Olá, colegas.
Hoje falo sobre um tema mais amplo. Já escrevi diversas vezes aqui nesse espaço
a minha admiração pelo método científico. Creio que a Ciência é capaz de nos
ajudar a entender um pouco sobre a complexidade da natureza, do universo e de
nós mesmos. Eu gosto muito de física. Acho as discussões atuais sobre alguns
mistérios do nosso universo e da realidade extremamente interessantes. É claro que o conhecimento humano tem limites,
e com a ciência, fruto da cultura humana, não poderia ser diferente.
Entretanto, apesar da incompletude que o conhecimento científico naturalmente
possui, é inegável que foi ele que nos levou e leva para frente. Além do mais,
não há nenhuma outra forma de conhecimento que chegue nem remotamente perto das
proezas que o método científico moderno atingiu nos últimos 500 anos. Portanto,
eu sou um entusiasta da ciência na explicação de fenômenos.
Outra área do
conhecimento científico que gosto bastante é aquela aplicada à tentativa de
explicação da nossa evolução biológica e de como nós nos portamos enquanto
espécie e indivíduos. Evidentemente, essas áreas de conhecimento são mais
fluídas no que tange à descrição mais acurada sobre a realidade, pois não podemos
comparar estudos de neurobiologia com um teorema matemático. Logo, além da
limitação natural do método científico abordada no primeiro parágrafo, para
certas áreas de estudo há ainda outra limitação no que toca a complexidade dos
objetos de estudo. É extremamente
complexa a modelagem matemática do fenômeno conhecido como Big-Bang, por
exemplo, mas as conclusões podem ser mais diretas. Por seu turno uma pesquisa que tenta entender
como os seres humanos tomam decisões em ambientes sobre pressão já é muito mais
sujeita a diversos erros, pois inúmeras variáveis são de difícil controle para
a pesquisa como as relacionadas à genética, à vida pregressa das pessoas
estudadas, o impacto que um abuso parental em tenra idade pode ter ocasionado,
etc. Entretanto, em que pese as duas limitações, eu gosto muito de estudos
sobre neurobiologia, principalmente a parte aplicada a comportamentos humanos
sociais.
“Ok, Soul,
entendido, mas qual é o ponto?” alguém deve estar pensando. Há diversos
aspectos do que eu falei nos dois parágrafos que poderiam encher dezenas de
páginas, mas quero me ater num aspecto abordado muito pela economia
comportamental: o viés de confirmação. Antes de chegarmos ao que significa esse
conceito, permitam-me traçar uma brevíssima distinção de como nosso cérebro
toma decisões por meio de dois exemplos.
Observe a
imagem abaixo:
Será que ela está feliz com o marido que chegou em casa depois das 11 da noite?
Sem que você
tomasse qualquer consciência do processo, inúmeros processos mentais se
desenrolaram no seu cérebro para interpretar a imagem. Muito provavelmente
você, em menos de 1 segundo, bolou uma história mental em sua cabeça sobre a
mulher, e muito provavelmente até imagina o que ela pode estar falando. Você
concluiu, mesmo que por ventura possam se mostrar falsas, diversas coisas sobre
a imagem em frações de segundo, não foi um processo cansativo e você nem se deu
conta dele.
Agora, e aqui
não é endereçado para eventuais gênios de matemática, qual é o resultado da
multiplicação 41 x 27? Tente achar a resposta sem usar uma calculadora. Você
irá perceber que terá que se esforçar, muito provavelmente resolverá o problema
em etapas. O seu coração provavelmente terá aumentando a freqüência cardíaca e
sua pupila deve ter dilatado. O seu corpo terá passado por uma forma leve de
stress.
Colegas, o
exemplo da mulher envolve a nossa forma mais intuitiva de analisar o mundo,
onde os processos são automatizados e não necessitam grandes esforços. Ele é
conhecido pelos cientistas como Sistema 1. O exemplo da conta de multiplicação
diz respeito a nossa forma mais racional e crítica de análise da realidade,
envolve esforço e pensamento concatenado. Ele é conhecido pelos cientistas como
Sistema 2.
O tema é
vasto, complexo e para mim interessantíssimo. Não irei me estender muito nas
diferenciações, mas que fique clara uma distinção: o Sistema 1 é feito por
processos mentais inconscientes que não necessitam quase nenhum esforço,
enquanto o Sistema 2 é operado por processos mentais conscientes que exigem
esforço do nosso cérebro.
O nosso
cérebro é preguiçoso, e é fácil entender o motivo. Quanto mais esforço se
necessita para realizar uma tarefa, mais energia se gasta. Energia, pelo menos
no nosso contexto evolutivo, sempre foi algo custoso de se conseguir. Portanto,
o nosso cérebro evoluiu para procurar as formas menos intensivas de uso de
energia para a solução de problemas. Por isso, desenvolvemos uma forma de
analisar o mundo de forma tão rápida e instantânea. Na maior parte do tempo num
mundo não muito complexo (como era o mundo em que nossos ancestrais viviam há
milhares de anos), faz todo sentido termos um sistema que opera por processos
mentais rápidos e com respostas aproximadas corretas. Assim, quer queiramos ou
não, muitas decisões nossas são tomadas de forma inconsciente por meio do Sistema
1.
Como o Sistema
1 não opera por meio de processos reflexivos, ele nos leva a cometer erros de
julgamentos. São esses erros que tentam ser explicados pela disciplina de
economia comportamental, por exemplo. O
Sistema 1 também nos faz ter alguns vieses de análise, e aqui chego ao tema
central desse artigo que é o viés de confirmação.
Já leu aquele
artigo sobre política que você achou que era brilhante, pois você concordava
com tudo? Ou aquela opinião sobre gestão ativa de uma carteira que você achou
excelente porque ia ao encontro do que você acha mais correto? É muito provável
que você esteja muito fortemente influenciado pelo viés de confirmação. Esse viés é a tendência do nosso cérebro de
dar muito mais peso a evidências ou informações que corroboram idéias nossas
prévias, do que evidências ou informações que vão de encontro ao que entendemos
por correto. O viés de confirmação está em todo lugar, e em tempos de
manifestações políticas e polarização social ele se manifesta com uma força impressionante.
Primeiramente,
o viés de confirmação é uma postura claramente anti-científica. Um cientista
não procura necessariamente evidências para corroborar a sua hipótese de
explicação de algum fenômeno natural. Ao contrário, ele tenta procurar
hipóteses, estou partindo do pressuposto que se está a fazer boa ciência, que
desmentem a sua tese. Isso não é trivial, essa é a forma mais poderosa de se
construir conhecimento humano, e não é por acaso que a Ciência fez o
conhecimento humano avançar exponencialmente nos últimos 500 anos. Assim, se houver 100 evidências confirmando
uma teoria física, mas uma negando, é provável que a teoria seja descartada.
Pensem nisso. É assim que agimos no nosso dia a dia em relação a idéias? Não,
não o é. Costumamos dar um peso imenso a informações que corroborem a nossa crença e quase nenhum peso, quando não ignoramos por completo, a informações que desmentem ou colocam fortes dúvidas sobre nossas convicções. Portanto, uma postura mais sábia é tentarmos trabalhar nossos cérebros
para termos uma postura mais científica na análise de questões.
Não é nada fácil Sabem o motivo, queridos leitores? Quando processamos uma informação que é
coerente com idéias já pré-estabelecidas nossas, o nosso cérebro não precisa se
esforçar, e há o que os cientistas chamam de conforto cognitivo, é o Sistema 1
em ação, é como subir até o décimo andar de um prédio de elevador e não de
escadas, é simplesmente mais confortável e fácil. Por seu turno, quando somos
confrontados com idéias diferentes das nossas, somos obrigados a chamar o
Sistema 2 em ação para fazer um esforço reflexivo de “defesa” de nossas idéias.
Isso é mais estressante para o nosso cérebro, causando o que os cientistas
chamam de desconforto cognitivo, é como subir pelas escada até o décimo andar, não
é fácil e nem confortável. Assim, o nosso cérebro anseia informações que
corroborem as nossas idéias prévias, pois é mais fácil, simples assim. Não
importa se nossas idéias são boas, ou se as informações são de boa qualidade.
Portanto, o viés de confirmação está implantado no nosso cérebro, e ele é intensificado
quanto mais preguiçosos intelectualmente nos tornamos.
O que você
acha que faz mais bem para a sua saúde: subir de escada ou de elevador? Pois é.
É a mesmíssima coisa com o nosso cérebro.
Quanto mais desafiamos nosso cérebro, mais forte e reflexivo ele se torna,
fazendo com que o nosso Sistema 2 seja mais fortalecido. Não há nenhum problema
com o Sistema 1, muito pelo contrário. Ele foi essencial a nossa evolução, e
ele é o motivo de você proteger automaticamente a sua cabeça ao perceber algum
barulho num galho de árvore acima de você, por exemplo. Você não precisa refletir sobre o
barulho, assim como nosso ancestral há milhares de anos agia bem melhor ao
fugir de um barulho estranho, que poderia ser um predador, do que refletir
sobre o que aquele barulho poderia significar. Porém, num mundo onde cada vez
mais a nossa racionalidade é exigida, confiarmos apenas em processos mentais
inconscientes não parece uma boa ideia, em finanças é uma péssima escolha.
Assim, a
convivência única com pessoas de idéias semelhantes, a leitura apenas de textos
com idéias com as quais você concorda, na bem da verdade é uma forma de empobrecimento
da nossa experiência no mundo, bem como uma chance perdida de evolução.
Portanto, antes de achar aquele texto com o qual você concordou com tudo
brilhante (e é sempre o que eu vejo), pense que muito provavelmente o texto não
te acrescentou absolutamente nada. Você ler ou não, em termos de evolução de
processos mentais, é quase a mesma coisa.
Quando você ler ( ou ouvir) sobre uma ideia com a qual você não concorda
prima facie, e achar mesmo assim o
texto bom, aí sim estará fazendo um grande progresso. Meu pai sempre me disse
desde os cinco/seis anos de idade que os livros que iriam realmente me fazer
evoluir eram aqueles com os quais eu iria concordar pouco. É claro que naquela
época eu não fazia a mínima ideia do que o meu pai queria dizer. Mal sabia que
a lição do meu pai estava em consonância com as descobertas mais recentes sobre
o nosso cérebro.
É isso
colegas, grande abraço a todos!
Excelente artigo Soul! Quer um exemplo real? Agenda de celular... Depois que inventaram a tal agenda de celular meu cérebro começou atrofiar, rs. Hoje é uma dificuldade para decorar número que vc nem imagina. E não é só número de telefone, é qualquer número.
ResponderExcluirExistem técnicas simples para colocar o cérebro para trabalhar, uma delas é fazer diferentes percursos casa-trabalho. Quando vc automatiza seu percurso é muito nocivo para o cérebro, mas se toma caminhos diferentes de tempos em tempos ele fica alerta.
Tempos atrás eu tive uma colisão com uma motocicleta em um cruzamento, tive uma certa desatenção mas tenho por mim que aquele percurso estava tão automatizado que eu já estava no piloto automático. Meu cérebro não estava alerta.
Existe um conceito interessante chamado Neuróbia criado por Larry Katz autor do livro Mantenha seu Cérebro Vivo. Basicamente é a "ginástica" do cérebro.
Segue um link interessante...
http://www.minhavida.com.br/bem-estar/galerias/11342-21-exercicios-de-neurobica-que-deixam-o-cerebro-afiado
Abraço!
Olá, UB!
ExcluirPrimeiramente, parabéns pelos 300 mil acessos. Um dia quero ter um blog com tantos acessos assim:) Você merece, sempre educado, tentando ajudar. Espero que esteja tudo bem contigo (presumo que o incidente com a motocicleta não tenha acarretado nenhum dano a você ou a terceiros) e com sua família (em especial o seu herdeiro).
Sobre o texto, grato pelo comentário. Quanto mais experts somos em uma determinada área, mais os processos de tomada de decisão vão ficando automatizados e sob influência do sistema 1. Porém, é sempre importante realmente exercitarmos nosso cérebro. Os exemplos citados por você são simples, mais eficientes. Aprender novas línguas é outro. Ou qualquer outra coisa que saia da sua rotina é uma boa forma de exercitar o cérebro e de quebra você ainda ganha novas habilidades.
Abração!
Valeu Sô.
ExcluirNão aconteceu nada com o motociclista nem comigo. Me senti muito culpado pois estava errado, mas procurei agir de forma correta após o incidente prestando todo o apoio, mas meu sentimento de culpa foi embora depois que o motociclista tentou me extorquir dinheiro, mas eu coloquei ele contra a parede e nunca mais o vi.
Obrigado pelas felicitações e bons desejos, por aqui está tudo bem com o Uó Jr, rs,..
Abraço!
Muito bom Soul! Aprendi um pouco sobre isso através dos meus estudos de inglês.
ResponderExcluirAbraço!
Olá, I. Inglês.
ExcluirO estudo de idiomas é uma boa forma de "cutucarmos" nosso sistema 2. É muito interessante, pois aprender uma nova língua exercita bastante o nosso cérebro.
Um abraço!
Excelente post, como sempre.
ResponderExcluirEu também me interesso muito por física.
Recomento assistir o seguinte vídeo https://www.youtube.com/watch?v=EjaGktVQdNg de Lawrence Krauss.
O ponto que ele levanta no minuto 48 em diante é muito interessante e mostra como o método científico pode ser limitante.
Eu sou um entusiasta do método científico.
Quando fiz introdução à economia na faculdade a professora questionou se economia é ciência. O ponto é que economia por muito tempo foi quase que uma retórica, onde um tenta convencer o outro que sua teoria é correta via argumentos sem evidências concretas.
Você é gaúcho, não?
Muitos blogs novos por aí. Poucos que valem a pena seguir. O teu certamente vale.
Abraço
Eduardo
Olá, Eduardo.
ExcluirNão, sou santista, nasci em Santos.
Obrigado, colega. Grato pelo comentário.
Abraço!
Estava tendo uma conversa sobre música e seu texto veio na hora certa! Mt obrigado por abordar esses temas não tão falados, são meus preferidos.
ResponderExcluirAbraço
Olá, colega.
ExcluirAgradeço o comentário.
Abraço.
Leia Daniel Kahneman - Rápido e Devagar. Você vai gostar....
ResponderExcluirGrato pela sugestão.
Excluirrisos...
ExcluirSoul...
ResponderExcluirDepois procure pelo professor Marcelo Peruzzo. Ele tem palestras no Facebook, e algumas no Youtube. O cara é um monstro. Tive um treinamento presencial com ele em SP, incrível.
Ele aborda conceitos extremamente interessantes, inclusive sobre o sistema 1 e o sistema 2. É sensacional!
Li