terça-feira, 6 de janeiro de 2015

INVESTIMENTOS - ENVELHECIMENTO E PRECIFICAÇÃO DE ATIVOS IMOBILIÁRIOS

           
         Olá, amigos! Hoje farei um breve artigo sobre um assunto interessante, pelo menos para mim, sobre muitos aspectos: envelhecimento e conseqüências financeiras.  Abordarei apenas alguns conceitos desenvolvidos no artigo “Ageing and Asset Prices” de Elod Takáts do BIS (Bank For International Settlements), deixando de fora eventuais outras questões interessantes sobre o tema.

           A tese principal do artigo é de que o envelhecimento das populações dos países desenvolvidos, e em menor intensidade nos países emergentes, trará conseqüências negativas para as próximas décadas, principalmente em relação ao mercado imobiliário residencial.  Qual é a premissa principal do texto? Conforme o autor, e ele cita diversos outros artigos que tratam sobre o tema de diversas perspectivas, quando a razão de dependência aumenta é lógico pensar que o preço dos ativos irá diminuir.  Primeiramente, necessário esclarecer que a razão de dependência mede a quantidade de idosos em relação à quantidade de pessoas economicamente ativas. Essa métrica é fundamental para analisar sistemas previdenciários, e ela é geralmente um dos indicadores mais importantes para se analisar a saúde financeira ou não de algum determinado sistema previdenciário nacional.  Se o índice de dependência de um país é de 20%, isso quer dizer que para cada pessoa idosa há cinco pessoas em idade economicamente ativa (1/5). Fica claro que quanto maior esse índice, maior é a pressão na geração jovem para a manutenção da geração mais velha em questões previdenciárias, assistenciais e de saúde.

                Sobre a ótica financeira, é aceita por muitos economistas a ideia de que a geração mais jovem é compradora de ativos para acumular reservas para a aposentadoria, enquanto a geração mais velha é vendedora de ativos para financiar a sua aposentadoria.  Se essa forma de pensar é correta, e ela parece ser, então temos três situações:

a)       Situação de crescimento populacional com muitos jovens- Há mais jovens compradores de ativos e menos idosos vendedores de ativo, isso faz com que o preço dos ativos se valorize. É o que comumente se aceita como ocorrido nos EUA no pós-guerra com a geração de Baby Boomers. Esta geração seria responsável pelo aumento muito grande nos preços dos ativos, e pelos grandes retornos nos ativos financeiros daquele país. Talvez por isso o retorno espetacular dos ativos financeiros nos EUA se comparados com outros países desenvolvidos.
b)       Situação neutra do ponto de vista demográfico - Aqui, não haveria mudanças na precificação dos ativos por questões demográficas.
c)       Situação de envelhecimento com diminuição do número de jovens – Aqui, a situação é inversa do item “a”. Haverá muito mais idosos vendendo os seus ativos para financiar suas aposentadorias e menos jovens para comprar esses ativos, o que provavelmente leva a diminuição do preço dos ativos. O artigo em tela trata dessa hipótese.


          O item “a” parece ter evidência nos dados, conforme se pode ver nos seguintes dados onde claramente o preço dos ativos vem aumentando desde a década de 70 (período onde os Baby Boomers estavam começando a vida adulta).

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Essa série de gráficos mostra valorização em todas as classes de ativos: BOND (RF), Ações e mercado imobiliário.


                    O artigo sobre análise tenta capturar a influência positiva da demografia no mercado imobiliário residencial de 22 países desenvolvidos entre 1970 e 2009 e baseado nesses dados tenta estabelecer algumas relações estatísticas para fazer previsões sobre o efeito  da demografia nesses países nos próximos 40 anos.  O autor diz que a escolha por analisar o mercado imobiliário residencial de cada país foi feita para afastar o efeito de eventuais influxos de capital numa economia cada vez mais globalizada. Apesar de não serem imunes a fluxos estrangeiros, realmente o mercado residencial é algo mais restrito a investidores nacionais e a fluxos internos de dinheiro. Com isso, o artigo tenta de certa maneira “isolar” os países de possíveis contatos com outros países. O autor também deixa claro que utiliza as projeções feitas por demógrafos da ONU para os próximos 40 anos. Reconhece que essas previsões podem não se concretizar, mas que de certa maneira servem como um norte de como estará a demografia humana em 2050.


           Ao analisar os dados desses 22 países e ao aplicar diversos testes estatísticos técnicos, confesso que estão além da minha compreensão nessa matéria, o autor chegou as seguintes conclusões:

a)  1% de aumento na renda real per capta corresponde a 1% de aumento real do preço dos imóveis;
b) 1% aumento de população corresponde a 1% de aumento real dos imóveis;
c) 1% de aumento na métrica de razão de dependência corresponde a 0.65/0.7% de  desvalorização real dos imóveis.


                Coleciono três  gráficos interessantes do estudo sobre o preço real dos imóveis em 22 países e o efeito demográfico no crescimento/desvalorização real dos imóveis:
              

Gráfico do retorno real dos imóveis nos últimos 40 anos. Chama atenção que o efeito demográfico negativo foi bem visível na Alemanha e Japão (dois países onde a razão de dependência aumentou consideravelmente).

Entretanto tal efeito não foi visto com clareza em países onde a razão de dependência aumentou significativamente também como Itália e Coréia do Sul, o que apenas salienta que os efeitos demográficos na valorização real dos imóveis é uma variável, não é a única variável.
  
                  
 Dado consolidado de todos os países e o efeito positivo ou negativo da demografia no preço real dos imóveis.


               Tendo em vista os dados coletados e algumas análises estatísticas de regressão, o autor então estima o impacto que o aumento da razão de dependência, ou seja, envelhecimento, poderá ter no preço real dos imóveis nos próximos 40 anos nos 22 países estudados:



O retorno real negativo que o efeito da demografia deve exercer sobre países de língua inglesa nos próximos 40 anos. Observem que o efeito esperado não é tão grande em países como a Inglaterra e a Austrália e relativamente grande na Irlanda.


Na Europa, tendo em vista o maior envelhecimento os efeitos podem ser bem pesados, como se pode ver para os países Ibérios, Grécia e Itália e Dinamarca.



          É importante ressaltar que o autor não está dizendo que o preço real dos imóveis irá diminuir nos próximos 40 anos, pois o preço real dos imóveis também é influenciado por outras variáveis, como crescimento real per capta. O que os dados parecem sugerir, bem como a previsão baseada nesses dados, é que os preços de imóveis em economias mais desenvolvidas nos próximos 40 anos irão enfrentar muito mais dificuldades do que nos 40 anos precedentes, tendo em vista a pressão negativa do envelhecimento sobre o valor dos imóveis. Cito palavras do próprio autor: "In sum, the estimates suggest that real house prices will face substantial headwinds over the next forty years due to ageing. Though the results do not imply absolute real price declines, they   suggest   that   in   the   next   forty   years  house   prices   in   advanced   economies   will   face   a more difficult environment than in the past forty years."( Tradução Livre - "Em suma, as estimativas sugerem que o preço real de residências irá  enfrentar fortes dificuldades nos próximos 40 anos devido ao envelhecimento. Embora os resultados não impliquem declínios reais de preços, eles sugerem que nos próximos 40 anos preços de residências em economias desenvolvidas irão enfrentar um ambiente mais difícil do que os 40 anos passados".


          E o Brasil? Bom, aqui pode-se apenas imaginar alguns cenários. A nossa população é relativamente jovem com razão de dependência bem menor do que países desenvolvidos. Tal situação deverá se inverter a partir de 2035/2040, quando o Brasil começará a encerrar o período de transição demográfica. Logo, ao contrário de economias avançadas, o Brasil terá impactos positivos da demografia nas próximas décadas. Além do mais, o nosso pib per capta é ainda muito baixo, o que abre um caminho grande para valorizações reais por meio do crescimento da renda real per capta. Por isso, as perspectivas para os próximos 40 anos para os imóveis brasileiros parecem ser de razoáveis a boas.


          Ressalte-se novamente também que o estudo é feito com base em dados passados e análises estatísticas, e não pode ser considerado um previsor para o comportamento absoluto do preço real dos imóveis. Entretanto, em que pese as limitações e eventuais deficiências, o artigo traz à tona aspectos muito interessantes sobre demografia, envelhecimento e precificação de ativos que podem jogar um pouco de luz sobre o que talvez aguarde o Brasil nos próximos 40 anos. 

         Espero que tenham gostado. Um abraço a todos!

12 comentários:

  1. Essa teoria não consegue explicar a bolha imobiliária americana, ou consegue?

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    1. Para bolhas imobiliárias no contexto americano sugiro a leitura do Irrational Exuberance do Schiller.

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  2. Muito bacana o estudo. A quantidade de estudos, artigos e conhecimentos técnicos que você traz pra gente é realmente impressionante. Que dedicação com o aprendizado hein amigo!

    Grande abraço!

    To de volta, dá uma olhada lá depois (:
    http://poetainvestidor.blogspot.com.br/2015/01/fechamento-2014.html

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    1. Olá, Poeta!
      Bacana ver o colega de volta.
      Vou dar uma olhada sim.
      Abraço!

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  3. Distinto Soulsurfer.

    Primeiramente gostaria de agradecer por brindar-nos com artigos de tamanha excelência. Sou assíduo leitor de seu blog, embora pouco comente, pois infelizmente estou léguas de seus conhecimentos financeiros, ponto de uma admiração imensurável.

    Como meus amigos mais próximos estão ainda mais crus que eu em termos de finanças, hoje gostaria de "abusar" de sua expertise e pedir uma opinião. Não encare como conselho ou sugestão, pois assim não é a forma que vejo. É mais uma catarse minha, um compartilhamento de angustias.

    Hoje tenho uma vida muito boa e estável. Passei dos 35, mas ainda não atingi os 40. Tenho 1 filho e um casamento estável e feliz, com uma esposa muito consciente das questões de economia e uso racional do dinheiro.

    Ando pensando os meus investimentos : Tenho um bom patrimonio, mas cuja distribuição me preocupa um pouco. Sou concentrado na renda fixa.

    Tenho a seguinte distribuição :
    * 45% em LCIs e LCAs das mais diversas (tenho mais de dez) - todas pagando mais que 96% do CDI e todas vencendo ou neste ano ou no ano que vem;
    * 15% em CDBs e Fundos DI
    * 15% em um PGBL regressivo
    * 15% em renda variável (da qual 70% FII e 30% ações)
    * 10% em imoveis

    Pois bem, posto isso reflito alguns pontos :
    - creio que seria interessante aproveitar, com parcimonia, o momento de baixa da bolsa para aumentar minha exposição em RV até o limite de 20 a 25%;
    - creio também que seja um bom momento para pensar em entrar nas NTNBs

    E tenho uns receios. Ao contrário de ti, não confio neste país, e muito menos nos nossos governantes. Tenho medo de minhas boas reservas serem exauridas com a desvalorização do real e aí penso que ter imovel fisico talvez seja uma boa forma de me prevenir.
    Hoje moro muito bem, mas de aluguel, pois os preços na capital de meu estado estão comparáveis aos de Brasilia, Rio e SP. Seria uma boa hora de compra de um ap proprio? Eu gostaria de esperar até 2016 para pagar um imovel de alto nivel a vista e quando espero uma certa desaceleração dos preços, mas...

    Gostaria de suas considerações acerca de tudo que expus.

    Obrigado mais uma vez por toda sua enorme contribuição!

    Capixaba Investor

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    1. Olá, colega. Grato pelas palavras.
      Bom, você tem uma exposição de 60% ao mercado de dívida, que pode ser ainda maior dependendo da composição do seu PGBL.
      Disse que tem exposição 10% a imóveis. Bom, se você consegue se expor a imóveis de forma direta com apenas 10% quer dizer que possui um patrimônio para lá de considerável.

      Sobre aumentar a sua exposição a RV a 25%, acho um percentual razoável, conservador até.
      Sobre comprar NTN-B se você não tem necessidade de liquidez e pode encarar duration mais longa sem problemas, então as presentes taxas estão atrativas, não creio que o Brasil continue pagando 6/6,5% mais um indexador no futuro mais distante como 10/15 anos. Se o estoque capital/pib, taxa de poupança, etc, aumentarem parece improvável que o capital continue com uma remuneração tão robusta. Porém, é apenas o que eu acho, vai que a coisa desande como você tem medo com reflexos não apenas de curto, mas de médio prazo.

      Bom, se este é o seu medo, você tem que procurar ativos que sejam resilientes à inflação, já li estudos interessantes a respeito, infelizmente apenas com dados americanos. Agora, se o seu medo é hiperinflação, talvez você queria ter exposição internacional, o que é incompatível com seu plano de concentração de investimentos no país.
      Não faço a mínima ideia se é ou não uma boa hora de comprar imóvel, eu dificilmente compraria imóveis a preço de mercado, então nessa não tenho como te ajudar. Já escrevi alguns artigos sobre o tema, talvez possa te ajudar.

      Abraço!

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    2. Soulsurfer, sim creio que meu perfil é conservador e 25% de exposição em Renda Variável está de bom tamanho para mim.

      Como pôde ver grande parte de meu patrimônio está engessado nas LCIs e LCAs, e por isso realmente tenho um quantum que pode ser imobilizado, sem liquidez. Por essa razão, aliado à provável taxação das LCIs e LCAs, penso em aproveitar a onda da alta taxa de juros e comprar NTNBs principais.

      Sobre ao que chamou de "ativos que sejam resilientes à inflação" gostaria de saber um pouco mais, talvez seja algo interessante a ser falado. O que pensa?

      Não tenho medo de hiperinflação, ou melhor, tenho mas mesmo com tanta burrada da atual equipe acho pouco provável vermos inflações galopantes como as da época do Sarney. Assim que penso futuramente em deslocar algo como 5% do patrimônio em depósitos legalizados lá fora, em moeda dolar, longe do alcance das mãos do insaciável apetite do governo por impostos.

      Imóveis estão muito valorizados ainda. Creio que agora subirão acompanhando a inflação e talvez possam até futuramente subir um pouco aquém desta. Não é bem essa a minha dúvida e sim ter imóveis como proteção financeira, pois mesmo que desvalorizem o tijolo está lá e é meu.

      Agradeço mais uma vez a cordialidade e presteza, sigo intrigado com o que chamou de "ativos que sejam resilientes à inflação"

      Abraço.

      Capixaba Investor

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    3. Olá, colega. Se souber inglês há vários artigos a respeito.
      Tente um artigo de 2011 "Inflation and Real Estate Investment" do Brad Case e outros autores, lá talvez fique mais claro o que é um ativo mais ou menos resiliente a taxas de inflação maiores.

      Abraço.

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    4. Ok, encontrei o artigo em pdf.

      Grato mais uma vez pela ajuda e opinião.

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    5. Opa! Boa sugestão! Vou pegar esse texto pra ler no final de semana! Abraços!

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  4. Legal esse post
    Mas acho que os dados que você citou de 2035-2040 devem ter sido revisados devido à velocidade em que a natalidade caiu no Brasil.
    Tempos atrás vi um estudo dizendo que o bonus demográfico no Brasil acaba bem mais cedo, entre 2020 e 2025. Teríamos 5 a 9 anos apenas.

    http://www.riobravo.com.br/acervo/Fronteiras/Rio_Bravo_Fronteiras-Outubro_2013.pdf

    Sniper

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    1. Olá, colega.
      A projeção é que a população brasileira se estabilize entre 2045-2050, se nada de muito inesperado acontecer e se não ocorrer grandes surtos imigratórios. Logo, a população irá envelhecer até lá, mas a população crescerá. Portanto, para o foco do artigo, é possível que ainda tenhamos décadas onde a demografia pode ter impactos positivos no valuation dos imóveis e não negativos como boa parte dos países desenvolvidos devem sofrer.

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