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sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

BORNÉU - O POVO DA FLORESTA


   Olá, colegas. Nesse artigo conto a extraordinária experiência de ficar frente a frente com o povo da floresta. Tenho uma profunda admiração pela biodiversidade do nosso planeta. Eu creio que a teoria da evolução das espécies é uma das mais belas explicações sobre a realidade que o ser humano conseguiu elaborar no decorrer da nossa história neste planeta. 

  A esmagadora maioria das pessoas, talvez por desconhecimento da ideia por trás da evolução, tendem a achar que ela tira a beleza do mundo, ao contrário das inúmeras narrativas de como surgiu a vida de várias religiões, ou de povos mais antigos. Em minha opinião, isso está muito longe de ser verdadeiro. O que é mais sensacional: uma entidade extremamente complexa criando entidades muito menos complexas ( a tônica de quase todas as histórias religiosas de biogênese) ou entidades simples dando origem a entidades complexas (que é a ideia central da teoria da evolução das espécies)? Fica aqui a pergunta para os leitores que acharem interessante refletir sobre a questão.

   Partindo do pressuposto de que a evolução das espécies é um fato, a consequência lógica é que todas as espécies estão interligadas, cada uma tendo um ancestral em comum com todas as outras. Assim, nós seres humanos temos um mesmo ancestral comum com golfinhos, baratas, cachorros ou qualquer outra forma de vida existente no planeta terra. Entretanto, há espécies que possuem ancestrais comuns mais próximos e mais distantes. Logo, temos um ancestral comum mais próximo com os golfinhos do que com os gafanhotos. Quanto mais próximo for o ancestral, mais semelhança genética (ou seja no DNA) e fenotípica (ou seja dos aspectos exteriores).

  Nós humanos temos quatro espécies muito próximas, e as cinco espécies formam o que os cientistas chamam de Great Apes. Orangotantos, Gorilas, Chimpanzés, Bonobos e Humanos são os cinco Great Apes. Nosso ancestral em comum com os Orangotangos é mais longíquo do que com os Gorilas e muito mais longíquo do que com Chimpanzés e Bonobos. Logo, os Orangotagos são nossos “irmãos" mais afastados. Nossos “irmãos" mais próximos Chimpanzés e Bonobos guardam uma semelhança genética, de aparência e inteligência com os seres humanos simplesmente espantosa. 

Um quadro simplificado da nossa árvore biológica e parentesco com os Great Apes


  O Orangotango é o único Great Ape, tirado os seres humanos, que possui habitat fora da África. Ele apenas vive de forma selvagem nas florestas de Bornéu e de Sumatra. Infelizmente, para completo ultraje e vergonha da nossa própria espécie, eles estão seriamente ameaçados de extinção. Se isso vier a ocorrer nas próximas décadas, seria uma tragédia sem precedentes para a biosfera, para nós mesmos e para as novas gerações.

   Orangotango é uma palavra do idioma Malaio que literalmente significa “Pessoa da Floresta”. Nada mais preciso. Imagino seres humanos milênios de anos atrás se deparando com esses animais fantásticos e tão parecidos com nós humanos. Sim, apesar de serem os nossos “irmãos” mais distantes, eles são extremamente parecidos conosco.

   Uma das maravilhas de fazer uma viagem como essa que estou realizando, é ter tempo para tomar decisões de última hora. Não preciso me preocupar em marcar coisas com antecedência, ou se vou ficar alguns dias descansando. Eu decidi vir a Bornéu de um dia para o outro, e comprei a passagem aérea no mesmo dia (foi uma grande “sorte”, pois o preço estava bem razoável). Fiz algumas pesquisas na noite anterior, as quais me aprofundei bem mais quando já estava na terceira maior ilha do mundo, e simplesmente resolvi passar umas semanas nesse lugar tão especial.

   Quando decidi visitar a ilha de Bornéu, um dos maiores objetivos, talvez o maior, era ver orangotangos selvagens ou ao menos semi-selvagens. Eu não suporto ir em Zoológicos. Acho a maioria deles deprimentes, e quando vejo a maioria das pessoas simplesmente olhando os animais como se fossem coisas descartáveis uma postura ainda mais deprimente. Agora, quando se vê um animal em seu ambiente natural, que coisa espetacular.

  Obviamente, avistar um Orangotango selvagem envolve excursões floresta a dentro por vários dias, muitas vezes em zonas extremamente remotas. Gosto de aventuras, mas esse tipo de excursão está alguns graus acima do que gosto e me sinto confortável (apesar de constantemente passar por situações fora da minha zona de conforto). Felizmente, em Bornéu há três centros de recuperação de Orangotangos que foram encontrados doentes, órfãos ou resgatados de situações degradantes como quando alguns humanos simplesmente os utilizam como animais de estimação.

   Os centros às vezes são a última esperança para esses magníficos animais. Vários estágios de recuperação são realizados quando um Orangotango chega ao centro. O último é soltar na floresta. Na reserva Semenggoh, perto da cidade Kuching na região autônoma de Sarawak, há 27 Orangotangos. A reserva é razoavelmente grande, mas ela não possui comida suficiente para durante todo o ano fornecer alimentação para esse número de Orangotangos.  Isso apenas me faz lembrar quando morava na Califórnia e vi um jovem falar para mim que a maior revolução tecnológica da humanidade foi a Internet. Talvez, e com esforço, ela pode estar entre as dez maiores. A maior revolução humana foi a agricultura, algo que nossos "irmãos" genéticos não fizeram e por isso dependem exclusivamente do que a natureza os oferece num determinado ecossistema.  Sendo assim, e claro também para propósitos turísticos no intuito de arrecadar dinheiro para continuar com o trabalho, o centro realiza alimentações dos animais duas vezes ao dia. 

  Como os Orangotangos estão soltos na reserva, e como é temporada de fruta (ou seja há muita comida na floresta), não é fácil avistar os Orangotangos nessa época do ano. Eu e minha companheira fomos de manhã no centro. Esperamos algumas horas, mas nenhum “irmão" apareceu para receber frutas. Ficamos um pouco frustrados, mas essa é a beleza de avistar a vida selvagem. Nem sempre é possível observá-la, e quando é possível devemos considerar como um presente. Um dos cuidadores disse que os Orangotangos não apareciam há alguns dias e não era para ficarmos chateados. 

  Estava muito quente e abafado, e resolvemos voltar para a cidade Kuching onde estávamos hospedados. Comemos um rápido e gostoso Sea Food Nasi Goreng, e eu perguntei para a minha companheira se não deveríamos voltar para tentar observá-los de tarde, já que o ingresso valia para todo o dia. Depois de pensarmos um pouco, resolvemos voltar para o Centro de Reabilitação. Fomos correndo pegar o ônibus público, enfrentando uma baita chuva, quando reparei que o ônibus que ia para o local não estava mais lá. Olhei para frente e vi um ônibus parado no sinal vermelho, corri e vi que estava escrito K6 (o número que ia para o destino) e esbaforido fiz sinal para que o motorista abrisse a porta.

   No trajeto de uma hora até a reserva, a chuva se intensificou e apenas pensei comigo “vixe, será que foi uma boa ideia? Ainda mais que a chance de observar um Orangotango é tão pequena”. Alguns minutos antes de chegar ao centro, a chuva passou e um sol muito forte surgiu. Voltamos para o local de alimentação, algo em torno de 1km da entrada da reserva, e esperamos. 

  Quando avistei o primeiro Orangotango, um sorriso de criança percorreu o meu rosto. Na verdade, eu parecia uma criança, falando para a minha companheira “olha lá, olha lá!”. Eram dois Orangotangos, e a graciosidade com que eles pegavam a comida, e a flexibilidade com que ficavam nas mais inusitadas posições foi um colírio para os meus olhos. Depois de tirar fotos, esqueci por um momento, e fiquei apenas contemplando. Eles estavam há uns 30 metros de distância.

A primeira vez a avistar um Orangotango foi bem emocionante. Olhe a habilidade do mesmo, fiquei impressionado com a elasticidade, não sabia que eram assim tão elásticos e fortes.

   Absorto no momento, ouvi um dos cuidadores dizer que mais dois Orangotangos, mãe e filho,  tinham sido avistados em outro lugar. Fomos na direção apontada pelo cuidador, quando vimos há uns 80 metros de distância uma mancha marrom se mexendo entre as árvores distantes. Dessa vez, os Orangotangos chegaram bem perto, algo como uns 4-5 metros, e foi demais. 

 Vindo de longe nas árvores...

"Eu, Primata", nome de um livro e um artigo que escrevi aqui nesse espaço ano passado.

Mae e filho em perfeita sincronia.

Foi um dia bem especial para mim

   Passamos uma hora observando esses animais tão parecidos com a gente, e nos sentimos muito gratos pela oportunidade de ter essa experiência, principalmente depois da tentativa frustrada de manhã e de quase perdermos o ônibus para a reserva. Foi um grande momento da viagem e fico feliz de ter vivenciado. Na viagem de volta para a cidade de Kuching, conhecemos dois portugueses muito simpáticos mesmo. O sotaque deles não era tão forte e surpreendentemente  eu conseguia entender tudo o que eles diziam (às vezes tenho dificuldades, principalmente com alentejeanos). Disse a eles que estávamos indo para o Bako National Park no próximo dia (assunto de um artigo específico), e se eles quisessem poderíamos rachar um chalé que eu já tinha reservado, pois o mesmo tinha quatro camas de solteiro (era o único disponível quando reservei). Eles concordaram, o que foi ótimo, pois além da hospedagem sair pela metade do preço, a companhia deles foi ótima, e fizemos mais dois amigos nessa viagem que os conhecidos já passam de mais de cinquenta em diversos países.

   Ainda veríamos mais um centro de reabilitação: Matang Wildlife Center. Esse centro tinha um ar de zoológico, e numa primeira impressão não gostamos muito. Vimos um macho dominante enorme (os Orangotangos que vimos em Semenggoh eram fêmeas ou crianças) num cercado de uns 2.000 metros quadrados, e ele se mexia com uma graciosidade, apesar do seu tamanho enorme, que me fez lembrar de como os japoneses são graciosos ao realizar as atividades mais triviais. Depois de visitar os animais, fomos ao centro de informações e vimos que eles também realizam a reinserção dos animais aos poucos na floresta. O Macho Dominante enorme que eu tinha visto chamava-se Aman. Ele foi um dos primeiros animais do mundo, pelo menos no que diz respeito aos Great Apes, a fazer uma cirurgia de catarata há oito anos, já que ele estava completamente cego. Tal procedimento cirúrgico custou quase R$ 40.000,00 na época, não sei por qual motivo foi tão caro. Com quase 30 anos de idade, ele está muito velho para ser reinserido na Floresta. Com essa explicação, ficamos mais tranquilos a respeito do que vimos. Aliás, nossa percepção do mundo, dos fatos e de outras pessoas sempre muda quando um contexto maior da situação nos é apresentado.No outro dia, pegamos um voo para o espetacular e magnífico Gunung Mulu National Park, e os dias que passei nesse lulgar mais do que especial, declarado Patrimônio da humanidade pela Unesco, irei contar em outro artigo. 

O magnífico Aman

A minha companheira achou essa foto sensacional, tenho que concordar.

Ele realizava todos os movimentos com muita graciosidade, apesar do seu tamanho enorme. Ele sempre olhava, quando alguém chamava pelo nome "Aman".


    Essa foi a minha experiência com o “Povo da Floresta”. Gostei bastante. Talvez ainda veja mais alguns Orangotangos semi-selvagens em outro centro de recuperação chamado Sepilok na província autônoma de Sabah. 


Grande abraço a todos!

4 comentários:

  1. Muito bom o post.

    Já que gosta da teoria da evolução, tenho um ótimo livro pra indicar: "A grande história da evolução", de Richard Dawkins. Se ainda não o leu e gosta do assunto, vale muito a pena!

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    1. Olá, colega. Lembro de ter comprado esse livro e lido algumas páginas, mas não cheguei ao final, sempre deixei para depois.Já li alguns livros do Dawkins e gosto bastante. Sua paixão pela evolução era bem conhecida.
      Grato pela indicação.

      Abraço!

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  2. Muito bom. Já fez algum Safari em reservas das África? É espetacular ver uma manada de elefantes ou hipopótamos nadando num rio africano.

    Animais soltos é realmente espetacular.

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    1. Olá, colega. Não, ainda não tive essa oportunidade. Quem sabe um dia. Adoraria viajar pela África e os seus mais de 40 países. Entretanto, tirando uns 8-9 países, é difícil viajar como viajante independente, ainda mais quando se tem que pensar na segurança de sua companheira.

      Abraço!

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