pela inclinação da mesma no começo, e andar no topo do platô por uma hora e pouco foi muito bonito. O dia estava fenomenal o que contribuiu ainda mais para adicionar cor à experiências e às fotos.

Dia fantástico na bela cidade de Stanley.

The Nut. Só posso dizer que foi fenomenal o passeio.

Soulsurfer contemplando a natureza esplênica no topo do The Nut.


   Depois de andarmos pelo “The Nut”,  resolvi ir num local onde potencialmente poderia ter onda, numa vila com menos de 200 habitantes chamada Marrawah. Adentrávamos, então, o que se conhece como o Western Wildeness. Amigos, a Tasmânia já é um local isolado e selvagem tirando algumas pouquíssimas cidades. Imagine um local que eles mesmos chamam de selvagem. O local representa uns 25% do território da tasmânia, e é de uma beleza incrível, de uma natureza intocada, e de povoamento extremamente esparso. Quando cheguei ao local, vi que tinha umas ondas meio gordas quebrando. Não havia nem vestígio de qualquer ser humano no local, muito menos de surfistas, e eu não resolvi me arriscar numa água gelada, no meio das pedras, sem ninguém surfando.

Em Marrahah, olhando as ondas e a beleza selvagem da coesta oeste da Tasmânia. Muito frio, muitas pedras, talvez tubarões, nenhum surfista, aliás nenhum ser humano por perto, foram os motivos que me afastaram do mar.

  Havia um free camping de frente para a praia com banheiros e churrasqueiras elétricas. Havia um mortorhome estacionado com um casal de velhinhos sentados na cadeira do lado de fora. Ao começarmos fazermos a nossa janta, o Senhor se aproximou e começou a puxar conversa com um sotaque australiano extremamente pesado. Crag, era o nome do Senhor,  era simpático e insistiu para que jantássemos no trailer dele, já que estava ficando muito frio, principalmente por causa do vento ( e estava mais).  Acabamos tendo uma noite extremamente agradável. O casal era bacana e contaram um pouco da sua vida. Ele era motorista de caminhão de lixo, a senhora eu não lembro o que fazia, e me disse que ganhava um salário de 35 dólares a hora. Um belo salário que permitiu que ele construísse um patrimônio e pudesse gozar uma aposentadoria com certo conforto. Aliás, essa é uma das grandes diferenças entre um país como a Austrália e o Brasil. Aqui, um motorista de caminhão de lixo pode ter uma vida boa. No Brasil, isso é muito difícil. Porém, não é o tópico desse artigo traçar diferenças entre países tão diversos. Após a janta, nos ofereceram vinho que vinha numa sacola, apelidei carinhosamente de “wine bag”, e ficamos conversando sobre diversos tópicos. Ele ressaltou o receio de terrorismo islâmico no seu país, contou sobre a sua origem escocesa e tantos outros assuntos. Os dois falaram que gostariam de morar na Tasmânia, mas a existência de netos os faziam mudar de ideia para não perder o contato com as crianças. Quando eu contei que era um "city boy", ao responder a fala dele que não gostava de cidades, ele disse sorrindo "get out of here".  Ao saber o que eu fazia como profissão, ele mudou a entonação e disse "get fuck out of my motorhome!" e todo mundo caiu na gargalhada.  Enfim, uma grande noite, e o que é melhor eles tinham aquecedor dentro do confortável trailer e foi bom ficar quentinho por umas horas. Soube que ele, enquanto ainda na Tasmânia, se acidentou e quebrou algumas costelas, mas aparentemente está tudo bem. Espero que sim.

Free camping com churrasqueira na praia? Assim, fica fácil:)

Nascer do sol no acampamento na pequena vila de Marrahaw

Nossa pequena campervan perto do motorhome luxuoso. Aquecimento, televisão, geladeira, mesa para sentar, nâo é à toa que os grey nomads passam meses e meses viajando pela Austrália, dá para viver muito fácil num veículo como esse.


  No dia seguinte, dirigimos pela costa oeste e não havia ninguém. De vez em quando se avistava alguma vila com dezenas de casas e só. Inúmeras placas indicando a presença do famoso “Tasmania Devil” (demônio da Tasmânia) na região. Será que teríamos a sorte de ver um demônio da tasmânia na natureza? É muito difícil, mas ali era a região ideal, pois é um dos poucos lugares na Tasmânia onde há colônias de demônios sadios, sem o triste tumor facial, doença esta que ameaça de extinção essa espécie espetacular. Provavelmente, irei escrever mais sobre o demônio da tasmânia, assim deixarei para uma outra oportunidade para falar desse incrível animal. O objetivo era chegar na cidade de Stranhan. Havia duas possibilidades: um grande loop de 300km, ou um atalho de 100km. Obviamente, o atalho de 100km envolvia uma estrada remota, de terra, onde quase ninguém vai. Claro também que foi essa que escolhemos, apesar de nunca ter andado por tanto tempo numa dirt road.

O único lugar na Tasmânia inteira que vimos essa placa. O demônio da Tasmânia é um animal espetacular e é uma pena que ele esteja muito ameaçado de extinção por causa do tumor de face que afeta mais de 80% da espécie.

  Ainda bem que escolhemos o atalho! A estrada tinha o sugestivo nome de Western Explorer Road. Nunca me senti tão isolado do mundo como naquela estrada. Não havia nenhum rastro de seres humanos nos 100km da estrada. O caminho era belíssimo e remoto, foi uma experiência muito legal mesmo. Apenas um carro passou pela gente na direção contrária nas duas horas de viagem (pelas condições da estrada, a velocidade do carro teve que ser bastante reduzida) até a primeira “cidade”. Na verdade, era uma vila com 10 habitantes, sim isso mesmo. Chamava-se Corinna, e há 150 anos foi uma cidade de relativa importância quando ocorreu um Gold Fever na região. Hoje em dia, há um resort que é operado dentro de casas preservadas do século 19. O local é bem interessante, e ficar lá por uns dias não deve ser ruim. Nós apenas passamos, mas para continuar viagem teríamos que cruzar um rio, e isso não estava nos meus planos.

Estrada deserta, desolada e memorável.

Corinna. Há 150 anos, quando houve um pequeno rush de ouro na região, era uma cidade importante com milhares de habitantes. Hoje em dia, possui uma população que se pode contar nos dedos.

   A balsa para atravessar o rio cabia dois carros pequenos. Havia um aviso para tocar um botão para que o balseiro aparecesse. O preço era uma facada típica da Austrália: 25 dólares para uns cinco minutos de travessia. Tentei baixar o preço, mas não teve jeito, era pagar ou pagar. O rio era lindíssimo, um dos mais bonitos que já vi. Resolvi ir falar com o barqueiro que o passeio era lindo, mas tinha sido os 25 dólares mais rapidamente gastos da minha vida, quando o carro começou a ir para trás. Lembre-se que cabiam dois carros pequenos e a nossa campervan deveria ser o equivalente a 1,5 carro pequeno. Quando eu vi o carro indo para trás, a minha face congelou. Ainda bem, a Sra. Soulsurfer é mais do que ligeira, e faltando uns 30 centímetros para o carro despencar no rio com ela dentro, ela conseguiu parar o carro. Sim, eu esqueci de puxar o freio de mão, às vezes eu dou essas mancadas, e por muito pouco uma tragédia não acontece. Uma salva de palmas para a Sra. Soulsurfer e vaias para mim!

O rio era extremamente bonito, mas eita travessia cara: 25 doletas por alguns minutos.

Se não fosse a habilidade e destreza da Sra. Soulsurfer, a nossa casa poderia estar nesse momento debaixo do rio.

   Passado o rio, e o susto, seguimos viagem por algumas cidades pequenas até chegar no Hub regional, a cidade de Strahan com 700 habitantes. Dormirmos num Free Camping (depois de  usar os hot shower gratuitos da cidade) num local conhecido como Hells Gate. A cidade há 150-200 anos era uma colônia penal (o começo da colonização Australiana, ou invasão como os aborígenes gostam de dizer, se deu basicamente por meio de colônias penas e esse tipo de emigração foi muito forte na Tasmânia). A entrada da península ficou conhecida como “Portões do Inferno”, pois era um dos piores locais para ser enviado se você era um prisioneiro.  Apesar do nome, o local era muito bonito.

Praia perto do "Hells Gate".


   Na outra manhã, fomos para uma cidadezinha chamada Queenstown (que saudades da cidade de mesmo nome da Nova Zelândia) e ficamos algumas horas na moderna biblioteca pública, melhor do que qualquer biblioteca pública brasileira, o que é espantoso, pois a cidade não deve ter mais do que 500 habitantes.  Passamos por diversos locais lindos, com vistas alucinantes até chegarmos ao Lake St. Clair - a parte sul do parque nacional Cradle Mountain - Lake St. Clair .  O lago é belíssimo, e contemplamos, na medida do possível pois estava muito frio, a mudança de cores nas montanhas com a mudança de luminosidade pela chegada da noite. Acampados num outro camping gratuito e a noite foi muito fria mesmo,. Esquentamos-nos com algumas taças de vinhos e tivemos que dormir abraçados, o que não é comum, pois eu tenho o hábito de dormir de barriga para cima e não gosto muito de dormir de lado. Talvez isso se deva, pois quando adolescente - uns 14-15 anos, devido a uma partida final de um campeonato de xadrez que deveria ter umas 300 pessoas em volta assistindo, eu tomei um soco certeiro no nariz de um argentino que era mestre de xadrez e ex-pugilista. Desde aquela oportunidade, eu tinha dificuldades respiratórias  para dormir de lado, mas isso foi bastante atenuado com a cirurgia de correção de desvio de septo a qual me submeti no ano passado. É, quem disse que o xadrez não pode ser um esporte de contato físico?:) 

Lake St. Clair no pôr-do-sol.


Lookout perto da cidade de Queenstown. A cidade há 100-150 anos foi um polo de mineração de prata e os resultados na natureza são evidentes como fica claro nessa foto.

Sim, isso é uma biblioteca pública nua cidade de menos de 1.000 habitantes. Dá para acreditar?

A estrada até o Lake St.Clair era sinuosa, mas muito bonita.


     O dia amanheceu nublado e creio que estávamos cansados. Assim, fizemos algumas poucas trilhas de curta duração e resolvemos tocar para a capital da Tasmânia: Hobart. Eu, por um contato de uma garota que conheci em FIJI e que depois fiquei na casa da mesma em Melbourne,  arrumei uma estadia na cidade na casa de um artista criador de histórias em quadrinhos de sobrenome muito original: Espiritusantu. O cara era uma figura e muito gente fina, mas essa história vou deixar para outro artigo. A simples ideia depois de uns 4-5 dias de free camping de dormir numa cama com aquecedor no quarto, banho quente e um belo sofá nos fez decidir fazer os 200km até a capital.  A estrada até lá era muito sinuosa, mas asfaltada, e extremamente bonita. Passamos no caminho por uma obra de arte be painel de madeira que quando ficar completo terá 100 metros de comprimento. Chama-se The Wall. O trabalho em madeira do artista é impressionante, o realismo que ele conseguiu colocar na obra é algo inacreditável.

O artista e a obra: The Wall

Sim, isso é feito em madeira. Os detalhes e o realismo é surpreende. Uma grande obra de arte sem dúvidas (as fotos não são minhas, pois não era permitido tirar foto no local).

   Antes de chegarmos ao nosso destino, resolvi visitar mais um parque nacional chamado Mount Field e uma galeria de arte diferente.  Dentre a miríade de caminhas, havia uma trilha de três horas conectando algumas cachoeiras e árvores do tipo sequóias. Era a melhor coisa se fazer, pois tirando esta opção, o resto eram de caminhadas muito mais longas, o que nos obrigaria a dormir no parque nacional, e nossos corpos estavam começando a dar sinais de exaustão física, então essa não foi uma possibilidade considerada. A trilha foi bacana e as cachoeiras bonitas, porém o que realmente me impressionou foram as gigantescas árvores. Acontece que aquelas árvores só perdiam em tamanho para algumas sequóias da Califórnia. Como, infelizmente, quando morei no Estado Dourado não tive a oportunidade de visitar alguns parques nacionais com sequóias, para mim foi um absoluto deslumbre ver esses seres vivos tão altos e antigos. Parecia que eu estava numa terra de gigantes, como quando os dois Hobbits encontram aquelas árvores falantes - Ents - no segundo livro da trilogia do Sr. dos Anéis. Foi muito bacana mesmo, creio que a maior árvore deveria ter mais de 90 metros. Imaginem, prezados leitores, um ser vivo de 90 metros de centenas de anos de idade. Um não, dezenas deles. Algo especial com certeza.

Russell Falls, dizem ser a cachoeira mais bonita da Tasmânia.

A trilha que fizemos no Mount Field National Park possuía três cachoeiras belíssimas.

Entretanto, o ponto alto para mim foi caminhar na floresta das gigantes árvores de quase 100 metros de altura. Espetáculo da natureza.


   À noite, uma casa para lá de aconchegante estava nos esperando e o nosso anfitrião fez a nossa estada ser muito agradável. Ele é uma pessoa muito criativa e vou contar a homenagem que ele fez ao Brasil num próximo artigo.


  Espero que tenham gostado. Abraço!



4 comentários:

  1. Muito bacana Soul!!
    Fazia um tempo não fazia uma visita, precisa me atualizar dos seus sempre ótimos posts!!
    Grande abraço
    Green Future

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  2. Fala Soul


    Que artigo sensacional. Como eu te disse nas nossas conversas por email, cada dia que passa me dá mais vontade de conhecer esse canto do mundo. Além da beleza exuberante do lugar, a ausência de hordas de turistas deixa a coisa melhor ainda.


    Abs

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    Respostas
    1. Valeu, Rover!
      Creio que não irá se arrepender se escolher essa parte do mundo para conhecer.
      Abraço

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