Olá, colegas. Tem um tempo que quero escrever sobre o mercado
de Renda Fixa. Vejo que é um tópico onde há poucas postagens seja em blogs,
seja na mídia especializada, que vão além de explicar qual é a diferença entre
uma LCI e um CDB ou outras questões que não abrangem os pressupostos do mercado de dívida. Primeiramente, devo esclarecer que como os fluxos da renda
desse mercado são fixos (daí vem o nome), há muita matemática na análise dessa espécie
de ativo. Muitas vezes as análises estão em alguns graus, em alguns casos muitos graus, acima dos meus parcos
conhecimentos seja de finanças, seja de tratamento matemático. Portanto, eu
estou longe de conhecer profundamente esse tipo de ativo. Porém, creio que
posso contribuir com alguma coisa.
Em segundo
lugar, não vai ser hoje que vou começar uma pequena série sobre Renda Fixa. Eu
estava começando a estudar alguns fundos de papel, e ao ler uma carta de um
administrador sobre os riscos do investimento no FII em questão, apenas ficou
claro o que eu já falei algumas vezes: FII de papel é renda fixa, em nada se
confunde com um FII que investe em imóveis para gerar receitas operacionais de
aluguel. Além disso, FII de papel é muito mais complexo de se analisar do que
uma NTNB do tesouro direto, por exemplo.
Isso quer
dizer que FII de papel é ruim? Não, claro que não, pode vir a ser um ótimo investimento, porém como acredito que cada ativo tem uma função numa carteira
diversificada, é muito importante o investidor ter em mente no que investe para não exigir de
um ativo algo que ele dificilmente vai fornecer. Portanto, a distinção de FII
de papel x FII de “tijolo” é fundamental. Se um investidor possui 100% em FII,
mas com 40% em FII de papel, ele para mim está posicionado em 60% FII e 40% Renda
Fixa.
Vou
reproduzir a carta que eu li do gestor do fundo PLRI e vou tecer alguns
comentários (http://www.polocapital.com.br/fundos/citibank/fundo.php?fundId=10,
pesquisar relatório de junho):
“A dinâmica de oferta e demanda de capital no setor de
high-yield (1) segue
favorável, conforme delineado nas cartas anteriores. Contudo, houve incremento
em certos fatores de risco de forma que cabe uma discussão mais detalhada
No âmbito macro, a atividade econômica mais fraca pode
acarretar dinâmicas que culminem em maiores níveis de inadimplência em diversos
segmentos de crédito. Além disso, dada a fragilidade do balanço fiscal
brasileiro, há o risco de nova pernada de aperto monetário o que reduziria o valor
dos ativos já em carteira E, finalmente, pode haver surpresa inflacionária. (2).
Quanto aos riscos macro, o Fundo tem proteções razoáveis. A
totalidade da carteira de CRIs do Fundo é indexada à inflação, de forma que uma
surpresa inflacionária não constitui necessariamente um risco para o posicionamento
atual. (3)
Em relação a uma eventual alta de juros, há que se fazer uma
distinção. Se o aperto monetário for motivado por alta das métricas de
inflação, o Fundo beneficia-se da indexação mencionada acima. Se houver
abertura de juros reais, os ativos em carteira teoricamente perdem valor, mas
os fluxos de caixa serão reinvestidos a taxas mais elevadas. (4)
Em relação à inadimplência, a experiência da Polo Capital é
de que a carteira do Fundo não segue necessariamente a trajetória de
inadimplência observada nos bancos. Em 2012, por exemplo, houve aumento
expressivo da inadimplência bancária no 2º trimestre, ao passo que no mesmo período
as operações de crédito estruturadas pela Polo Capital registraram redução do
nível de atrasos. A Polo Capital atribuiu este descolamento a (i) investimentos
realizados em sistemas que possibilitam gestão ativa das operações em atraso, e
(ii) curva de aprendizado na estruturação de créditos após vários anos de
envolvimento no mercado de high-yield (5).
Basicamente, as operações detidas pelo Fundo passam por rigoroso processo de
estruturação, contam com um loan-to-value bastante baixo e cadente, e
tipicamente têm uma garantia real associada. O resultado é um desincentivo ao
tomador em atrasar os pagamentos ao Fundo. O controle viabilizado pelos
sistemas internos garante uma vigilância que disciplina o devedor. (6)
No âmbito micro, observou-se uma piora no setor imobiliário,
com queda de preços em algumas regiões e aumento de distratos. Como o Fundo tem
exposição relevante ao setor de construção e, no rol de garantias, tem
predileção por ativos imobiliários, essa deterioração setorial merece
discussão.Para os recebíveis performados, a dinâmica de preços atualmente
observada não deve afetar a propensão do devedor em se manter adimplente com a
dívida. Ocorre que, como o loan-to-value das operações tipicamente situa-se
abaixo (algumas bem abaixo) de 70%, há uma proteção relevante para queda de
preço de ativos imobiliários. De forma estilizada, uma operação com
loan-to-value de 70% pode tolerar uma queda de até 30% no valor da garantia até
que inadimplir seja economicamente interessante para o devedor (7) (assume-se ausência de
custos e indiferença ao risco de uma execução, premissas não-triviais) (8).
(1) – o
texto já deixa claro que é um fundo que investe no mercado de High-Yield.
Geralmente, se divide a Renda Fixa em títulos governamentais e títulos
privados, estes por sua vez são divididos em investment grade (grandes
empresas-instituições com grau de classificação , feito por alguma agência de risco, baixa de risco) e
High-Yield (empresas ou instituições com grau de classificação média ou alta de risco e
por isso pagam um spread em seus títulos de dívida). Portanto, o texto já deixa
claro que se investe em instrumentos com maior risco;
(2) Indica
que há forte exposição em títulos com alguma forma de pré-fixação. Logo, com
uma alta do aperto monetário via aumento da SELIC, os títulos tendem a se
desvalorizar. Percebam que esse parágrafo poderia ser substituído para uma
análise sobre uma NTNB: inflação, problemas fiscais, etc, o que mostra que
estamos falando aqui de títulos de renda fixa;
(3) Parcialmente
verdade. Sim, há proteção inflacionária, mas se a inflação fugir do controle os
títulos podem sofrer grandes perdas, o motivo explico no próximo comentário;
(4) Correto,
porém quando há aumentos significativos da inflação, geralmente o movimento de
aperto monetário quase sempre leva a aumentos nos juros reais.
(5) Aqui
o gestor aborda o maior risco no mercado de títulos High-Yield: o default.
Basicamente, ele diz que o risco está amenizado pela curva de aprendizado da
gestão na atuação do mercado de dívidas de alto rendimento. Ou seja, tem-se que
confiar na expertise da gestora;
(6) Outra
forma de se prevenir do risco de default é que os FII de papel investem principalmente em CRIs que quase sempre possui algum colateral relacionado a um
imóvel. Colateral é o termo financeiro para garantia (Sim, os famosos CDO da
crise sub-prime americana nada mais eram do que dívidas colatelarizadas com
algum bem imóvel – Collateralized Debt Obligation). Portanto, a métrica de Loan
to Value (empréstimo para valor – no caso o valor do bem dado em garantia) é
importante para se medir o risco de um default em determinado título. O fundo
diz que possui métricas Loan To Value seguras, para se saber isso apenas olhando
todos os CRIs adquiridos pelo fundo, bem como as garantias e as taxas de Loan
to Value de cada CRI;
(7) É
correto o raciocínio. Quanto menor o Loan to Value, mais segura é a operação e
mais seguro se torna o empréstimo no caso de uma crise imobiliária. Se ocorrer
uma crise leve no setor e duração não maior do que 1/2 anos, é possível que
esse LTV médio de 70% ofereça uma margem de segurança. O problema é se ocorrer uma
crise aguda, como ocorreu nos EUA e em alguns países europeus, e houver uma desvalorização muito maior, esses
títulos podem vir a sofrer muito, pois se as garantias começarem a ser
executadas, muitos imóveis seriam jogados no mercado num momento de crise e
baixa liquidez, e aí já dá para imaginar o que aconteceria nos spreads BID/ASK
de negociação desses imóveis;
(8) Aqui
o gestor foi ao menos sincero ao dizer que o cenário traçado não levava em
conta os custos de se executar uma garantia e que eles não são triviais, e não
são mesmo. Adicione custos de advogados e de uma eventual judicialização da
disputa, e estamos falando aqui de custos que podem chegar a 20% ou mais do valor da garantia;
Portanto, colegas, vejam como pode ser complexa a análise de um FII de papel,
e como as dinâmicas dessa espécie de ativo são bem diferentes de um FII de "tijolo".
Logo, com essa taxa de juros básica, com
yields reais dos FII de "tijolo" numa média de 10% aa, o investidor precisa ser bem
criterioso na hora de investir no mercado de High-Yield. O mínimo é exigir
spreads que de alguma maneira compense os diversos riscos dessa espécie de
ativo.
É
isso colegas, grande abraço a todos!
Grande post.
ResponderExcluirSem dúvida alguma FII de papel é uma RF mais complexa de se entender nos mínimos detalhes e que é negociada na bolsa.
Importante colocar que em minha opinião que para os FIIs o preço pago deve ser interessante (P/VP proximo ou de preferencia abaixo de 1) e que no FII de papel isso é ainda mais relevante.
Abraços!
Olá, Guardião!
ExcluirSim, a questão do VP é bem importante.
Porém, é de se consignar que há muitas outras questões a se considerar num fundo de Papel com dezenas de CRIs.
Abração!
Olá Soulsurfer
ResponderExcluirMuito bom seu texto. Parabéns por dividir as informações com os demais.
Na minha opinião, FII de papel possuem realmente um risco maior do que os de Tijolo. Por isso, entendo, que para investirmos nesse tipo de ativo o prêmio pago deva ser maior, justamente para compensar.
Abraço
Olá, Dividendos.
ExcluirGrato pelo comentário, colega.
Concordo plenamente.
Você não investiu em Debentures incentivadas pagando IPCA +7% (creio que você vendeu realizando ganho de capital)?
Isso dá uns 13% líquido ao ano, e se duvidar não há nenhum FII de papel pagando isso.
Ora, geralmente essas debentures possuem rating de crédito muito maior do que as dívidas imobiliárias que dão lastro aos CRIs. Sendo assim, isso é algo que mostra que talvez possa haver algum exagero na precificação desses FII.
Talvez há a vantagem de liquidez que algumas debentures não possuem no secundário, mas não sei se só isso justificaria.
Abraço!
VRTA é FII de papel e paga 15 a.a.
ExcluirAfonsinho!
Dá tudo isso? Hum.
ExcluirPreciso dar uma olhada mais detalhada em cada um desses fundos.
Mas 15% aa, se for esse o retorno mesmo, talvez comece a recompensar o risco desses títulos.
Abraço!
Soul, os que defendem FIIs de papel dizem que são até melhores que os de tijolo, pois não existem vacâncias, mas ninguém expõe a complexidade deles como voce fez, obrigado por mais uma aula.
ResponderExcluirAbraço
Olá, Operador S.!
ExcluirEntão, eu não acho que há melhor ou pior, nós temos que ter em mente que eles são muito diferentes.
Veja, para mim, no meu atual plano de investimento, os FII de "tijolo" que possuem renda das operações imobiliárias e possuem certa proteção contra inflação possuem uma importância muito maior do que FII de papel.
O que apenas temos que saber é que FII de papel pode ser bem complexo sim, e os rendimentos tem que valer bem a pena, principalmente com juros básicos tão altos.
Vacância se resolve, default não.
Abraço!
Fala, Soul,
ResponderExcluircomo já lhe disse uma vez, amigo meu trabalha em banco e eles classificam muito FII como renda fixa mesmo.
Sobre os FII de papel, rapaz.... a precificação dos CDO's é compleeeeeeeexa.... rsrsrsrs
[]s!
Olá, Márcio!
ExcluirEntão, eu acho que classificar um FII como o XPCM (que é o único que você possui) em renda fixa não é acertado, pois ele é bem diferente.
É como possuir um imóvel de forma "indireta".
Porém, os FII de papel que possuem CRIs, estes sim são pura renda fixa e a RF mais complexa.
Sim, eu sei! Por isso, coloquei que tem muito tratamento matemático de renda fixa, principalmente nos países mais desenvolvidos, que estão completamente fora do meu alcance.
Abraço!
É rapaz, rapadura é doce mas não é mole não...
ResponderExcluirhehehe Pois é...
ExcluirAbraço UB!
Fala Soul, muito interessante o post! Um assunto pouco abordado na blogosfera. Por nunca ter parado para estudar mais a fundo essa natureza de fundos, não tenho nenhum.
ResponderExcluirRecentemente tenho aumentado significativamente a posição no NSLU11B. Sei que é um fundo mono-mono (mas assim como o Guardião fico tranquilo com ele). Tenho me desfeito gradativamente da significativa posição que tinha em BB e alocando esses recursos em FIIs (tenho vendido sempre acima de 28, segurei mais que tu e o Guardião). Mas pretendo zerar a posição só quando chegar acima de 30.
Estava sumido que estou retornando neste momento daquela viagem de 3 semanas para a Austrália, algumas coisas ficaram acima da minha expectativa e outras abaixo. Mas foi muito interessante a viagem e agregagou bastante. Viajei sozinho e fiz vários novos amigos de vários lugares do mundo. Nesse aspecto a viagem foi excelente!!
Grande abraço meu amigo!! Uma hora temos que combinar outra maneira de comunicarmos para acertar a sua visita e da sua patroa para o litoral da Bahia. Estou na fase final de mobiliar a casa.
Grande abraço
Green Future
Grande, Green!
ExcluirQuanto tempo rapaz! É verdade, a viagem para Austrália!
Ah, normal algumas coisas ficarem abaixo das expectativas. É por isso que não deixa de ser um dom controlar as expectativas, mas às vezes é muito difícil.
Pois é, você tem um timing muito melhor do que eu! Antes de comprar ou vende certos ativos vou escrever para você! hehehe
Fico feliz de ter voltado amigo, qual é o seu e-mail para eu poder manter contato?
Abração amigo!
Olá Soul, eu só tenho meu e-mail pessoal e preferiria não postá-lo. Tu tem algum e-mail vinculado a esse blog que eu possa lhe mandar?
ExcluirAbraço
Green Future
Eu não tenho Green (preciso fazer um). Eu vou pedir para algum colega blogeiro fornecer o e-mail, aí você escreve para ele e eles me passam.
ExcluirAbraço!
Manda para guardiaodomobral@gmail.com
ExcluirAbraço!
Olá Soul, a respeito desse post poderia comentar o desempenho do FEXC11B, queda expressiva na remuneração (ultimos tres meses caiu de 1,30 para 0,32) ? Representa uma oportunidade ou não é possive saber ?
ResponderExcluirOlá, colega. Eu ainda estou me adaptando com os fundos de Papel, então não saberia te dizer. Porém, provavelmente a queda se deve a deflação do IGP-M.
ExcluirPode ser que os ativos de papel possam estar chegando a preços mais interessantes, mas como dito no artigo isso não vem sem assunção de maiores riscos.
Abraço!